terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.451, 1.452, 1.453 Do Penhor de Direitos e Títulos de Crédito - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.451, 1.452,  1.453

Do Penhor de Direitos e Títulos de Crédito - VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo II – DO PENHOR

Seção VII – Do Penhor de Direitos e Títulos de Crédito – (Art. 1.451 a 1.460) -

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 Art. 1.451. Podem ser objeto de penhor direitos, suscetíveis de cessão, sobre coisas móveis. 

Com Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame inaugura a seção relativa ao penhor sobre bens imateriais. O Código Civil anterior denominava o penhor sobre títulos de caução, termo que, apesar de impróprio, porque designa garantia em geral, ainda se utiliza na prática bancária e empresarial. Essa modalidade de penhor especial tem larga utilização e, na expressão de Orlando Gomes, “a doutrina de que há direitos sobre direitos recebe, na matéria, uma de suas aplicações mais fecundas, pois a extensão do penhor a tais bens empresta à sua função econômica específica notável importância” (Direitos reais, 19. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 400). Obtempera, porém, Menezes de Cordeiro que “o penhor de créditos tem por objeto não um direito - ou uma coisa - mas uma prestação” (Direitos reais. Lisboa, Edições Jurídicas Lex, 1993, p. 754). 

Os direitos reais, via de regra, têm por objeto coisas, ou seja, bens corpóreos. Uma das exceções é o penhor, que pode incidir sobre bens imateriais. Houve significativa ampliação do objeto do penhor sobre bens imateriais, porque no sistema anterior se exigia que os direitos estivessem representados por títulos, como os da dívida pública e os de crédito. Agora basta que os direitos reúnam dois requisitos cumulativos: i) sejam passíveis de cessão e ii) incidam sobre coisas móveis. Lembre-se de que há créditos passíveis de cessão por sua natureza, mas com cláusula proibitiva convencional. Em tal caso, por analogia ao que dispõe o CC 286, a restrição deve constar do próprio instrumento da obrigação, sob pena de não valer contra terceiro.

Como alerta Gladston Mamede, agora se aceita que o penhor incida tanto sobre “ (1) os instrumentos que representam, na forma da lei, obrigações; (2) obrigações que, sem instrumentos representativos, sejam passíveis de cessão” (Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 243).

A abertura legal permite a incidência do penhor sobre a propriedade industrial, ou a exploração do direito patrimonial de autor, além de títulos nominativos da dívida pública, títulos de crédito pessoal e ações de sociedade anônima, entre outros. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.552-53.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 19/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como aponta Venturini, o Código Civil de 1916, tratava do penhor de direitos e de títulos de crédito, como uma caução de títulos de crédito. O Código civil de 2002 assou a inovar a matéria, inserindo o penhor de direitos; é o que trata o CC 1.451. “Podem ser objetos de penhor direitos suscetíveis de cessão, sobre coisas móveis”. 

Nessa modalidade, compete ao titular, nos termos do CC 1.452, entregar ao credor pignoratício os documentos comprobatórios do direito empenhado. Tal mandamento, contudo, não é absoluto, podendo o titular retê-los, se comprovar legítimo interesse em conservá-los.  

Ressalta-se, aqui, uma importante incumbência ao credor, assecuratória de seu direito: notificar do penhor instituído o devedor (CC 1.453). Efetivada a notificação, o devedor não mais deve pagar ao titular do direito, mas sim ao credor pignoratício, sob pena de pagar mal. Inclusive, “O titular do crédito empenhado só pode receber o pagamento com a anuência, por escrito, do credor pignoratício, caso em que o penhor se extinguirá” (art. 1.457, CC/02).

O penhor de direito, conforme dispõe o art. 1.452, também se constitui mediante instrumento público ou particular, registro no Cartório de Títulos e Documentos. Por sua vez, o penhor de título de créditos, dentre outras pequenas diferenças em relação ao penhor de direitos, apresenta, além da forma acima descrita, uma forma distinta de constituição, qual seja, o endosso pignoratício. A respeito do endosso pignoratício, a lição de Fran Martins: 

“O endossatário pignoratício ao receber o título, pode praticar todos os atos necessários para a defesa e conservação dos direitos emergentes da letra, de que está de posse. Não sendo, contudo, o proprietário do título, não pode o endossatário pignoratício transferi-lo a outro na qualidade de proprietário. Daí dizer a lei que qualquer endosse por ele feito valerá apenas como endosso-mandato, não como endosso próprio ou translativo (MARTINS, Fran, 2000, p 127). (Talita Pozzebon Venturini, artigo intitulado “Direitos reais de garantia: breve análise sobre penhor, hipoteca e anticrese”, publicado em outubro de 2015 no site Jus.com.br, acessado em 19.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Fiuza diz ser este artigo uma inovação. Prevê o registro do penhor no Cartório de Títulos e Documentos, dando a ele efeito erga omnes. Permite também que o penhor seja feito por instrumento público ou particular. No parágrafo único está facultado o depósito da coisa empenhada nas mãos do credor. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 740, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 19/01/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Art. 1.452. Constitui-se o penhor de direito mediante instrumento público ou particular, registrado no Registro de Títulos e Documentos. 

Parágrafo único. O titular de direito empenhado deverá entregar ao credor pignoratício os documentos comprobatórios desse direito, salvo se tiver interesse legítimo em conservá-los.

Em seu comentário, fala Loureiro a respeito do registro constitutivo do direito real do penhor. Disciplina o requisito formal do penhor sobre direitos, sem prejuízo da observância da especialização da garantia real, prevista no CC 1.424, já comentado. O negócio jurídico do penhor é solene e exige a forma escrita, por instrumento público ou particular, para que se obtenha título apto a ingressar no Registro de Títulos e Documentos. O registro é constitutivo do direito real de penhor e não meramente publicitário, até porque não haverá tradição de créditos incorpóreos.

Note-se, porém, que a eficácia do direito real quanto ao devedor do crédito dado em garantia somente se dará quando for notificado ou tomar ciência da existência do penhor, como se verá no comentário ao artigo subsequente. Disso decorre que o simples registro, excepcionalmente, não basta para produzir todos os efeitos da garantia real em relação ao devedor.

Razão tem Gladston Mamede quando adverte que certos créditos, por sua natureza e exigência legal, recebem registros específicos [Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV ). São os casos de títulos nominativos da dívida pública, determinadas categorias de ações de sociedades ou direitos de marcas e patentes. O contrato de penhor merece, em tais hipóteses, ingresso nos registros especiais das juntas comerciais, registros de pessoas jurídicas, livros das sociedades, para perfeita eficácia em relação aos terceiros de boa-fé.

Não se cogita de entrega do bem no penhor de créditos, por ausência de materialidade, caso em que a constituição do direito real está amparada somente no registro. No dizer de Orlando Gomes, fundado em lição de Pontes de Miranda, há, no caso, penhor de crédito stricto sensu. O direito à prestação do devedor é submetido à relação pignoratícia por seu valor patrimonial, sem coisa que o represente (Direitos reais, 19. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 401).

Não se confunde tal modalidade com a caução de títulos de crédito. Na caução, os direitos são representados por títulos de crédito ou por instrumentos indispensáveis a seu exercício, caso em que a entrega se faz indispensável, como, de resto, prevê o CC 1.458, adiante comentado.

Ainda nos casos de penhores de créditos não instrumentalizados em títulos indispensáveis a seu exercício, o credor pignoratício tem o direito de receber os documentos comprobatórios desse direito para que possa melhor protegê-lo e cobrá-lo do devedor no momento do vencimento. Note-se que a entrega, em tal caso, não é constitutiva do direito real, mas apenas uma medida acessória que visa melhor assegurar o credor pignoratício. Ressalva a lei que o devedor pode reter os documentos, caso demonstre legítimo interesse em conservá-los. Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.553-54.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 19/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Em seu comentário sóbrio, dizem os autores Guimarães e Mezzalira, poderá ocorrer penhor sobre direitos de crédito, que se concretizará pela entrega do documento comprobatório de tal direito ao credor pignoratício, constituindo-se o contrato de penhor por instrumento público ou particular, registrado no Cartório de títulos e documentos.

Enquadram-se nesta modalidade de crédito os títulos públicos da União, estados ou Municípios, que poderão ser nominativos ou ao portador, assim como as ações ao portador de sociedades anônimas.

Como no penhor tradicional, esta modalidade de garantia real será implementada pela entrega (tradição) do título de crédito ao credor, que o reterá até o pagamento integral da dívida principal. Transfere-se o título de crédito mediante endosso do devedor ao credor. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.452, acessado em 19.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Muito pouco a acrescentar a doutrina de Ricardo Fiuza, o artigo em comento prevê a perda da eficácia do penhor se o devedor não for notificado, ou tiver anuído no instrumento constitutivo do empenho. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 740, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 19/01/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.453. O penhor de crédito não tem eficácia senão quando notificado ao devedor; por notificado se tem o devedor que, em instrumento público ou particular, declarar-se ciente da existência do penhor. 

Na visão de Ricardo Fiuza, é uma inovação. Trata o artigo de penhor de direitos passíveis de cessão que recaia sobre coisa móvel, como, por exemplo, ações negociadas em bolsa de valores ou no mercado futuro e títulos de crédito em gerais. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 740, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 19/01/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Já Loureiro expande-se, espelhando-se como explica Caio Mário da Silva Pereira, “o Código de 2002 transpõe para o penhor de créditos os princípios relativos à cessão dos mesmos, tendo em vista que o penhor, por si só, representa um começo de disposição. Assim é que, para assegurar o seu direito, o credor pignoratício fará intimar o devedor para que não pague ao credor primitivo, ainda que registrado esteja o penhor. Equivalerá, todavia, à notificação a prova de que o devedor está ciente da existência do penhor, qualquer que seja a modalidade do documento, e qualquer que tenha sido a finalidade de sua emissão ou de seus destinatários” (Instituições de direito civil, 18. ed. atualizada. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. IV, p. 354).

Como mencionado no comentário ao artigo anterior, o direito real de garantia de penhor de crédito tem peculiaridades em vista de seu objeto. O registro é constitutivo, mas não produz plenos efeitos contra o devedor primitivo do crédito dado em garantia. Reconhece o legislador que a publicidade do registro é mera ficção, de modo que para evitar situações frequentes de devedores pagarem a seu credor primitivo, desconhecendo que o crédito fora dado em penhor, determinou sua notificação.

Antes da notificação, o penhor é ineficaz ao devedor que de boa-fé pagar seu credor primitivo. O pagamento é bom e forra o devedor do risco de pagar novamente. Após a notificação, a situação se inverte. O pagamento feito pelo devedor ao credor primitivo é ineficaz frente ao credor pignoratício, que pode exigir novo adimplemento. 

Destaca a parte final do artigo que equivale à notificação a declaração de ciência do devedor em instrumento público ou particular, porque a finalidade do conhecimento da garantia real prestada a terceiro foi atingida. Não menciona a lei forma especial para a notificação, que pode ser por meio judicial ou por registro de títulos e documentos. Admite-se mesmo, segundo ressalva com razão Gladston Mamede, que “essa ciência pode ser dada, inclusive, em segunda via de correspondência, na qual o devedor aponha, singelamente, seu ciente e a assinatura, aplicando-se o art. 219 do novo Código Civil” (Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 250). 

No entendimento de Guimarães e Mezzalira, enquanto não for notificado, o devedor pode pagar a sua dívida ao credor originário, não sendo obrigado a diligenciar se o crédito foi empenhado.

O denominado penhor de crédito é direcionado a um determinado crédito ordinário e nessa espécie de penhor a transferência do direito se dá com a simples notificação judicial ou extrajudicial do devedor, o qual deverá dar sua plena ciência para que seja consumada. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.453, acessado em 19.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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