sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.223, 1.224 Da Perda da Posse - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.223, 1.224

Da Perda da Posse - VARGAS, Paulo S. R.

- Livro IIITítulo I – Da Posse (Art. 1.196 ao 1.368)

Capítulo IV – Da Perda da Posse (Arts. 1.223 e 1.224)

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Art. 1.223. Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem, ao qual se refere o CC 1.196.

Faz menções Francisco Eduardo Loureiro, ao Código Civil de 2002 que deixa de enumerar os modos de perda da posse, como fazia o art. 520 do Código de 1916. A redação atual é mais clara e técnica, eliminando dúvidas que surgiram no sistema anterior, que, nesse ponto, mesclava as teorias objetiva e subjetiva da posse. Determinar todas as condutas do possuidor, como fazia o Código anterior, constituía inútil e especiosa particularização. Segundo o CC 1.196 do Código Civil, possuidor é todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de alguns dos poderes inerentes ao domínio. Adquire a posse quem passa a assim se comportar e perde a posse quem deixa de assim se comportar. Perde-se a posse toda vez que o possuidor não exerça, ou não possa exercer, poder correspondente ou análogo ao do proprietário, ou seja, quando deixa de ter a visibilidade do domínio. Cabe ressaltar que nem sempre o possuidor mantém conduta comissiva em relação à coisa. Não há necessidade de manter a coisa sob seu poder físico, imediato, porque nem sempre assim se comporta o proprietário cm relação ao que é seu. Basta ao possuidor que se comporte como dono, dando ostensivamente à coisa a sua destinação econômica e natural, conservando-a e defendendo-a, porque assim age o proprietário. Logo, não perde o possuidor a posse de uma casa de campo ou de praia, que somente a frequenta durante temporada de férias, porque esta é a sua natural destinação. Tem a posse dois elementos, o objetivo (corpus) e o subjetivo (animus). Perde-se a posse quando deixa de existir qualquer um dos elementos, ou os dois concomitantemente. Por falta dos elementos objetivo e subjetivo, perde-se a posse pelo abandono, ou pela tradição. No abandono, o possuidor abdica da posse, por ato unilateral. Na tradição, o alienante transmite a posse, com entrega da coisa ao adquirente. Por falta somente do elemento objetivo, perde-se a posse pela destruição ou perda da coisa, pela posse de outrem e pelo fato de ser posta fora de comércio. Na perda da coisa, conserva o possuidor a vontade de recuperá-la, tanto assim que o descobridor, que a localiza, deve devolvê-la ao possuidor ou proprietário que está à sua procura. Na destruição, a coisa desaparece contra a vontade do possuidor, quer por fato natural, quer por ato de terceiro. Deve a destruição ser total e permanente, caso contrário remanesce a posse sobre o que restou da coisa, ou se mantém a posse sobre a coisa temporariamente inacessível. Quanto à posse de outrem, pode se dar por ato que conte com a anuência do possuidor como também contra a sua vontade, caso em que ocorrerá o esbulho, se o ato de terceiro for ilícito. Nesta última hipótese, confere o ordenamento direito ao ex-possuidor de reagir, usando a tutela possessória, quer pela autotutela, quer pelas ações possessórias, para recuperar a posse injustamente perdida. Quanto à coisa ser posta fora de comércio, lembre-se de que o Código Civil de 2002 não mais disciplina tal categoria de bens, de modo que a figura comporta algumas observações. Há entendimento da incompatibilidade da posse de particulares sobre bens públicos. Contra a vontade do Poder Público, teria o particular simples detenção sobre a coisa. Não parece ser exata tal posição, que somente se aplica aos bens públicos de uso comum do povo ou de uso especial. Claro que não possuo a rua sobre a qual transito com o meu veículo, nem o parque onde passo horas de recreio, nem o prédio da repartição onde vou tirar uma certidão. É possível, porém, a posse de particulares sobre bens públicos dominicais, sem destinação pública. Tal posse será ad interdicta e não ad usucapionem, na impossibilidade de o possuidor adquirir sua propriedade pela via da usucapião. Os demais efeitos da posse, como a tutela possessória, indenização por benfeitorias, direito à percepção de frutos, porém, se produzem normalmente, contra terceiros e contra o Poder Público, de acordo com a boa-fé ou a má-fé do possuidor. Por falta do elemento subjetivo, perde-se a posse pelo constituto possessório, que nada mais é do que uma forma ficta de tradição, pela qual o alienante continua com poder material sobre a coisa, mas em nome do adquirente. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.186-87. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 18/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente, o dispositivo em tela não sofreu praticamente nenhuma alteração substancial, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto, tendo mantido basicamente a mesma redação do Anteprojeto. Quando da fase final de revisão do texto legal, apresentou-se proposta de correção encaminhada ao ilustre Relator-Geral, Deputado Fiuza, que terminou por ser acolhida, no sentido de substituir, no texto primitivo, a palavra “coisa” por “bem”, por ser esta mais adequada em face da sua amplitude (gênero), enquanto aquela representa uma de suas espécies. O dispositivo encontra seu paralelo no art. 520 do CC de 1916, nada obstante as inúmeras alterações verificadas.

Na conscientização da doutrina aplicada por Ricardo Fiuza, o possuidor perde a posse quando não há mais, contra sua vontade, poder fático de ingerência socioeconômica sobre determinado bem da vida. Não se pode esquecer de que o poder de fato de ingerência sobre um bem da vida, capaz de excluir terceiros e formar a relação socioeconômica entre o seu titular e o bem respectivo (formação dialética do fenômeno possessório) é o núcleo deste instituto, elemento imprescindível para a sua configuração. Por isso, cessado esse poder contra a vontade do possuidor, considera-se perdida a posse. Todavia, por verdadeira ficção jurídica, o possuidor esbulhado só vem a perder a posse de um bem quando não busca a reintegração dentro do período de ano e dia, que passa a funcionar como uma espécie de condição suspensiva fatual, ou seja, suspensão temporária do prazo com a expectativa de recuperação (prazo decadencial que não se suspende ou Interrompe, não podendo ser ampliado ou reduzido). Trata-se de ficção jurídica porque o possuidor perde, de fato, a posse do bem. Não obstante, a lei confere a garantia de manter-se ou restituir-se por força própria, contanto que o faça logo (CC 1.210, § lº), ou, ajuizando demanda interdital, com rito especial, no prazo de ano e dia, a contar da data do esbulho, para a obtenção da reintegração liminar. Caso contrário, aquele que estiver na posse por mais de ano e dia, nela será mantido até ser convencido pelos meios ordinários. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 631-32, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 18/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Analogamente Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, da mesma forma que a posse tem início pela exteriorização dos atos típicos de quem parece ser o proprietário – atos de exteriorização da propriedade, descritos no CC 1.196 – ela é perdida quando estes mesmos atos deixam de existir, ou seja, quando cessa o poder da pessoa sobre o bem.

O legislador preferiu estabelecer uma forma genérica e ampla de perda da posse, sem especificar outras maneiras particularizadas. Entretanto, a doutrina indica outras causas extintivas: abandono, tradição, perda, destruição da coisa, inalienabilidade e pela posse de terceiros.

O abandono ocorre quando o possuidor, de forma intencional, se afasta do bem com o intuito de não mais exercer sobre ele atos possessórios, privando-se, assim, da disposição sobre a coisa. A tradição se caracteriza pela vontade do possuidor em transferir para outra pessoa o exercício da posse, como pode ocorrer na compra e venda, permuta etc. A perda da posse se dá, aqui, por conta de uma transferência efetivada entra as partes – e não por abandono – onde o alienante deixa de exercer a disposição sobre o bem de forma voluntária.

 A perda é verificável, a princípio, em relação a bens móveis, uma vez que os bens imóveis dificilmente se sujeitariam a um extravio, por sua própria natureza. Assim, caracteriza-se a perda de um bem quando o mesmo desaparece, cuja localização se torna impossível ou duvidosa, impossibilitando seu titular, assim, de continuar a exercer o poder físico que antes efetivava.

A destruição da coisa se verifica através de evento natural ou fortuito, por ato do próprio possuidor ou mesmo de terceiros. É necessário que não haja uma mera danificação da coisa, mas sua inutilização econômica total, como se dá na hipótese de um raio que vem a abater o animal bovino no pasto. Assim, sendo destruído o objeto, ocorrerá a extinção do próprio direito do possuidor (Diniz, 2002, p. 71).

Perde-se a posse quando o bem é colocado fora do comércio, tornando-se impossível a ocorrência de qualquer ato de disposição particular sobre a coisa. São inalienáveis, assim, as coisas insuscetíveis, de apropriação, como aqueles bens que, por razões de ordem pública, ou de segurança pública, passam a categoria de bens extra commercium Gonçalves, 2006, p. 104).

Ultima-se a perda da posse na hipótese de esbulho sobre o bem, praticado por terceiro, contra a vontade do antigo possuidor, privando-o do exercício. Pela característica da exclusividade da posse – que não admite a concomitância em seu exercício, excetuada a composse – quando uma terceira pessoa passa a efetuar atos possessórios em detrimento do legítimo possuidor, ocorrerá a perda da posse para este, pode deixar de haver ato de disposição sobre o bem. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 18.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.224. Só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido.

 

Como leciona Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em comento mantém o mesmo conteúdo do art. 522 do Código de 1916, apenas apurando a redação, ao substituir o termo “ausente”, de significado duplo, pela mais precisa expressão “quem não presenciou o esbulho”. O CC 1.208 do Código Civil, anteriormente comentado, dispõe que não autorizam a aquisição da posse os atos violentos ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade. Enquanto persiste a clandestinidade, portanto, tem o ocupante singela detenção, porque oculta a situação do verdadeiro possuidor, impossibilitando a sua reação. Ao tomar conhecimento da ocupação da coisa por parte de terceiro, três condutas se abrem ao possuidor, a saber: a) expulsa o intruso, usando da autotutela, caso em que se considera que a posse nem chegou a se perder; b) tenta retomar a coisa, sendo repelido por terceiro; neste momento a detenção se converte em esbulho, marcada pelo vício original da clandestinidade; ou c) tomando conhecimento da ocupação, permanece inerte, caso em que, mais uma vez, a detenção do terceiro se converte em posse injusta, porque adquirida de modo ilícito. O preceito deve ser interpretado com cautela, para evitar o excessivo alargamento da autotutela. O termo temporal da perda da posse, “quando, tendo notícia do esbulho”, deve ser lido como quando teve o possuidor real conhecimento, ou poderia ter conhecido o esbulho. Não tem sentido que a conduta culposa do possuidor, descurando-se daquilo que lhe pertence, postergue o momento da perda da posse, ou amplie a possibilidade do uso da autotutela. Entender o contrário teria o efeito de penalizar o possuidor zeloso, em favor do possuidor desidioso. Note-se que o marco da perda da posse tem também relevância a efeito para cômputo do prazo de ano e dia para a concessão da liminar nas ações possessórias, que não pode ser indefinidamente postergado em favor do possuidor que culposamente desconhece a dominação de terceiro. A aferição da conduta culposa do possuidor, para efeito de conhecer o apoderamento por terceiro, leva necessariamente em conta a natureza da coisa e a função social da posse. É natural que o possuidor desconheça a invasão de sua casa de veraneio fora da temporada, porque o comparecimento esporádico ao local atende à natural função econômica e social da posse. A mesma situação teria solução oposta, se a invasão ocorresse na própria residência onde é o possuidor domiciliado, ou em terras destinadas ao cultivo, porque, cm tais casos, a ausência afronta a natureza econômica ou social da posse. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.188. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 18/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Como infere o relator Ricardo Fiuza, a doutrina e a jurisprudência, durante a vigência do Código de 1916, já assinalavam que a expressão “ausente” empregada no art. 522 não tinha o mesmo sentido descrito no art. 463 daquele mesmo Código (pessoa desaparecida de seu domicílio...), mas designava aquele que não está presente no momento da ocupação. A esse respeito, doutrina Carvalho Santos: “O dispositivo legal quer dizer é que a simples ausência não importa na perda da posse, podendo o possuidor, embora ausente, continuar a posse solo animo, ainda que a coisa possuída por ele tenha sido ocupada por um terceiro, durante a sua ausência” (CC interpretado, Rio de Janeiro, Freitas Rastos, 1979, v. VII, p. 257). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 632, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 18/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Dessa forma acentuam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, quanto ao código anterior usar o vocábulo ausente, ao invés de esbulhado, para definir aquela situação do possuidor que se encontrava em viagem ou fora do local da posse, aplicando, de forma rígida, a penalidade de perda da posse, ainda que tivesse posse jurídica, ou seja, há mais de ano e dia. Com melhor redação, o atual dispositivo trata da incúria do possuidor, eis que, ainda que ciente do esbulho, não chegou a efetivar qualquer ação no sentido de obter de volta a posse da qual era titular ou, mesmo que tenha tentado recuperá-la, fora impedido pelo novel esbulhador.

 

A norma pontifica a ideia de que o momento da ciência do esbulho, pelo verdadeiro possuidor, e o marco para o ajuizamento da tutela possessória adequada, seja de manutenção ou reintegração de posse. Entrementes, há de se adequar a norma ao bom senso que se exige para este tipo de situação, posto que o longo tempo de ausência pode significar, ou não, verdadeiro abandono do bem, embora não pareça ser esta a interpretação adequada ao tipo. Pela especificidade da situação, não se aplica ao caso o denominado desforço pessoal, ou defesa privada da posse, referindo-se o dispositivo às medidas judiciais de recuperação da posse. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 18.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

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