Direito Civil Comentado - Art. 1.228, continua
Da Propriedade em Geral - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro III – Título III –
Da Propriedade
(Art. 1.228 ao 1.232) Capítulo I – Da Propriedade
em Geral
Seção I - Disposições
Preliminares – digitadorvargas@outlook.com
– vargasdigitador.blogspot.com
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e
o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou
detenha.
§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as
suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de
conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas
naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como
evitada a poluição do ar e das águas.
§ 2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer
comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.
§ 3º O proprietário pode ser
privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade
pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo
público iminente.
§ 4º O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel
reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por
mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem
realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo
juiz de interesse social e econômico relevante.
§ 5º No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa
indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título
para o registro do imóvel em nome dos possuidores.
Historicamente, o dispositivo é
praticamente o mesmo do projeto. Durante a tramitação no Senado a Emenda de n.
128 procurou modificar-lhe o § 2º , a fim de que viesse a apresentar a seguinte
redação: “São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer
utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem”. O relator
Fiuza discordou da alteração e propôs a sua rejeição, o que se deu sob o
argumento de que a redação original era mais ampla, além de “mais conveniente
do ponto de vista hermenêutico, mesmo porque estabelece simetria com a classificação
das benfeitorias’. Tratando dos bens reciprocamente considerados, o projeto
distingue, ao lado das benfeitorias úteis ou necessárias, também as
voluptuárias’, caracterizadas, estas últimas, como sendo aquelas ‘de mero
deleite ou recreio, que não aumentem o uso do bem, ainda que o tornem mais
agradável ou sejam de elevado valor’ (art. 96 e § 1º). Não seria aceitável
contemplar uma modalidade de beneficiamento para, posteriormente, excluí-la,
subsumindo-a noutra das categorias elencáveis. Quanto ao mérito, é de
considerar que a restrição, imposta ao direito de propriedade, repousa
essencialmente no intuito de prejudicar terceiros (animus nocendi), e
não nos limites da fruição do bem”. No tocante aos §§ 4º e 5º , o relatório
Fiuza, recepcionando por sua vez o relatório Emnani Satyro, acolhe os
argumentos do Prof. Miguel Reale quando afirma que se trata de “um dos pontos
mais altos do Projeto, no que se refere ao primado dos valores do trabalho como
uma das causas fundantes do direito de propriedade. De outro lado, não há, ao
ver da banca, nada de surpreendente no fato de ser atribuído ao juiz
competência para, no caso especialíssimo previsto no CC 1.266, declarar a
desapropriação dos bens reivindicandos, a fim de que seja pago ao reivindicante
o justo preço de seu imóvel, sem se locupletar ele à custa dos frutos do
trabalho alheio. Como bem observou o Relator especial, os múltiplos casos de
‘desapropriação indireta’, que são casos típicos de ‘desapropriação
pretoriana’, resultantes das decisões de nossos tribunais, estão aí para
demonstrar que o ato expropriatório) não é privilégio nem prerrogativa
exclusiva do Executivo ou do Legislativo. Nada existe o que torne ilegítimo
que, por lei, em hipóteses especiais, o poder de desapropriar seja atribuído ao
juiz, que resolverá em função das circunstâncias verificadas no processo, em
função do bem comum. Sobretudo depois que a lei de usucapião especial veio dar
relevo ao trabalho como elemento constitutivo da propriedade, conferindo
efeitos dominicais à ‘posse-trabalhos (consoante terminologia do Prof. Miguel
Reale, em sua Exposição de Motivos, ou à posse pro labore, segundo expressão do
Estatuto da Terra), tomou-se ainda mais imperioso dar garantia, no Código,
àquelas situações em que se defrontam, de um lado, o possuidor de boa-fé, como
produto de seu trabalho, e, do outro, o proprietário com o seu título de
domínio . Para atender a esse conflito de interesses sociais, o Projeto prevê
que o juiz não ordene a restituição do imóvel ao reivindicante, que teve êxito
na demanda, mas que lhe seja pago o justo preço. Solução equitativa e do maior
alcance socioeconômico, sobretudo porque tem em vista regularizar, de maneira
prática e imediata, a situação de considerável número de pessoas que, por mais
de cinco anos, com boa-fé, houverem realizado, em extensas áreas, obras e
serviços considerados pelo juiz de interesse social relevante”.
Já na fase final e tramitação do projeto,
emenda aprovada pela Câmara dos Deputados substituiu o vocábulo “transcrição”
pela palavra “registro”, visando adequar a redação do artigo à Lei dos
Registros Públicos (Lei n. 6 .015/73).
Doutrina - Na definição de R. Limongi
França, “propriedade é o direito, excludente de outrem, que, dentro dos limites
do interesse público e social, submete juridicamente a coisa corpórea, em todas
as suas relações (substância, acidentes e acessórios), ao poder da vontade do
sujeito, mesmo quando, injustamente, esteja sob a detenção física de outrem” (Instituições
de direito civil, São Paulo, Saraiva, 1988, p. 436). Uso, gozo e disposição
indicam o conteúdo positivo do direito de propriedade. A expressão reavê-la do
poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”, contida na parte
final do caput deste artigo, nada mais é do que o direito de sequela que dá
ensejo à ação reivindicatória.
O caput
do artigo em comento é praticamente idêntico ao art. 524 do Código Civil de
1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. Sobreleva notar que no § 1º verifica-se a
preocupação com a função social da propriedade, com a preservação da flora e da
fauna, com a defesa do meio ambiente e do patrimônio histórico através do
tombamento. Portanto o novo Código Civil, com esta regra, procurou despertar no
homem comum o exercício da cidadania, impondo limitações de caráter social ao
direito de propriedade (v. Carlos Alberto Dabus Maluf, Limitações ao direito
de propriedade, São Paulo, Saraiva, 1997, p. 197). No § 2º o novo Código
condena o abuso de direito, ou daquele que age com mero espírito de emulação.
No que tange à desapropriação, que é um poder do Estado inerente à sua própria
natureza, para restringir o direito de propriedade dos particulares, serão
feitas as considerações doutrinárias no artigo específico. As regras contidas
nos §§ 4º e 5º abalam o direito de
propriedade, incentivando a invasão de glebas urbanas e rurais, criando uma
forma nova de perda do direito de propriedade, mediante o arbitramento judicial
de uma indenização, nem sempre justa e resolvida a tempo, impondo dano ao
proprietário que pagou os impostos que incidiam sobre a gleba. As regras
esculpidas nesses parágrafos são agravadas pela letra do art. 10 e seus
parágrafos da Lei n. 10.257, de 10-7- 2001, conhecida como o Estatuto da
Cidade, uma vez que nela é permitido que essa usucapião especial de imóvel
urbano seja exercida em área maior de duzentos e cinquenta metros, considerando
área maior do que essa “extensa área Prevê também que a população que a ocupa
forme, mediante o requerimento da usucapião, um condomínio tradicional; e mais,
não dá ao proprietário o direito a indenização. Tal forma de usucapião aniquila
o direito de propriedade previsto na Lei Maior, configurando um verdadeiro
confisco, pois, como já se disse, incentiva a invasão de terras urbanas,
subtrai a propriedade de seu titular, sem ter ele direito a qualquer
indenização. Essas regras, a do novo Código Civil e a do art. 10 e seus
parágrafos da Lei n. 10.257/2001, devem ser modificadas por um projeto de lei
especifico, evitando-se, assim, que o Judiciário seja obrigado, por intermédio
de inúmeras ações que haverão de surgir, a declará-las inconstitucional. (Direito Civil -
doutrina, Ricardo Fiuza – p. 635-36, apud Maria Helena
Diniz Código Civil Comentado já
impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 22/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Sugestão legislativa: Em face dos
argumentos acima aludidos, encaminhou-se ao Deputado Ricardo Fiuza proposta
para alteração do § 9 deste artigo, que passaria a contar com a seguinte
redação: Sugestão 5. No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa
indenização devida ao proprietário; pago integralmente o preço pelo ocupante,
valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome do respectivo
possuidor.
Apresentou-se, também, ao Deputado
Ricardo Fiuza sugestão no sentido de propor à Câmara dos Deputados a revogação
do art. 10 e parágrafos da Lei n. 10.257/2001.
Na
redação de Francisco Eduardo Loureiro, o Código Civil de 2002
abraçou o conceito de propriedade como relação jurídica complexa, carregada de
direitos e deveres c voltada à vocação primordial de atender à função social. O
professor Miguel Reale, coordenador do anteprojeto, não deixa dúvidas a respeito,
ao assegurar que é o direito real “visto em razão do novo conceito de
propriedade, com base no princípio constitucional de que a função da
propriedade é social, superando-se a compreensão romana quiritária de
propriedade em função do interesse exclusivo do indivíduo, do proprietário ou
do possuidor” (“Visão geral do projeto do Código Civil, Cidadania e Justiça”.
In: Revista da Associação Brasileira dos Magistrados do Rio de Janeiro, v. V,
n. 10, I o semestre de 2001, p. 64). O espírito que norteia o Livro III do
Projeto, relativo ao direito das coisas, pode ser apreendido do trecho inicial
da exposição de motivos do esboço do anteprojeto, redigido pelo Desembargador
Erbert Chamoun: “reafirma-se que a propriedade, sem deixar de ser um direito
subjetivo, um jus, deve ser considerada, sobretudo, como um munus,
um poder que se exprime simultaneamente num direito e num dever” (“ Exposição
de motivos do esboço do anteprojeto do Código Civil - Direito das Coisas”.
In: Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado da Guanabara.
Rio de Janeiro, n. 23, 1970, p. 11). O caput do CC 1.228 de 2002 guarda
semelhança com o art. 524 do CC/1916, não definindo a propriedade, mas
descrevendo de modo analítico as faculdades do proprietário. Suavizou-se a
redação, conferindo ao proprietário a faculdade - não mais o poder assegurado
pela lei - de usar, gozar e dispor da coisa. Talvez fosse melhor que se desse
desde logo, no caput do artigo, feição de relação jurídica à
propriedade, com menção também aos deveres do proprietário e de sua conexão à
função social. Tal alteração teria o duplo propósito de afastar a noção
oitocentista de direito subjetivo absoluto, introjetada cm nossa cultura, bem
como desautorizar qualquer interpretação que confira hierarquia ao conceito do
corpo do artigo, cm confronto com seus parágrafos, adiante comentados.
Embora
tenham os dois citados artigos de lei conteúdo semelhante, o certo é que sofreu
o conceito de propriedade profunda modificação. Passou da clássica definição de
Lafayette, “direito real que vincula e legalmente submete ao poder absoluto de
nossa vontade a cousa corpórea, na substância, acidentes e acessórios” (Direito
das cousas. Rio de Janeiro, Typografia Baptista de Souza, 1922, p.26), para
a relação jurídica complexa, que tem por conteúdo as faculdades de uso, gozo e
disposição da coisa por parte do proprietário, subordinadas à função social e
com correlatos deveres, ônus e obrigações em relação a terceiros. No regime do
Código Civil, está a propriedade circunscrita aos bens corpóreos, ou seja, às
coisas. O art. 5º, XXII, da Constituição, porém, ao proteger o direito de
propriedade, abrange também os créditos e toda posição jurídica de valor
patrimonial. É por isso que a moderna doutrina não mais fala em propriedade,
mas em propriedades, tal a complexidade e diversidade de situações jurídicas a
disciplinar, que não comportam solução única e monolítica. Os direitos de usar
e fruir um apartamento, uma gleba protegida por legislação ambiental ou bens de
produção são radicalmente diversos entre si, guardando mais diferenças do que
semelhanças. O CC 1.228, caput, descreve de modo analítico os direitos
do proprietário, enfeixando-os em usar (utendi), gozar (fruendi),
dispor (abutendi) e reivindicar. Essas faculdades formam uma unidade,
permitindo ao proprietário tirar toda a utilidade e proveito possível da coisa,
desde que subordinados à função social. A faculdade de usar (ius utendi)
é a de servir-se da coisa, de colocá-la a serviço do proprietário, sem
modificação da substância. A utilização se caracteriza pela exploração direta
da coisa, em proveito próprio, como pelo uso mediato, por intermédio ou em
proveito de terceiro. A faculdade de gozar (ius fruendi) envolve a
percepção de frutos, tanto naturais como civis, permitindo ao proprietário
extrair da coisa todos os rendimentos de que ela é suscetível. Parte da
doutrina, porém, entende que a faculdade de gozo compreende as possíveis formas
de utilização das coisas, tanto em sentido jurídico - gravando-a com
superfície, servidão, usufruto, ou dando-a em penhor - como em senso material,
alterando-lhe a destinação econômica, modificando-a etc. ( Bianca, A. Massimo. Diritto
civile. Milão, Giuffrè, 1999, v. VI, p. 149). A faculdade de dispor (ius
abutendi) envolve tanto a disposição material quanto jurídica da coisa, i.
é, o poder de alienação. Abrange tanto a transmissão a título oneroso ou
gratuito, como o de oneração por direitos reais limitados de gozo, fruição e
garantia e aquisição. Pode ainda consumir a coisa, total ou parcialmente,
desgastando sua substância. Questiona-se se o poder de usar a coisa, em última
análise, envolve também a prerrogativa de não a usar, ou até mesmo de
destruí-la, sob a fórmula medieval do jus abutendi. O moderno
entendimento é o de que tanto a faculdade de não usar, como a de consumir ou
mesmo a de destruir a coisa estão subordinadas à função social da propriedade.
Claro que pode o proprietário guardar a coisa, mantê-la inerte, ou mesmo
destruir sua substância, dada a natureza consumível do bem. Tais prerrogativas
são lícitas, desde que, diante das circunstâncias do caso concreto, não forem
contra a natureza ou destinação econômica do bem. A faculdade de reivindicar é
a prerrogativa do proprietário de excluir a ingerência alheia injusta sobre
coisa sua. É o poder do proprietário de buscar a coisa em mãos alheias, para
que possa usar, fruir e dispor, desde que o possuidor ou detentor a conserve
sem causa jurídica. É efeito dos princípios do absolutismo e da sequela, que
marcam os direitos reais. A ação reivindicatória, espécie de ação petitória,
com fundamento no jus possidendi, é ajuizada pelo proprietário sem
posse, contra o possuidor sem propriedade. Irrelevante a posse anterior do
proprietário, pois a ação se funda no ius possidendi e não no ius
possessionis; ou, em termos diversos, não no direito de posse, mas no
direito à posse, como efeito da relação jurídica preexistente. A parte final do
CC 1.228 reserva a ação reivindicatória para o proprietário reaver a coisa “do
poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. A primeira observação
é a de que estendeu o legislador a ação reivindicatória também contra o
detentor, corrigindo omissão do Código revogado e positivando entendimento
doutrinário e jurisprudencial. Se a ação cabe contra o possuidor injusto, com
maior dose de razão cabe contra aquele que nem posse tem, mas, simplesmente,
representa outrem na posse. Vale destacar que a expressão injustamente a
possua, para efeito reivindicatório, tem sentido mais abrangente do que para
simples efeito possessório. Nos termos do CC 1.200, anteriormente comentado,
posse injusta, para efeito possessório, é a marcada pelos vícios de origem da
violência, clandestinidade e precariedade. Já para efeito reivindicatório,
posse injusta é aquela sem causa jurídica a justificá-la, sem um título, uma
razão que permita ao possuidor manter consigo a posse de coisa alheia. Em
outras palavras, pode a posse não padecer dos vícios da violência,
clandestinidade e precariedade e, ainda assim, ser injusta para efeito
reivindicatório. Basta que o possuidor não tenha um título para sua posse. É
por isso que não cabe a ação reivindicatória, entre outros, contra o locatário,
o comodatário, o credor pignoratício, o devedor-fiduciante, o usufrutuário,
pois na vigência dos aludidos negócios ou direitos reais as posses diretas têm
causas jurídicas que as justificam, ou seja, não são injustas nem para efeito
possessório, nem para efeito petitório. Verifica-se, em resumo, que em
determinadas situações o proprietário que tinha e perdeu a posse por ato
ilícito de terceiro tem a seu favor a opção de usar tanto a ação
reivindicatória como a ação possessória. Pode escorar a ação no direito de
propriedade, ou na posse anterior, injustamente perdida. Tem legitimidade para
ajuizar a ação reivindicatória o proprietário. Pode o condômino de imóvel
indiviso reivindicá-lo no todo de terceiro, mas não quando o possuidor for
outro condômino. Caso o condomínio seja pro diviso, ou seja, com as posses
localizadas dos comunheiros, o entendimento mais recente do Superior Tribunal
de Justiça é a admissão da ação reivindicatória. Grassa controvérsia sobre a
possibilidade do compromitente comprador com título registrado ajuizar ação
reivindicatória. O melhor entendimento é no sentido de se admitir tal
possibilidade, levando em conta que o compromisso de compra e venda é contrato
preliminar impróprio, que esgota a atividade negociai, deixando a escritura
definitiva como simples ato devido, despido de maior significado. Pode figurar
no polo passivo da ação reivindicatória o detentor, possuidor sem causa
jurídica que justifique sua posse, ou mesmo terceiro adquirente de boa-fé. Pode
ser cumulada com pedido indenizatório de perdas e danos, ou demolitório de
acessões e benfeitorias. É ação real, de modo que devem figurar ambos os
cônjuges nos polos ativo e passivo. Pode ter por objeto coisas móveis e
imóveis, singulares ou coletivas, fungíveis ou infungíveis, inclusive as
universalidades de foto, como um rebanho ou uma biblioteca. As universalidades
de direito, como o patrimônio, devem ser objeto de ação reivindicatória em
relação aos bens que as compõe.
(Francisco Eduardo Loureiro, apud Código
Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002.
Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.195-97.
Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 22/09/2020. Revista e atualizada nesta data
por VD).
Sob
o prisma de Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira, a ordem jurídica atual, embora assegurando inarredável
direito à propriedade privada, trouxe em seu arcabouço uma preocupação maior
com o sentimento comum da coletividade, destacando em seus dispositivos
constitucionais e ordinários a clara tendência em sobrepor os interesses
sociais aos individuais, que permeavam a ordem anterior.
Hoje a propriedade é analisada,
dentro do contexto evolutivo, pela ótica de sua função social, seja no
plano urbano ou rural, refutando-se sua utilização de forma meramente especulativa,
buscando uma aproximação, cada vez mais esperada, com os valores republicanos
que refletem, acima de tudo, ideias de produtividade e bem-estar social. Dada a
dificuldade em apresentar um conceito adequado à propriedade – algo que o
Código também não se presta a fazer – é fundamental a análise dos atributos
inerentes ao titular do domínio, uma vez que a propriedade gera o direito de uso,
gozo, disposição e reivindicação. Vale dizer que a propriedade é plena e
exclusiva, ou seja, não sofre qualquer limitação ou restrição no exercício
do direito de seu titular (plenitude), salvo em casos especiais, como se dá com
o gravame de inalienabilidade, por força da lei ou da vontade (MÁRIO).
Daí o CC 1.231 prescrever que “a propriedade presume-se plena e exclusiva,
até prova em contrário”. É exclusiva a propriedade, pelo fato de não
admitir o exercício de dois ou mais titulares sobre o mesmo direito, ou seja, o
direito de um exclui o do outro, sendo que o condomínio não afasta esta noção,
por se tratar de uma propriedade cujos titulares detém apenas frações ideais
sobre o todo.
Direito de uso (jus utendi)
é aquele em que o titular serve-se da coisa para si mesmo, ou seja, para seu
próprio benefício, não sofrendo o bem qualquer alteração em sua estrutura. De conformidade
com a nova ordem jurídica, a utilização da propriedade deve atender seus
objetivos econômicos e sociais, afastando-se o exercício que se caracterize
pelo individualismo, em detrimento da ideia do bem-estar geral, de modo que o
uso deve levar em conta as premissas do § 1º. Desta maneira, o uso absoluto e
desmedido da propriedade cedeu lugar ao seu exercício pautado em finalidades
que atendam expectativas da coletividade, e não somente de seu próprio titular.
Melhor dizendo, é o uso normal da propriedade que se espera de seu titular.
O direito de fruição (jus
fruendi) traduz-se não somente pela utilização do bem, mas, principalmente,
pela extração de seus resultados econômicos, ou seja, pela percepção dos frutos
gerados pelo bem, sejam naturais, civis ou industriais. A noção de
fruição considera, na maioria das vezes, a do próprio direito de uso, como
condição para a obtenção de resultados.
Direito de disposição (jus
disponendi) é a tradução do direito de alienar livremente o bem,
assim representado pela possibilidade de venda, doação, permuta etc. Dispor da
coisa, na acepção originária romana significava não somente a disposição
material do bem mas também o consumo, ou a destruição de sua substância (abutare).
Em sua acepção moderna, a ideia de disposição restringe-se ao poder de
alienação, de maneira geral, já que a outra vertente (destruição) encontra,
hoje, obstáculos legais e públicos intransponíveis, considerando os interesses
sociais em jogo.
O direito de reivindicação (res
vindicatio) é atributo relacionado aos anteriormente estudados, de suma
importância no âmbito do direito dominial, uma vez que, se o bem estiver no
poder de terceiros, sem título jurídico que o justifique, os demais atributos
sequer poderão ser exercitados pelo verdadeiro titular. Reivindicar significa
recuperar a posse por parte daquele que detém o título de propriedade do
bem, que se encontra nas mãos de terceiros, sem título que o legitime. Este
terceiro poderá ser tanto o possuidor quanto o detentor.
Quando o proprietário ajuíza ação
reivindicatória diretamente contra o detentor, isto não quer dizer que ele
será chamado em nome próprio para defender-se. Não é isso. De fato, continua em
pleno vigor o preceito do artigo 62 do CPC/1973, (ver arts. 338 e 339
relacionados no CPC/2015), de modo que, uma vez acionado judicialmente, o
detentor deverá nomear à autoria o proprietário ou possuidor a quem se
encontra subordinado, a fim de que se estabeleça corretamente a relação
jurídica.
A ação reivindicatória
(ou petitória) é disponibilizada ao proprietário não-possuidor contra o
possuidor não-proprietário, quando se encontra o primeiro privado do exercício
do uso e fruição, ou seja, do exercício da posse direta. Descabe a
reivindicatória, pois, ao possuidor, eis que a prova do título da propriedade
é condição de admissibilidade desta demanda, de natureza real. Em se tratando
de propriedade em comum, cada um dos condôminos poderá se utilizar,
individualmente, desta prerrogativa legal para reivindicar de terceiros a
totalidade do imóvel, como assegura a segunda parte do CC 1.314.
Desapropriação é uma modalidade
tradicional de extinção da propriedade, de forma involuntária, tratando-se de
matéria de fundamento constitucional e regulamentado pelo direito
administrativo, com base no Decreto-lei n. 3.365/1941. Assim como a usucapião,
a desapropriação é modo originário de aquisição da propriedade – neste
caso, pelo Poder Público – não havendo, pois, qualquer relação jurídica de
transmissão em relação ao antigo dono.
Admite-se a desapropriação das
hipóteses de necessidade e utilidade pública, hipótese em que quaisquer
bens poderão ser desapropriados pela União, estados, Municípios, Distrito
Federal e Territórios (art. 2º, Decreto-Lei n. 3.365/1941). Também se dá no
caso de interesse social, para fins de reforma agrária, assim contida no art.
184 da Carta Magna, de competência exclusiva da União, quando o imóvel rural
não estiver cumprindo sua função social, salvo nos cacos de propriedade
produtiva (art. 185, II, CF). Cabe também desapropriação pelo Município, a
título de penalidade, quando o imóvel urbano não promover o seu uso
adequado, nos termos do plano diretor (art. 182, § 4º, III, CF).
Desapropriação Judicial é uma
nova modalidade de perda da propriedade imóvel em favor dos possuidores, vem
prevista, ao lado das tradicionais formas de desapropriação (necessidade
ou utilidade pública ou interesse social), nos §§ 4º e 5º do CC 1.228. o legislador
buscou valorizar, nesta figura jurídica – desapropriação privada – a
posse pró-labore, ou seja, aquela voltada para a efetiva ocupação do
solo com realização de obras de interesse social, refutando, assim, a ideia de
propriedade voltada para objetivos individualistas e puramente especulativos.
Efetivamente, trata-se de posse-trabalho,
existente por mais de cinco anos, de forma ininterrupta e de boa-fé,
fundada na função social da propriedade, traduzida em trabalho criador, feito
em conjunto ou separadamente, que se concretize em serviço ou construção de
moradia, enriquecida pelo valor laborativo de um número considerável de pessoas
(DINIZ).
O § 4º do CC 1.228 utiliza clausulas
gerais em larga escala, propiciando ao magistrado uma considerável margem
de discricionariedade ao analisar critérios como extensa área” e “obras
e serviços de interesse social”. Se de um lado trata-se de atribuição
louvável, de outro se torna complexa e até mesmo arriscada, tamanha sua
elasticidade.
A justa indenização
constitui cláusula aberta que permite ao magistrado valorar, do ponto de vista
econômico, o que representa, de fato, uma indenização justa e proporcional à
perda da propriedade imobiliária.
A posse pró-labore
deverá ser alegada como matéria de defesa em ação reivindicatória, intentada
pelo titular do bem, sendo que, ao julgar a procedência do pedido, o juiz
converterá a entrega do bem no pagamento de uma indenização. De fato, havendo
ação reivindicatória, a posse-trabalho será alegada como matéria de defesa na
contestação ou em reconvenção; logo, não poderá o magistrado considerar de
ofício a existência de requisitos configuradores da desapropriação judicial. O
proprietário, vencedor da demanda, não receberá de volta o bem de raiz, rural
ou urbano, mas sim o justo preço do imóvel – fixado por perícia. A
sentença que aprecia a procedência do pedido reivindicatório servirá de
título hábil ao registro imobiliário, transferindo-se o domínio do bem, assim,
para o nome dos possuidores (Diniz, 2007, p. 195).
Enunciado 82 do Conselho de
Justiça Federal (Jornadas de Direito Civil): É constitucional a modalidade
aquisitiva de propriedade imóvel prevista nos §§ 4º e 5º do CC 1.228.
Enunciado 83 do Conselho de
Justiça Federal (Jornadas de Direito Civil): Nas ações reivindicatórias
propostas pelo Poder Público, não são aplicáveis as disposições constantes dos
§§ 3º e 4º do CC 1.228 (Alterado pelo Enunciado 304 – IV Jornada).
Enunciado n. 84 do Conselho de
Justiça Federal (Jornadas de Direito Civil): A defesa fundada no direito de
aquisição com base no interesse social (CC 1.228, §§ 4º e 5º) deve ser
arguida pelos réus da ação reivindicatória, eles próprios responsáveis pelo
pagamento da indenização”.
Enunciado n. 240 do Conselho de
Justiça Federal (Jornadas de Direito Civil): A justa indenização a que alude o
parágrafo 5º do CC 1.228 não tem como critério valorativo, necessariamente, a
avaliação técnica lastreada no mercado imobiliário, sendo indevidos os juros compensatórios.
Enunciado n. 241 do Conselho de
Justiça Federal (Jornadas de Direito Civil): O registro da sentença em ação
reivindicatória, que opera a transferência da propriedade para o nome dos
possuidores, com fundamento no interesse social (CC 1.228, § 5º), é
condicionada ao pagamento da respectiva indenização, cujo prazo será fixado
pelo juiz.
Enunciado n. 304 do Conselho de
Justiça Federal (Jornadas de Direito Civil): São aplicáveis as disposições dos
§§ 4º e 5º do CC 1.228 as ações reivindicatórias relativas a bens públicos
dominicais, mantido, parcialmente, o Enunciado 83 da I Jornada de direito
Civil, no que concerne às demais classificações dos bens públicos.
Enunciado 305 do Conselho de
Justiça Federal (Jornadas de Direito Civil): Tendo em vista as disposições dos
§§ 3º e 4º do CC 1.228, o Ministério Público tem o poder-dever de atuar nas
hipóteses de desapropriação inclusive a indireta, que encerrem relevante
interesse público, determinado pela natureza dos bens jurídicos envolvidos.
Enunciado n. 306 do Conselho de
Justiça Federal (Jornadas de Direito Civil): A situação descrita no § 4º do CC
1.228 enseja a improcedência do pedido reivindicatório.
Enunciado 307 do Conselho de
Justiça Federal (Jornadas de Direito Civil): Na Desapropriação judicial (CC
1.228 § 4º), poderá o juiz determinar a intervenção dos órgãos públicos
competentes para o licenciamento ambiental e urbanístico.
Enunciado n. 308 do Conselho de
Justiça Federal (Jornadas de Direito Civil): A justa indenização devida ao
proprietário em caso de desapropriação judicial (CC 1.228, § 5º) somente deverá
ser suportada pela Administração Pública no contexto das políticas públicas de
reforma urbana ou agrária, em se tratando de possuidores de baixa renda e desde
que tenha havido intervenção daquela nos termos da lei processual. Não sendo os
possuidores de baixa renda, aplica-se a orientação do Enunciado 84 da I Jornada
de Direito Civil.
Enunciado n. 309 do Conselho de
Justiça Federal (Jornadas de Direito Civil): O conceito de posse de boa-fé de
que trata o CC 1.201 não se aplica ao instituto previsto no § 4º do CC 1.228.
Enunciado n. 310 do Conselho de
Justiça Federal (Jornadas de Direito Civil): Interpreta-se extensivamente a
expressão “imóvel reivindicado” (CC 1.228, § 4º), abrangendo pretensões tanto
no juízo petitório quando no possessório.
Enunciado n 311 do Conselho de
Justiça Federal (Jornadas de Direito Civil): Caso não seja pago o preço fixado
para a desapropriação judicial, e ultrapassado o prazo prescricional para se
exigir o crédito correspondente, estará autorizada a expedição de mandado para
registro da propriedade em favor dos possuidores.
Enunciado n. 496 do Conselho de
Justiça Federal (Jornadas de Direito Civil): O conteúdo do CC 1.228, §§ 4º e
5º, pode ser objeto de ação autônoma, não se restringindo à defesa em
pretensões reivindicatórias.
Súmula n. 12 Súmula do Superior
Tribunal de Justiça do Superior: Em desapropriação, são cumuláveis juros
compensatórios e moratórios.
Súmula n. 56 Súmula do Superior
Tribunal de Justiça do Superior: Na desapropriação para instituir servidão
administrativa são devidos juros compensatórios pela limitação do uso da
propriedade.
Súmula n. 63 Súmula do Superior
Tribunal de Justiça do Superior: São devidos direitos autorais pela
retransmissão de músicas em estabelecimentos comerciais.
Súmula n. 67 Súmula do Superior
Tribunal de Justiça do Superior: Na desapropriação, cabe a atualização
monetária, ainda que por mais de uma vez, independentemente do decurso de prazo
superior a 1 (um) ano entre o cálculo e o efetivo pagamento da indenização.
Súmula n. 70 Súmula do Superior
Tribunal de Justiça do Superior: Os juros moratórios, na desapropriação direta
ou indireta, contam-se desde o trânsito em julgado da sentença.
Súmula n. 113 Súmula do
Superior Tribunal de Justiça do Superior: Os juros compensatórios, na
desapropriação direta, incidem a partir da imissão na posse, calculados sobre o
valor da indenização, corrigido monetariamente.
Súmula n. 114 Súmula do
Superior Tribunal de Justiça do Superior: Os juros compensatórios, na
desapropriação indireta, incidem a partir da ocupação, calculados sobre o valor
da indenização, corrigido monetariamente.
Súmula n. 131 Súmula do
Superior Tribunal de Justiça do Superior: Nas ações de desapropriação
incluem-se no cálculo da verba advocatícia as parcelas relativas aos juros
compensatórios e moratórios, devidamente corrigidas.
Súmula n. 141 Súmula do
Superior Tribunal de Justiça do Superior: Os honorários de advogado em
desapropriação direta são calculados sobre a diferença entre a indenização e a
oferta, corrigidas monetariamente.
Súmula n. 354 Súmula do
Superior Tribunal de Justiça do Superior: A invasão de imóvel é causa de
suspensão do processo expropriatório para fins de reforma agrária.
Súmula n. 408 Súmula do
Superior Tribunal de Justiça do Superior: Nas ações de desapropriação, os juros
compensatórios incidentes após a Medida Provisória n. 1.577, de 11.6.1997,
devem ser fixados em 6% ao ano até 13.09.2001 e, a partir de então, em 12% ao
ano, na forma da Súmula 618 do Supremo Tribunal Federal.
Súmula n. 23 do Supremo
Tribunal Federal: Verificados os pressupostos legais para o licenciamento da
obra, não o impede a declaração de utilidade pública para a desapropriação do
imóvel, mas o valor da obra não se incluirá na indenização, quando a
desapropriação for efetivada. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 22.09.2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
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