Direito Civil Comentado - Art. 975,
976, 977 - continua
Da Capacidade - VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Do
Direito de Empresa
Título
I – Do Empresário (Art. 966 ao 980) Capítulo II - Da Capacidade
Art. 975. Se o representante ou assistente do incapaz for
pessoa que, por disposição de lei, não puder exercer atividade de empresário,
nomeará, com a aprovação do juiz, um ou mais gerentes.
§ 1º. Do mesmo modo
será nomeado gerente em todos os casos em que o juiz entender ser conveniente.
§ 2º. A aprovação
do juiz não exime o representante ou assistente do menor ou do interdito da
responsabilidade pelos atos dos gerentes nomeados.
Na interpretação de Barbosa
Filho, considerada a hipótese consignada no artigo imediatamente antecedente,
de exercício da empresa por parte de incapaz, é conjugada a possibilidade de o
representante ou assistente (pai, tutor ou curador) ser impedido do exercício
da atividade empresarial e, portanto sob pena da configuração de ilícito, não
poder, concretamente, agir como dirigente da produção ou da circulação de bens
e serviços. Nesse caso, o próprio representante ou assistente deverá deixar de atuar
diretamente, designando um ou mais profissionais encarregados da efetiva
administração da empresa, chamados gerentes. Este gerentes exercem sua função
em caráter precário, por mio de celebração de contrato e sempre mediante
aprovação judicial individualizada, concedida para cada qual tendo em conta o
exame de sua idoneidade e qualificação técnica. O juiz pode, também, mesmo
descaracterizada a hipótese de impedimento, compelir o represente ou o
assistente a nomear gerentes, considerada a conveniência técnica ou gerencial
concreta. De qualquer forma, os gerentes, frise-se, são escolhidos pelo
representante ou assistente do incapaz e são eles os responsáveis in
elegendo pelos atos praticados por tais administradores, conferido ao juiz
um poder de veto, a fim de impedir a contratação de pessoas tidas como
inidôneas. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 988 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 15/05/2020. Revista e
atualizada nesta data por VD).
No histórico apresentado na página de Ricardo
Fiuza, a disposição do art. 975 não sofreu qualquer alteração durante a
tramitação do projeto no Congresso Nacional, ficando mantida sua redação
original. O Código Comercial de 1850 somente admitia a designação de um novo
gerente ou administrador de sociedade mercantil, na hipótese de falecimento de
sócio, caso este estivesse habilitado para o exercício de atividade comercial,
i.é, se pudesse ser qualificado juridicamente como comerciante (art. 309). Essa
nomeação era sempre dependente de autorização judicial. De acordo com o Código
civil de 116 (art. 1.403), também dependia de outorga judicial a participação
de herdeiro menor devidamente assistido para a continuidade da sociedade civil,
podendo o juiz decidir pela inviabilidade da manutenção do vínculo societário,
se presentes riscos patrimoniais que justificassem tal medida. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p.
510, apud Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 15/05/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Levando como título o
artigo “Da autoridade do juiz para nomear gerentes de empresa continuada por
incapaz” Pedro Ribeiro Agustoni Feilke, (graduando de Direito da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, postado no blog palcojuridico.blogspot.com.br,
em 11/2010, acessado em 15/05/2020, corrigido
e aplicadas as devidas atualizações VD),
faz uma análise sistemática sobre o CC 975, em comento.
(...) de fato, é
elogiável a posição assumida pelo legislador ao permitir a continuidade da
atividade empresarial em tais casos, uma vez que contribui com a economia do
país. De certa forma, é incontroverso o disposto do referido artigo e seus
respectivos parágrafos, não restando maiores dúvidas quanto à sua compreensão e
interpretação.
Contudo, no artigo
seguinte, CC 975, há uma falha na interpretação assumida por parte da Doutrina.
É letra da lei acima colacionada que, no caso de o representante ou assistente
do incapaz ser pessoa impossibilitada de exercer atividade empresarial, deverá
ser nomeado por este outro ou outros gerentes, com a aprovação do juiz. No
ponto mais polêmico do dispositivo sob comento, o parágrafo primeiro também
estende esta nomeação a “todos os casos em que o juiz entender ser
conveniente”. Então surte o ponto fulcral deste pequeno estudo.
Respeitada a doutrina
diversa, crê-se que o parágrafo primeiro do CC 975, em momento algum tem o
condão de dar livre-arbítrio ao juiz para escolher um gerente irrestritamente e
sem critério pré-definido. Este é o entendimento adotado por alguns juristas pátrios.
Sustentam, por meio de
interpretação vista como equivocada, que o expresso no parágrafo primeiro é um
mandamento que se sobrepõe ao restante do artigo, i.é, possui caráter
incondicional, podendo ser aplicada em qualquer oportunidade que o juiz entender
conveniente.
Primeiramente, partindo de argumentos puramente
semântico-interpretativos, entende-se ter sido o artigo em comento, inserido no
ordenamento para proteger o incapaz. Entretanto, tal proteção não é contra o
comportamento temerário do representante ou assistente impossibilitado de
exercer a atividade empresarial, mas sim uma forma de vencer tal impedimento do
seu representante ou assistente. Em outras palavras, o texto legal não visa à
proteção do incapaz contra o seu representante ou assistente, mas uma
alternativa de continuidade outra que a administração dos bens daquele por
estes.
Em tal contexto, é sugerido que o representante ou assistente do
incapaz atuará em seu melhor interesse, uma vez que é este o seu papel. Assim,
é o represente ou assiste do incapaz a pessoa indicada para nomear gerentes
para a administração da atividade empresária, conforme preleciona o caput
do CC 975.
Prosseguindo naturalmente tal raciocínio, o parágrafo único apenas dá
al juiz um poder maior de nomear gerentes em outras ocasiões, no entanto, poder
que não é absoluto, mas apenas de veto a gerente que não seja conveniente ao
magistrado.
Em síntese, ao juiz é conferido o poder amplo e irrestrito de veto à
nomeação de gerentes, sem critério de conveniência estabelecido previamente. No
entanto, não é dado ao magistrado a faculdade de iniciativa de escolha a fim de
nomear gerente não indicado pelo representante ou assistente do incapaz. Esta é
a orientação de todo nosso ordenamento direito civil e processual.
Por último, cabe reafirmar alguns pontos do referido
artigo. Como já mencionado, a intelecção do texto legal leva a crer que o
legislador pretendeu dar o poder de decisão do gerente ao representante do
incapaz, uma vez que este já foi escolhido por juiz da área cível, e não pode
representar uma ameaça aos interesses do incapaz, do contrário, estaria o ordenamento
jurídico pondo em cheque a decisão do juiz civil para contrapor a ela o juiz da
área empresarial.
A restrição feita no CC 975 e em seu parágrafo primeiro
nada tem a ver com a intenção, a integridade e o caráter do representante. O
que se está discutindo é a questão técnica, isto é, a capacidade técnica do
representante de exercer a atividade empresarial, e é isto que o juiz deve
analisar, uma vez que esta é a sua competência.
Deste modo, o caput do CC 975 quer garantir a
continuidade da atividade empresária nos casos em que a lei do Direito
Empresário proíbe o representante de atuar como tal. O parágrafo único do
referido artigo complementa o caput, estendo ao juiz um poder de avaliar a
impertinência do representante ou de eventual gerente nomeado de atuar como
empresário, em análise técnica, muito embora o critério de conveniência não
faça qualquer restrição ao magistrado.
O que não se pode aceitar, de certo, é a nomeação feita
livremente pelo juiz de eventual gerente, uma vez que tal ato destoaria por
completo do nosso ordenamento jurídico, sendo o juiz parte estranha e imparcial
no caso. O que pretendeu dizer o parágrafo único do CC 975 ao dispor que “será nomeado gerente em todos os casos que o
juiz entender ser conveniente”, é que independente da impossibilidade do
exercício da atividade empresária pelo representante do incapaz, o juiz pode
compeli-lo a nomear gerente, por critério de conveniência deixado à escolha
livre do magistrado.
Reforçando os argumentos ora esposados, o parágrafo
segundo do CC 975 dá a maior prova de que o gerente deve ser sempre e
invariavelmente nomeado pelo representante do incapaz (passando, claro, pelo
crivo de conveniência do juiz), uma vez que a este é imputada a
responsabilidade in eligendo pelos atos perpetrados pelo
gerente nomeado.
Ora, se conferíssemos ao juiz o poder de livre escolha de
um gerente e este nomeasse um que o representante sequer conhece, seria uma
afronta jurídica sem precedentes imputar uma responsabilidade in
eligendo ao representante que sequer escolheu o gerente! Neste sentido
é claro o parágrafo segundo do CC 975, ao ressalvar que, mesmo tendo o juiz
aprovado o gerente nomeado, a responsabilidade do representante ou assistente
não é elidida.
Entra em choque com a teoria pátria de reparação de dano,
neste particular, a ideia dos que defendem que cabe ao juiz este livre poder de
escolha. Como pode haver dever de reparação sem a existência de uma ação? Ou
esquecem os juristas empresariais que o Direito não é um mapa retalhado, onde
as diferentes áreas não se interpenetram, não sectorizam-se sem ligação alguma?
A tríade para a configuração de um dano ressarcível e o consequente dever de
reparação depende de uma ação ou omissão, um dano e um nexo causal.
Somente haveria um dano, sem ação do representante nem
tampouco nexo causal. Por estes motivos aqui esposados creio ser extremamente discutível
a posição dos que creem estar o juiz incumbido de um livre poder de escolha dos
gerentes da atividade empresária desenvolvida pelo incapaz. (Pedro
Ribeiro Agustoni Feilke, (graduando de Direito da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, postado no blog palcojuridico.blogspot.com.br,
em 11/2010, acessado em 15/05/2020, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD)
Art. 976. A prova da emancipação e da autorização do incapaz,
nos casos do art. 976, e a eventual revogação desta serão inscritas ou
averbadas no Registro Público de empresas Mercantis.
Parágrafo único. O uso da nova firma caberá, conforme o caso, ao
gerente; ou ao representante do incapaz; ou a este, quando não puder ser
autorizado.
Assim pensa Barbosa Filho que, visando ao regular exercício da
atividade empresarial, o incapaz, se menor, não tendo atingido ainda os dezoito
anos de idade, deverá obter sua emancipação, ganhando plena capacidade ou, em
todos os casos, pelo menos, uma autorização judicial, quando, então os pais ou
o tutor, respaldados na decisão prevista no CC 974, atuarão em nome e por conta
do incapaz ou, simplesmente, assisti-lo-ão quando da celebração de cada negócio
jurídico. Em qualquer das duas hipóteses, dada sua gravidade, exige-se a
documentação escrita. Se efetivada a emancipação, em correspondência com o
inciso I do parágrafo único do art. 5º, a certidão extraída do instrumento
público firmado pelos pais, da decisão judicial do assento de casamento ou
relativa à colação de grau em curso de ensino superior deverá ser apresentada à
Junta Comercial competente, visando a seu arquivamento, de modo a atestar,
totalmente, a plena capacidade civil. Se concedida autorização lastreada no CC
974, a certidão da decisão autorizativa será, da mesma forma, levada ao órgão
de registro público das empresas mercantis, assim como, diante da precariedade
de sua natureza, a mesma documentação decorrente de sua eventual revogação.
Efetivada a inscrição do incapaz, a firma, como demonstração da vinculação
efetiva quando da celebração dos negócios jurídicos, será utilizada pelo
representante do incapaz ou pelo gerente designado e, excepcionalmente, pelo
próprio incapaz, desde que sua incapacidade não seja absoluta, mediante
autorização específica, concreta e pontual de seu responsável, materializada,
também, em documento escrito. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 989 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso
15/05/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Segue-se o histórico que, da redação final deste dispositivo é a mesma
constante do projeto original, salvo emenda de redação apresentada pelo
Relator, para adequação da norma à vigente legislação do Registro Público de
Empresas Mercantis. Tem paralelo no Código Civil de 1916, que previa a emancipação
do menor por outorga dos pais ou pelo exercício de atividade mercantil (art.
92, § 1º, I e IV). O Código Comercial de 1850, por sua vez, regulava dois
regimes diferenciados para o exercício de atividade empresarial por parte de
menor com mais de dezoito anos: o regime de autorização, de natureza precária e
revogável (art. 1º, III, primeira parte), e o regime definitivo da emancipação,
cuja idade mínima foi reduzida em face do Código Civil de 1916 (art. 1º, n. 4,
segunda parte). A Lei n. 8.934/494 estabelece a obrigatoriedade de arquivamento
dos atos e documentos que, por determinação legal, como ocorre no caso de
autorização ou emancipação do menor empresário, sejam atribuídos ao Registro
Público de empresas Mercantis (art. 32, fl. e).
Na doutrina apontada por Ricardo Fiuza, o CC 976 enuncia que, em caso
de emancipação do menor empresário, o título ou documento de emancipação, que
deve constar de escritura pública, de natureza irrevogável, deve ser inscrito
na Junta Comercial. Quando ocorrer a hipótese de autorização, que é um ato
precário e revogável, esse ato de autorização será averbado na Junta Comercial.
O uso da firma, ou seja, o exercício dos poderes de gerência e administração da
empresa, caberá ao gerente designado pelo juiz, pelo representante do incapaz,
se habilitado para o exercício de atividade empresarial, ou, na hipótese de o
menor ser autorizado ou emancipado, a ele próprio. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 511, apud Maria Helena Diniz Código
Civil Comentado já impresso pdf 16ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 15/05/2020, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
Os itens 9 e 10 do Registro Público de Empresas, apontado por Rogério
Zompero, apresentando uma revisão
bibliográfica sobre as características mais relevantes da atividade
registrária, incluindo o tratamento dado aos novos tipos de sociedades
empresariais surgidas no país, a partir do item 2.9.2 – Das inconsistências nos atos de registro, apontam a
documentação necessária e a respeito da obrigatoriedade de emancipação nos
seguintes termos: 9) Documento de identificação:
Documentos admitidos - cédula de identidade, certificado de reservista,
carteira de identidade profissional, Carteira de Trabalho e Previdência Social
ou Carteira Nacional de Habilitação (modelo com base na Lei no 9.503, de
23/9/97). Se a pessoa for estrangeira, é exigida identidade com a prova de
visto permanente e dentro do período de sua validade ou documento fornecido pelo
Departamento de Polícia Federal, com a indicação do número do registro (Vide
Instrução Normativa DREI nº 10). A(s) cópia(s) do documento de identificação
deverão ser apresentadas em cópia autenticada; 10) Emancipação: Maior de 16 e
menor de 18 anos, apresentar Certidão de Emancipação em cópia autenticada ou
indicar sua forma (artigo 976, CC); Quando se tratar de Empresário é necessário
o arquivamento da respectiva Certidão de Emancipação (01 via original e as
demais em cópia autenticada) em requerimento próprio selecionando o ato
apropriado no Cadastro VRE. (Registro Público de Empresas, acessado no site jus.com.br. Acessado em
15/05/2020, publicado por Rogério Zompero em 02/2018, elaborado em 10/2015
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 977. Faculta-se aos cônjuges
contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no
regime de comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória.
No
entender de Barbosa Filho, o presente artigo encontra-se deslocado, visto não
conter regras próprias ao empresário individual, mas, isso sim, à validade da
contratação de sociedade para a formação do empresário coletivo quando os
sócios se qualificarem como cônjuges. Os sócios não são empresários e as regras
gerais acerca da contratação da sociedade constam dos CC 981 a 985. Abrange-se,
aqui, a hipótese de os contratantes serem unicamente o marido e a mulher, bem
como quando os dois cônjuges, em conjunto, celebram sociedade com terceiros,
permanecendo sócios entre si. Em geral, a contratação é permitida, podendo um
cônjuge figurar como sócio do outro. Com o fim de evitar seja a contratação da
sociedade mera ficção ou instrumento para a realização de fraudes, ficou
proibida, porém, a sociedade celebrada por cônjuges quando o regime de bens
adotado for o da comunhão universal de bens ou o da separação obrigatória. No
primeiro caso, ao casar, foi formado um único patrimônio, abarcando todos os
bens presentes e futuros dos cônjuges, enquanto, no segundo caso, afastada,
levando em consideração a condição pessoal dos cônjuges, a possibilidade de
qualquer confusão patrimonial, seria promovido um tangenciamento da incidência
das normas de específica proteção. A nova regra criou, inicialmente, certa
incerteza, pois, dado o silêncio da legislação pretérita, havia, no Brasil,
grande número de sociedades entre cônjuges, mesmo ante antigas discordâncias de
caráter doutrinário. As sociedades constituídas antes do início da vigência do
novo Código não foram atingidas, dado o princípio da preservação do ato
jurídico perfeito, inserido no art. 5º, XXXVI, da Constituição da República,
como o reconhecido pelo Departamento Nacional do Registro do Comércio (Parecer DNRC/Cojur n. 125/03, descartada, então, a
necessidade de alteração do quadro social ou do regime de bens adotado.
Apartado o problema intertemporal, considerada a prática de atos após o início
da vigência do Código de 2002, se, ao reverso, já tiver sido constituída a
sociedade e ocorrer a posterior celebração do matrimonio entre os sócios,
restará materializada uma hipótese de nulidade superveniente, o que implicará,
para a preservação da sociedade, na necessidade de adoção de regimes diferentes
dos vedados, fazendo-se lavrar pacto antenupcial, ou, de maneira mais radical,
da retirada de um dos nubentes. Problema interessante decorrerá, por fim,
quando os nubentes forem sócios e tiverem de assumir o regime obrigatório de
separação de bens (CC 1.641), pois surgem apenas duas opções: a) um dos
nubentes retirar-se-á da sociedade; b) será abandonada a ideia de celebrar o
casamento, surgindo uma situação de fato, que poderá culminar em uma união
estável. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 989/90 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 15/05/2020.
Revista e atualizada nesta data por VD).
De
acordo com histórico apresentado sem a doutrina de Ricardo Fiuza, o dispositivo
em questão não foi alvo de qualquer espécie de alteração quando da tramitação
do projeto do Código Civil no Congresso Nacional. Não tem precedente no Código
Civil de 1916. Na redação primitiva do Código Comercial de 1850 (art. 1º, n. 4)
a mulher casada somente poderia exercer atividade comercial, separadamente de
seu marido, se por este fosse autorizada. Com o novo regime jurídico regulado a
partir do Estatuto da Mulher Casada (Lei n. 4.121/62), com a instituição da
garantia da meação da mulher sobre o patrimônio do casal, a jurisprudência
passou a inclinar-se na direção da possibilidade jurídica da constituição de
sociedade comercial entre cônjuges. Essa orientação jurisprudencial dominante,
originária do Supremo Tribunal Federal, vem agora a ser reconhecida e
consagrada pelo Código Civil de 2002, em vigor. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 511, apud Maria
Helena Diniz Código Civil Comentado
já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 15/05/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Sob orientação do Dr. Stolze, uma sociedade formada por cônjuges de
acordo com o
Código Civil/2002, em seu CC 977, do Livro de
Direito de Empresa, dispõe ser "facultado aos cônjuges contratar
sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da
comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória".
Tal dispositivo, duramente criticado pela
doutrina, deverá causar controvérsias e colocar em difícil situação
determinadas sociedades que, há anos, atuam no mercado. Advirta-se, aliás, que
nos termos do seu art. 2031, "as associações, sociedades e fundações,
constituídas na forma das leis anteriores, terão o prazo de um ano para se
adaptarem às disposições deste Código, a partir da sua vigência",
abrindo-se igual prazo aos empresários.
Naquilo, pois, que os atos constitutivos
dessas pessoas jurídicas forem incompatíveis com a nova disciplina legal, o
legislador abriu o prazo de um ano para que se procedessem com as necessárias
modificações. Com isso, uma primeira interpretação do Código conduz à ideia de
que a sociedade formada com a presença de marido e mulher, desde que casados
sob o regime da comunhão universal ou da separação obrigatória, tem o prazo de
um ano para ter o seu contrato social modificado, com a saída de um ou de
outro, e o ingresso de um terceiro, sob pena de ser considerada ineficaz.
A impressão que se tem é de que a lei teria
"oficializado a figura do laranja". Tudo isso porque, inadvertidamente,
o legislador firmou uma espécie de "presunção de fraude" pelo simples
fato de os consortes constituírem sociedade, impondo-lhes o desfazimento da
sociedade, se forem casados sob os regimes referidos pelo CC 977.
Não concordamos com essa postura. A condição
de casados, por si só, ou a adoção deste ou daquele regime, não poderia
interferir na formação de uma sociedade, sob o argumento da existência de
fraude.
Toda fraude deve ser apreciada in concreto, e
não segundo critérios apriorísticos injustificadamente criados pelo legislador.
O que dizer, então, daquela sociedade formada
há anos por pessoas casadas em regime de comunhão universal de bens.
Desfazer-se da empresa. Providenciar um substituto às pressas?
Em nosso entendimento, a solução está na
alteração do regime de bens, desde que não haja prejuízo a terceiros de boa fé,
especialmente os credores.
Como sabemos, o 1639, § 2°, admite a
"alteração do regime, no curso do casamento, mediante autorização
judicial, em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das
razões invocadas, e ressalvados os direitos de terceiros".
Já defendemos, aliás, que, a despeito de o
art. 2.039 determinar que "o regime de bens nos casamentos celebrados na
vigência do Código Civil anterior, Lei n. 3.071, de 1° de janeiro de 1916, é
por ele estabelecido", esta regra apenas explicita que para os casamentos
anteriores ao Código de 2002, o juiz, quando da separação ou do divórcio, não
poderá lançar mão das regras do novo Código Civil referentes às espécies de
regimes de bens (arts. 1658 a 1688), para efeito de partilhar o patrimônio do
casal. Deverá, pois, aplicar ainda os dispositivos do Código de 1916 (arts. 262
a 311).
Entretanto, no que tange à sua modificação
(inovação do Código de 2002 – art. 1639), pelo fato de o regime de bens
consistir em uma instituição patrimonial de eficácia continuada, gerando
efeitos durante todo o tempo de subsistência da sociedade conjugal, até a sua
dissolução, a alteração poderá ocorrer mesmo em face de matrimônios anteriores
à nova lei (1).
Aliás, essa possibilidade de incidência do
Código novo em face de atos jurídicos já consumados, mas de execução continuada
ou diferida, apenas no que tange ao seu aspecto eficacial, não é surpresa,
consoante se pode constatar da análise do CC 2035 do presente Código, referente
aos contratos.
E note-se que mesmo as pessoas casadas sob o
regime de separação obrigatória poderão, excepcionalmente, e desde que o juiz
avalie a justa causa da medida, realizar a mudança do regime. Darei um exemplo.
Imagine que dois jovens se casem por força de suprimento judicial (art. 1517,
parágrafo único). Neste caso, o regime é o de separação obrigatória (art. 1641,
III). Teria sentido, pois, à luz da mudança de paradigmas proposta pelo novo
Código, que estas pessoas vivessem 40, 50 ou 60 anos unidos sob o
intransponível regime da separação obrigatória? Ou não poderia o julgador,
analisando com cautela o caso concreto, afastar a rigidez da norma e, sem
prejuízo aos terceiros de boa fé, permitir a modificação de regime? (2)
Por tudo que se expôs, concluímos que, mesmo
casados antes de 11 de janeiro de 2003 – data da entrada em vigor do novo
Código -, os cônjuges poderiam pleitear a modificação do regime, eis que os
seus efeitos jurídico-patrimoniais adentrariam a incidência do novo diploma,
submetendo-se às suas normas.
Tal providência se nos afigura bastante útil
especialmente para as centenas – senão milhares – de pessoas casadas sob o
regime de comunhão universal e que hajam estabelecido sociedade comercial antes
da entrada em vigor do novo Código.
É preciso, diante das perplexidades
existentes em inúmeros pontos do novo diploma, que afastemos formalismos
inúteis, visando imprimir plena eficácia à nova lei, sem prejuízo da dinâmica
das relações econômicas, e, principalmente, dos ditames constitucionais, a
exemplo da valorização social do trabalho e da livre iniciativa.
Por isso, defendemos a possibilidade da
mudança do regime de bens, a critério do magistrado, a quem se incumbe a tarefa
de avaliar, ouvido sempre o Ministério Público, em procedimento de jurisdição
graciosa e com ampla publicidade, a conveniência da medida.
NOTAS
1 - Este também é o pensamento de LUIZ EDSON
FACHIN e SILVIO DE SALVO VENOSA, consoante palestras ministradas pelos
ilustrados juristas na inauguração do Curso Satelitário IELF-PRIMA (SP), por
ocasião do Seminário sobre o Novo Código Civil coordenado por PABLO STOLZE
GAGLIANO.
2 - Assim pensa SILVIO VENOSA, segundo nos
foi passado pessoalmente pelo ilustre professor paulista, em consulta que
fizemos a respeito do tema.
(* Dr.
Pablo Stolze Gagliano é Juiz de Direito, professor
de Direito Civil da Faculdade de Direito da UFBA, professor de Direito Civil Convidado da EMAB, ESMIP e do Curso JusPodivm. Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, IRIB, Acesso
15/05/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
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