Direito Civil Comentado - Art. 970,
971
Da Caracterização e da Inscrição - VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Do
Direito de Empresa
Título
I – Do Empresário (Art. 966 ao 980) Da Caracterização e da Inscrição –
Art. 970. A lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado
e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição
e aos efeitos daí decorrentes.
Como visualiza Barbosa Filho, o presente artigo contém norma de
caráter programático, editada em perfeita correspondência com dois preceitos
constitucionais específicos. O inciso IX do art. 170 da Constituição da
República elegeu como um dos princípios básicos da ordem econômica o de
fornecer tratamento favorecido pra as empresas de pequeno porte, desde que sejam
constituídas de conformidade com a legislação nacional e mantenham sua sede e
administração no território brasileiro. O art. 185, parágrafo único, da Carta
Magna, também, de maneira genérica, preconizou tratamento legal especial para a
propriedade rural produtiva. Em atendimento ao primeiro preceito
constitucional, foi editada a Lei Complementar n. 123/2006 (Estatuto Nacional
da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), que revogou a Lei n. 9.841/99,
estabelecendo novos parâmetros de definição, adotando o mesmo critério já
cristalizado. Tomando como critério a renda bruta anual auferida, isto é, o
faturamento anual, a LC. 123/2006 qualificou, em seus arts. 3º e 68, como
pequeno empresário, o empresário individual (pessoa física) que aufere renda
bruta anual de até R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais); como microempresa, a
pessoa jurídica com receita bruta de até R$ 2.400.000.00 (dois milhões e
quatrocentos mil reais). Foram propostos regimes tributário, previdenciário e
trabalhista simplificados e apoio creditício para o exercício de suas
atividades. Estabelecidas várias exceções com o fim de evitar um rompimento com
os propósitos ditados pelo constituinte, afastando, por exemplo, as sociedades
por ações ou subsidiárias de outras da incidência do regramento especial; os
limites de enquadramento são reavaliados periodicamente, inclusive considerada
uma proporção mensal (§ 10 do referido art. 3º), permitindo-se, para o
arquivamento de atos constitutivos e suas alterações, a substituição de
certidões relativas a antecedentes criminais por simples declaração da
inexistência de impedimento ao exercício da atividade empresária e
dispensando-se a prova de quitação de débitos fiscais ou parafiscais (arts. 8º
a 10). A Lei n. 8.171/91, por sua vez, teve como finalidade, ao fixar os
princípios da política agrícola, atender ao segundo preceito constitucional
citado, enquanto, no âmbito previdenciário, a Lei n. 10.256/2001 forneceu
tratamento diferenciado aos empregadores rurais. Seja para os pequenos
empresários, enquadrados numa das duas categorias definidas pela Lei n.
9.841/99, seja para os empresários rurais, preconizam-se, portanto,
simplificação dos procedimentos necessários ao implemento de sua inscrição e
tratamento diferenciado quanto aos efeitos decorrentes desse mesmo ato de
registro. O texto legal, no entanto, não contempla um comando de imediata
aplicação, dependendo, por meio da legislação extravagante, de explicitação. (Marcelo
Fortes Barbosa Filho, apud Código
Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002.
Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 985 - Barueri,
SP: Manole, 2010. Acesso 13/05/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Conta o histórico de Ricardo Fiuza, este CC 970 ter sido objeto de
grande polêmica durante a tramitação do anteprojeto original, inclusive por que
abrangeu em um mesmo dispositivo os conceitos de empresário rural e de pequeno
empresário, figuras juridicamente distintas em nosso sistema de direito
positivo. Durante a tramitação do anteprojeto no Senado Federal, emenda da
autoria do Senador Gabriel Hermes, transformada em subemenda pelo
Relator-Federal, emenda da autoria do Senador Gabriel Hermes, transformada em
subemenda pelo Relator-Geral, de dar ao texto forma mais objetiva e concisa.
Isto porque, em justificação, constatou-se que o desenvolvimento acelerado da
atividade rural estava a recomendar, a curto prazo, sua progressiva sujeição
aos deveres e restrições impostas aos demais empresários. Na redação originária
do anteprojeto, o empresário rural era definido como aquele que exerce
“atividade destinada à produção agrícola, silvícola, pecuária e outras conexas,
como a que tenha por finalidade transformar ou alienar os respectivos produtos,
quando pertinentes aos serviços rurais”. Por outro lado, os elementos inerentes
ao conceito de pequeno empresário também podem alterar-se rapidamente, ao influxo
das mudanças que são típicas da atividade econômica, tal como ocorre no âmbito
de nossa legislação, que tem sido objeto de diversas alterações na definição da
microempresa e da empresa de pequeno porte, a exemplo da Lei n. 8.864/94,
substituída e revogada pela Lei n. 9.841/99.
Em sua doutrina, comenta
Fiuza, da atividade rural ou agrícola, que, historicamente, sempre foi regulada
pelo direito civil, considerada como função produtiva estranha à legislação
mercantil. Essa separação remonta ao período do feudalismo europeu, quando
havia nítida separação entre a propriedade imobiliária rural e a atividade
comercial dinâmica exercitada pela burguesia ascendente, que habitava as
cidades (burgos). O direito comercial moderno era, assim, um direito
essencialmente burguês, que se apresentava em contraposição à atividade rural,
de origem feudal. Desse modo, a atividade rural ou de exploração agrícola ou
pecuária sempre esteve submetida ao direito civil, regulada por um ramo
específico, denominado direito agrário. O agricultor ou pecuarista, assim, não
se enquadrava, inicialmente, como empresário. Ele adquire essa condição e passa
a ter sua atividade regulada pelo direito de empresa a partir de sua inscrição
facultativa no Registro Público de Empresas Mercantis (CC 971). A Lei n.
9.841/00, art. 2º), por sua vez, define como microempresa a pessoa jurídica e a
firma mercantil individual que tiver receita bruta anual igual ou inferior a R$
244.000,00, e, como empresa de pequeno porte, a pessoa jurídica e a firma
mercantil individual que, não enquadrada como microempresa, tiver receita bruta
anual superior a R$ 244.000,00 e igual ou inferior a R$ 1.200.000,00. A empresa
rural e o pequeno empresário, enquadrado este sob forma de microempresa ou
empresa de pequeno porte, deverão merecer, assim, tratamento diferenciado que
os favoreça no tocante a suas obrigações nos campos administrativo, tributário,
previdenciário, trabalhista, creditício e de desenvolvimento empresarial,
facilitando, mediante a simplificação de procedimentos, sua continuidade e
expansão. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p.
507, apud Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 13/05/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
O Informativo da Fiscalização n. 03/2012, fala da obrigatoriedade da
escrituração contábil.
Inúmeros são os dispositivos legais que tratam da obrigatoriedade de
elaboração da escrituração contábil regular de todas as empresas independente
do porte, enquadramento tributário ou situação fiscal (Constituição Federal;
Lei das S/A; Lei da Recuperação Judicial; Normas do CFC etc.), aqui lembramos
especialmente das NBC’s e dos CC 1.179, I e 1.180 da Lei n. 10.406/02 (CC):
Os dispositivos acima nominados são claros quanto à necessidade da
feitura da escrituração contábil, podendo ser dispensada nos casos do pequeno
empresário dito no artigo em comento.
O pequeno empresário aludido no CC 970, foi definido através da Lei
Complementar n. 123/06 no seu artigo 68, com alterações sofridas pela Lei
Complementar n. 139/11: “Art. 68. Considera-se pequeno empresário, para efeito
de aplicação do disposto nos arts. 970 e 1.179 da Lei n. 10.406/2002, o
empresário individual caracterizado como microempresa na forma desta Lei
Complementar que aufira a receita bruta anual até o limite previsto no § 1º do
art. 18-A.” (NR) que é R$ 60.000,00 a partir de janeiro de 2012.
Muito além da legislação hoje vigente, que a nosso ver é clara quanto à
obrigatoriedade da escrituração contábil, chamamos especial atenção quanto a
obrigação técnica e social do profissional militante na atividade contábil, no
que se refere ao seu comprometimento em desenvolver a atividade fim de sua
formação, ou seja, a própria CONTABILIDADE.
Tudo isso independente de qualquer dispensa fiscal que possa ser
conferida as empresas optantes por regimes diferenciados de tributação.
(O informativo da
fiscalização é elaborado pela Divisão de Fiscalização do CRC PR, com a coordenação das Vice-Presidências de Ética e Disciplina e de
Fiscalização, trazendo esclarecimentos aos profissionais de contabilidade dos
principais questionamentos recebidos. Acesso
13/05/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Art. 971. O empresário, cuja atividade rural constitua sua
principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968
e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis
da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para
todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro.
Na orientação de Barbosa Filho, entende-se, aqui, como atividade
rural aquela correspondente a uma sucessão encadeada e organização de atos,
cuja consecução se efetua por meio da agricultura, da pecuária, do
extrativismo, resultantes na produção e circulação de bens destinados ao
mercado. O conceito resguarda economicidade, pois não se trata, aqui,
simplesmente da atividade desenvolvida fora da zona urbana, ou seja, rústica,
mas daquela peculiar ao campo. Nesse sentido, o presente artigo provoca claro
alargamento dos limites do direito comercial e um rompimento com vários dos conceitos
antes viventes. O direito comercial nasceu na Baixa Idade Média e depois se
desenvolveu como um ramo privatístico especial, em razão da necessidade dos
mercadores de afastarem a incidência de normas próprias ao direito comum,
atreladas a fórmulas primárias de produção e incompatíveis com a incessante
busca do lucro e a realização de empreendimentos de escala. Por isso a
atividade rural, efetivada, inicialmente, sob regime feudal, vinculada à terra
e desfocada da circulação da riqueza móvel, sempre foi excluída do âmbito do
direito comercial.
Pretende-se, agora, mesmo que parcialmente, remodelar a disciplina
de tal atividade. Desde que estejam reunidos todos os elementos
caracterizadores da empresa, a pessoa física ou jurídica, de quem emana a
vontade criadora e dirigente da produção e circulação de bens oriundos da
atividade rural, enquadra-se como empresário e ostenta a faculdade de se
equiparar a todos os demais empresários, recebendo idêntico tratamento
jurídico. Para tanto, basta que seja efetuado um ato de registro perante a
Junta Comercial com atribuição específica sobre o local da sede eleita,
cumprindo-se no caso do empresário individual, o disposto no já examinado CC
968. Efetuada a inscrição, o empresário rural é aquinhoado com todos os
benefícios e assume todos os deveres comuns aos empresários, tais como
previstos nas normas componentes do direito comercial, excluindo a incidência
daquelas incluídas no direitos comum, o direito civil. (Marcelo
Fortes Barbosa Filho, apud Código
Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002.
Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 985-986 -
Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 13/05/2020. Revista e atualizada nesta data
por VD).
Por sua
vez, Ricardo Fiuza, em sua doutrina aponta que, de acordo com o CC 971, é
facultado a qualquer produtor rural organizar sua atividade econômica sob a
forma de empresas que, neste caso, pode ser tanto sob firma individual ou por
meio de sociedade empresaria, considerando que seu correspondente ato
constitutivo deve ser levado para arquivamento na Junta Comercial. Este
dispositivo equipara, para todos os efeitos legais, o exercício de atividade
rural por intermédio do empresário rural ou da sociedade empresaria rural,
quando a empresa tenha como objeto a exploração de atividade agrícola ou
pecuária e esta for economicamente dominante para quem a realiza, como
principal profissão e meio de sustento. A Lei das Sociedades por Ações (Lei n.
6.404/76, art. 22, § 1º), vale ressaltar, sempre submeteu à legislação
mercantil as empresas organizadas sob a forma de S/A, independentemente de seu
objeto social, inclusive para abranger as companhias agrícolas e pecuárias,
existentes em grande número em nosso país. O produtor rural que, mesmo
desempenhando atividade econômica agrícola ou pecuária, preferir não adotar a
forma de empresa rural permanecerá vinculado a regime jurídico próprio, como
pessoa física, inclusive para os efeitos da legislação tributária, trabalhista
e previdenciária, com responsabilidade ilimitada e com comprometimento direto
de seu patrimônio pessoal nas obrigações contraídas em razão do exercício de
sua atividade. Ele pode ainda optar por organizar sua atividade rural como
sociedade simples (CC 997 a 1.038), correspondente à antiga sociedade civil, a
qual adquire personalidade jurídica própria com o arquivamento de seus atos
constitutivos no cartório de registro civil das pessoas jurídicas. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p.
507, apud Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 13/05/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
O fazendeiro como
empresário rural, na visão de Reinaldo Marques da Silva, na promulgação da nova Lei de Falências
manteve o sistema até então vigente, a saber, a falência e a recuperação
judicial, bem como a extrajudicial que são aplicadas tão somente ao empresário
e à sociedade empresária.
O setor agrícola, por sua vez, há muito já se
queixava dos privilégios concedidos aos comerciantes. Por assim ser, em 1940, o
Decreto Lei 2.627 facultou ao fazendeiro, de pequeno ou grande porte, a opção
pelo regime comercial. Angariou, portanto, o fazendeiro, os privilégios antes
reservados aos comerciantes, devendo, todavia, arcar com os deveres da legislação
comercial, dentre eles, inscrever-se no Registro Público de Empresas Mercantis,
i.é, na Junta Comercial.
A legislação que se seguiu (parágrafo 1º do art. 2º
da Lei 6.404/76 e CC 971), confirmou e ampliou a opção do fazendeiro de assumir
a condição de empresário com todos os privilégios e deveres atinentes.
Assim, o empresário rural só gozará dos privilégios
da legislação mercantil, por exemplo, poder pedir falência e recuperação
judicial ou extrajudicial, se cumprir com todos os deveres previstos na legislação.
Nesse sentido:
“Apelação
cível. Pedido de falência. Produtor rural. Sujeição à lei nº 11.101/05.
Impossibilidade. Ausência de legitimidade passiva. O produtor tornar-se
empresário é faculdade prevista no art. 971, CC, de maneira que precisa proceder
sua inscrição na junta comercial. Requisito não observado. À unanimidade,
negaram provimento ao apelo” (Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul, Apelação Cível nº 70073481178, Sexta Câmara Cível, Desembargador
Relator Luís Augusto Coelho Braga, DJe 01/09/2017).
Cumpre ressaltar,
todavia, que o produtor rural, seja ele pessoa física ou pessoa jurídica
individual, continua sujeito, de forma ilimitada, salvo exceções, às obrigações
contraídas junto a terceiros. Daí porque, mais recomendável é o empresário
rural constituir sociedade limitada, ou seja, unir-se a um ou mais sócios, de
modo a limitar a responsabilidade de cada sócio ao valor de suas respectivas
quotas.
Assim, o empresário
rural terá, portanto, tratamento favorecido, contanto que arque com os deveres
que a legislação mercantil lhe impõe. Por isso, o fazendeiro deve bem ponderar
se está disposto a cumprir os deveres de empresário para só então ter direito
aos benefícios desta condição. (Reinaldo
Marques da Silva, elaborado e publicado em 08/2018, acessado no site Jus.com.br
em 13/05/2020, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
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