Direito Civil Comentado - Art.
1.340, 1.341, 1.342
Do Condomínio Edilício – VARGAS,
Paulo S. R. - Parte Especial –
Livro
III – Título III – Da
Propriedade (Art. 1.331 a 1.358) Capítulo VII
– Do
Condomínio Edilício – Seção I – Disposições Gerais–
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Art.
1.340. As despesas relativas a partes comuns de
uso exclusivo de um condômino, ou de alguns deles, incumbem a quem delas se
serve.
Na visão de Francisco Eduardo Loureiro, são as despesas do condomínio provenientes da manutenção ou melhoramentos das partes comuns do edifício, uma vez que cada condômino arca com as despesas oriundas da própria unidade autônoma. Ocorre, porém, que certas partes, embora de natureza comum, servem ao uso exclusivo de um ou alguns condôminos. Em tal caso, as despesas dessas partes, em última análise, revertem somente em proveito de um ou de uma classe de condôminos, não sendo razoável que o rateio seja feito entre todos. Tomem-se como exemplos os casos de edifícios mistos, com lojas no pavimento térreo e apartamentos ou escritórios nos andares superiores. O condômino titular da loja, que, via de regra, face a sua área privativa, tem grande participação na fração ideal de terreno, não deve participar do rateio de despesas relativas à manutenção ou reforma de elevadores ou de manutenção das escadas internas do prédio. Isso porque, embora áreas comuns, sua utilização ou serviços não têm qualquer potencial utilidade para os lojistas. Já decidiu o STJ que “do rateio das despesas de condomínio não pode resultar deva arcar o condômino com aquelas que se refiram a serviços ou utilidades que, em virtude da própria configuração do prédio, não têm, para ele, qualquer préstimo” (REsp n. 164.672/PR, rel. Min. Eduardo Ribeiro). O que visa o preceito é evitar o enriquecimento sem causa, hoje positivado como cláusula geral no CC 884 do Código Civil, do condômino ou grupo de condômino em proveito dos quais reverte o proveito exclusivo de certas despesas, pagas, porém, pela totalidade dos comunheiros. A regra do CC 1.340 é cogente, de modo que prevalece sobre disposição convencional, ou decisão de assembleia. Constitui exceção à regra geral do rateio de despesas prevista no CC 1.336,1, anteriormente examinado.
Note-se que, para eximir-se do rateio, não basta que o condômino não use, ou opte por não usar certos serviços ou áreas comuns. É necessário que não possa usá-los, quer por não ter acesso livre a certas áreas, quer porque os serviços nem potencialmente possam trazer-lhe qualquer vantagem. Se o serviço se encontra à disposição do condômino e este, por problemas ou circunstâncias pessoais, não o utiliza, embora possa utilizá-lo, deve participar do rateio de seu custo. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.370-71. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 17/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Não sobra muito para dizer, no comentário de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira. Inspirado no princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, o Código dispõe que as despesas relativas a partes comuns, mas de uso exclusivo de um condômino, ou de alguns, incumbem a quem delas se serve. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 17.11.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Por sua vez, Ricardo Arruda em sua doutrina aponta prever este dispositivo que o pagamento das despesas que concernem ao uso exclusivo das áreas comuns, como por exemplo, a cobertura do edifício, o hall de elevador privativo etc., compete ao condômino que as utiliza. Tal dispositivo consagra, mais uma vez, o princípio que veda o enriquecimento sem justa causa. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 687, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 17/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.341. A realização de obras no condomínio depende:
I – se voluptuárias, de
voto de dois terços dos condôminos;
II – se úteis, de voto da
maioria dos condôminos.
§ 1º. As obras ou reparações
necessárias podem ser realizadas independentemente de autorização, pelo
síndico, ou, em caso de omissão ou impedimento deste, por qualquer condômino.
§ 2º. Se as obras ou reparos
necessários forem urgentes e importarem em despesas excessivas, determinada sua
realização, o síndico ou o condômino que tomou a iniciativa delas dará ciência
à assembleia, que deverá ser convocada imediatamente.
§ 3º. Não sendo urgentes, as
obras ou reparos necessários, que importarem em despesas excessivas, somente
poderão ser efetuadas após autorização da assembleia, especialmente convocada
pelo síndico, ou, em caso de omissão ou impedimento deste, por qualquer dos
condôminos.
§ 4º. O condômino que
realizar obras ou reparos necessários será reembolsado das despesas que
efetuar, não tendo direito à restituição das que fizer com obras ou reparos de
outra natureza, embora de interesse comum.
Historicamente, observe-se o texto original do projeto: “A
realização de obras voluptuárias depende de aprovação da unanimidade dos
condôminos; a das obras úteis depende da de dois terços de seus votos; as obras
ou reparações necessárias podem ser realizadas pelo síndico independentemente
de autorização. Parágrafo único. Se as obras, ou reparações necessárias importam
despesas excessivas, deve o síndico dar prévio conhecimento delas à assembleia,
salvo quando sejam absolutamente indispensáveis e urgentes. No impedimento ou
omissão do síndico, podem estas ser efetuadas por iniciativa de qualquer dos
condôminos. Mas não terá o condômino direito a reembolsar das despesas que
fizer com obras, ou reparações, de outra natureza, embora no interesse comum.” Do
exposto fácil é verificar que a Emenda de n. 139, de autoria do eminente
Senador Itamar Franco, buscou flexibilizar o procedimento. servindo ao conjunto
dos interessados. A justificativa da emenda apresentada perante o Senado
Federal, e com a qual anuiu o relator Fiuza, foi a seguinte: “A emenda confere
nova redação ao CC 1.341, desdobrando o parágrafo único em três parágrafos. o
desdobramento empresta maior clareza ao texto. Também procede a redução do quorum
de unanimidade para dois terços, no caso de autorização para obras e reparações
voluptuárias, e de dois terços para maioria absoluta, no caso de obras e
reparações úteis. A experiência mostra a dificuldade de reunião da assembleia
de condôminos para deliberações convenientes.
Com o conhecimento que leciona Ricardo Fiuza
em sua doutrina, este dispositivo
legal fixa quorum qualificado para a aprovação de realização de obras no
condomínio. Faz a distinção entre benfeitorias necessárias, úteis e
voluptuárias, permitindo que, quando se trata de obra necessária e urgente, o
síndico, ou qualquer condômino, se o síndico for omisso, poderá fazê-la,
independentemente de autorização da assembleia, devendo aprová-la
posteriormente. Prevê também o reembolso ao condômino que fez obras necessárias
no condomínio, se comprovadas. (Direito
Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 688, apud Maria Helena Diniz Código
Civil Comentado já impresso pdf 16ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 17/11/2020, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
Não se estendem os autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira que no seu parecer: Benfeitorias voluptuárias se fazem com a aprovação de dois terços dos condôminos; as úteis com o voto da maioria simples; as necessárias podem ser realizadas pelo síndico, independentemente de autorização e, na omissão, por qualquer condômino. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 17.11.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Mais focado no tamanho do problema, ao que parece, Francisco Eduardo Loureiro, traz um resumo mais completo a começar pela ausência de dispositivo correspondente no Código Civil de 1916, tampouco na Lei n. 4.591/64. Inova o legislador, ao exigir a aprovação por critérios determinados e distintos para cada modalidade de obra a ser realizada se a aprovação de obras se daria por maioria simples ou qualificada. No silêncio, incidia a regra geral da aprovação por maioria simples.
O princípio da norma é o da exigência de aprovação por maioria
inversamente proporcional à indispensabilidade da obra. Quanto menos necessária
a obra, mais elevado o quorum para sua aprovação. A norma é cogente, de
modo que prevalece sobre disposição convencional em sentido contrário, que
dispense maioria absoluta ou qualificada. Nada impede, todavia, que a convenção
exija quóruns mais rigorosos do que a lei.
Como visto anteriormente, a discussão acerca da incidência da norma
sobre convenções registradas anteriormente à vigência do atual Código Civil
gera polêmica. Vale o que foi dito para a questão da multa moratória devida
pelo condômino em atraso. Os que entendem que a convenção tem natureza
contratual, de modo coerente defendem que a nova lei não pode retroagir para
alcançar o ato jurídico perfeito. Os que entendem que a convenção tem natureza
de ato-regra, gerando direito estatutário, admitem a imediata incidência da nova
norma de ordem pública, corrente que parece preferível, evitando a incerteza da
persistência de duplo regime jurídico do condomínio edilício, os constituídos
anteriormente ou posteriormente ao Código Civil.
O caput do artigo fala em “obras” no condomínio, termo que
merece detida investigação. A expressão exclui acessões, tratadas nos artigos
subsequentes, mas deve ser interpretada em sentido amplo, englobando não
somente construções, como também todo e qualquer melhoramento, aí incluída a
aquisição de pertenças e investimentos em geral, como decoração do hall de
entrada, aquisição de objetos, paisagismo ou mesmo a contratação de certos
profissionais, como professores de línguas ou instrutores de ginástica para
ministrar aulas no edifício. Embora não diga a lei, devem ser tais
investimentos de certa magnitude ou de custo excessivo. Não teria sentido, como
é óbvio, exigir a aprovação da assembleia para adquirir objetos e serviços de
valor reduzido, ainda que de natureza voluptuária, ou de mero deleite dos condôminos.
A expressão abrange as benfeitorias, ou seja, os investimentos que se fazem
numa coisa para conservá-la, melhorá-la ou embelezá-la, mas não as acessões,
que criam coisas novas e são reguladas no artigo subsequente. Utiliza a lei a
mesma classificação das benfeitorias da Parte Geral do Código Civil,
dividindo-as em necessárias, úteis e voluptuárias. As categorias, porém, não
são estanques, podendo uma obra ser voluptuária em determinadas circunstâncias,
mas útil em outras.
Em relação às obras voluptuárias, exige a lei aprovação pela
maioria qualificada de “dois terços dos condôminos”. Comporta a regra algumas
observações. A maioria qualificada a que alude a lei é para aprovação da obra e
não o quorum para instalação da assembleia. Os dois terços se contam
sobre o universo daqueles aptos a votar, não somente dos presentes, excluídos,
portanto, os inadimplentes. Caso contrário, causaria o impedimento efeito
contrário ao que almeja a lei, prejudicando duplamente os demais condôminos
pontuais. Embora se refira a condôminos, na verdade a contagem dos votos se faz
na forma prevista no parágrafo único do CC 1.352, adiante comentado, ou seja,
com a força das frações ideais no solo e nas outras partes comuns pertencentes
a cada condômino, salvo disposição diversa na convenção. A matéria a ser
deliberada deverá constar obrigatoriamente da convocação da assembleia. Em
relação às obras úteis, exige a lei aprovação por maioria absoluta,
estendendo-se, no mais, o que já se disse sobre as obras voluptuárias.
A deliberação da maioria qualificada ou absoluta - dependendo da
natureza da obra - vincula a minoria, ainda que discordante. Embora existam
julgados divergentes, não pode a minoria - daí a exigência de quorum elevado -
eximir-se do pagamento, a pretexto de que a despesa é incompatível com a
categoria do edifício, ou muito dispendiosa. A única eximente aceitável é a
amparada no CC 1240, já comentado, qual seja, de que a melhoria reverterá
apenas em proveito de um ou determinado grupo de condôminos, sobre os quais deverá
recair o rateio.
Em relação às obras - englobando melhoramentos, pertenças e
serviços - necessárias, a disciplina é diversa. São indispensáveis à
conservação da coisa comum, que, sem elas, corre o risco de se deteriorar ou
perecer ou, ainda, sofrer sanções do Poder Público. A lei cria duas categorias
de obras necessárias e lhes dá tratamento distinto: a) urgentes e não urgentes;
b) de custo excessivo e de custo moderado.
As obras necessárias de custo moderado - urgentes ou não - podem
ser feitas pelo síndico, ou, em sua omissão ou impedimento, por qualquer
condômino, independentemente de prévia deliberação da assembleia geral. A
expressão “custo não excessivo”, ou moderado, é indeterminada e deve ser
preenchida pelo juiz no caso concreto, levando em conta sua proporção em
relação à arrecadação do condomínio e o reflexo que causará na contribuição dos
condôminos. Obra de preço moderado em condomínio de alto padrão certamente será
de custo excessivo em condomínio popular.
As obras de custo excessivo podem ser urgentes ou não. Caso sejam
urgentes, podem e devem ser feitas pelo síndico ou, em sua omissão ou
impossibilidade, por qualquer condômino, submetidas ao posterior placet
da assembleia, por maioria simples, que deve ser convocada imediatamente. Pode
a assembleia deixar de chancelar a obra já realizada, quer entendendo não ser
ela necessária, quer não urgente, quer rejeitando o custo de sua realização.
Como consequência, deve determinar ao síndico a devolução da quantia gasta, ou
negar o reembolso das despesas já feitas, levando em conta, sempre, o efetivo
benefício auferido pelo condomínio, para evitar o enriquecimento sem causa.
Caso as obras necessárias sejam de custo excessivo e não urgentes,
se impõe a aprovação prévia em assembleia, por maioria simples, valendo o que
foi dito, quanto à convocação e à contagem de votos, para as obras
voluptuárias.
Com o objetivo de impedir que um condômino realize isoladamente por
conta própria as obras que entender cabíveis e após pretenda ratear seu custo
com os demais condôminos, restringe a lei, no § 4º do artigo em exame, o
reembolso das obras necessárias. As obras úteis e voluptuárias, embora revertam
em benefício do condomínio, não são indenizáveis ao condômino que as fez sponte
própria, em posição simétrica à do possuidor de má-fé. Cabe apenas indenização
pelas benfeitorias necessárias, sem, contudo, direito de retenção, incompatível
com a persistência e os fins do condomínio edilício, uma vez que são as obras
realizadas em áreas comuns. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 1.372-74. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 17/11/2020. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Art. 1.342. A
realização de obras, em partes comuns, em acréscimo às já existentes, a fim de
lhes facilitar ou aumentar a utilização, depende de aprovação de dois terços
dos votos dos condôminos, não sendo permitidas construções, nas partes comuns,
suscetíveis de prejudicar a utilização, por qualquer dos condôminos, das partes
próprias, ou comuns.
Da mesma forma que o artigo anterior, o artigo em exame não tinha, na
concepção de Francisco Eduardo Loureiro, correspondente no Código Civil de 1916
nem na Lei n. 4.591/64. Trata o artigo das acessões, desde que não constituam
novas unidades autônomas, ou, na dicção da lei, feitas em acréscimo às já
existentes. Essa é a diferença em relação ao artigo antecedente, que tratava
apenas de benfeitorias ou melhoramentos em coisas já existentes, mas sem
acréscimo, sem a criação de coisas novas.
Levando em conta a maior magnitude da obra, impõe a lei, por norma
cogente, que se sobrepõe à convenção, quorum qualificado de dois terços
dos condôminos para sua aprovação. O que foi dito no artigo anterior sobre a
composição do quorum e cômputo da maioria aqui se aplica.
Coloca a lei claros limites à aplicação da norma. As obras serão
sempre em partes comuns e se somarão ou complementarão outras obras já
existentes. São os casos, por exemplo, de construção de uma piscina na área de
recreio, de ampliação de vestiários para implantação de uma sauna ou da
construção de uma churrasqueira, em complementação aos equipamentos de lazer.
Visam a facilitar ou aumentar a utilização das áreas comuns, em proveito de
todos os condôminos. Não podem as novas construções, todavia, converter área
comum em área de proveito de apenas um ou alguns condôminos, como construção de
garagens para certas unidades autônomas. Também não podem as obras vir em
detrimento de qualquer das unidades autônomas, prejudicando sua insolação,
ventilação, sossego ou privacidade dos ocupantes ou condôminos. (Francisco
Eduardo Loureiro, apud Código Civil
Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord.
Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.374. Barueri, SP:
Manole, 2010. Acessado 17/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Repete o histórico,
o conceito de Francisco Eduardo Loureiro acima, o artigo
em exame não ter correspondente no Código Civil de 1916
nem na Lei n. 4.591/64, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da
Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação
atual é a mesma do projeto.
Também
muito sucinta a atuação do relator em sua doutrina, prevendo este artigo a
necessidade de quorum qualificado também para a aprovação de realização
de obras de acréscimo em área comum, sendo que essas obras serão vedadas se
causarem prejuízo, dificultando a utilização da área comum. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza
– p. 689, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acessado em
17/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
O comentário de Luiz Antonio Scavone Junior, a estrutura dos condomínios edilícios mudou radicalmente nos últimos anos. Com efeito, cada vez mais os projetos contemplam, no mesmo condomínio, diversos edifícios e áreas comuns que não se limitam mais aos tradicionais equipamentos de outrora, como as piscinas, quadras poliesportivas, churrasqueiras, saunas e salões de festas. Os projetos atuais contam com equipamentos e serviços cada vez mais sofisticados. Em consonância com o acatado, vemos clínicas de estética, brinquedotecas, academias de ginástica, restaurantes e, muitas vezes, centros comerciais agregados. As grandes áreas comuns, igualmente são compostas por trilhas, bosques, lagos, pistas para corrida, quadras de tênis e espaços de uso variado. Evidentemente que as necessidades de manutenção, obras e adequações desses condomínios diferem daquelas necessidades de um condomínio formado por torre única que, afinal, inspirou a legislação condominial vigente no Código Civil ainda sob a inspiração da vetusta Lei n. 4.591/1964.
Em sendo assim,
torna-se necessário estender os comentários à realização de obras úteis e
voluptuárias – aparente antinomia do texto legal. Quando ao quórum para
aprovação de obras úteis e voluptuárias nos condomínios edilícios, a disciplina
da matéria resulta, inicialmente, da conjugação dos CC 1.341 e 1.342.
Posta assim a
questão, esta obra dependeria da aprovação da maioria dos condôminos,
estipulada pelo CC 1.341, II, ou do quórum qualificado de dois terços
exigido pelo CC 1.342. Aliás, a princípio, difícil é imaginar qualquer obra em
condomínio edilício que não se configure como “obra de acréscimo às já
existentes”. Com efeito, existe um sistema jurídico que deve, pelas mãos do
intérprete, surgir da unificação das normas e dos princípios com o firme
propósito de formular conceitos lógicos extraídos dos textos de direito
positivo que sejam despidos das contradições decorrentes da linguagem equivoca
da lei, formando um conjunto harmônico e passível de aplicação.
Nesta medida,
anote-se a lição que inça da doutrina de Norberto Bobbio como premissa daquilo
que será adotado para a solução do problema sistemático proposto: “A coerência
não é condição de validade, mas sempre condição para a justiça do ordenamento.
É evidente que quando duas normas contraditórias são ambas válidas, e pode
haver indiferentemente a aplicação de uma ou de outra, conforme o
livre-arbítrio daqueles que são chamados a aplicá-las, são violadas suas
exigências fundamentais em que se inspiram ou tendem a inspirar-se os
ordenamentos jurídicos: a exigência da certeza (que corresponde ao valor da paz
ou da ordem), e a exigência da justiça (que corresponde ao valor da igualdade).
Onde existem duas normas antinômicas, ambas válidas, e, portanto, ambas
aplicáveis, o ordenamento jurídico não consegue garantir nem a certeza,
entendida como possibilidade, por parte do cidadão, de prever com exatidão as
consequências jurídicas da própria conduta, nem a justiça, entendida como o
igual tratamento das pessoas que pertencem à mesma categoria".
A
solução desta primeira aparente antinomia passa, necessariamente, pelo conceito
de benfeitoria. A doutrina civilista, há muito, identificou a classificação das
benfeitorias como úteis, necessárias e voluptuárias, o que fez de maneira muito
próxima daquilo que hoje está previsto no CC 96 do atual Código Civil,
segundo o qual “As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias.
São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual
do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor.
São
úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem. São necessárias as que têm por
fim conservar o bem ou evitar que se deteriore. Dispositivos semelhantes já
estavam presentes no art. 905, do Esboço de Teixeira de Freitas e, igualmente,
no art. 92 do Projeto de Coelho Rodrigues.
O
Esboço de Teixeira de Freitas propunha: “São benfeitorias necessárias aquelas
sem as quais a coisa não poderia ser conservada. São benfeitorias úteis as que,
não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, seriam, todavia, de
manifesto proveito para qualquer possuidor dela. São benfeitorias voluptuárias
as de mero luxo ou recreio, ou de exclusiva utilidade para quem as fez”.
De
uma maneira geral, as benfeitorias qualificam-se como espécies dos bens
acessórios que implicam em melhoramentos efetuados na coisa principal e,
no que interessa a este estudo, à edificação condominial, a fim de incrementar
o seu uso habitual ou ampliar a sua utilização.
Para
o Prof. Glauber Moreno Talavera, “Consideram-se voluptuárias, portanto, as
benfeitorias que tenham por objetivo o embelezamento do bem ou, ainda as que
tenham por finalidade permitir ou potencializar as atividades de deleite ou
recreio, como, v.g., a construção de piscinas e a feitura de trabalhos
paisagísticos, melhoramentos que não são necessários ao uso habitual da coisa.
Consideram-se úteis as benfeitorias que aumentam ou facilitam o uso do bem
principal, melhorando-o ou valorizando-o, como, p. ex., a construção de uma
suíte anexa ao quarto do casal. As benfeitorias úteis, portanto, embora não
sejam indispensáveis para a conservação do bem, são de inafastável
utilidade. Consideram-se necessárias as benfeitorias que têm por finalidade
conservar o bem, evitando que este se arruíne ou deteriore, como, e.g.,
o conserto do teto que cedeu, ou mesmo de um assoalho que se rompeu.”
Todavia,
ao tratar das intervenções nos condomínios edilícios, os CC 1.341 e 1.342 as
qualificou como “obras” sem a distinção entre benfeitorias e acessões
(construções novas – Código Civil, CC 1.248, V e 1.253 e ss), levando em
consideração que estas últimas não são simples melhoramentos da coisa
principal, mas a implantação de coisa nova.
No
julgado abaixo, o Tribunal de Justiça de São Paulo definiu o conceito das obras
úteis e voluptuárias dos mencionados dispositivos (CC 1.341 e 1.342), o que fez
nos seguintes termos:
Tribunal de Justiça de São Paulo. Agravo de Instrumento. 0254275-95.2012.8.26.0000 - Relator: Carlos Henrique Miguel Trevisan - Comarca: São Paulo - Órgão julgador: 4ª Câmara de Direito Privado - Data do julgamento: 17/01/2013 - Data de registro: 18/01/2013 - Outros números: 2542759520128260000 - Condomínio. Ação de anulação de assembleia. Vícios de forma e conteúdo. Deliberações em afronta à convenção e ao ordenamento jurídico Questionamentos em relação ao quórum mínimo de votação. Decisão de primeiro grau que indefere pedido de tutela antecipada voltado a anular a assembleia. Agravo interposto pelo autor. Despesas a envolver, na maior parte, obras úteis, de caráter voluptuário e em áreas comuns. Quórum mínimo de votação desrespeitado. Inteligência do artigo 1.341, incisos I e II, e do artigo 1.342, ambos do Código Civil. Parcial presença dos requisitos legais da relevância das razões do recurso e do perigo de dano de difícil reparação. Situação de fato que enseja a concessão parcial da tutela antecipada. Agravo provido em parte.
Consta do aresto o relato segundo o qual o condômino que se sentiu prejudicado alegou que "o condomínio é composto de 368 apartamentos, que compareceram 67 condôminos e que, por maioria, foram votados e aprovados (i) a instalação da academia de ginástica, mediante a locação de equipamentos, (ii) o envidraçamento das sacadas, (iii) a reforma de um dos salões de festas, com custo inicial de R$ 50.000,00, e (iv) a extinção do exame médico para uso das piscinas.”
Alegou-se, ainda, que as deliberações que em assembleia aprovaram a execução dos itens (i), (ii) e (iii) se deram por maioria simples, quando a convenção do condomínio e o Código Civil, em seu artigo 1.341, inciso I, preveem quórum qualificado de dois terços dos condôminos.
Registre-se, ainda, em que pese
o Condomínio tenha eventualmente sido instituído antes da vigência do atual
Código Civil, não é possível cogitar a ofensa ao ato jurídico perfeito, pois a
Convenção não conta com natureza jurídica contratual, mas institucional
normativa, de tal sorte que a lei nova e suas regras de ordem pública incidem
automaticamente sobre os condomínios instituídos anteriormente ao início da
vigência da Lei 10.406/2002, o que evita incertezas pela manutenção de duplo
regime jurídico, um para condomínios edilícios anteriores e outro para
condomínios edilícios constituídos depois do atual Código Civil.
No aspecto registral, o entrave ao registro de alteração da especificação do condomínio emerge por uma exigência da segurança estática: o titular de um direito posicional no registro não pode ser afetado nessa posição tabular, sem concorrência de sua vontade, salvo em hipóteses taxativamente determinadas em lei (v.g.: sujeição, prescrições extintiva e aquisitiva, perempção - todas, entretanto, reclamando meios regulares).
Voltando ao exemplo, se o
síndico não providenciou a pintura ou a recuperação da fachada no momento
oportuno e, ao depois, essa pintura ou recuperação demandar maiores gastos em
comparação com os gastos decorrentes do mesmo serviço no tempo certo, a
diferença pode ser imposta judicialmente ao síndico omisso.
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