sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Direito Civil Comentado - Art. 555, 556, 557 - - Da Revogação da Doação – VARGAS, Paulo S. R. - vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 555, 556, 557 -
- Da Revogação da Doação – VARGAS, Paulo S. R.
- vargasdigitador.blogspot.com
digitadorvargas@outlook.com

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

 (art. 481 a 853) Capítulo IV – Da Doação

Seção II – Da Revogação da Doação

 

Art. 555. A doação pode ser revogada por ingratidão do donatário, ou por inexecução do encargo.

 

Segundo o magistério de Nelson Rosenvald, apesar de considerável aperfeiçoamento de redação, o Código Civil manteve as duas únicas causas de revogação do contrato de doação: a ingratidão do donatário e a inexecução do encargo.

 

É importante perceber que inexiste direito potestativo à revogação injustificada da doação no direito pátrio, sendo vedado ao doador simplesmente denunciar a liberalidade quando bem lhe aprouver (CC 473).

 

Acerca do descumprimento do encargo já tecemos nossos comentários por ocasião do exame do art. 553. A despeito da adoção do termo “revogação”, cuida-se de verdadeira hipótese de resolução por inadimplemento da obrigação do donatário, na qual o doador poderá exercitar as medidas alternativas do CC 475: exigir o cumprimento ou revogar (resolver) o contrato descumprido.

 

No que tange à ingratidão do donatário, a matéria será mais bem explorada à luz do CC 557. Porém, podemos adiantar que se trata de uma ponderação do doador acerca da correção e oportunidade da liberalidade em virtude de fatos supervenientes que retiram a estima que possuía em relação ao donatário.

 

Por último, não se confunda a revogação com a invalidação da doação. A invalidade, por nulidade ou anulabilidade, concerne a um déficit qualitativo do negócio jurídico ao tempo de sua gênese, conforme se dessume da leitura dos CC 166 e 170. Já a revogação é uma espécie de ineficácia superveniente, pois o contrato é válido ou não. Contudo, a produção de efeitos poderá cessar, preservando-se os atos anteriores à revogação. (Rosenvald Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 605 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 08/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

No entendimento de Ricardo Fiuza, o doador pode, exercendo o direito personalíssimo, pleitear a revogação da doação pura e simples, em virtude da ingratidão do donatário, por este revelada na insensibilidade e desrespeito ao valor ético-jurídico da liberalidade feita em seu benefício. A ingratidão afronta o doador, pelo inadimplemento de um dever moral – o do reconhecimento ou recognição do donatário pelos favores recebidos.

 

O dispositivo não oferece conceito jurídico de ingratidão, podendo ser considerado como uma norma aberta, pois, o conteúdo da aferição aos atos típicos de falta grave contra o doador se faz exercido pelo sistema de causas genéricas. Nesse sentido, merece ser observada a redação dada ao CC 557.

 

A revogação por inexecução do encargo tem por fundamento o inadimplemento de obrigação do donatário. Mais precisamente, é a resolução do contrato desde que o donatário incorra em mora. (Moacyr de Oliveira. Ingratidão, iii Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo, Saraiva, 1980, v. 44 (p. 219-21). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 295 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 08/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No conceito de Marco Túlio de Carvalho Rocha, revogação é o desfazimento do negócio válido por meio de retratação do declarante. Os negócios jurídicos são, em regra, irrevogáveis. A revogabilidade depende de previsão expressa no negócio jurídico ou de determinação legal, como é o caso.

 

A ingratidão a que se refere do dispositivo é a jurídica, i.é, a que ocorre em razão das causas enumeradas no CC 557 a seguir.

 

O descumprimento do encargo se dá quando o beneficiário não o cumpre no prazo estabelecido pelo instituidor ou, no caso de não ser assinalado prazo, após ser notificado por aquele, para que possa cumpri-lo em prazo razoável e compatível com a natureza do encargo. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 08.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 556. Não se pode renunciar antecipadamente o direito de revogar a liberalidade por ingratidão do donatário.

 

Condescendendo Nelson Rosenvald crê ser natural que uma ordem jurídica pautada na diretriz da eticidade não aceite uma cláusula de renúncia antecipada à revogação da doação por ingratidão. Isso atentaria contra a norma de ordem pública ora reproduzida que não pode ser derrogada pela vontade das partes.

 

Ademais, não se pode renunciar àquilo que ainda não ingressou no patrimônio. Só se pode abdicar de um direito, por negócio unilateral, quando já se verificou a hipótese de incidência que permitiria sua aquisição.

 

A nulidade virtual é aqui versada, tratando-se de impedimento à prática de um ato sem imposição de sanção (CC 166, VII). Apesar da invalidação de eventual cláusula renunciativa, nada impede que, verificado o fato, o doador posteriormente efetue o perdão do donatário, pela via expressa ou tacitamente, em razão de um comportamento para com o donatário que demonstre a falta de interesse em pleitear a revogação.

 

Diante o silêncio da norma, é possível a inserção de cláusula de renúncia ao direito de revogação por inexecução do encargo? Pelas mesmas razões invocadas, ou seja, impossibilidade de renúncia a uma situação patrimonial ainda não incorporada, entendemos pela negativa. (Rosenvald Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual, p. 605 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 08/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Em seu conceito, Ricardo Fiuza afirma ser o direito de revogação de ordem pública. Assim, a faculdade do exercício de direito de o doador revogar a doação por ingratidão é irrenunciável por antecipação. A renúncia prévia corresponderia conceder ao donatário carta de indenidade para ele vulnerar o dever ético jurídico de corresponder, dignamente, à liberalidade do doador e, desse modo, não ser-lhe grato. A renúncia posterior coabita tacitamente, diante dos atos da ingratidão, se o doador não exercitar o direito no prazo prescricional, ou, de modo expresso, quando comunica ao donatário o perdão concedido. Nula será a cláusula dispondo, de antemão, a renúncia desse direito. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 295 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 08/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Corroborando com Fiuza, Marco Túlio de Carvalho Rocha afirma que o direito de revogar doação por ingratidão do donatário liga-se a causas graves, enumeradas na lei. O dispositivo, ao proibir o doador de renunciar antecipadamente ao direito de revogar acentua que tais preceitos são de ordem pública. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 08.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 557. Podem ser revogadas por ingratidão as doações:

I – se o donatário atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de homicídio dolosa contra ele;

II – se cometeu contra ele ofensa física;

III – se o injuriou gravemente ou o caluniou;

IV – se, podendo ministra-los, recusou ao doador os alimentos de que este necessitava.

 

Sob o prisma de Nelson Rosenvald, é natural que uma ordem jurídica pautada na diretriz da eticidade não aceite uma cláusula de renúncia antecipada à revogação da doação por ingratidão. Isso atentaria contra a norma de ordem pública ora reproduzida que não pode ser derrogada pela vontade das partes.

 

Ademais, não se pode renunciar àquilo que ainda não ingressou no patrimônio. Só se pode abdicar de um direito, por negócio unilateral, quando já se verificou a hipóteses de incidência que permitiria sua aquisição.

 

A nulidade virtual é aqui versada, tratando-se de impedimento à prática de um ato sem imposição de sanção (CC 166, VII). Apesar da invalidação de eventual cláusula renunciativa, nada impede que, verificado o fato, o doador posteriormente efetue o perdão do donatário, pela via expressa ou tacitamente, em razão de um comportamento para com o donatário que demonstre a falta de interesse em pleitear a revogação.

 

Diante do silêncio da norma, é possível a inserção de cláusula de renúncia ao direito de revogação por inexecução do encargo? Pelas mesmas razões invocadas, ou seja, impossibilidade de renúncia a uma situação patrimonial ainda não incorporada, entendemos pela negativa. (Rosenvald Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual. p. 605 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 08/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Há um histórico na plataforma de Ricardo Fiuza: A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde ao Art. 1.183 do CC de 1916, trazendo, todavia, significativa mudança substancial: o elenco das causas que autorizam a revogação deixa de ser taxativo.

 

Segundo a doutrina, o art. 1.183 do CC de 1916 utilizou a cláusula “só se podem revogar por ingratidão”, com enumeração limitativa (numerus cláusulas) das hipóteses reveladoras dos atos de ingratidão. O novo texto, ao elencar as mesmas hipóteses, o faz, porém, alterando a cláusula anterior pela de “podem ser revogadas por ingratidão”, o que torna o rol de causas meramente exemplificativo. A mudança tem origem nas críticas formuladas pelo Prof. Agostinho Alvim, durante a discussão do projeto, ao defender a falta grave como causa genérica, preconizada pelo Código alemão (~530).

 

O tratamento de não-taxatividade das causas, à semelhança do sistema das cláusulas genéricas para a separação judicial (CC 1.572), repete o caráter exemplificativo constante do CC 1.573 no tocante aos motivos que podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida, e permite, de conseguinte, um melhor controle judicial na aferição das hipóteses que ensejem a revogação por ingratidão do donatário. Passam as causas revocatórias ao plano da avaliação fática do caso concreto. Veja-se, diante do rol taxativo, como a jurisprudência observou o problema: “Doação. Concubina. Anulação pretendida pelo companheiro. O abandono não a justifica, por não incluído entre os casos de ingratidão do CC 1.183” (RJTJSP, 46/47).

 

O inciso I introduz, ao lado do homicídio tentado, o homicídio consumado, corrigindo séria omissão do CC de 1916, percebida por Caio Mário da Silva Pereira. Diz ele: “definindo como ingratidão o atentado contra a vida do doador, e conceituando como personalíssimo o direito de revogar, consagra uma contradição material, por atribuir maior efeito ao atentado frustro do que ao homicídio realizado, uma vez que, tentado e não conseguido o resultado letal, tem o doador a faculdade de revogar a doação; mas, tentada e obtida a sua eliminação, não a tem os herdeiros”. Desse modo, e exclusivamente nessas hipóteses, a ação revocatória caberá aos herdeiros (CC 561), enquanto as fundadas os demais casos cumprirá somente ao próprio doador. A ofensa do inciso fl corresponde à lesão corporal dolosa, independente do seu grau de gravidade, representando motivo para a revogação.

 

O inciso III não arrola a difamação, delito típico, apenas tratado em sua autonomia com o Código Penal de 1940, razão pela qual o CC de 1916 não o contemplo. Entretanto o CC/2002 não poderia, por boa técnica e em harmonia com a doutrina penal, omiti-lo, o que exige a devida correção.

 

O inciso IV, por sua vez, refere-se à ausência de assistência material ao doador, privado por causa superveniente, de condições para sobreviver, quando o donatário, embora apto a prestá-la, deixa de ministrar-lhe os alimentos necessários.

 

A adequação do inciso III, como observada, reclama nova redação, atendendo, destarte, o tratamento de gravidade dado ao crime típico de injúria. Na medida, a sugestão legislativa: Pelas razões expostas, oferecemos ao Deputado Ricardo Fiuza a seguinte sugestão: III – se o difamou ou injuriou gravemente ou se o caluniou. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 297 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 08/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Relembrando com Marco Túlio de Carvalho Rocha, no Código Civil de 1916, somente a tentativa de homicídio e não o homicídio consumado era causa de revogação, porque a lei somente concedia ao próprio instituidor o direito de revogar. Em caso de homicídio consumado, a legitimidade para requerer a revogação é dos herdeiros. Não há limite temporal para que a ingratidão se caracterize. A qualquer tempo em que seja caracterizada, poderão os legitimados requerer a revogação da doação. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 08.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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