quarta-feira, 13 de maio de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 970, 971 Da Caracterização e da Inscrição - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 970, 971
Da Caracterização e da Inscrição - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Do Direito de Empresa
Título I – Do Empresário (Art. 966 ao 980) Da Caracterização e da Inscrição
– vargasdigitador.blogspot.com digitadorvargas@outlook.com

Art. 970. A lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes.

Como visualiza Barbosa Filho, o presente artigo contém norma de caráter programático, editada em perfeita correspondência com dois preceitos constitucionais específicos. O inciso IX do art. 170 da Constituição da República elegeu como um dos princípios básicos da ordem econômica o de fornecer tratamento favorecido pra as empresas de pequeno porte, desde que sejam constituídas de conformidade com a legislação nacional e mantenham sua sede e administração no território brasileiro. O art. 185, parágrafo único, da Carta Magna, também, de maneira genérica, preconizou tratamento legal especial para a propriedade rural produtiva. Em atendimento ao primeiro preceito constitucional, foi editada a Lei Complementar n. 123/2006 (Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), que revogou a Lei n. 9.841/99, estabelecendo novos parâmetros de definição, adotando o mesmo critério já cristalizado. Tomando como critério a renda bruta anual auferida, isto é, o faturamento anual, a LC. 123/2006 qualificou, em seus arts. 3º e 68, como pequeno empresário, o empresário individual (pessoa física) que aufere renda bruta anual de até R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais); como microempresa, a pessoa jurídica com receita bruta de até R$ 2.400.000.00 (dois milhões e quatrocentos mil reais). Foram propostos regimes tributário, previdenciário e trabalhista simplificados e apoio creditício para o exercício de suas atividades. Estabelecidas várias exceções com o fim de evitar um rompimento com os propósitos ditados pelo constituinte, afastando, por exemplo, as sociedades por ações ou subsidiárias de outras da incidência do regramento especial; os limites de enquadramento são reavaliados periodicamente, inclusive considerada uma proporção mensal (§ 10 do referido art. 3º), permitindo-se, para o arquivamento de atos constitutivos e suas alterações, a substituição de certidões relativas a antecedentes criminais por simples declaração da inexistência de impedimento ao exercício da atividade empresária e dispensando-se a prova de quitação de débitos fiscais ou parafiscais (arts. 8º a 10). A Lei n. 8.171/91, por sua vez, teve como finalidade, ao fixar os princípios da política agrícola, atender ao segundo preceito constitucional citado, enquanto, no âmbito previdenciário, a Lei n. 10.256/2001 forneceu tratamento diferenciado aos empregadores rurais. Seja para os pequenos empresários, enquadrados numa das duas categorias definidas pela Lei n. 9.841/99, seja para os empresários rurais, preconizam-se, portanto, simplificação dos procedimentos necessários ao implemento de sua inscrição e tratamento diferenciado quanto aos efeitos decorrentes desse mesmo ato de registro. O texto legal, no entanto, não contempla um comando de imediata aplicação, dependendo, por meio da legislação extravagante, de explicitação. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 985 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 13/05/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Conta o histórico de Ricardo Fiuza, este CC 970 ter sido objeto de grande polêmica durante a tramitação do anteprojeto original, inclusive por que abrangeu em um mesmo dispositivo os conceitos de empresário rural e de pequeno empresário, figuras juridicamente distintas em nosso sistema de direito positivo. Durante a tramitação do anteprojeto no Senado Federal, emenda da autoria do Senador Gabriel Hermes, transformada em subemenda pelo Relator-Federal, emenda da autoria do Senador Gabriel Hermes, transformada em subemenda pelo Relator-Geral, de dar ao texto forma mais objetiva e concisa. Isto porque, em justificação, constatou-se que o desenvolvimento acelerado da atividade rural estava a recomendar, a curto prazo, sua progressiva sujeição aos deveres e restrições impostas aos demais empresários. Na redação originária do anteprojeto, o empresário rural era definido como aquele que exerce “atividade destinada à produção agrícola, silvícola, pecuária e outras conexas, como a que tenha por finalidade transformar ou alienar os respectivos produtos, quando pertinentes aos serviços rurais”. Por outro lado, os elementos inerentes ao conceito de pequeno empresário também podem alterar-se rapidamente, ao influxo das mudanças que são típicas da atividade econômica, tal como ocorre no âmbito de nossa legislação, que tem sido objeto de diversas alterações na definição da microempresa e da empresa de pequeno porte, a exemplo da Lei n. 8.864/94, substituída e revogada pela Lei n. 9.841/99.

Em sua doutrina, comenta Fiuza, da atividade rural ou agrícola, que, historicamente, sempre foi regulada pelo direito civil, considerada como função produtiva estranha à legislação mercantil. Essa separação remonta ao período do feudalismo europeu, quando havia nítida separação entre a propriedade imobiliária rural e a atividade comercial dinâmica exercitada pela burguesia ascendente, que habitava as cidades (burgos). O direito comercial moderno era, assim, um direito essencialmente burguês, que se apresentava em contraposição à atividade rural, de origem feudal. Desse modo, a atividade rural ou de exploração agrícola ou pecuária sempre esteve submetida ao direito civil, regulada por um ramo específico, denominado direito agrário. O agricultor ou pecuarista, assim, não se enquadrava, inicialmente, como empresário. Ele adquire essa condição e passa a ter sua atividade regulada pelo direito de empresa a partir de sua inscrição facultativa no Registro Público de Empresas Mercantis (CC 971). A Lei n. 9.841/00, art. 2º), por sua vez, define como microempresa a pessoa jurídica e a firma mercantil individual que tiver receita bruta anual igual ou inferior a R$ 244.000,00, e, como empresa de pequeno porte, a pessoa jurídica e a firma mercantil individual que, não enquadrada como microempresa, tiver receita bruta anual superior a R$ 244.000,00 e igual ou inferior a R$ 1.200.000,00. A empresa rural e o pequeno empresário, enquadrado este sob forma de microempresa ou empresa de pequeno porte, deverão merecer, assim, tratamento diferenciado que os favoreça no tocante a suas obrigações nos campos administrativo, tributário, previdenciário, trabalhista, creditício e de desenvolvimento empresarial, facilitando, mediante a simplificação de procedimentos, sua continuidade e expansão. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 507, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 13/05/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

O Informativo da Fiscalização n. 03/2012, fala da obrigatoriedade da escrituração contábil.

Inúmeros são os dispositivos legais que tratam da obrigatoriedade de elaboração da escrituração contábil regular de todas as empresas independente do porte, enquadramento tributário ou situação fiscal (Constituição Federal; Lei das S/A; Lei da Recuperação Judicial; Normas do CFC etc.), aqui lembramos especialmente das NBC’s e dos CC 1.179, I e 1.180 da Lei n. 10.406/02 (CC):

Os dispositivos acima nominados são claros quanto à necessidade da feitura da escrituração contábil, podendo ser dispensada nos casos do pequeno empresário dito no artigo em comento.

O pequeno empresário aludido no CC 970, foi definido através da Lei Complementar n. 123/06 no seu artigo 68, com alterações sofridas pela Lei Complementar n. 139/11: “Art. 68. Considera-se pequeno empresário, para efeito de aplicação do disposto nos arts. 970 e 1.179 da Lei n. 10.406/2002, o empresário individual caracterizado como microempresa na forma desta Lei Complementar que aufira a receita bruta anual até o limite previsto no § 1º do art. 18-A.” (NR) que é R$ 60.000,00 a partir de janeiro de 2012.

Muito além da legislação hoje vigente, que a nosso ver é clara quanto à obrigatoriedade da escrituração contábil, chamamos especial atenção quanto a obrigação técnica e social do profissional militante na atividade contábil, no que se refere ao seu comprometimento em desenvolver a atividade fim de sua formação, ou seja, a própria CONTABILIDADE.

Tudo isso independente de qualquer dispensa fiscal que possa ser conferida as empresas optantes por regimes diferenciados de tributação.

(O informativo da fiscalização é elaborado pela Divisão de Fiscalização do CRC PR, com a coordenação das Vice-Presidências de Ética e Disciplina e de Fiscalização, trazendo esclarecimentos aos profissionais de contabilidade dos principais questionamentos recebidos. Acesso 13/05/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 971. O empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro.

Na orientação de Barbosa Filho, entende-se, aqui, como atividade rural aquela correspondente a uma sucessão encadeada e organização de atos, cuja consecução se efetua por meio da agricultura, da pecuária, do extrativismo, resultantes na produção e circulação de bens destinados ao mercado. O conceito resguarda economicidade, pois não se trata, aqui, simplesmente da atividade desenvolvida fora da zona urbana, ou seja, rústica, mas daquela peculiar ao campo. Nesse sentido, o presente artigo provoca claro alargamento dos limites do direito comercial e um rompimento com vários dos conceitos antes viventes. O direito comercial nasceu na Baixa Idade Média e depois se desenvolveu como um ramo privatístico especial, em razão da necessidade dos mercadores de afastarem a incidência de normas próprias ao direito comum, atreladas a fórmulas primárias de produção e incompatíveis com a incessante busca do lucro e a realização de empreendimentos de escala. Por isso a atividade rural, efetivada, inicialmente, sob regime feudal, vinculada à terra e desfocada da circulação da riqueza móvel, sempre foi excluída do âmbito do direito comercial.

Pretende-se, agora, mesmo que parcialmente, remodelar a disciplina de tal atividade. Desde que estejam reunidos todos os elementos caracterizadores da empresa, a pessoa física ou jurídica, de quem emana a vontade criadora e dirigente da produção e circulação de bens oriundos da atividade rural, enquadra-se como empresário e ostenta a faculdade de se equiparar a todos os demais empresários, recebendo idêntico tratamento jurídico. Para tanto, basta que seja efetuado um ato de registro perante a Junta Comercial com atribuição específica sobre o local da sede eleita, cumprindo-se no caso do empresário individual, o disposto no já examinado CC 968. Efetuada a inscrição, o empresário rural é aquinhoado com todos os benefícios e assume todos os deveres comuns aos empresários, tais como previstos nas normas componentes do direito comercial, excluindo a incidência daquelas incluídas no direitos comum, o direito civil. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 985-986 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 13/05/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Por sua vez, Ricardo Fiuza, em sua doutrina aponta que, de acordo com o CC 971, é facultado a qualquer produtor rural organizar sua atividade econômica sob a forma de empresas que, neste caso, pode ser tanto sob firma individual ou por meio de sociedade empresaria, considerando que seu correspondente ato constitutivo deve ser levado para arquivamento na Junta Comercial. Este dispositivo equipara, para todos os efeitos legais, o exercício de atividade rural por intermédio do empresário rural ou da sociedade empresaria rural, quando a empresa tenha como objeto a exploração de atividade agrícola ou pecuária e esta for economicamente dominante para quem a realiza, como principal profissão e meio de sustento. A Lei das Sociedades por Ações (Lei n. 6.404/76, art. 22, § 1º), vale ressaltar, sempre submeteu à legislação mercantil as empresas organizadas sob a forma de S/A, independentemente de seu objeto social, inclusive para abranger as companhias agrícolas e pecuárias, existentes em grande número em nosso país. O produtor rural que, mesmo desempenhando atividade econômica agrícola ou pecuária, preferir não adotar a forma de empresa rural permanecerá vinculado a regime jurídico próprio, como pessoa física, inclusive para os efeitos da legislação tributária, trabalhista e previdenciária, com responsabilidade ilimitada e com comprometimento direto de seu patrimônio pessoal nas obrigações contraídas em razão do exercício de sua atividade. Ele pode ainda optar por organizar sua atividade rural como sociedade simples (CC 997 a 1.038), correspondente à antiga sociedade civil, a qual adquire personalidade jurídica própria com o arquivamento de seus atos constitutivos no cartório de registro civil das pessoas jurídicas. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 507, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 13/05/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

O fazendeiro como empresário rural, na visão de Reinaldo Marques da Silva, na promulgação da nova Lei de Falências manteve o sistema até então vigente, a saber, a falência e a recuperação judicial, bem como a extrajudicial que são aplicadas tão somente ao empresário e à sociedade empresária.

 

O setor agrícola, por sua vez, há muito já se queixava dos privilégios concedidos aos comerciantes. Por assim ser, em 1940, o Decreto Lei 2.627 facultou ao fazendeiro, de pequeno ou grande porte, a opção pelo regime comercial. Angariou, portanto, o fazendeiro, os privilégios antes reservados aos comerciantes, devendo, todavia, arcar com os deveres da legislação comercial, dentre eles, inscrever-se no Registro Público de Empresas Mercantis, i.é, na Junta Comercial.

 

A legislação que se seguiu (parágrafo 1º do art. 2º da Lei 6.404/76 e CC 971), confirmou e ampliou a opção do fazendeiro de assumir a condição de empresário com todos os privilégios e deveres atinentes.

 

Assim, o empresário rural só gozará dos privilégios da legislação mercantil, por exemplo, poder pedir falência e recuperação judicial ou extrajudicial, se cumprir com todos os deveres previstos na legislação. Nesse sentido:

 

 “Apelação cível. Pedido de falência. Produtor rural. Sujeição à lei nº 11.101/05. Impossibilidade. Ausência de legitimidade passiva. O produtor tornar-se empresário é faculdade prevista no art. 971, CC, de maneira que precisa proceder sua inscrição na junta comercial. Requisito não observado. À unanimidade, negaram provimento ao apelo” (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação Cível nº 70073481178, Sexta Câmara Cível, Desembargador Relator Luís Augusto Coelho Braga, DJe 01/09/2017).
Cumpre ressaltar, todavia, que o produtor rural, seja ele pessoa física ou pessoa jurídica individual, continua sujeito, de forma ilimitada, salvo exceções, às obrigações contraídas junto a terceiros. Daí porque, mais recomendável é o empresário rural constituir sociedade limitada, ou seja, unir-se a um ou mais sócios, de modo a limitar a responsabilidade de cada sócio ao valor de suas respectivas quotas.
Assim, o empresário rural terá, portanto, tratamento favorecido, contanto que arque com os deveres que a legislação mercantil lhe impõe. Por isso, o fazendeiro deve bem ponderar se está disposto a cumprir os deveres de empresário para só então ter direito aos benefícios desta condição. (Reinaldo Marques da Silva, elaborado e publicado em 08/2018, acessado no site Jus.com.br em 13/05/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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