Direito Civil Comentado - Art. 1.216, 1.217, 1.218
Dos Efeitos da Posse - VARGAS, Paulo S. R.
- Livro III
– Título I – Da Posse (Art. 1.196 ao
1.368)
Capítulo III – Dos
Efeitos da Posse (Art. 1.210 a 1.222)
– digitadorvargas@outlook.com – vargasdigitador.blogspot.com
Art. 1.216. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos,
bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que
se constituiu de má-fé; tem direito às despesas da produção e custeio.
O artigo em estudo, como apontado por Francisco Eduardo Loureiro, se contrapõe ao CC.
1.214, que disciplina a questão dos frutos em relação ao possuidor de boa-fé.
Possuidor de má-fé, como acima visto, é aquele que conhece o vício que macula a
sua posse. O conhecimento da origem ou do estado ilícito da posse acarreta a responsabilidade
do possuidor, que deve devolver todos os frutos colhidos e percebidos, quer
sejam naturais, quer sejam civis ou industriais. Também responde o possuidor de
má-fé pelos frutos percebidos por terceiro, a quem entregou a posse da coisa
usurpada. O legislador, frisando o caráter ilícito da posse de má-fé, imputa ao
possuidor o dever de restituir também os frutos que deixou de colher por culpa
sua, a partir do momento em que passou a conhecer os vícios da posse. Levam-se
em conta, aqui, os frutos que teriam sido percebidos, caso a coisa estivesse em
poder de um administrador cuidadoso e probo. Somente se exime o possuidor de
má-fé de restituir os frutos não colhidos, se demonstrar que eles se perderam
sem culpa sua, ou, então, por algo que o livre de responsabilidade, como o caso
fortuito e a força maior. A única prerrogativa que cabe ao possuidor de má-fé é
o reembolso das despesas de produção e de custeio, para percepção dos frutos
que devolverá ao retomante. A regra tem razão de ser, fundada na cláusula geral
do enriquecimento sem causa, hoje positivada no CC 884 do Código Civil. Isso
porque, caso a posse da coisa não tivesse sido perdida pelo retomante, este
teria de despender certo investimento para colher os frutos da coisa. É
exatamente esse valor que deve reembolsar ao possuidor, ainda que este esteja
de má-fé. Embora não diga expressamente a lei, o mesmo direito de reembolso
cabe ao possuidor de má-fé em relação aos frutos pendentes. Não teria sentido
que recuperasse o investimento em relação aos frutos colhidos, mas não em
relação aos pendentes, quando a razão que levou à edição da norma é
rigorosamente a mesma, qual seja evitar o enriquecimento sem causa do
retomante. Aplica-se, então, o parágrafo único do CC 1.214 do Código Civil. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código
Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002.
Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.175. Barueri,
SP: Manole, 2010. Acessado 15/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Segundo
a doutrina de Ricardo Fiuza, o possuidor de má-fé responderá civilmente,
indenizando a parte contrária pelos frutos colhidos e percebidos, assim como
pelos que por “culpa” sua deixou de perceber, desde o momento da constituição
deste estado subjetivo que maculou a sua posse. O ilícito civil praticado que
origina a obrigação de indenizar haverá de ser definido em sentença judicial,
caso não acordado entre as partes extrajudicialmente. O valor da indenização
será fixado com base na qualidade e quantidade dos frutos não colhidos ou percebidos,
considerando-se as atividades executadas por um bom administrador.
O conceito de culpa contido no
dispositivo é bastante amplo, à medida que ultrapassa as três modalidades
clássicas para açambarcar também a culpa grave e o dolo. Para o sistema civil,
pouco importa qual a modalidade da “culpa” em que incidiu o possuidor; o que
efetivamente conta é que se encontrava de má-fé e, como tal, haverá de
responder pelos frutos colhidos e percebidos. bem como pelos que deixou, por
culpa sua, de perceber desde o momento em que não mais exerceu poderes de
ingerência socioeconômica sobre um determinado bem da vida, com boa-fé. (Direito Civil -
doutrina, Ricardo Fiuza – p. 628-29, apud Maria Helena
Diniz Código Civil Comentado já
impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 15/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Para os autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira,
caracterizado o vício da posse, o possuidor assume a responsabilização
sobre os denominados frutos colhidos e já percebidos, a partir daquele momento,
assim como por aqueles frutos sobre os quais tinha a missão de percebê-los, em
razão do tempo e condições devidas. O artigo repete o conteúdo já disposto no parágrafo
único, do CC 1.214. acima, externando o legislador o direito de o possuidor
de má-fé ser ressarcido em caso de gastos com custeio e produção dos
frutos sob sua custódia, evitando o enriquecimento sem causa alheio. Como é de se
observar, trata-se do mesmo conteúdo material constante do CC 1.214, sendo que
aquele se reporta ao possuidor de boa-fé e este, ao de má-fé, com as mesmas
consequências jurídicas relacionadas à percepção dos diferentes frutos pelo
possuidor, sendo, pois, dois lados da mesma moeda. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 15.09.2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.217. o possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa,
a que não der causa.
O artigo em exame, na visão de Francisco Eduardo Loureiro, diz
respeito aos riscos da coisa possuída. O que se disciplina é a distribuição dos
riscos de perda e de deterioração da coisa, se atribuídos ao possuidor ou ao
retomante. A
perda pode ser física ou jurídica, tanto pelo perecimento material, com
esgotamento da substância, como pelo apoderamento por terceiro, ou por estar a
coisa em local inacessível. A deterioração é a avaria da coisa, provocando a
sua desvalorização ou o comprometimento parcial de sua utilidade. Pode também
ser física, com o desfalque material da coisa, como jurídica, por estar a coisa
gravada ou onerada em favor de terceiro. O princípio maior está explicitado no
período inicial do preceito, vale dizer, o possuidor de boa-fé não responde
pelos riscos de perda ou deterioração da coisa, se a eles não der causa, agindo
de modo culposo ou doloso. Em termos diversos, se a coisa se perder ou se
estragar sem culpa do possuidor, o risco é do retomante. O possuidor se exonera
do dever de devolver a coisa incólume, ou o seu equivalente em dinheiro,
acrescido cie perdas e danos. Note-se que a regra tem perfeita simetria com o
disposto no CC 238, que regula a mesma situação no âmbito dos direitos de
crédito, consagrando o aforismo res perit domino. O retomante, que pode
ou não ser o dono, é que arca com o risco da coisa. Caso a coisa possuída seja
fungível, porém, a regra é outra. Vale então o aforismo genus nunquam perit,
podendo o possuidor, desde que antes da escolha, devolver coisa do mesmo
gênero, qualidade e quantidade ao retomante. Em tal caso, o risco pela perda ou
deterioração da coisa, em vista de sua natureza, desloca-se do retomante para o
possuidor.
A
parte final do artigo faz a ressalva de que o possuidor se exonera do risco de
perda ou deterioração “a que não der causa”. A expressão causa equivale, aqui,
a culpa. O possuidor não responde pelo risco, se não agiu com dolo ou culpa,
ou, então, se presentes as excludentes do caso fortuito ou da força maior. Mais
uma vez é fundamental conhecer o exato momento em que a posse de boa-fé se
converteu em posse de má-fé, com o conhecimento do vício que afeta a coisa,
porque constituirá o marco da inversão dos riscos da coisa. Remete-se o leitor
ao comentário dos CC 1.201 a 1.203. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.176. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 15/09/2020.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Simples
observação na doutrina de Ricardo Fiuza, apontando o dispositivo regular a
irresponsabilidade civil do possuidor de boa-fé pela perda de ou deterioração
do bem a que não der causa. A responsabilidade existirá somente para as
hipóteses de dolo ou culpa. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 629, apud Maria Helena Diniz
Código Civil Comentado já impresso
pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 15/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Para
os autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira, a boa-fé do possuidor afasta a possibilidade de
responsabilização pela perda ou deterioração da coisa, ressalvados os casos em
que der causa ao evento danoso. É a situação psicológica de ignorância ou
desconhecimento de que a posse pertença a outro que faz o ordenamento
afastar a responsabilização deste possuidor por conta de extravio ou
dilapidação do bem, desde que não tenha contribuído de alguma forma, para a
ocorrência desta situação desastrosa. Entretanto, é preciso mirar com maior
restrição o comando legal acima, pois o possuidor de boa-fé só deverá
ser responsabilizado quando verificado o dolo em relação à deterioração
ou perda do bem, e não quando agir com mera culpa, salvo no caso de
culpa grave, eis que essa se equipara ao dolo (Rodrigues, 69). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 15.09.2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.218. O possuidor de má-fé responde pela perda, ou
deterioração da coisa, ainda que acidentais, salvo se provar que de igual modo
se teriam dado, estando ela na posse do reivindicante.
Sob
o prisma de Francisco Eduardo Loureiro, o possuidor
de má-fé conhece
a origem ilícita ou os vícios que afetam a sua posse. Sabe que deve devolver a
coisa ao retomante, mas não o faz. Por isso é responsável pela perda ou
deterioração da coisa, quer aja com culpa, quer aja sem culpa. Responde, por
consequência, por todos os prejuízos que sofrer a coisa possuída que sejam
resultado direto ou indireto de sua posse indevida. O preceito tem simetria com
o CC 399, que no campo dos direitos obrigacionais disciplina a responsabilidade
do devedor em mora. Do mesmo modo que a mora perpetua a obrigação, deslocando
para o devedor todos os riscos da impossibilidade da prestação, ainda que
resulte de caso fortuito ou força maior, situação similar ocorre no campo do
direito das coisas. O possuidor de má-fé que ou praticou o ato ilícito ou ao
menos conhece o vício que afeta a sua posse atrai para si todos os riscos de
perda ou deterioração da coisa, ainda que resultante de caso fortuito ou força
maior. Explica-se o rigor da norma por uma razão lógica, qual seja: se a coisa
estivesse em poder do retomante em vez de indevidamente em poder do possuidor
por meio ilícito de aquisição, o evento danoso não teria ocorrido. Dizendo de
outro modo, se o possuidor não tivesse tomado ilicitamente a coisa, ou, então,
se a tivesse devolvido em tempo oportuno, ela não se perderia, nem se
estragaria. É por isso que não se cogita de culpa do possuidor na perda ou
deterioração da coisa. A culpa já está presente em momento anterior, no próprio
ato de apoderamento ilícito ou de ciência posterior da má origem da posse, com
inobservância do dever de restituir a coisa a quem de direito. Essa situação
atrai para o possuidor todos os riscos, inclusive os de perda ou deterioração
decorrentes de força maior ou caso fortuito. Como acima dito, basta que o
prejuízo seja consequência direta ou indireta da posse viciada e de má-fé.
A
única exceção da responsabilidade do possuidor encontra-se na parte final do
artigo em estudo, que soa “salvo se provar que de igual modo se teriam dado,
estando ela na posse do reivindicante”. A regra tem razão de ser, porque aqui
não mais se cogita de culpa do possuidor, mas sim da ausência de nexo de
causalidade entre a posse de má-fé e o prejuízo do retomante. Dizendo de outro
modo, se a perda ou deterioração era inevitável e ocorreria quer a coisa se
encontrasse em poder do possuidor, quer se encontrasse em poder do retomante, o
prejuízo não foi consequência do ato ilícito e teria ocorrido de todo modo.
Perpetuar em tal hipótese o risco do possuidor teria o efeito de enriquecimento
sem causa do retomante. Note-se que a parte final deste artigo carreia ao
possuidor, em tal hipótese, o ônus não só de demonstrar a ausência de culpa no
evento mas sobretudo a ausência de nexo causai, provando a falta de relação de
causa e efeito entre a posse de má-fé e o prejuízo. Um exemplo ilustra a
matéria. Alguém tomou emprestado, em comodato por prazo certo, um veículo e um
imóvel de outrem. Escoado o termo, não foram as coisas devolvidas ao comodante,
e as posses, que eram justas, tornaram-se injustas e de má-fé, marcadas pelo
vício da precariedade, de conhecimento do possuidor. O veículo se perde, porque
roubado em um semáforo, e o imóvel se deteriora em virtude de uma inundação. O
possuidor de má-fé responde pelo valor do veículo roubado, acrescido de perdas
e danos, porque, se o tivesse devolvido a tempo, o roubo não teria ocorrido naquele
exato local e circunstâncias. No que se refere ao imóvel, a solução é inversa,
uma vez que a enchente o atingiria, quer estivesse de posse do retomante, quer
em poder do possuidor de má-fé, salvo se o primeiro demonstrar que faria obras
ou melhorias que evitariam o sinistro. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.177. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 15/09/2020.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Segundo
a visão de Ricardo Fiuza, a única exceção à responsabilidade civil de indenizar
encontra-se na possibilidade de o possuidor de má-fé provar que o resultado
danoso ocorreria do mesmo modo, se o bem estivesse em poder do postulante
(“reivindicante”). Tendo em vista que o dispositivo faz uso da expressão
“reivindicante”, não é difícil concluir que a hipótese pressupõe a prática de
ato espoliativo (perda do bem). Contudo, a palavra reivindicante não está a
indicar a propositura de ação reivindicatória, mas acena para a existência de
ajuizamento de ação de recuperação do bem da vida litigioso. Ora, se a situação
é possessória, em princípio a demanda haveria de ser interdital (reintegração de
posse). De qualquer sorte, o dispositivo faz alusão à demanda ressarcitória
(indenização por perdas e danos); portanto, a interpretação a ser dada é que se
esta diante de uma ação única de indenização ou de ação de reintegração de
posse de indenização, onde a palavra “reivindicante” encontra-se empregada como
sinônima de “postulante”, ou seja, aquele que “reivindica” em juízo alguma
coisa, no caso, a indenização em face do esbulho praticado que se agrava pela
perda ou deterioração do bem, ainda que acidentais, estando o possuidor de
má-fé. (Direito Civil - doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 629, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acessado em 15/09/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Seguindo
a mesma observação feia anteriormente, acena Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, este preceito dizer
respeito ao lado inverso da mesma moeda, ditado pelo conteúdo do CC 1.217
acima. O disposto acima se reporta ao direito protetivo do possuidor de boa-fé
em relação à deterioração da coisa sob seus cuidados. Neste, inversamente, rege
a situação do possuidor de má-fé no que tange a esses mesmos bens. O que se
destaca aqui – sendo traço diferenciador – é que o possuidor de má fé
responderá pela perda ou deterioração da coisa mesmo que se verifique a
ocorrência de caso fortuito ou força
maior. Sua responsabilização ficará afastada, tão somente, no caso de ficar
provado que a dilapidação ocorreria, de qualquer maneira, se os bens estivessem
em poder daquele que reivindica. A doutrina costuma se referir à força maior,
como aqueles acontecimentos típicos e originários da própria natureza. São
acontecimentos inevitáveis, porém previsíveis. Assim, é possível
prever tecnologicamente, por exemplo, a ocorrência de um tsunami, ainda
que seja algo até hoje inevitável.
Já caso fortuito é
descrito como sendo um acontecimento inevitável e também imprevisível.
Como não há forma de se prever, o acontecimento se torna, pois, irreversível,
tal como um súbito assalto a mão armada num estacionamento de shopping,
local de onde se espera a mínima segurança. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 15.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Nenhum comentário:
Postar um comentário