quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.220, 1.221, 1.222 Dos Efeitos da Posse - VARGAS, Paulo S. R. - Continua

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.220, 1.221, 1.222

Dos Efeitos da Posse - VARGAS, Paulo S. R.

- Livro IIITítulo I – Da Posse (Art. 1.196 ao 1.368)

Capítulo III – Dos Efeitos da Posse (Art. 1.210 a 1.222)

digitadorvargas@outlook.comvargasdigitador.blogspot.com

 

Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias.

Na visão de Francisco Eduardo Loureiro, o legislador dá tratamento severo ao possuidor de má-fé, que conhece a origem ilícita de sua posse. Confere-lhe apenas e tão somente o direito à indenização pelas benfeitorias necessárias, afastando, contudo, o direito de retenção. Perde o possuidor de má-fé a favor do retomante todas as benfeitorias úteis e voluptuárias sem direito a nenhuma indenização. Quanto a estas últimas, também lhe é negado o direito de levantá-las, ainda que não deteriore a coisa onde se encontram. Vale repetir que a regra diz respeito às benfeitorias, não se aplicando às pertenças que, dada a sua autonomia em relação à coisa, podem livremente ser levantadas tanto pelo possuidor de boa-fé como pelo de má-fé, desde que não haja vedação convencional. A regra tem razão de ser. Embora de má-fé, as benfeitorias necessárias devem ser indenizadas, porque destinadas à conservação da coisa, evitando a sua perda ou deterioração. Via de consequência, caso a coisa permanecesse em poder do retomante, este também deveria fazê-las, porque indispensáveis à própria preservação. É por isso que o legislador determina o ressarcimento, uma vez que não há nexo entre a posse de má-fé e as benfeitorias necessárias. Quem quer que estivesse com a posse deveria fazê-las e a ausência de indenização consagraria o enriquecimento sem causa do retomante. O possuidor de má-fé tem direito à indenização pelas benfeitorias necessárias, mas não à retenção da coisa até que o crédito seja pago pelo retomante. Não há razão para prorrogar a posse viciada e de má-fé, dando-lhe uma causa jurídica pela retenção. Pode-se questionar se a falta de indenização das benfeitorias úteis ou voluptuárias ao possuidor de má-fé também não configuraria enriquecimento sem causa. Como explica Clóvis Bevilaqua, a perda de tais benfeitorias servirá para, de algum modo, compensar o retomante pelo tempo em que esteve indevidamente privado do uso da coisa. Mais ainda. Como não são benfeitorias indispensáveis, eventualmente o retomante não as faria, caso estivesse de posse da coisa, até por impossibilidade financeira, de modo que não deseja o legislador onerá-lo por algo que não lhe trará proveito. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.183. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 17/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Historicamente, o dispositivo em tela não foi atingido por qualquer espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto. A redação difere um pouco da encontrada no art. 517 do CC de 1916. Em sua doutrina, Ricardo Fiuza afirma que em nenhuma hipótese o sistema confere ao possuidor de má-fé direito de retenção, enquanto a pretensão ao ressarcimento limita-se às benfeitorias necessárias. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 630, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 17/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Segundo Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o possuidor de má-fé ficará privado do direito indenizatório quanto às benfeitorias úteis e voluptuárias sendo que, quanto a estas últimas, sequer poderá retirá-las, não se aplicando a regra do enriquecimento sem causa na hipótese do CC 884, em virtude de sua posse conter vícios de origem. Em suma, caberá ao julgador a análise probatória da ocorrência ou não da má-fé do possuidor no caso concreto, já que este elemento deverá guiar o direito de indenização e/ou retenção das benfeitorias realizadas na coisa, sempre em coligação com o princípio positivado que afasta o enriquecimento sem causa de outrem (CC 884). Entrementes, a posição do autor é que as disposições legais aqui traçadas contra o possuidor de má-fé são por demais rigorosas, diante de potencial prejuízo, razão pela qual a interpretação do texto deverá suscitar uma análise cuidadosa do caso pelo julgador. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 17.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.221. As benfeitorias compensam-se com os danos, e só obrigam ao ressarcimento se ao tempo da evicção ainda existirem.

 

Na análise feita por Francisco Eduardo Loureiro, verifica-se pelos artigos anteriormente examinados - direito à percepção de frutos, riscos da coisa possuída e indenização por benfeitorias - que podem existir créditos do retomante contra os possuidores e dos possuidores contra o retomante. Essa possibilidade de créditos recíprocos entre as partes é que inspirou o legislador a criar a regra da compensação entre benfeitorias e danos, restando, afinal, apenas um crédito, ou saldo, que será a moeda da indenização. Os créditos guarnecidos com direito de retenção também se prestam à compensação. No que se refere ao possuidor de boa-fé, seus créditos decorrem do direito à indenização pelas benfeitorias necessárias, úteis e voluptuárias que não pôde retirar sem estrago, ou, então, do investimento feito para a colheita de frutos pendentes quando da devolução da coisa. Os créditos do retomante, por seu turno, decorrem da perda ou deterioração da coisa com culpa do possuidor, ou de frutos colhidos por antecipação. No que se refere ao possuidor de má-fé, seus créditos decorrem ou da indenização por benfeitorias necessárias, ou do investimento feito para a produção dos frutos devolvidos ao retomante. ]á os créditos do retomante nesse caso decorrem de situações várias, como da perda ou deterioração da coisa com ou sem culpa do possuidor e da devolução dos frutos colhidos ou que deixaram de ser colhidos por culpa do possuidor. A privação do uso da coisa gera naturalmente danos ao retomante, que pode cobrá-los do possuidor de má-fé. A parte final do artigo ressalva que somente se compensam os créditos decorrentes das benfeitorias existentes ao tempo da evicção. Entende-se a expressão evicção como ao tempo em que a coisa for devolvida ou entregue ao retomante. A regra é corolário lógico da razão da indenização por benfeitorias, qual seja evitar que o retomante se enriqueça à custa do possuidor, recebendo coisa melhorada sem efetuar o respectivo pagamento. Disso decorre que, se foram feitas benfeitorias mas estas não mais existem ao tempo da devolução da coisa, não há indenização a ser paga. Indeniza-se o que existe e não o que existiu. Ressalte-se, porém, que despesas que se incorporam à coisa sem deixar vestígio material, mas que traduzem proveito ou vantagem ao retomante, devem ser levadas à compensação. É o caso do pagamento de impostos ou dos custos com a defesa da posse contra o ataque de terceiros ou da demarcação do prédio, que contribuem para que a coisa seja devolvida juridicamente incólume ao retomante. O credor que pleiteia a indenização, ou que alega a existência do crédito a ser compensado, é que tem o ônus de provar a sua causa. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.184. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 17/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na visão de Ricardo Fiuza, trata-se de hipótese anômala de compensação, conforme assinala o saudoso Rubens Limongi França, citado por Maria Helena Diniz. Ocorre que o instituto da compensação só opera, em regra, entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis.Assim, para evitar que proprietário e possuidor, obrigados a pagar, um ao outro, determinadas quantias, movam uma ação contra o outro, a lei permite a compensação, possibilitando, assim, entre eles um acerto de contas, de modo que aquele em favor de quem ficar acusado um saldo receberá do outro o quantum respectivo(Maria Helena Diniz, CC anotado, São Paulo, Saraiva, 1995, art. 518, p. 394). • Por outro lado, somente terá lugar a compensação dos danos causados com as benfeitorias realizadas, se estas ainda existirem no momento em que se verificar a evicção. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 631, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 17/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No ritmo de  Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, tecnicamente, evicção significa a perda total ou parcial da coisa em virtude de uma decisão judicial, no bojo de ação reivindicatória, onde restou demonstrada a titularidade da coisa por parte do reivindicante ou possuidor, independentemente de previsão expressa. O preceito legal explicita que ocorrerá um acerto de contas entre o possuidor que realizou benfeitorias – denominado de evicto – e o reivindicante do bem, verdadeiro titular, na hipótese de restar configurado danos por aquele primeiro, para que a indenização assim devida possa ser reduzida, ou compensada pelos danos, na forma como vem expressamente delimitada. Entretanto, a indenização correspondente só será devida se ficar comprovada a existência de benfeitorias à época da evicção, ou seja, no momento da decisão judicial que decretar a perda do bem. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 17.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.222. O reivindicante, obrigado a indenizar as benfeitorias ao possuidor de má-fé, tem o direito de optar entre o seu valor atual e o seu custo; ao possuidor de boa-fé indenizará pelo valor atual.

 

Na linha de raciocínio de Francisco Eduardo Loureiro o CC 1.222 consagra relevante novidade em relação ao que continha o artigo correspondente do Código de 1916, estabelecendo critérios distintos para o cálculo da indenização, dependendo da boa-fé ou da má-fé do possuidor. Embora aluda o artigo ao reivindicante, abrange também o preceito o retomante em geral, ainda que não seja proprietário da coisa e tenha obtido a devolução com base no jus possessionis. Engloba, portanto, os casos de indenizações decorrentes de devolução da coisa possuída, tanto em ações possessórias como em ações petitórias. A primeira situação regulada pelo preceito é a do possuidor de má-fé. Cria-se obrigação alternativa a favor do devedor retomante, que tem o direito potestativo de escolher entre a indenização do custo da benfeitoria necessária ou do seu valor atual. Podem as benfeitorias valer mais ou menos do que custaram. Escolherá certamente o devedor o critério que leve ao menor valor. A regra tem razão de ser. A ideia do legislador foi não permitir que o possuidor de má-fé se beneficie com a valorização da benfeitoria que erigiu de má-fé, recuperando apenas e tão somente aquilo que gastou. De outro lado, se houve desvalorização ou depreciação da benfeitoria, não teria sentido que o retomante pagasse por algo que não se agregou inteiramente ao seu patrimônio. Daí a opção que se abre ao retomante. O termo “custo”, usado pelo legislador, é entendido como o valor despendido pelo possuidor no momento da feitura da benfeitoria, atualizado até o momento do pagamento. A correção do valor investido não constitui acréscimo, mas simples manutenção do valor de troca da moeda, evitando o seu aviltamento pela inflação. O termo “valor atual”, usado pelo legislador, não é aquele que se despenderia, para a realização das benfeitorias, no momento em que a coisa é devolvida ao retomante. E o valor das benfeitorias, no estado em que se encontram, no momento da devolução da coisa. Leva-se em conta, portanto, o desgaste e a depreciação da coisa, assim como o decréscimo de sua utilidade, para aferir o seu valor atual.

 

No que se refere ao possuidor de boa-fé, não há direito de opção. A indenização far-se-á por critério único, qual seja, pelo seu valor atual, pouco importando se o possuidor gastou mais ou menos para fazer as benfeitorias. A regra tem lógica. De um lado, não deve o retomante pagar mais do que recebeu. De outro lado, porém, se o custo para fazer a benfeitoria foi inferior ao seu valor atual, justo que receba o possuidor de boa-fé a diferença, porque corresponde àquilo que enriqueceu o retomante. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.185-86. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 17/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Historicamente, o dispositivo em tela tinha a seguinte redação quando da remessa do anteprojeto à Câmara dos Deputados: “O reivindicante, obrigado a indenizar as benfeitorias, tem o direito de optar entre o seu valor atual e o seu custo”. Quando da primeira votação pela Câmara, por subemenda do relator Ernani Satyro, o dispositivo ganhou a redação atual, não tendo sido atingido por qualquer outra espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A nova redação procurou atender os reclamos da doutrina e jurisprudência dominantes, tendo em vista que, inversamente ao que ocorria com o Código antigo, faz distinção entre a indenização a ser paga para o possuidor de boa-fé e para o de má-fé. O dispositivo em questão tem redação assemelhada ao art. 519 do CC de 1916, em que pese ter trazido modificações importantes ao texto legal.

 

Doutrinariamente, Trouxe Ricardo Fiuza sua valiosa contribuição, esclarecendo que o reivindicante pode ser titular de direito real (proprietário) ou apenas possuidor que procura retornar o bem que lhe foi esbulhado, por intermédio de ação de reintegração de posse. Assim, há de se interpretar aqui o reivindicante como sendo o titular do direito subjetivo, autor da ação de recuperação do bem litigioso. Faculta o CC ao autor da demanda recuperatória, obrigado a indenizar ao possuidor de má-fé pelas benfeitorias optar entre o respectivo valor atual ou o seu custo. Ocorre que as benfeitorias realizadas podem valer mais ou menos do que teriam efetivamente custado. Ao possuidor de boa-fé, o reivindicante indenizará sempre pelo valor atual. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 631, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 17/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Encerrando o capítulo, no peso de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, conforme a regra em questão, ao indenizar as benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa-fé, o reivindicante utilizará como parâmetro o valor atual daquelas, e não o valor efetivamente gasto à época. Quando se tratar de possuidor de má-fé, poderá o reivindicante optar entre o valor atual das benfeitorias ou o do gasto efetivado à época, devidamente corrigido, a fim de se evitar o enriquecimento sem causa. O código anterior não utilizava o critério da qualidade da posse (boa ou má-fé) para fixar a indenização devida em razão de benfeitorias realizadas, restringindo-se ao seu valor atual ou ao do efetivo custo da época, mas sempre corrigido, em nome da proibição do enriquecimento sem causa. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 17.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Nenhum comentário:

Postar um comentário