Direito Civil Comentado - Art. 1.220, 1.221, 1.222
Dos Efeitos da Posse - VARGAS, Paulo S. R.
- Livro III
– Título I – Da Posse (Art. 1.196 ao
1.368)
Capítulo III – Dos
Efeitos da Posse (Art. 1.210 a 1.222)
– digitadorvargas@outlook.com – vargasdigitador.blogspot.com
Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as
benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela
importância destas, nem o de levantar as voluptuárias.
Na visão de Francisco Eduardo Loureiro, o legislador dá tratamento severo ao possuidor de má-fé, que conhece a origem ilícita de sua posse. Confere-lhe apenas e tão somente o direito à indenização pelas benfeitorias necessárias, afastando, contudo, o direito de retenção. Perde o possuidor de má-fé a favor do retomante todas as benfeitorias úteis e voluptuárias sem direito a nenhuma indenização. Quanto a estas últimas, também lhe é negado o direito de levantá-las, ainda que não deteriore a coisa onde se encontram. Vale repetir que a regra diz respeito às benfeitorias, não se aplicando às pertenças que, dada a sua autonomia em relação à coisa, podem livremente ser levantadas tanto pelo possuidor de boa-fé como pelo de má-fé, desde que não haja vedação convencional. A regra tem razão de ser. Embora de má-fé, as benfeitorias necessárias devem ser indenizadas, porque destinadas à conservação da coisa, evitando a sua perda ou deterioração. Via de consequência, caso a coisa permanecesse em poder do retomante, este também deveria fazê-las, porque indispensáveis à própria preservação. É por isso que o legislador determina o ressarcimento, uma vez que não há nexo entre a posse de má-fé e as benfeitorias necessárias. Quem quer que estivesse com a posse deveria fazê-las e a ausência de indenização consagraria o enriquecimento sem causa do retomante. O possuidor de má-fé tem direito à indenização pelas benfeitorias necessárias, mas não à retenção da coisa até que o crédito seja pago pelo retomante. Não há razão para prorrogar a posse viciada e de má-fé, dando-lhe uma causa jurídica pela retenção. Pode-se questionar se a falta de indenização das benfeitorias úteis ou voluptuárias ao possuidor de má-fé também não configuraria enriquecimento sem causa. Como explica Clóvis Bevilaqua, a perda de tais benfeitorias servirá para, de algum modo, compensar o retomante pelo tempo em que esteve indevidamente privado do uso da coisa. Mais ainda. Como não são benfeitorias indispensáveis, eventualmente o retomante não as faria, caso estivesse de posse da coisa, até por impossibilidade financeira, de modo que não deseja o legislador onerá-lo por algo que não lhe trará proveito. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.183. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 17/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Historicamente, o dispositivo em tela
não foi atingido por
qualquer espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte
da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação
atual é a mesma do anteprojeto. A redação difere um pouco da encontrada no art.
517 do CC de 1916. Em sua doutrina, Ricardo Fiuza afirma que em nenhuma
hipótese o sistema confere ao possuidor de má-fé direito de retenção, enquanto
a pretensão ao ressarcimento limita-se às benfeitorias necessárias. (Direito Civil -
doutrina, Ricardo Fiuza – p. 630, apud Maria Helena Diniz
Código Civil Comentado já impresso
pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 17/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Segundo Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o possuidor de má-fé
ficará privado do direito indenizatório quanto às benfeitorias úteis e
voluptuárias sendo que, quanto a estas últimas, sequer poderá retirá-las, não
se aplicando a regra do enriquecimento sem causa na hipótese do CC 884, em
virtude de sua posse conter vícios de origem. Em suma, caberá ao julgador a
análise probatória da ocorrência ou não da má-fé do possuidor no caso concreto,
já que este elemento deverá guiar o direito de indenização e/ou retenção das
benfeitorias realizadas na coisa, sempre em coligação com o princípio
positivado que afasta o enriquecimento sem causa de outrem (CC 884).
Entrementes, a posição do autor é que as disposições legais aqui traçadas
contra o possuidor de má-fé são por demais rigorosas, diante de
potencial prejuízo, razão pela qual a interpretação do texto deverá suscitar
uma análise cuidadosa do caso pelo julgador. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso
em 17.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.221. As benfeitorias compensam-se com os danos, e só obrigam ao ressarcimento
se ao tempo da evicção ainda existirem.
Na análise feita por Francisco Eduardo
Loureiro, verifica-se
pelos artigos anteriormente examinados - direito à percepção de frutos, riscos
da coisa possuída e indenização por benfeitorias - que podem existir créditos
do retomante contra os possuidores e dos possuidores contra o retomante. Essa
possibilidade de créditos recíprocos entre as partes é que inspirou o
legislador a criar a regra da compensação entre benfeitorias e danos, restando,
afinal, apenas um crédito, ou saldo, que será a moeda da indenização. Os
créditos guarnecidos com direito de retenção também se prestam à compensação.
No que se refere ao possuidor de boa-fé, seus créditos decorrem do direito à
indenização pelas benfeitorias necessárias, úteis e voluptuárias que não pôde
retirar sem estrago, ou, então, do investimento feito para a colheita de frutos
pendentes quando da devolução da coisa. Os créditos do retomante, por seu
turno, decorrem da perda ou deterioração da coisa com culpa do possuidor, ou de
frutos colhidos por antecipação. No que se refere ao possuidor de má-fé, seus
créditos decorrem ou da indenização por benfeitorias necessárias, ou do
investimento feito para a produção dos frutos devolvidos ao retomante. ]á os
créditos do retomante nesse caso decorrem de situações várias, como da perda ou
deterioração da coisa com ou sem culpa do possuidor e da devolução dos frutos
colhidos ou que deixaram de ser colhidos por culpa do possuidor. A privação do
uso da coisa gera naturalmente danos ao retomante, que pode cobrá-los do
possuidor de má-fé. A parte final do artigo ressalva que somente se compensam
os créditos decorrentes das benfeitorias existentes ao tempo da evicção.
Entende-se a expressão evicção como ao tempo em que a coisa for devolvida ou
entregue ao retomante. A regra é corolário lógico da razão da indenização por
benfeitorias, qual seja evitar que o retomante se enriqueça à custa do
possuidor, recebendo coisa melhorada sem efetuar o respectivo pagamento. Disso
decorre que, se foram feitas benfeitorias mas estas não mais existem ao tempo
da devolução da coisa, não há indenização a ser paga. Indeniza-se o que existe
e não o que existiu. Ressalte-se, porém, que despesas que se incorporam à coisa
sem deixar vestígio material, mas que traduzem proveito ou vantagem ao
retomante, devem ser levadas à compensação. É o caso do pagamento de impostos
ou dos custos com a defesa da posse contra o ataque de terceiros ou da
demarcação do prédio, que contribuem para que a coisa seja devolvida
juridicamente incólume ao retomante. O credor que pleiteia a indenização, ou
que alega a existência do crédito a ser compensado, é que tem o ônus de provar
a sua causa.
(Francisco Eduardo Loureiro, apud Código
Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002.
Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.184. Barueri,
SP: Manole, 2010. Acessado 17/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Na visão de Ricardo Fiuza, trata-se
de hipótese anômala de compensação, conforme assinala o saudoso Rubens Limongi
França, citado por Maria Helena Diniz. Ocorre que o instituto da compensação só
opera, em regra, entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis. “Assim,
para evitar que proprietário e possuidor, obrigados a pagar, um ao outro,
determinadas quantias, movam uma ação contra o outro, a lei permite a
compensação, possibilitando, assim, entre eles um acerto de contas, de modo que
aquele em favor de quem ficar acusado um saldo receberá do outro o quantum
respectivo”
(Maria
Helena Diniz, CC
anotado, São Paulo, Saraiva, 1995, art. 518, p. 394). • Por outro lado, somente
terá lugar a compensação dos danos causados com as benfeitorias realizadas, se
estas ainda existirem no momento em que se verificar a evicção. (Direito Civil -
doutrina, Ricardo Fiuza – p. 631, apud Maria Helena Diniz
Código Civil Comentado já impresso
pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 17/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No
ritmo de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, tecnicamente, evicção
significa a perda total ou parcial da coisa em virtude de uma decisão judicial,
no bojo de ação reivindicatória, onde restou demonstrada a titularidade da
coisa por parte do reivindicante ou possuidor, independentemente de previsão
expressa. O preceito legal explicita que ocorrerá um acerto de contas entre o
possuidor que realizou benfeitorias – denominado de evicto – e o
reivindicante do bem, verdadeiro titular, na hipótese de restar configurado
danos por aquele primeiro, para que a indenização assim devida possa ser
reduzida, ou compensada pelos danos, na forma como vem expressamente
delimitada. Entretanto, a indenização correspondente só será devida se ficar
comprovada a existência de benfeitorias à época da evicção, ou seja, no
momento da decisão judicial que decretar a perda do bem. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 17.09.2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.222. O reivindicante, obrigado a indenizar as benfeitorias ao possuidor de
má-fé, tem o direito de optar entre o seu valor atual e o seu custo; ao
possuidor de boa-fé indenizará pelo valor atual.
Na linha de raciocínio de Francisco
Eduardo Loureiro o CC 1.222 consagra
relevante novidade em relação ao que continha o artigo correspondente do Código
de 1916, estabelecendo critérios distintos para o cálculo da indenização,
dependendo da boa-fé ou da má-fé do possuidor. Embora aluda o artigo ao
reivindicante, abrange também o preceito o retomante em geral, ainda que não seja
proprietário da coisa e tenha obtido a devolução com base no jus
possessionis. Engloba, portanto, os casos de indenizações decorrentes de
devolução da coisa possuída, tanto em ações possessórias como em ações
petitórias. A primeira situação regulada pelo preceito é a do possuidor de
má-fé. Cria-se obrigação alternativa a favor do devedor retomante, que tem o
direito potestativo de escolher entre a indenização do custo da benfeitoria
necessária ou do seu valor atual. Podem as benfeitorias valer mais ou menos do
que custaram. Escolherá certamente o devedor o critério que leve ao menor
valor. A regra tem razão de ser. A ideia do legislador foi não permitir que o
possuidor de má-fé se beneficie com a valorização da benfeitoria que erigiu de
má-fé, recuperando apenas e tão somente aquilo que gastou. De outro lado, se
houve desvalorização ou depreciação da benfeitoria, não teria sentido que o
retomante pagasse por algo que não se agregou inteiramente ao seu patrimônio.
Daí a opção que se abre ao retomante. O termo “custo”, usado pelo legislador, é
entendido como o valor despendido pelo possuidor no momento da feitura da
benfeitoria, atualizado até o momento do pagamento. A correção do valor
investido não constitui acréscimo, mas simples manutenção do valor de troca da
moeda, evitando o seu aviltamento pela inflação. O termo “valor atual”, usado
pelo legislador, não é aquele que se despenderia, para a realização das
benfeitorias, no momento em que a coisa é devolvida ao retomante. E o valor das
benfeitorias, no estado em que se encontram, no momento da devolução da coisa.
Leva-se em conta, portanto, o desgaste e a depreciação da coisa, assim como o
decréscimo de sua utilidade, para aferir o seu valor atual.
No que
se refere ao possuidor de boa-fé, não há direito de opção. A indenização
far-se-á por critério único, qual seja, pelo seu valor atual, pouco importando
se o possuidor gastou mais ou menos para fazer as benfeitorias. A regra tem
lógica. De um lado, não deve o retomante pagar mais do que recebeu. De outro lado,
porém, se o custo para fazer a benfeitoria foi inferior ao seu valor atual,
justo que receba o possuidor de boa-fé a diferença, porque corresponde àquilo
que enriqueceu o retomante.
(Francisco Eduardo Loureiro, apud Código
Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002.
Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.185-86.
Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 17/09/2020. Revista e atualizada nesta data
por VD).
Historicamente, o dispositivo em tela
tinha a seguinte redação quando da remessa do anteprojeto à Câmara dos
Deputados: “O reivindicante, obrigado a indenizar as benfeitorias, tem o
direito de optar entre o seu valor atual e o seu custo”. Quando da primeira
votação pela Câmara, por subemenda do relator Ernani Satyro, o dispositivo
ganhou a redação atual, não tendo sido atingido por qualquer outra espécie de
modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da Câmara dos Deputados, no
período final de tramitação do projeto. A nova redação procurou atender os
reclamos da doutrina e jurisprudência dominantes, tendo em vista que,
inversamente ao que ocorria com o Código antigo, faz distinção entre a
indenização a ser paga para o possuidor de boa-fé e para o de má-fé. O
dispositivo em questão tem redação assemelhada ao art. 519 do CC de 1916, em
que pese ter trazido modificações importantes ao texto legal.
Doutrinariamente,
Trouxe Ricardo Fiuza sua valiosa contribuição, esclarecendo que o reivindicante
pode ser titular de direito real (proprietário) ou apenas possuidor
que procura retornar o bem que lhe foi esbulhado, por intermédio de ação de
reintegração de posse. Assim, há de se interpretar aqui o reivindicante como
sendo o titular do direito subjetivo, autor da ação de recuperação do bem
litigioso. Faculta o CC ao autor da demanda recuperatória, obrigado a indenizar
ao possuidor de má-fé pelas benfeitorias optar entre o respectivo valor atual
ou o seu custo. Ocorre que as benfeitorias realizadas podem valer mais ou menos
do que teriam efetivamente custado. Ao possuidor de boa-fé, o reivindicante
indenizará sempre pelo valor atual.
(Direito
Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 631, apud Maria Helena Diniz
Código Civil Comentado já impresso
pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 17/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Encerrando o capítulo, no peso de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira,
conforme a regra em questão, ao indenizar as benfeitorias realizadas pelo
possuidor de boa-fé, o reivindicante utilizará como parâmetro o valor
atual daquelas, e não o valor efetivamente gasto à época. Quando se tratar de
possuidor de má-fé, poderá o reivindicante optar entre o valor atual das
benfeitorias ou o do gasto efetivado à época, devidamente corrigido, a fim de
se evitar o enriquecimento sem causa. O código anterior não utilizava o
critério da qualidade da posse (boa ou má-fé) para fixar a indenização
devida em razão de benfeitorias realizadas, restringindo-se ao seu valor atual
ou ao do efetivo custo da época, mas sempre corrigido, em nome da proibição do
enriquecimento sem causa. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 17.09.2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Nenhum comentário:
Postar um comentário