quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.172, 1.173, 1.174 - continua Do gerente - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 1.172, 1.173, 1.174 - continua
Do gerente - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Capítulo III –
Dos Prepostos (Art. 1.172 a 1.176) Seção II – Do Gerente –

Art. 1.172. Considera-se gerente o preposto permanente no exercício da empresa, na sede desta, ou em sucursal, filial ou agência.

Do preposto “gerente”, segundo Marcelo Fortes Barbosa Filho - O vocábulo “gerente”, antes utilizado para designar o administrador da sociedade personificada, ganhou, no texto do Código Civil de 2002, um significado diferente e mais técnico. O presente artigo anuncia as qualidades necessárias à caracterização cie um gerente. Trata-se de um preposto que atua, permanente e diretamente, com ou sem poderes de representação, na realização dos atos de empresa, obedecendo a diretrizes fornecidas por dado empresário individual ou coletivo para o adequado e correto desenvolvimento da produção e da circulação de bens ou serviços. Dentre os prepostos, o gerente merece especial realce. Ele ostenta posição destacada, atuando, mediante a conferência de poderes fundados em uma confiança profissional e objetiva, como os olhos e os braços de seu preponente. Mantém contato permanente com terceiros, negociando e viabilizando operações concretas, sempre no interesse do empresário, como se fosse este último o autor dos atos praticados. Nos estabelecimentos empresariais complexos, em que há descontinuidade geográfica e a formação de redes de atendimento ao público, a necessidade da participação dos gerentes na realização da atividade empresarial é marcante, ante as dificuldades de presença continuada e diuturna do empresário individual ou dos administradores da sociedade empresária. É, então, fixada uma atuação localizada, delimitada a uma parcela do estabelecimento, como é o caso de uma filial, de uma sucursal ou de uma agência, pois, ao contrário do administrador, o gerente não precisa remeter seus atos ao conjunto de toda a empresa, sendo comum uma delimitação estrita. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.125. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 20/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

A redação da norma, de acordo com o histórico, manteve o mesmo conteúdo do projeto original. Não tem precedente no Código de 1916. O Código Comercial de 1850 (art. 86) mandava aplicar aos feitores, como eram antigamente designados os gerentes, as disposições relativas ao mandato mercantil.

Em sua Doutrina Ricardo Fiuza segundo o Código atual denomina gerente o preposto permanente que responde pelos encargos de representação da empresa, com poderes de decisão para a prática de negócios. O sócio da empresa que exerce poderes de representação não mais é designado como gerente, passando agora a ser nominado como administrador ou diretor. Gerente é apenas o agente dependente, com vínculo empregatício, subordinado aos administradores ou ao titular da firma individual, mas com ascendência sobre os demais colaboradores da empresa no âmbito do estabelecimento-sede ou em sucursal, filial ou agência em que exercer suas funções. O gerente responde pelo exercício das atividades próprias da empresa no limite das atribuições que lhe sejam delegadas em instrumento de mandato específico. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 604, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/08/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na explanação de Bérith Lourenço Marques Santana, há muito, as empresas, tanto sociedades anônimas quanto limitadas, não são mais administradas por seus acionistas ou sócios quotistas, mas sim por profissionais altamente especializados, em diversas áreas do conhecimento, remunerados de formas extraordinárias e, muitas vezes, inclusive, com expressivas participações nos resultados empresariais. Nas sociedades anônimas, os profissionais eleitos pelas respectivas assembleias de acionistas para o exercício do cargo de direção já foram reconhecidos pela doutrina e pela jurisprudência dos tribunais do trabalho como não empregados, observados os preceitos da Lei 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas) e, em especial, os termos do Enunciado 269 do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

O Código Civil de 2002, por sua vez, regulou a figura do administrador de sociedades limitadas, seja sócio ou não da sociedade, por vezes com responsabilidades similares àquelas previstas para os diretores de sociedades anônimas, por exemplo, o dever de diligência – artigo 153 da Lei 6.404/76 e CC 1.011. Desde então, é comum a nomeação de administradores não sócios em sociedades limitadas, com a celebração da relação jurídica no corpo do próprio Contrato Social da sociedade, ou por intermédio de instrumento em separado levado à respectiva averbação, nos termos do CC 1.012, sem o reconhecimento concomitante de relação jurídica de emprego entre o profissional administrador e a empresa. Nesse contexto, o que se pretende discutir é a espécie de relação jurídica decorrente do trabalho de administração prestado por profissional não sócio para sociedade limitada, em especial a caracterização da relação jurídica de emprego entre a sociedade limitada e seu administrador não sócio. Isso porque, inicialmente, se poderia afirmar que a relação jurídica entre profissional que exerce a gestão administrativa em sociedade limitada é de natureza civil, consubstanciada no contrato de mandato, regulado pelos CC 653 até 692, conforme previsto no Parágrafo 2º do seu CC 1.011, que regula o exercício da administração em sociedades, vejamos: CC 1.011 – O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios. (…)


Parágrafo 2º – Aplicam-se à atividade dos administradores, no que couber, as disposições concernentes ao mandato. (grifo nosso). No entanto, por se tratar de uma relação de trabalho, entende-se que poderá haver caracterização do contrato de trabalho entre as partes, não obstante sua celebração sob a forma de contrato de mandato, nos termos do disposto legal acima transcrito. Ressalte-se, por oportuno, que são reconhecidas características similares entre o contrato de mandato e o contrato de trabalho, sendo certo que (i) admite-se a possibilidade de coexistência das relações jurídicas de emprego e mandato na mesma relação de trabalho do administrador e; (ii) entende-se que a relação jurídica de mandato poderá ser afastada, com o reconhecimento da relação jurídica de emprego, caso verificada a subordinação inerente ao contrato de trabalho no dia a dia da relação de trabalho do administrador não sócio. Nesse aspecto, é importante mencionar que, em contraposição ao posicionamento doutrinário no sentido da impossibilidade de coexistência das duas espécies contratuais em uma mesma relação de trabalho – contrato de mandato e de trabalho – é importante trazer ao conhecimento o ensinamento de João de Lima Teixeira Filho, em “Instituições de Direito do Trabalho”, Volume I, 21ª Edição, Editora LTr, Página 314, vejamos: “Toda essa discussão parece hoje superada. De fato o empregado, já vinculado ao empregador por um contrato de trabalho, pode receber deste um mandato para administrar interesses. São coisas separadas e inconfundíveis. O Novo Código Civil repetiu a regra do anterior (art. 1.288), que dizia: “Opera-se o mandato, quando alguém recebe de outrem poderes, para, em seu nome, praticar atos, ou administrar interesses”. Mas acrescentou: “A procuração é o instrumento do mandato” (CC 653), o que deixa evidente que só haverá mandato se houver procuração para praticar ato ou administrar interesses, não para prestar serviços numa relação contratual subordinada”. Todo esse debate doutrinário permite afirmar que é considerável o risco de os tribunais do trabalho brasileiro admitirem a coexistência das duas espécies contratuais decorrentes da mesma prestação de trabalho do profissional na qualidade de administrador.


Nesse sentido, inicialmente, veja-se o CC 653, que define o que é o contrato de mandato: Artigo 653 – Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato. Dessa forma, é possível concluir que aquele que recebeu poderes – mandatário – pratica, em nome daquele que outorgou poderes – mandante – atos que geram direitos e obrigações ao mandante perante terceiros, como se o mandante tivesse feito parte pessoalmente do negócio celebrado por intermédio do mandatário. Os principais deveres do mandatário são: (i) a execução do mandato de acordo com as instruções, poderes e a natureza do negócio que se deve executar; (ii) manter o mandante informado sobre os negócios objeto do contrato de mandato; (iii) indenizar o mandante por prejuízo que tenha dado causa por culpa própria ou do substabelecido sem autorização do mandante e; (iv) prestar contas de sua gerência ao mandante, transferindo-lhes as vantagens decorrentes do mandato.

O mandatário, por sua vez, está obrigado, principalmente: (i) a pagar a remuneração ajustada em razão do contrato de mandato e; (ii) adiantar ou reembolsar despesas necessárias para a execução do contrato de mandato. Ressalte-se que a procuração é o instrumento pelo qual se aperfeiçoa o contrato de mandato, entendendo-se como tal a outorga verbal – autorizada por lei em algumas hipóteses –, ou por escrito – por instrumento público ou privado, nos termos do artigo 653 do Código Civil.

Por outro lado, a caracterização do contrato de trabalho segue as definições de empregador e empregado, conforme preceituado nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), veja: Artigo 2º – Considera-se empregador a empresa individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços; Artigo 3º – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

A definição do artigo 2º da CLT é autoexplicativa, mas deve-se dizer que como principais obrigações do empregador estão: (i) a assunção de riscos da atividade – custos, prejuízos e o comando do trabalho, inclusive, danos causados a terceiros por consequência de condutas do trabalhador contratado e; (ii) o pagamento de salários. E, ainda que igualmente autoexplicativa a definição do artigo 3º da CLT, deve-se mencionar que as principais obrigações do empregado são: (i) prestar o trabalho contratado e; (ii) a dependência – subordinação – ao poder de direção do empregador no que tange aos aspectos do contrato de trabalho. O contrato de trabalho se aperfeiçoa de forma escrita ou verbal, tácita ou expressa, nos termos dos artigos 442 e 443 da CLT, o que significa dizer que, ao contrário da regra geral do contrato de mandato, não necessita de forma específica. Note-se, nesse contexto, que as obrigações inerentes ao mandante e ao empregador são, de certa forma, similares, pois enquanto o outorgante assume custos e riscos perante terceiros pelo negócio celebrado por intermédio do outorgado, o empregador, igualmente, assume custos e riscos perante terceiros decorrentes de atos de seus empregados. Entretanto, há um aspecto essencial a diferenciar o mandatário e o empregado, especificamente, a subordinação, requisito fundamental para a caracterização do contrato de trabalho, em detrimento do contrato de mandato ou, até mesmo, para a aceitação da coexistência de ambos em uma mesma relação de trabalho. Ressalte-se que, não há como se admitir a subordinação na relação de trabalho decorrente de contrato de mandato – de forma a se considerar nulo esse último e se declarar a relação jurídica de contrato de emprego – meramente pela obrigação do outorgado de prestar informações e contas ao outorgante sobre os atos praticados na defesa dos interesses deste último. Nesse sentido a doutrina está sedimentada, valendo trazer ao debate breve assertiva do saudoso Ministro Arnaldo Süssekind, ao diferenciar contrato de trabalho e contrato de mandato, em “Instituições de Direito do Trabalho”, Volume I, 21ª Edição, Editora LTr, Página 313, observe-se: (…) a propósito da distinção entre contrato de trabalho e mandato – que “convém recorrer, mais uma vez, ao critério do vínculo de subordinação”, advertindo, contudo, que “cumpre evitar o erro de confundir subordinação com a obrigação de prestar conta”, que incumbe ao mandatário. (Grifo nosso). 

Por outro lado, a princípio, também não há como se admitir a inexistência de subordinação na relação de trabalho, de forma a caracterizar o contrato de mandato, apenas pela alegação de que o profissional não sócio nomeado administrador, que se pretende considerar mandatário outorgado, detém amplos poderes para gestão do negócio. Isso porque, a CLT, quando trata das jornadas de trabalho, em seu capítulo II, artigo 59 e seguintes, exclui dos regimes comuns de duração do trabalho, no inciso II do seu artigo 62, os empregados que exercem cargo de gerência, preceito legal este que serviu à doutrina para a conceituação do que se denominou de cargo de confiança, vejamos: Artigo 62 – Não são abrangidos por esse regime:

(…) II – os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial. (Grifo nosso). Isso significa que o amplo poder de gestão pode estar presente na relação jurídica de emprego, quando o empregado exerce cargo de confiança, dirigindo a atividade econômica e confundindo sua atuação com a própria figura de empregador, mas não necessariamente afastando por completo a subordinação inerente ao contrato de trabalho. Vale trazer ao conhecimento comentário de Valentin Carrion, acerca dos requisitos para a caracterização do exercício de cargo de confiança, em “Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho”, 30ª Edição, Editora Saraiva, Página 119, veja: Gerente - O conceito legal supra, art. 62, II, é o mais próximo que se possui para cargo de confiança, não obstante possa haver outros cargos de confiança, raros (o art. 499 o menciona). A denominação utilizada na empresa não é importante; a gerência pode ser no campo administrativo somente (em grandes ou pequenas empresa) ou no administrativo e no técnico (geralmente só nas médias e grandes empresas) (…) “o que vale é o poder de autonomia nas opções importantes a serem tomadas, poder este em que o empregado se substitui ao empregador”, (Grifo nosso). 

Diante disso, cumpre então adentrar-se na verificação acerca da conceituação da subordinação inerente ao contrato de trabalho: O artigo 3º da CLT, ao definir empregado, conforme já mencionado acima, exige como requisito a dependência deste em relação ao empregador, sendo certo, entretanto, que não define as espécies do gênero “dependência”. Por isso, muitos doutrinadores entendem que, como dependência, deve ser entendida, simultaneamente, tanto a subordinação econômica quanto jurídica do empregado ao empregador, enquanto outros apenas aceitam a subordinação jurídica como existente no âmbito do contrato de trabalho. Isso porque, a subordinação – dependência – econômica pode existir sem que se tenha a relação jurídica de contrato de trabalho – por exemplo, a título ilustrativo, dependência econômica no contrato de mandato. Ou, ainda, afirmar-se que o contrato de trabalho pode existir sem que o empregado tenha dependência econômica em relação ao empregador, i. é, o empregado detentor de patrimônio suficiente para não depender do salário pago pelo empregador para sua sobrevivência. Nesse cenário, adira-se à corrente, que entende que a subordinação do contrato de trabalho é jurídica e, nesse sentido, cite-se mais uma vez o saudoso Ministro Arnaldo Süssekind, em “Instituições de Direito do Trabalho”, Volume I, 21ª Edição, Editora LTr, Página 242, veja: “Mas a subordinação do empregado é jurídica, porque resulta de um contrato: nele encontra seu fundamento e seus limites (…)” Tem razão, portanto, Sanseverino, quando frisa que a subordinação própria do contrato de trabalho não sujeita ao empregador toda a pessoa do empregado, sendo, como é, limitada ao âmbito da execução do trabalho contratado.


Por conseguinte, cumpre trazer ao conhecimento os aspectos relativos à subordinação jurídica decorrente do contrato de trabalho, especificamente relacionada com: (i) o poder de comando do empregador – determinação das condições e do trabalho a ser realizado, observados limites legais e contratuais; (ii) controle – fiscalização do cumprimento das determinações acerca das condições e do trabalho e; (iii) aplicação de sanções disciplinares pelo não cumprimento das determinações. A tradução desses aspectos mais uma vez é do Ministro Arnaldo Süssekind, em “Instituições de Direito do Trabalho”, Volume I, 21ª Edição, Editora LTr, Página 243, veja-se:Ao direito do empregador de dirigir e comandar a atuação concreta do empregado corresponde o dever de obediência por parte deste; ao direito de controle correspondem os deveres de obediência, diligência e fidelidade.Ocorre que, no mundo moderno, com a constante profissionalização das empresas em detrimento das administrações executadas diretamente pelos sócios do negócio, tornou-se difícil a identificação da subordinação no caso dos grandes executivos, sendo certo que essa peculiaridade, por si só, não afasta o reconhecimento do contrato de trabalho em casos de grandes executivos. A esse respeito, vale citar Valentin Carrion, em “Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho”, 30ª Edição, Editora Saraiva, Página 38, em foco:Entretanto, há casos em que a subordinação de fato não é visível, restando em estado potencial (trabalho em que o próprio resultado da atividade evidencia a aceitação das normas prefixadas e a quantidade de produção; altos empregados). Há autores que abandonam o critério da subordinação, preferindo caracterizá-lo simplesmente por “trabalho por conta alheia para organização ou empresa” (Alonso Olea, “Introducción al derecho del trabajo”); “o trabalho por conta alheia ou para outrem, que torna seus, direta e indiretamente, os frutos materiais e imateriais do mesmo trabalho, remunerando-os. (Idem, LTr 38/789, 1974). O Direito do Trabalho incide sobre trabalhadores cujo vínculo de subordinação é tênue; (grifo nosso). Segundo entendimento do autor, quem melhor traduziu essa dificuldade de identificação da subordinação nas relações de trabalho entre empresas e altos executivos foi Amauri Mascaro Nascimento, em “Curso de Direito do Trabalho”, 19ª Edição, Editora Saraiva, Página 597:Toda dificuldade resulta do fato de agirem como representantes do próprio empregador e com um poder de iniciativa muito grande, a ponto de serem responsáveis pela marcha do negócio.No entanto, ainda que possa ser considerada de difícil identificação, a subordinação é, sem margem de dúvidas, o requisito fundamental para a definição da relação jurídica de emprego em detrimento de qualquer outra da qual se revista a relação jurídica no seu aspecto formal. E, sendo assim, para a análise do requisito subordinação, é necessária a verificação dos poderes conferidos aos administradores não sócios de sociedades limitadas, sendo certo que a menção à investidura de “plenos poderes” ao administrador permite, a princípio, deduzir que não haveria nessa relação jurídica a subordinação inerente ao contrato de trabalho. No entanto, caso se verifique limitações aos “plenos poderes” dos administradores – para atos como alienar, transigir, hipotecar, levantar dinheiro, substabelecer, emitir nota promissória, renunciar direito, transmitir dívidas, fazer doação, fazer novação, dar fiança, emitir cheque – pode-se afirmar que estará caracterizada a espécie ordinária da administração dos interesses da empresa, que não contempla atos considerados pelo legislador como de extremo comprometimento. (Bérith Lourenço Marques Santana, editado em 23 de maio de 2013 em editorajc.com.br, Justiça & Cidadania, artigo intitulado: A relação jurídica do administrador não sócio com a sociedade limitada sob a ótica do direito do trabalho, Acessado 20/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).


Art. 1.173. Quando a lei não exigir poderes especiais, considera-se o gerente autorizado a praticar todos os atos necessários ao exercício dos poderes que lhe foram outorgados.

Parágrafo único. Na falta de estipulação diversa, consideram-se solidários os poderes conferidos a dois ou mais gerentes.

Sob escrutínio de Marcelo Fortes Barbosa Filho, Ao gerente, o empresário pode dar uma autorização genérica para a prática de quaisquer atos ticios como necessários ao pleno desempenho dos encargos conferidos. Tal outorga de poderes pode ser formalizada por meio de um instrumento, mas, em geral, é feita informalmente, persistindo uma simples conferência verbal de atribuições e ficando o gerente imediatamente incumbido da prática de atos de organização interna ou, ainda, de operações envolvendo terceiros. Entre os atos passíveis de serem atribuídos ao gerente, alguns dizem respeito à disposição, mediante alienação ou modificação, de direitos e merecem ressalva legal ou convencional, por sua especificidade e importância, exigindo a conferência de poderes especiais e impondo uma explícita declaração do preponente, mas se trata, evidentemente, de situações de caráter excepcional. Ademais, o parágrafo único prevê, também, a possibilidade de, subsistindo vários gerentes, serem cumulados os poderes conferidos, o que se presume, ou serem repartidas e delimitadas áreas de atuação específicas. De fato, a complexidade das situações concretas pode exigir a pluralidade de gerentes, sendo os poderes de cada qual sempre conferidos de acordo com a conveniência do empresário-preponente, que emitirá as determinações necessárias ou oportunas. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.126. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 20/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na visão de Ricardo Fiuza, os poderes de representação e para a realização de negócios são outorgados ao gerente mediante procuração por instrumento público ou particular O instrumento de mandato deve especificar que poderes terá o gerente, devendo este agir somente de acordo com os poderes que lhe foram confiados. A lei, todavia, poderá exigir a outorga de poderes especiais e expressos para a prática de determinados atos, tal como ocorre nos processos de licitação pública (Lei n. 8.666/93), que exigem a delegação de poderes específicos de representação para agir em nome da empresa. Se em um mesmo instrumento de mandato forem delegados poderes para dois ou mais gerentes, não havendo previsão expressa, presume-se que existirá solidariedade entre eles, ainda que o ato ou negócio tenha sido praticado somente por um deles. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 605, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/08/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Seguindo com Bérith Lourenço Marques Santana, nesse contexto, no âmbito do poder da administração ordinária, quando não há outorga de poderes especiais, ou quando há limitações na outorga de poderes especiais para o administrador, em nossa opinião é possível concluir pela subordinação desse profissional nomeado administrador em relação à sociedade limitada. Mas é o próprio Código Civil, nos CC 1.172 e 1.173, que informa quem pode ser o gestor da sociedade com poderes limitados, veja: Artigo 1.172 – Considera-se gerente o preposto permanente no exercício da empresa, na sede desta, ou em sucursal, filial ou agência; Art. 1.173 – Quando a lei não exigir poderes especiais, considera-se o gerente autorizado a praticar todos os atos necessários ao exercício dos poderes que lhe foram outorgados.

Na verdade, para o Código Civil, o preposto permanente no exercício da empresa, com limitação de poderes de gestão, é considerado gerente; o qual, para o direito do trabalho, é o empregado investido em cargo de confiança. Além disso, nas hipóteses em que o administrador responde, ou tem seus atos fiscalizados e limitados pelos sócios, ou por um conselho diretivo, pode-se afirmar que, mais uma vez, apresenta-se um elemento caracterizador da subordinação. Nesse sentido, cumpre mais uma vez trazer ao conhecimento os ensinamentos de Amauri Mascaro Nascimento, em “Curso de Direito do Trabalho”, 19ª Edição, Editora Saraiva, Página 600, Leia-se: “Razões dessa ordem têm influído no posicionamento de doutrinadores trabalhistas, com reflexos sobre os juízes, ao sustentarem a tese, exemplificada na afirmação de Octávio Bueno Magano (“Manual de Direito do Trabalho”, São Paulo, LTr, 1981, v.2, p. 119), segundo a qual os diretores são subordinados ao conselho de administração e por tal motivo hão de ser, necessariamente, classificados como empregados, já que a subordinação é o traço característico do contrato de trabalho”. (Grifo nosso). Por fim, cumpre ressaltar que as previsões legais destinadas aos administradores de sociedades limitadas servem para regular as relações – direitos e obrigações – desses profissionais perante as sociedades e terceiros, assim como as suas responsabilidades no exercício da administração. Isso significa dizer que os direitos e obrigações desses profissionais em relação às sociedades, no âmbito da legislação do trabalho, não são excluídos pela legislação civil, mas coexistem dentro da órbita sistemática jurídica. Considerando os fundamentos apresentados, está claro que as sociedades limitadas que não consideram como empregados os profissionais que exercem a sua administração sem poderes especiais, ou com limitação de poderes especiais, estão sujeitas aos riscos de constituição de passivos trabalhista, previdenciário e fiscal, tanto na esfera natureza administrativa quanto judicial. (Bérith Lourenço Marques Santana, editado em 23 de maio de 2013 em editorajc.com.br, Justiça & Cidadania, artigo intitulado: A relação jurídica do administrador não sócio com a sociedade limitada sob a ótica do direito do trabalho, Acessado 20/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 1.174. As limitações contidas na outorga de poderes, para serem opostas a terceiros, dependem do arquivamento e averbação do instrumento no Registro Público de Empresas Mercantis, salvo se provado serem conhecidas da pessoa que tratou com o gerente.

Parágrafo único. Para o mesmo efeito e com idêntica ressalva, deve a modificação ou revogação do mandato ser arquivada e averbada no Registro Publico de Empresa Mercantis.

No lecionar de Marcelo Fortes Barbosa Filho, o empresário-preponente pode atribuir ao gerente-preposto a qualidade de seu representante e, de acordo com sua conveniência concreta, como decorre do parágrafo único do artigo anterior, delimitar o âmbito de eficácia de tal representação. As balizas precisam ser expressas, ficando patente, ante a redação legal adotada, a preocupação de estabelecer regras relativas à responsabilidade decorrente dos atos praticados com abuso ou excesso de poderes, equilibrando as posições do empresário-preponente, o representado, e dos terceiros eventualmente prejudicados. Ultrapassados os limites estabelecidos para a atuação de dado gerente e, portanto, concluídos atos exorbitantes, não há como questionar a própria responsabilidade do preposto, o autor de um ilícito; mas como é, então, definida a posição do empresário, tal responsabilidade pode subsistir, ou não, conforme tenham sido tomadas providências prévias e necessárias à plena divulgação dos limites da representação e esteja presente, ou não, a boa-fé do terceiro prejudicado. Com efeito, desde que a representação tenha sido instrumentalizada por um documento escrito, levado a registro público perante a Junta Comercial onde for mantida sua inscrição, a responsabilidade do preponente será afastada. Forma-se uma presunção absoluta do conhecimento das limitações expressamente impostas, ficando o preponente imune aos resultados danosos da violação do ajuste concreto dessa mesma representação. Trata-se de uma primeira regra legal. Se não houver, no entanto, sido promovido, mediante arquivamento (art. 32, II, e, da Lei n. 8.934/94), o registro do instrumento de representação, o preponente responderá pelos excessos perpetrados pelo preposto, tendo em conta a aparência de licitude gerada, o que conforma uma segunda regra. Induz-se, assim, a solidariedade passiva, resguardando os terceiros prejudicados. Somente o conhecimento contemporâneo da natureza exorbitante do ato perpetrado pelo gerente, i. é, a má-fé do terceiro prejudicado, demonstrada a ausência de aparência a ser tutelada, exclui, também, a responsabilidade do empresário-preponente. O parágrafo único reforça essas duas regras e estende sua aplicação à modificação dos poderes do gerente-preposto, derivada da fixação de novos limites de atuação, bem como à pura e simples revogação de tais poderes. Diante da modificação ou da extinção da representação, a divulgação registrária isenta o preponente de responsabilidade pela atuação do preposto, salvaguardada, quando ausente o necessário arquivamento, a aparência. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.127. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 20/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como esclarece Ricardo Fiuza em sua doutrina, de acordo com este dispositivo, toma-se obrigatório o arquivamento e averbação do instrumento de mandato do gerente no Registro Público de Empresas Mercantis, para que os limites dos poderes conferidos possam ser opostos pelos titulares da empresa perante terceiros. A Lei n. 8.934494 não exige o arquivamento das procurações de outorga de poderes de gerência, tal como era previsto na antiga Lei do Registro do Comércio (Lei n. 4.726/ 65), exigência agora revigorada pelo Código Civil de 2002. Na hipótese de a pessoa que realizou negócio com o gerente ter ciência da limitação de seus poderes, e somente nesse caso, não se afigura Obrigatório o arquivamento do instrumento de mandato. Para a produção dos mesmos efeitos perante terceiros, qualquer alteração nos poderes delegados ou a própria revogação do mandato deverá ser arquivada e averbada à margem da inscrição da empresa no Registro Público de Empresas Mercantis. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 605, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/08/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em artigo publicado por Paula Moura Francesconi de Lemos Pereira, intitulada “A Responsabilidade Da Sociedade Empresária E Do Empresário Pelos Atos Dos Administradores, A sociedade empresária e o empresário agem por intermédio de seus administradores, gerentes e prepostos, os quais têm relevante papel na vida interna e externa da empresa. É por meio deles que as pessoas jurídicas celebram negócios   jurídicos necessários para atingir seus objetos sociais. Todavia, nem sempre os atos praticados em nome da sociedade empresária por meio de seus administradores, gerentes, se coadunam com seu objeto social e muitas vezes são praticados com excesso de poderes. Nessas hipóteses surge a seguinte indagação: a sociedade empresária e o empresário são responsáveis por esses atos? A resposta  a  essa  pergunta  decorre  da  aplicação  de  duas  teorias: a  teoria  do  ato ultra vires, e a teoria da aparência, que apesar da aparente colisão convivem de forma harmônica no ordenamento  jurídico  fático.  Por essa razão, cabe ao aplicador do direito, por meio de  um estudo  sistemático,  identificar  as  hipóteses  em  que  a  sociedade  responderá  pelos atos praticados por seus administradores e prepostos levando em consideração  a segurança jurídica, a boa-fé, a função social do contrato, entre outros fatores.

A administração é o órgão da sociedade por meio do qual ela assume obrigações e exerce direitos. Os administradores, são, portanto, intermediários da pessoa jurídica. É através deles que a sociedade se faz presente. Por isso, são figuras centrais da empresa, que se encontram na posição de chefe, no ápice da pirâmide hierárquica. Uma vez definido o objeto social, deve o contrato ou estatuto social definir a administração da sociedade, a forma como será realizada, os poderes conferidos aos administradores, pois só assim será possível a sociedade ter vida própria, travar suas relações. Os administradores da sociedade exteriorizam sua vontade e realizam, no limite de seu objeto social, os negócios jurídicos. Eles são responsáveis não só pela vida interna, mas externa da sociedade, fazendo com que ela funcione, atue perante terceiros, contraindo obrigações e constituindo direitos. Por isso, gozam de poderes naturais de administração e especiais. No entanto, para tal exercício, devem agir com lealdade, diligência, desempenhando sua função com cuidado, no interesse d sociedade, para alcançar os seus fins. E, uma vez realizado o negócio é a sociedade que responderá por ele. Para que a sociedade funcione, o administrador terá, por exemplo, que mobilizar os meios financeiros da sociedade, efetuar depósitos, abrir contas bancárias, contrair empréstimos, emitir títulos cambiários, endossá-los, avalizá-los, realizar compras e vendas, dentre outros negócios jurídicos. Esses poderes são muitas vezes equiparados ao dos mandatários, muito embora não sejam os administradores investidos de mandato como órgão da sociedade.

Diversas teorias surgiram para explicar sob que condições a conduta do indivíduo-administrador pode representar a conduta da pessoa jurídica. A natureza jurídica da figura do administrador para todas as espécies de sociedades comerciais é objeto de basicamente quatro teorias: (i) teoria do mandato, pela qual o gerente seria mandatário da sociedade e, por isso, não responde pelas obrigações que assume em nome da sociedade, desde que permaneça nos limites de seus poderes (crítica – possibilidade do administrador manifestar sua vontade pessoal e não ter direito de reter a coisa administrada); (ii) teoria da representação, pela qual o diretor ou gerente é mandatário da sociedade, por isso não responde pessoalmente pelas obrigações da sociedade; (iii) teoria da locação de serviços; e (iv) teoria do órgão, em que o gerente, diretor ou administrador, é um órgão da sociedade comercial, que executa a vontade da pessoa jurídica, presenta a sociedade. A designação das pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, seus deveres, poderes, e destituição, dependem do tipo societário, podendo ser ou não sócios da sociedade, além da nomeação poder ser feita em ato separado do contrato (CC 997, VI).

Todavia, nem todo tipo societário tem regras próprias sobre os deveres e o regime de responsabilidade dos administradores, e forma de destituição (CC 1.011, 1.019, 1.063 c/c CC 1.0171, mais arts 150 e 151 da Lei n. 6.404/76), podendo aplicar subsidiariamente, por expressa previsão legal, as regras sobre sociedade simples, que, de forma ampla, tratam de dever de diligência dos administradores no exercício de suas funções, dispõe sobre a administração conjunta ou separada, trata dos poderes dos administradores e a proteção de terceiros, estabelece a responsabilidade solidária e veda atuação em conflito de interesse (CC 1.010 a 1.021). No caso da sociedade limitada (CC 1.060 a 1.062), pode haver aplicação subsidiária da lei das sociedades anônimas, por força do disposto no CC 1.053, o que implicará na incidência dos arts. 153 a 158 da Lei n. 6.404/76. O contrato social pode ou não predefinir a competência gerencial de cada administrador. Todavia, se definir, o administrador só poderá atuar dentro dos limites de suas atribuições contratualmente delineadas e, caso não haja previsão, poderão praticar todos os atos necessários para gerir a sociedade (CC 1.015, caput e art. 144 da Lei n. 6.404/76). (...).

A responsabilidade da pessoa jurídica pode decorrer da violação de obrigações de negócios jurídicos, cujo dever de indenizar é consequência do inadimplemento, falta do cumprimento de qualquer obrigação, chamada de responsabilidade contratual, prevista no CC 389, ou da infringência de deveres legais ou sociais, consistentes estes nos princípios gerais de direitos, sem que entre o ofensor e a vítima pré exista qualquer relação jurídica que o possibilite. É a responsabilidade extracontratual ou aquiliana, CC 43, 186, 927, 923, III, todos do mesmo Código. No entanto, na atualidade, essa distinção é mais por zelo didático do que um efeito jurídico necessário, principalmente diante de novas regras de responsabilidade civil. A lei consumerista, por exemplo, superou essa divisão clássica entre responsabilidade contratual e extracontratual ao que diz respeito à responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços, pois estende o conceito de consumidor a todos aqueles que forem vítimas do acidente de consumo, sendo indiferente haver relação direta. Isto porque o fundamento da responsabilidade é o dever de segurança. No caso em comento, a despeito da tendência unificadora do instituto da responsabilidade civil, a análise se restringirá a responsabilidade contratual da sociedade empresária perante terceiros contratantes quando os atos praticados por seus administradores em seu nome estão fora de seu objeto social, extrapolando os limites da representação, ou, até mesmo, sem poderes para tanto. (Paula Moura Francesconi de Lemos Pereira, intitulada “A Responsabilidade Da Sociedade Empresária e Do Empresário Pelos Atos Dos Administradores” em sua tese de Mestre em Direito Civil pela UERJ, publicado em publicadireito.com.br, acessado em 20/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

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