terça-feira, 15 de setembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.216, 1.217, 1.218 Dos Efeitos da Posse - VARGAS, Paulo S. R. - continua

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.216, 1.217, 1.218

Dos Efeitos da Posse - VARGAS, Paulo S. R.

- Livro IIITítulo I – Da Posse (Art. 1.196 ao 1.368)

Capítulo III – Dos Efeitos da Posse (Art. 1.210 a 1.222)

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Art. 1.216. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de ­má-fé; tem direito às despesas da produção e custeio.

 

O artigo em estudo, como apontado por Francisco Eduardo Loureiro, se contrapõe ao CC. 1.214, que disciplina a questão dos frutos em relação ao possuidor de boa-fé. Possuidor de má-fé, como acima visto, é aquele que conhece o vício que macula a sua posse. O conhecimento da origem ou do estado ilícito da posse acarreta a responsabilidade do possuidor, que deve devolver todos os frutos colhidos e percebidos, quer sejam naturais, quer sejam civis ou industriais. Também responde o possuidor de má-fé pelos frutos percebidos por terceiro, a quem entregou a posse da coisa usurpada. O legislador, frisando o caráter ilícito da posse de má-fé, imputa ao possuidor o dever de restituir também os frutos que deixou de colher por culpa sua, a partir do momento em que passou a conhecer os vícios da posse. Levam-se em conta, aqui, os frutos que teriam sido percebidos, caso a coisa estivesse em poder de um administrador cuidadoso e probo. Somente se exime o possuidor de má-fé de restituir os frutos não colhidos, se demonstrar que eles se perderam sem culpa sua, ou, então, por algo que o livre de responsabilidade, como o caso fortuito e a força maior. A única prerrogativa que cabe ao possuidor de má-fé é o reembolso das despesas de produção e de custeio, para percepção dos frutos que devolverá ao retomante. A regra tem razão de ser, fundada na cláusula geral do enriquecimento sem causa, hoje positivada no CC 884 do Código Civil. Isso porque, caso a posse da coisa não tivesse sido perdida pelo retomante, este teria de despender certo investimento para colher os frutos da coisa. É exatamente esse valor que deve reembolsar ao possuidor, ainda que este esteja de má-fé. Embora não diga expressamente a lei, o mesmo direito de reembolso cabe ao possuidor de má-fé em relação aos frutos pendentes. Não teria sentido que recuperasse o investimento em relação aos frutos colhidos, mas não em relação aos pendentes, quando a razão que levou à edição da norma é rigorosamente a mesma, qual seja evitar o enriquecimento sem causa do retomante. Aplica-se, então, o parágrafo único do CC 1.214 do Código Civil. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.175. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 15/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Segundo a doutrina de Ricardo Fiuza, o possuidor de má-fé responderá civilmente, indenizando a parte contrária pelos frutos colhidos e percebidos, assim como pelos que por “culpa” sua deixou de perceber, desde o momento da constituição deste estado subjetivo que maculou a sua posse. O ilícito civil praticado que origina a obrigação de indenizar haverá de ser definido em sentença judicial, caso não acordado entre as partes extrajudicialmente. O valor da indenização será fixado com base na qualidade e quantidade dos frutos não colhidos ou percebidos, considerando-se as atividades executadas por um bom administrador.

 

 O conceito de culpa contido no dispositivo é bastante amplo, à medida que ultrapassa as três modalidades clássicas para açambarcar também a culpa grave e o dolo. Para o sistema civil, pouco importa qual a modalidade da “culpa” em que incidiu o possuidor; o que efetivamente conta é que se encontrava de má-fé e, como tal, haverá de responder pelos frutos colhidos e percebidos. bem como pelos que deixou, por culpa sua, de perceber desde o momento em que não mais exerceu poderes de ingerência socioeconômica sobre um determinado bem da vida, com boa-fé. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 628-29, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 15/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Para os autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, caracterizado o vício da posse, o possuidor assume a responsabilização sobre os denominados frutos colhidos e já percebidos, a partir daquele momento, assim como por aqueles frutos sobre os quais tinha a missão de percebê-los, em razão do tempo e condições devidas. O artigo repete o conteúdo já disposto no parágrafo único, do CC 1.214. acima, externando o legislador o direito de o possuidor de má-fé ser ressarcido em caso de gastos com custeio e produção dos frutos sob sua custódia, evitando o enriquecimento sem causa alheio. Como é de se observar, trata-se do mesmo conteúdo material constante do CC 1.214, sendo que aquele se reporta ao possuidor de boa-fé  e este, ao de má-fé, com as mesmas consequências jurídicas relacionadas à percepção dos diferentes frutos pelo possuidor, sendo, pois, dois lados da mesma moeda. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 15.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.217. o possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que não der causa.

 

O artigo em exame, na visão de Francisco Eduardo Loureiro, diz respeito aos riscos da coisa possuída. O que se disciplina é a distribuição dos riscos de perda e de deterioração da coisa, se atribuídos ao possuidor ou ao retomante. A perda pode ser física ou jurídica, tanto pelo perecimento material, com esgotamento da substância, como pelo apoderamento por terceiro, ou por estar a coisa em local inacessível. A deterioração é a avaria da coisa, provocando a sua desvalorização ou o comprometimento parcial de sua utilidade. Pode também ser física, com o desfalque material da coisa, como jurídica, por estar a coisa gravada ou onerada em favor de terceiro. O princípio maior está explicitado no período inicial do preceito, vale dizer, o possuidor de boa-fé não responde pelos riscos de perda ou deterioração da coisa, se a eles não der causa, agindo de modo culposo ou doloso. Em termos diversos, se a coisa se perder ou se estragar sem culpa do possuidor, o risco é do retomante. O possuidor se exonera do dever de devolver a coisa incólume, ou o seu equivalente em dinheiro, acrescido cie perdas e danos. Note-se que a regra tem perfeita simetria com o disposto no CC 238, que regula a mesma situação no âmbito dos direitos de crédito, consagrando o aforismo res perit domino. O retomante, que pode ou não ser o dono, é que arca com o risco da coisa. Caso a coisa possuída seja fungível, porém, a regra é outra. Vale então o aforismo genus nunquam perit, podendo o possuidor, desde que antes da escolha, devolver coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade ao retomante. Em tal caso, o risco pela perda ou deterioração da coisa, em vista de sua natureza, desloca-se do retomante para o possuidor.

 

A parte final do artigo faz a ressalva de que o possuidor se exonera do risco de perda ou deterioração “a que não der causa”. A expressão causa equivale, aqui, a culpa. O possuidor não responde pelo risco, se não agiu com dolo ou culpa, ou, então, se presentes as excludentes do caso fortuito ou da força maior. Mais uma vez é fundamental conhecer o exato momento em que a posse de boa-fé se converteu em posse de má-fé, com o conhecimento do vício que afeta a coisa, porque constituirá o marco da inversão dos riscos da coisa. Remete-se o leitor ao comentário dos CC 1.201 a 1.203. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.176. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 15/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Simples observação na doutrina de Ricardo Fiuza, apontando o dispositivo regular a irresponsabilidade civil do possuidor de boa-fé pela perda de ou deterioração do bem a que não der causa. A responsabilidade existirá somente para as hipóteses de dolo ou culpa. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 629, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 15/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Para os autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a boa-fé do possuidor afasta a possibilidade de responsabilização pela perda ou deterioração da coisa, ressalvados os casos em que der causa ao evento danoso. É a situação psicológica de ignorância ou desconhecimento de que a posse pertença a outro que faz o ordenamento afastar a responsabilização deste possuidor por conta de extravio ou dilapidação do bem, desde que não tenha contribuído de alguma forma, para a ocorrência desta situação desastrosa. Entretanto, é preciso mirar com maior restrição o comando legal acima, pois o possuidor de boa-fé só deverá ser responsabilizado quando verificado o dolo em relação à deterioração ou perda do bem, e não quando agir com mera culpa, salvo no caso de culpa grave, eis que essa se equipara ao dolo (Rodrigues, 69). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 15.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.218. O possuidor de má-fé responde pela perda, ou deterioração da coisa, ainda que acidentais, salvo se provar que de igual modo se teriam dado, estando ela na posse do reivindicante.

 

Sob o prisma de Francisco Eduardo Loureiro, o possuidor de má-fé conhece a origem ilícita ou os vícios que afetam a sua posse. Sabe que deve devolver a coisa ao retomante, mas não o faz. Por isso é responsável pela perda ou deterioração da coisa, quer aja com culpa, quer aja sem culpa. Responde, por consequência, por todos os prejuízos que sofrer a coisa possuída que sejam resultado direto ou indireto de sua posse indevida. O preceito tem simetria com o CC 399, que no campo dos direitos obrigacionais disciplina a responsabilidade do devedor em mora. Do mesmo modo que a mora perpetua a obrigação, deslocando para o devedor todos os riscos da impossibilidade da prestação, ainda que resulte de caso fortuito ou força maior, situação similar ocorre no campo do direito das coisas. O possuidor de má-fé que ou praticou o ato ilícito ou ao menos conhece o vício que afeta a sua posse atrai para si todos os riscos de perda ou deterioração da coisa, ainda que resultante de caso fortuito ou força maior. Explica-se o rigor da norma por uma razão lógica, qual seja: se a coisa estivesse em poder do retomante em vez de indevidamente em poder do possuidor por meio ilícito de aquisição, o evento danoso não teria ocorrido. Dizendo de outro modo, se o possuidor não tivesse tomado ilicitamente a coisa, ou, então, se a tivesse devolvido em tempo oportuno, ela não se perderia, nem se estragaria. É por isso que não se cogita de culpa do possuidor na perda ou deterioração da coisa. A culpa já está presente em momento anterior, no próprio ato de apoderamento ilícito ou de ciência posterior da má origem da posse, com inobservância do dever de restituir a coisa a quem de direito. Essa situação atrai para o possuidor todos os riscos, inclusive os de perda ou deterioração decorrentes de força maior ou caso fortuito. Como acima dito, basta que o prejuízo seja consequência direta ou indireta da posse viciada e de má-fé.

 

A única exceção da responsabilidade do possuidor encontra-se na parte final do artigo em estudo, que soa “salvo se provar que de igual modo se teriam dado, estando ela na posse do reivindicante”. A regra tem razão de ser, porque aqui não mais se cogita de culpa do possuidor, mas sim da ausência de nexo de causalidade entre a posse de má-fé e o prejuízo do retomante. Dizendo de outro modo, se a perda ou deterioração era inevitável e ocorreria quer a coisa se encontrasse em poder do possuidor, quer se encontrasse em poder do retomante, o prejuízo não foi consequência do ato ilícito e teria ocorrido de todo modo. Perpetuar em tal hipótese o risco do possuidor teria o efeito de enriquecimento sem causa do retomante. Note-se que a parte final deste artigo carreia ao possuidor, em tal hipótese, o ônus não só de demonstrar a ausência de culpa no evento mas sobretudo a ausência de nexo causai, provando a falta de relação de causa e efeito entre a posse de má-fé e o prejuízo. Um exemplo ilustra a matéria. Alguém tomou emprestado, em comodato por prazo certo, um veículo e um imóvel de outrem. Escoado o termo, não foram as coisas devolvidas ao comodante, e as posses, que eram justas, tornaram-se injustas e de má-fé, marcadas pelo vício da precariedade, de conhecimento do possuidor. O veículo se perde, porque roubado em um semáforo, e o imóvel se deteriora em virtude de uma inundação. O possuidor de má-fé responde pelo valor do veículo roubado, acrescido de perdas e danos, porque, se o tivesse devolvido a tempo, o roubo não teria ocorrido naquele exato local e circunstâncias. No que se refere ao imóvel, a solução é inversa, uma vez que a enchente o atingiria, quer estivesse de posse do retomante, quer em poder do possuidor de má-fé, salvo se o primeiro demonstrar que faria obras ou melhorias que evitariam o sinistro. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.177. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 15/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Segundo a visão de Ricardo Fiuza, a única exceção à responsabilidade civil de indenizar encontra-se na possibilidade de o possuidor de má-fé provar que o resultado danoso ocorreria do mesmo modo, se o bem estivesse em poder do postulante (“reivindicante”). Tendo em vista que o dispositivo faz uso da expressão “reivindicante”, não é difícil concluir que a hipótese pressupõe a prática de ato espoliativo (perda do bem). Contudo, a palavra reivindicante não está a indicar a propositura de ação reivindicatória, mas acena para a existência de ajuizamento de ação de recuperação do bem da vida litigioso. Ora, se a situação é possessória, em princípio a demanda haveria de ser interdital (reintegração de posse). De qualquer sorte, o dispositivo faz alusão à demanda ressarcitória (indenização por perdas e danos); portanto, a interpretação a ser dada é que se esta diante de uma ação única de indenização ou de ação de reintegração de posse de indenização, onde a palavra “reivindicante” encontra-se empregada como sinônima de “postulante”, ou seja, aquele que “reivindica” em juízo alguma coisa, no caso, a indenização em face do esbulho praticado que se agrava pela perda ou deterioração do bem, ainda que acidentais, estando o possuidor de má-fé. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 629, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 15/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Seguindo a mesma observação feia anteriormente, acena Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, este preceito dizer respeito ao lado inverso da mesma moeda, ditado pelo conteúdo do CC 1.217 acima. O disposto acima se reporta ao direito protetivo do possuidor de boa-fé em relação à deterioração da coisa sob seus cuidados. Neste, inversamente, rege a situação do possuidor de má-fé no que tange a esses mesmos bens. O que se destaca aqui – sendo traço diferenciador – é que o possuidor de má fé responderá pela perda ou deterioração da coisa mesmo que se verifique a ocorrência de caso fortuito  ou força maior. Sua responsabilização ficará afastada, tão somente, no caso de ficar provado que a dilapidação ocorreria, de qualquer maneira, se os bens estivessem em poder daquele que reivindica. A doutrina costuma se referir à força maior, como aqueles acontecimentos típicos e originários da própria natureza. São acontecimentos inevitáveis, porém previsíveis. Assim, é possível prever tecnologicamente, por exemplo, a ocorrência de um tsunami, ainda que seja algo até hoje inevitável.

 

caso fortuito é descrito como sendo um acontecimento inevitável e também imprevisível. Como não há forma de se prever, o acontecimento se torna, pois, irreversível, tal como um súbito assalto a mão armada num estacionamento de shopping, local de onde se espera a mínima segurança. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 15.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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