Código
Civil Comentado – Art. 286
Da Cessão
de Crédito - VARGAS, Paulo S.
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Parte
Especial Livro I Do Direito Das Obrigações –
Título
II Da Transmissão das Obrigações
Capítulo
I Da Cessão de Crédito
Título II Da Transmissão das Obrigações
Capítulo I Da Cessão de Crédito
Seção
III – Da Solidariedade Passiva (arts. 286 a 298)
Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a
isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o
devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário
de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação.
Faz-se
necessária uma boa introdução a esse primeiro dispositivo da Cessão de Crédito,
e nada melhor que seguir com a orientação de Hamid Charaf Bdine Jr,
comentários ao CC art. 286, p. 234-235-236 do Código Civil
Comentado: “Créditos e dívidas têm natureza patrimonial e há
interesse social e econômico em sua transmissão, a título universal ou
singular, em razão da morte ou de ato negociai. No Direito romano, a obrigação
estabelecia um vínculo pessoal tão estreito entre as pessoas que não se
considerava possível transferi-lo a outros sujeitos. Também havia excesso de
formalismo na constituição das obrigações, o que exigia que qualquer alteração
subjetiva se procedesse com repetição de fórmulas, constituindo-se uma nova
obrigação. Além do mais, a execução forçada da obrigação, em caso de
inadimplemento, significava fazer incidir a coercitividade diretamente sobre a
pessoa do devedor. Contudo, a expansão comercial ocorrida ainda na época romana
revelou que a transmissão das obrigações era essencial. Evolui-se, assim, para
a transmissão de créditos, de débitos e até mesmo da própria posição
contratual. Como ensina Renan Lotufo, é preciso observar que, embora
transferência e sucessão sejam termos equivalentes, o primeiro diz respeito ao
objeto e o segundo, ao sujeito (Código Civil comentado. São Paulo,
Saraiva, 2003, v. II, p. 140).
A
transmissão de créditos, das dívidas e da posição jurídica de qualquer dos
contratantes é fenômeno de grande relevância prática nas transações comerciais.
Na vida econômica, diversas são as hipóteses em que a satisfação das obrigações
pecuniárias não se concretiza em espécie. Nesses casos, a transmissão da
obrigação de uma pessoa a outra é instrumento essencial para estimular a
circulação de riquezas, prestigiando o crédito. E o crédito sempre foi havido
como elemento integrante do patrimônio do credor, passível de transmissão como
qualquer outro de seus componentes, a título gratuito ou oneroso. Vale observar
que muitas vezes a obrigação não é extinta, mas substituída. Identificam-se,
portanto, três espécies de transmissão de obrigações: a cessão de crédito, a
cessão de débito e a cessão da posição contratual. O Código Civil em vigor, em
capítulo próprio, disciplinou a cessão de crédito e a assunção de dívida, que
não havia sido contemplada no Código Civil de 1916.
A
transmissão do crédito é sua passagem de um sujeito a outro, figurando entre os
atos de alienação. Renan Lotufo registra que na cessão “o que se tem é uma
mesma situação jurídica, em que o cessionário continua na situação do cedente;
não se criam situações cronologicamente sucessivas quanto ao crédito” (op.
cit., p. 141). A cessão de crédito pode resultar de um negócio jurídico, da lei
ou cie uma decisão judicial. Haverá cessão legal, por exemplo, quando a lei
impuser a transferência de juros e garantias, como ocorre no art. 287 do Código
Civil. E haverá cessão judicial quando a decisão atribuir a determinado
herdeiro ou legatário um crédito do falecido. Para Luiz XV Manuel Telles de
Menezes Leitão os requisitos da cessão de créditos são os seguintes: um negócio
jurídico que estabeleça a transmissão da totalidade ou de parte do crédito; a
inexistência de impedimentos legais ou contratuais a essa transmissão; e a não
ligação do crédito à pessoa do credor como decorrência da própria natureza da
prestação (Direito das obrigações. Coimbra, Almedina, 2002, v. II, p. 14).
Normalmente,
o negócio jurídico que serve de base à cessão é um contrato, de modo que serão
necessárias, para sua formação, a declaração do cedente e a do cessionário. Mas
também é possível que a cessão de créditos tenha origem em negócio jurídico
unilateral, como ocorre no testamento. A cessão não é possível quando houver
proibição legal ou contratual. A proibição legal verifica-se nas hipóteses em
que a lei impede a transmissão do crédito - como ocorre com o direito cie
alimentos. Dessa espécie de proibição são exemplos os arts. 520 e 1.749, III,
do Código Civil, que, respectivamente, proíbem a cessão do direito de
preferência convencionado nos contratos de compra e venda e que o tutor seja cessionário
de crédito do tutelado.
A
proibição contratual se verifica quando as próprias partes convencionam,
expressa ou tacitamente, que o crédito não poderá ser objeto de cessão. A
cláusula proibitiva da cessão deve constar do instrumento. Do contrário,
presume-se que tenha havido autorização para ceder. A regra prestigia a boa-fé,
pois não se pode admitir que, em uma sociedade marcada pela massificação e
rapidez, os terceiros possam ser prejudicados pela proibição que desconhecem -
se conhecem, não se verifica a boa-fé de que trata esse artigo.
A
proibição da cessão também pode decorrer da natureza da obrigação. É o que se
verifica com o direito de alimentos devidos ao cônjuge em razão da separação c
com os direitos da personalidade, que, nos termos do art. 11 do Código Civil,
não são transmissíveis. Observe-se que o que não se pode transmitir é o próprio
direito, mas não o valor pecuniário dele decorrente. Se os alimentos foram
pagos, ou se representam débito inadimplido, pode-se operar a transmissão sem
prejuízo do objetivo legal: transmitir o direito personalíssimo. Nessas
hipóteses, o que se estará cedendo é apenas a expressão monetária decorrente do
direito insuscetível de transferência. É relevante registrar que na cessão de
créditos não há extinção da obrigação constituída, mas substituição da posição
do credor. O crédito se transfere ao cessionário com suas vantagens e
desvantagens, exatamente como pertencia ao cedente.
No
Direito Moderno, admite-se, de modo geral, que o credor pode ceder a terceiro o
seu crédito sem o consentimento do devedor. Exige-se apenas que o devedor seja
informado da cessão, a fim de que ela lhe seja oponível. Assim é porque o
devedor não tem interesse juridicamente protegido para se opor à cessão. Nessa
relação jurídica, o credor que transmite o crédito é chamado cedente; o
adquirente do crédito, cessionário; o devedor do crédito transmitido, devedor
cedido. Para Sílvio Rodrigues, “a cessão de crédito é o negócio jurídico, em
geral de caráter oneroso, pelo qual o sujeito ativo de uma obrigação a
transfere a terceiro, ao negócio original, independentemente da anuência do
devedor” (Direito civil. São Paulo, Saraiva, 2002, v. II, p. 91).
Como
negócio jurídico, a cessão de crédito depende dos pressupostos de validade
consagrados no art. 104 do Código Civil, i.é, as partes devem ser
capazes, o objeto deve ser lícito, determinado ou determinável e a forma deve
ser prescrita ou não defesa em lei. Importante modalidade de transmissão de
crédito é a sub-rogação, que pode ser definida como “a substituição do credor
na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre
em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento”
(Varela, João de Matos Antunes. Obrigações em geral. Coimbra, Almedina,
1997, v. II, p. 335-6).
Embora
seja um modo de transferir crédito, a sub-rogação está fundada no cumprimento,
enquanto a cessão tem sua base jurídica em contrato celebrado entre o
transmitente e o adquirente do crédito. Ademais, o sub-rogado só poderá receber
do devedor aquilo que desembolsou, diversamente do que ocorre com o
cessionário, que não enfrenta essa limitação. Observam-se, porém, que as regras
aplicáveis à sub-rogação convencional são as mesmas da cessão de crédito, em
face do disposto no art. 348 do Código civil. Ao contrário do que ocorria com o
Código Civil de 1916, cujo art. 1.078 expressamente determinava a aplicação das
regras da cessão de crédito à de outros direitos para os quais não houvesse
modo especial de transferência, o Código em vigor não reproduziu essa regra. No
entanto, é possível sua aplicação às hipóteses equivalentes em face da
analogia.
Se
o objeto da cessão atentar contra a moral e os bons costumes, ela não será
válida, se for do conhecimento do cessionário. Caso ele esteja de boa-fé, o
fato não lhe poderá ser oposto. Também não podem ser cedidos créditos de
caráter estritamente pessoal, ou personalíssimos. Dessa espécie são aqueles
destinados à satisfação de um interesse físico ou moral da pessoa. Nesses
casos, mesmo não havendo vedação legal ou convencional, a transferência não
será possível. A cessão não é admitida para proteger os interesses do devedor
em decorrência da relevância que assume a pessoa do credor em relação à
prestação.
Essa
relevância pode ter caráter econômico decorrente da pessoa do credor, ou
resultar do fato de que sua execução poderá prejudicar economicamente o
devedor. Finalmente, é necessário atentar para o fato de que, se a cessão
acarretar dificuldades ao devedor, será legítimo que ele se oponha a ela (Lotufo,
Renan. Código Civil comentado. São Paulo, Saraiva, 2003, v. II, p. 153)
ou que exija a manutenção das condições existentes e vigentes. Do contrário, e
dependendo das condições cm que se realiza o negócio, poderá postular perdas e
danos.
Condições
personalíssimas do cedente. Há possibilidade de determinadas
condições personalíssimas do cedente do crédito interferirem diretamente nas
condições do crédito. É o que ocorre, exemplificativamente, com o crédito
pertencente às instituições financeiras e aos consumidores. As primeiras estão
autorizadas a contratar juros superiores a 12% ao ano (Súmulas nº 596 do
Supremo Tribunal Federal e 294 e 296 do Superior Tribunal de Justiça) e os
segundos se valem de disposições protetivas do Código de Defesa do Consumidor.
A
cessão desses créditos não poderá autorizar o cessionário a se valer das mesmas
disposições excepcionais, se ele não estiver na mesma situação pessoal do
cedente, i.é, se não for instituição financeira no primeiro caso e
consumidor, no segundo. A pessoa do credor, nos casos mencionados, é de tal
modo relevante para as condições do crédito que, embora não seja obstáculo para
a cessão, impede que os acessórios vinculados às suas condições personalíssimas
acompanhem o crédito.
Outro
exemplo significativo será o de sub-rogação em direito do consumidor por uma
seguradora. Ainda que o Código de Defesa do Consumidor reconheça a
vulnerabilidade do consumidor, não se poderá transferir todo o tratamento
benéfico que lhe é dispensado à seguradora com a incidência pura e simples do
art. 349 do Código Civil - recorde-se que à sub-rogação são aplicáveis os
dispositivos da cessão de crédito (art. 348 do Código Civil), o que aproxima a
questão do tema central dessa obra. A matéria é enfrentada no Direito
Português, cujo Código Civil, em seu art. 582, n. 1, contém expressa referência
ao fato de os acessórios não acompanharem o crédito se forem inseparáveis do
credor. Luiz Manuel Teles de Menezes Leitão, em capítulo de sua obra denominado
“A Transmissão do direito a juros”, observa que os acessórios do crédito se
transmitem ao cessionário desde que não sejam inseparáveis da pessoa do credor
(Leitão, Luiz Manuel Teles de Menezes. Cessão de créditos. Coimbra,
Almedina, 2005, p. 335). Mais adiante, o autor cuida da cessão de créditos ao
consumo e adverte que ela não pode ser incluída entre as relações de consumo
quando compreende a transmissão do crédito concedido ao consumidor, pelo
fornecedor do produto ou serviço a um agente financeiro: “ Efectivamente,
embora o crédito possa ser cedido no âmbito de uma operação de financiamento, a
verdade é que o fato de o negócio não ser celebrado com consumidores torna
absolutamente inviável a sua integração nesta categoria”, (idem, ibidem, p.
336).
A
circunstância de o Código Civil brasileiro nada dispor especificamente a
respeito, não obsta a que se chegue a esta conclusão, pois determinadas
características do crédito podem estar de tal modo vinculadas à peculiar
situação do credor-cedente que, embora não impeçam sua transmissão, não podem
acompanhá-lo como acessório. Antunes Varela, também examinando o tema à luz do
Código Civil português, observa que a “inseparabilidade mede-se pelo
fundamento ou razão de ser do acessório. São inseparáveis do cedente os
atributos do crédito que, pela sua natureza ou por convenção dos interessados,
não podem transferir-se ou não devem considerar-se transferidos para o
adquirente” (Varela, Antunes. Das obrigações em geral, v. II.
Coimbra, Almedina, 1997, p. 327). Nesse sentido, acórdão cuja ementa consta do
item jurisprudência do art. 287: TJSP, Ap. n. 7.030.892-4, rel. Des. Roberto
Mac Cracken, j. 18.10.2007. (Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art.
286, p. 234-237do Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência,
Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil
Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada
e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 08/04/2022,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).
Conceituando
a Cessão de Crédito, os autores Sebastião
de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual de
Direito Civil: “Cessão de crédito é o negócio jurídico pelo qual o titular
de um direito (cedente) o transfere para outrem (cessionário), de forma
gratuita ou onerosa, sem extinção do vínculo contratual cedido. Segundo Caio
Mário, é “o negócio jurídico em virtude do qual o credor confere a outrem a
sua qualidade creditória contra o devedor, recebendo o cessionário o direito
respectivo, com todos os acessórios e todas as garantias” (1978, p. 310)
É importante frisar, portanto, que, na cessão de crédito, não
há novação, ou seja, o sujeito ativo, mantendo-se as demais características
do negócio, como as garantias reais e as ações judiciais. Por isso, segundo o
art. 286, o credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza
de obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor. Assim, estabelece-se a regra
de que os créditos são cedíveis. No entanto, podem ser incredíveis por: a)
natureza da obrigação; b) determinação legal ou c) convenção das partes.
(Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo, em Manual
de Direito Civil, Volume Único. item 2 – Cessão de Crédito, p.
654-655, Comentários ao CC. 286. Ed. JuspodiVm, 6ª ed., consultado
em 08/04/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Em
relação à Transmissão das Obrigações, estende-se a equipe de Guimarães e
Mezzalira, dispondo a Cessão de Crédito como forma de transmissão de
direito. Na cessão de crédito, há a transferência da qualidade creditícia do
credor (cedente) em face do devedor para terceiro (cessionário), de forma que
este assume o respectivo direito de crédito, com todos os acessórios e
garantias. É negócio jurídico abstrato, que se completa, independentemente, de
sua causa.
A
cessão pode-se dar por meio de transferência gratuita ou onerosa. A cessão
ainda pode ser voluntária (quando se dá espontaneamente), legal (quando deriva
da imposição da lei) ou judicial (quando é determinada por sentença). Finalmente,
a cessão de crédito pode ter natureza pro soluto (nos casos em que a
transferência do crédito opera a solução de obrigação preexistente, exonerando
o credor) ou pro solvendo (nas hipóteses em que subsiste tanto a
obrigação preexistente, sem a quitação do credor, como também a cedida).
Por
se tratar de negócio jurídico abstrato, a cessão de crédito submete-se às
regras gerais de prova do negócio, podendo ser demonstrada por qualquer meio,
se o valor do crédito cedido for inferior à taxa legal, ou por começo de prova
escrita, se referido valor for superior a tanto (CC, art. 227). A cessão de
crédito pode ser feita mediante instrumento particular ou público ou ainda
verbalmente (nos casos, em que a transferência da obrigação se dá por meio da
entrega do título). Assim, não se exige requisito formal para a eficácia da
cessão entre as partes, exceto quando o próprio direito cedido exigir
instrumento público.
A
entrega do título não é necessária para que a cessão de crédito seja eficaz,
exceto nos casos em que o instrumento tiver a função representativa do próprio
crédito. Seriam exemplos de tais casos a letra de câmbio, a nota promissória, a
duplicata, a warrant etc.
Em
regra, todo e qualquer crédito pode ser cedido, exceto se houver oposição
decorrente da natureza da obrigação, da lei ou da convenção entre as partes.
Por força de natureza da obrigação, não podem ser cedidos, ilustrativamente,
créditos acessórios desacompanhados dos créditos principais, créditos derivados
de obrigações personalíssimas etc. A lei, a seu turno, veda, zum Beispiel, a
cessão de créditos decorrentes de determinadas obrigações firmadas com a
Administração Pública ou em determinadas hipóteses de aquisição de bens de
certas pessoas em face de outras. Por fim, como ilustração de crédito não
passível de cessão, por convenção, pode-se citar negociação que proíba ao
locatário ceder a locação a terceiro.
Por se tratar de alienação
de bens ou direitos, aplicam-se à cessão de crédito os direitos referentes à
compra e venda, nos casos de cessão onerosa, ou os de doação, nos casos de
cessão gratuita.
Em qualquer caso de
transferência de crédito incindível, eventual transferência que venha a ser
realizada inválida perante as partes e inoponível a terceiros. No entanto,
especificamente nos casos de restrição à cessão convencional, a proibição não
gerará efeitos perante terceiro de boa-fé, se não houver previsão expressa no
próprio instrumento da obrigação. (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel
Mezzalira et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC 286,
acessado em 08/04/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
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