Direito Civil Comentado - Art. 555,
556, 557 -
- Da Revogação da
Doação – VARGAS, Paulo S. R.
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Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI
– Das Várias Espécies de Contrato
(art. 481 a 853) Capítulo IV – Da Doação
Seção II
– Da Revogação da Doação
Art.
555. A
doação pode ser revogada por ingratidão do donatário, ou por inexecução do
encargo.
Segundo o magistério de
Nelson Rosenvald, apesar de considerável aperfeiçoamento de redação, o Código
Civil manteve as duas únicas causas de revogação do contrato de doação: a
ingratidão do donatário e a inexecução do encargo.
É importante perceber
que inexiste direito potestativo à revogação injustificada da doação no direito
pátrio, sendo vedado ao doador simplesmente denunciar a liberalidade quando bem
lhe aprouver (CC 473).
Acerca do descumprimento
do encargo já tecemos nossos comentários por ocasião do exame do art. 553. A
despeito da adoção do termo “revogação”, cuida-se de verdadeira hipótese de
resolução por inadimplemento da obrigação do donatário, na qual o doador poderá
exercitar as medidas alternativas do CC 475: exigir o cumprimento ou revogar
(resolver) o contrato descumprido.
No que tange à
ingratidão do donatário, a matéria será mais bem explorada à luz do CC 557.
Porém, podemos adiantar que se trata de uma ponderação do doador acerca da
correção e oportunidade da liberalidade em virtude de fatos supervenientes que
retiram a estima que possuía em relação ao donatário.
Por último, não se confunda a revogação
com a invalidação da doação. A invalidade, por nulidade ou anulabilidade,
concerne a um déficit qualitativo do negócio jurídico ao tempo de sua gênese,
conforme se dessume da leitura dos CC 166 e 170. Já a revogação é uma espécie
de ineficácia superveniente, pois o contrato é válido ou não. Contudo, a
produção de efeitos poderá cessar, preservando-se os atos anteriores à
revogação. (Rosenvald Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 605 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso
08/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).
No entendimento de
Ricardo Fiuza, o doador pode, exercendo o direito personalíssimo, pleitear a
revogação da doação pura e simples, em virtude da ingratidão do donatário, por
este revelada na insensibilidade e desrespeito ao valor ético-jurídico da
liberalidade feita em seu benefício. A ingratidão afronta o doador, pelo
inadimplemento de um dever moral – o do reconhecimento ou recognição do
donatário pelos favores recebidos.
O dispositivo não
oferece conceito jurídico de ingratidão, podendo ser considerado como uma norma
aberta, pois, o conteúdo da aferição aos atos típicos de falta grave contra o
doador se faz exercido pelo sistema de causas genéricas. Nesse sentido, merece
ser observada a redação dada ao CC 557.
A revogação por inexecução do encargo tem por fundamento o inadimplemento de obrigação do donatário. Mais precisamente, é a resolução do contrato desde que o donatário incorra em mora. (Moacyr de Oliveira. Ingratidão, iii Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo, Saraiva, 1980, v. 44 (p. 219-21). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 295 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 08/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No conceito de Marco Túlio de Carvalho Rocha, revogação é o
desfazimento do negócio válido por meio de retratação do declarante. Os
negócios jurídicos são, em regra, irrevogáveis. A revogabilidade depende de
previsão expressa no negócio jurídico ou de determinação legal, como é o caso.
A
ingratidão a que se refere do dispositivo é a jurídica, i.é, a que ocorre em
razão das causas enumeradas no CC 557 a seguir.
O
descumprimento do encargo se dá quando o beneficiário não o cumpre no prazo
estabelecido pelo instituidor ou, no caso de não ser assinalado prazo, após ser
notificado por aquele, para que possa cumpri-lo em prazo razoável e compatível
com a natureza do encargo. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 08.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art.
556. Não
se pode renunciar antecipadamente o direito de revogar a liberalidade por
ingratidão do donatário.
Condescendendo
Nelson Rosenvald crê ser natural que uma ordem jurídica pautada na diretriz da
eticidade não aceite uma cláusula de renúncia antecipada à revogação da doação
por ingratidão. Isso atentaria contra a norma de ordem pública ora reproduzida
que não pode ser derrogada pela vontade das partes.
Ademais, não
se pode renunciar àquilo que ainda não ingressou no patrimônio. Só se pode
abdicar de um direito, por negócio unilateral, quando já se verificou a
hipótese de incidência que permitiria sua aquisição.
A nulidade
virtual é aqui versada, tratando-se de impedimento à prática de um ato sem
imposição de sanção (CC 166, VII). Apesar da invalidação de eventual cláusula
renunciativa, nada impede que, verificado o fato, o doador posteriormente
efetue o perdão do donatário, pela via expressa ou tacitamente, em razão de um
comportamento para com o donatário que demonstre a falta de interesse em
pleitear a revogação.
Diante o silêncio da norma,
é possível a inserção de cláusula de renúncia ao direito de revogação por
inexecução do encargo? Pelas mesmas razões invocadas, ou seja, impossibilidade
de renúncia a uma situação patrimonial ainda não incorporada, entendemos pela
negativa. (Rosenvald Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual, p. 605 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 08/10/2019. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Em seu conceito, Ricardo Fiuza afirma ser o direito de revogação de ordem pública. Assim, a faculdade do exercício de direito de o doador revogar a doação por ingratidão é irrenunciável por antecipação. A renúncia prévia corresponderia conceder ao donatário carta de indenidade para ele vulnerar o dever ético jurídico de corresponder, dignamente, à liberalidade do doador e, desse modo, não ser-lhe grato. A renúncia posterior coabita tacitamente, diante dos atos da ingratidão, se o doador não exercitar o direito no prazo prescricional, ou, de modo expresso, quando comunica ao donatário o perdão concedido. Nula será a cláusula dispondo, de antemão, a renúncia desse direito. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 295 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 08/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Corroborando com Fiuza, Marco Túlio de Carvalho Rocha afirma que o direito
de revogar doação por ingratidão do donatário liga-se a causas graves,
enumeradas na lei. O dispositivo, ao proibir o doador de renunciar
antecipadamente ao direito de revogar acentua que tais preceitos são de ordem
pública. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 08.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art.
557. Podem
ser revogadas por ingratidão as doações:
I – se o
donatário atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de homicídio dolosa
contra ele;
II – se
cometeu contra ele ofensa física;
III – se
o injuriou gravemente ou o caluniou;
IV – se, podendo
ministra-los, recusou ao doador os alimentos de que este necessitava.
Sob o prisma de Nelson
Rosenvald, é natural que uma ordem jurídica pautada na diretriz da eticidade
não aceite uma cláusula de renúncia antecipada à revogação da doação por ingratidão.
Isso atentaria contra a norma de ordem pública ora reproduzida que não pode ser
derrogada pela vontade das partes.
Ademais, não se pode
renunciar àquilo que ainda não ingressou no patrimônio. Só se pode abdicar de
um direito, por negócio unilateral, quando já se verificou a hipóteses de
incidência que permitiria sua aquisição.
A nulidade virtual é
aqui versada, tratando-se de impedimento à prática de um ato sem imposição de
sanção (CC 166, VII). Apesar da invalidação de eventual cláusula renunciativa,
nada impede que, verificado o fato, o doador posteriormente efetue o perdão do
donatário, pela via expressa ou tacitamente, em razão de um comportamento para
com o donatário que demonstre a falta de interesse em pleitear a revogação.
Diante do silêncio da norma, é possível
a inserção de cláusula de renúncia ao direito de revogação por inexecução do
encargo? Pelas mesmas razões invocadas, ou seja, impossibilidade de renúncia a
uma situação patrimonial ainda não incorporada, entendemos pela negativa. (Rosenvald Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual. p. 605 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 08/10/2019. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Há um histórico na
plataforma de Ricardo Fiuza: A redação atual é a mesma do projeto. Corresponde
ao Art. 1.183 do CC de 1916, trazendo, todavia, significativa mudança
substancial: o elenco das causas que autorizam a revogação deixa de ser taxativo.
Segundo a doutrina, o
art. 1.183 do CC de 1916 utilizou a cláusula “só se podem revogar por
ingratidão”, com enumeração limitativa (numerus cláusulas) das hipóteses
reveladoras dos atos de ingratidão. O novo texto, ao elencar as mesmas
hipóteses, o faz, porém, alterando a cláusula anterior pela de “podem ser
revogadas por ingratidão”, o que torna o rol de causas meramente
exemplificativo. A mudança tem origem nas críticas formuladas pelo Prof.
Agostinho Alvim, durante a discussão do projeto, ao defender a falta grave como
causa genérica, preconizada pelo Código alemão (~530).
O tratamento de
não-taxatividade das causas, à semelhança do sistema das cláusulas genéricas
para a separação judicial (CC 1.572), repete o caráter exemplificativo
constante do CC 1.573 no tocante aos motivos que podem caracterizar a
impossibilidade da comunhão de vida, e permite, de conseguinte, um melhor
controle judicial na aferição das hipóteses que ensejem a revogação por
ingratidão do donatário. Passam as causas revocatórias ao plano da avaliação
fática do caso concreto. Veja-se, diante do rol taxativo, como a jurisprudência
observou o problema: “Doação. Concubina. Anulação pretendida pelo companheiro.
O abandono não a justifica, por não incluído entre os casos de ingratidão do CC
1.183” (RJTJSP, 46/47).
O inciso I introduz, ao
lado do homicídio tentado, o homicídio consumado, corrigindo séria omissão do
CC de 1916, percebida por Caio Mário da Silva Pereira. Diz ele: “definindo como
ingratidão o atentado contra a vida do doador, e conceituando como
personalíssimo o direito de revogar, consagra uma contradição material, por
atribuir maior efeito ao atentado frustro do que ao homicídio realizado, uma
vez que, tentado e não conseguido o resultado letal, tem o doador a faculdade de
revogar a doação; mas, tentada e obtida a sua eliminação, não a tem os
herdeiros”. Desse modo, e exclusivamente nessas hipóteses, a ação revocatória
caberá aos herdeiros (CC 561), enquanto as fundadas os demais casos cumprirá
somente ao próprio doador. A ofensa do inciso fl corresponde à lesão corporal
dolosa, independente do seu grau de gravidade, representando motivo para a
revogação.
O inciso III não arrola
a difamação, delito típico, apenas tratado em sua autonomia com o Código Penal
de 1940, razão pela qual o CC de 1916 não o contemplo. Entretanto o CC/2002 não
poderia, por boa técnica e em harmonia com a doutrina penal, omiti-lo, o que
exige a devida correção.
O inciso IV, por sua
vez, refere-se à ausência de assistência material ao doador, privado por causa
superveniente, de condições para sobreviver, quando o donatário, embora apto a
prestá-la, deixa de ministrar-lhe os alimentos necessários.
A adequação do inciso
III, como observada, reclama nova redação, atendendo, destarte, o tratamento de
gravidade dado ao crime típico de injúria. Na medida, a sugestão legislativa:
Pelas razões expostas, oferecemos ao Deputado Ricardo Fiuza a seguinte
sugestão: III – se o difamou ou injuriou gravemente ou se o caluniou. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza
– p. 297 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em
08/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
Relembrando com Marco Túlio de Carvalho Rocha, no Código Civil de
1916, somente a tentativa de homicídio e não o homicídio consumado era causa de
revogação, porque a lei somente concedia ao próprio instituidor o direito de
revogar. Em caso de homicídio consumado, a legitimidade para requerer a
revogação é dos herdeiros. Não há limite temporal para que a ingratidão se
caracterize. A qualquer tempo em que seja caracterizada, poderão os legitimados
requerer a revogação da doação. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 08.10.2019, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
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