Direito Civil Comentado - Art.
730, 731, 732, 733
- DO
TRANSPORTE - VARGAS,
Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com -
digitadorvargas@outlook.com
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI
– Das Várias Espécies de Contrato
(Art. 481 a 853) Capítulo XIV – Do Transporte
– Seção I
Disposições
Gerais - (Art. 730 a 733)
Art. 730. Pelo contrato de transporte alguém se
obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou
coisas.
No lecionar de Claudio
Luiz Bueno de Godoy, antes disperso em inúmeras leis especiais, muito mais
ocupadas em definir a responsabilidade do transportador, como no caso da
chamada Lei das Estradas de Ferro (Decreto n. 2.681/12, ou do Código Brasileiro
do Ar (Decreto n. 483/38, 32/66 e 234/67), e subsequente Código Brasileiro de
Aeronáutica (Lei n. 7.565/86), o contrato de transporte ganhou agora tratamento
típico e autônomo no Código Civil de 2002, assim superando, inclusive, a
discussão sobre sua natureza jurídica, se de locação de serviços ou de depósito,
especialmente quando coisas sejam transportadas.
Trata-se hoje de ajuste
com caracterização e regramento próprios, definido pela lei como aquele em que
alguém se obriga, mediante uma retribuição, a transportar pessoas ou coisas de
um lugar a outro. Envolve, destarte, uma obrigação de resultado, afeta ao
transportador, de levar passageiros ou mercadorias incólumes a seu destino.
É, pois, contrato bilateral
sinalagmático, que cria obrigações interdependentes, causa uma da outra, a
ambas as partes, de forma livre e de duração, porquanto não executável de
maneira instantânea, consensual, não se considerando, pese a existência
de opinião em contrário, necessário o embarque do passageiro ou entrega da
mercadoria, já atos de execução, para seu aperfeiçoamento, e, frise-se,
necessariamente oneroso, o que afasta o deslocamento propiciado por mera
cortesia da incidência de suas regras, como se verá em particular no comentário
ao CC 736.
Na ordenação das normas sobre o contrato
de transporte, depois de estabelecer regras genéricas, o Código Civil separou o
transporte de pessoas do transporte de coisas, destinado àquele a seção segunda
e a este a seção terceira do capítulo. Afora essa divisão, cujo critério atende
ao objeto do ajuste, pode-se também classificá-lo conforme o meio que se
emprega para sua execução, evidenciando-se o transporte terrestre – de seu
turno rodoviário ou ferroviário -, o transporte aéreo e o transporte aquático –
marítimo ou fluvial. A distinção não é supérflua se considerada, como já se
referiu, a existência de legislação especial sobre cada qual dessas formas de
transporte, inclusive no Código Comercial, e em parte não revogada
expressamente, matéria que se enfrentará no comentário ao CC 732. (Claudio Luiz
Bueno de Godoy, apud Código Civil
Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord.
Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 749 - Barueri, SP:
Manole, 2010. Acesso 16/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Segundo a doutrina
apresentada por Ricardo Fiuza, na Exposição de Motivos do Anteprojeto – do
Código Civil, em 16 de janeiro de 1975, o Prof. Miguel Reale destacou o fato
disciplinado no contrato de transporte, que tem existido entre nós como simples
contrato inominado com base em normas esparsas, expondo que a solução normativa
preferida resulta dessa experiencia, à luz dos modelos vigentes em outros
países, com precisa distinção entre transporte de pessoas e transporte de
coisas.
Pelo contrato de
transporte uma das partes, o transportador, se obriga a deslocar de um lugar
para outro pessoas ou coisas, mediante o pagamento de um preço.
Trata-se de contrato
bilateral e oneroso: a obrigação de realizar o transporte corresponde à de
pagar a retribuição – passagem ou frete. No transporte de coisas, em sentido
amplo, inclui-se o de animais.
Conforme o meio
empregado, o transporte pode ser terrestre (rodoviário e ferroviário), aquático
(marítimo, fluvial, lacustre) e aéreo (CF 178). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 387 apud Maria
Helena Diniz Código Civil Comentado
já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/01/2020, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
Na esteira de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo
estabelece o conceito do contrato de transporte que tem como características de
ser bilateral, consensual, oneroso e, quase sempre, de adesão.
São
partes no contrato de transporte: de um lado, o transportador (condutor); de
outro, o passageiro (transporte de pessoas) ou expedidor (transporte de
coisas). O destinatário não é parte.
A
remuneração do transportado é a passagem, no transporte de pessoas, e o frete,
no transporte de coisas. Pode ser direta ou indireta, conforme o parágrafo
único do CC 736. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em
16.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 731. O transporte exercido em virtude de
autorização, permissão ou concessão, rege-se pelas normas regulamentares e pelo
que for estabelecido naqueles atos, sem prejuízo do disposto neste Código.
No entendimento de
Claudio Luiz Bueno de Godoy, o atual Código, por estabelecer normas de direito
privado, cuida, fundamentalmente, fixando-lhe as regras contratuais, do chamado
serviço privado de transporte. Apenas ressalva, todavia, no artigo em comento,
que, quando o transporte for objeto de serviço público, será regido
primariamente pelas normas correspondentes e regulamentares de direito público.
Noutros termos, tem-se que, inclusive em decorrência de comando constitucional,
em alguns casos a exploração de serviços de transporte é cometida
necessariamente ao Poder Público, que disso pode se desincumbir de forma direta
ou mediante delegação de sua execução ao particular, por meio de concessão,
permissão ou autorização, coo sucede no transporte coletivo remunerado (Arts.
21, XII, c, d, e, e 30, V, da CF/88).
Nesses casos, a ordenação do transporte
deve atender, antes de tudo, aos parâmetros obrigatórios de prestação de
serviço público, e que se contêm, primeiramente, na própria Constituição
Federal (arts. 37, caput e § 6º, e 175). Depois, as regras incidentes
são aquelas regulamentares e constantes dos próprios atos de delegação. Tão
somente de forma complementar e subsidiária, aplica-se o regramento do Código
Civil sobre o contrato de transporte, como se viu voltado, essencialmente, ao
serviço privado de deslocamento de pessoas ou coisas. (Claudio Luiz Bueno de
Godoy, apud Código Civil Comentado:
Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar
Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 749 - Barueri, SP: Manole,
2010. Acesso 16/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Na pauta de Ricardo
Fiuza, consoante o CF 175, incumbe ao Poder Público, na forma da lei,
diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre por meio de
licitação, a prestação de serviços públicos.
Compete à União
explorar, diretamente, ou mediante autorização, concessão ou permissão, os
serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e
fronteiras nacionais, ou que transbordam os limites de Estado ou Território,
bem como os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de
passageiros (CF 21, XII, de e).
Aos Municípios compete
organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,
serviços públicos de interesse local, incluindo o de transporte coletivo, “que
tem caráter essencial” (CF 30, V).
O transporte
intermunicipal, não tendo sido deferido expressamente nem a União, nem aos
Municípios, por força do CF 25, § 1º, é de competência dos Estados-membros
(competência remanescente).
O transporte, nesses
casos, obedecerá, prioritariamente, ao que for estabelecido nos atos de
autorização, permissão ou concessão – especialmente quanto às obrigações,
itinerários, tarifas, prazos – e normas regulamentares, sem prejuízo do que
dispõe este Código. (Direito Civil -
doutrina, Ricardo Fiuza – p. 387 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed.,
São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
Na toada de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o
transporte pode ser público ou particular. O transporte público subordina-se à
regulamentação administrativa. A Constituição da República estabelece a
competência regulatória:
a)
à
União cabe regular o transporte aéreo, ferroviário e aquaviário (CF 21, XII, c,
d, e;
b)
aos
Estados e ao Distrito Federal compete a regulamentação do transporte
intermunicipal (CF 25, § 1º);
c)
aos
munícipios compete a regulamentação do transporte coletivo municipal (CF 30,
V).
o dispositivo estabelece
a subsidiariedade do Código Civil em relação às leis que regulam o transporte
público, i.é, aplicam-se as regras do Código Civil somente diante do silêncio
da legislação administrativa. (Luís Paulo
Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira
apud Direito.com acesso em 16.01.2020, corrigido e aplicadas as
devidas atualizações VD).
Art. 732. Aos contratos de transporte, em geral,
são aplicáveis, quando couber, desde que não contrariem as disposições deste
Código, os preceitos constantes da legislação especial e de tratados e
convenções internacionais.
Acompanhando Claudio
Luiz Bueno de Godoy, a tipificação e o tratamento autônomo que o Código Civil
reservou ao contrato de transporte, pretendendo fixar-lhe um regramento
genérico, suscita questão – a mesma também surgida em outras passagens, como no
contrato de agência e distribuição, a cujos comentários se remete – atinente à
coexistência de legislação especial anterior que igualmente se destinava a
estabelecer regras relativas a espécie contratual vertente.
Assim, em primeiro
lugar, o próprio Código Comercial dedicava na sua parte primeira, de forma atípica
e esparsa, porque tratando, a rigor, dos condutores de gêneros e comissários de
transportes, alguns dispositivos ao contrato transporte arts. 99 a 118). Bem de
ver, porém, que essa primeira parte do Código Comercial foi revogada
expressamente pelo Código Civil de 2002 (CC 2.045). Mas, ainda na sua segunda
parte, ocupando-se do comércio marítimo, a legislação comercial referiu o
transporte por esse meio realizado, e mesmo de pessoas (arts. 566 e ss, e 629 a
632).
A propósito, se não
diretamente incidente a regra do CC 2.045, citado anteriormente, o CC 732
cuidou de determinar a primazia do regramento do Código Civil sobre o conteúdo
de outra norma referente ao contrato de transporte, por ter verdadeiramente
intentado erigir um ordenamento único e geral que lhe fosse aplicável de forma
primária.
Da mesma maneira se deve
entender com relação à legislação especial editada acerca de outras espécies de
transporte, o que sobreleva em especial acerca de regras incompatíveis com o
Código Civil de 2002, dispostas no Código Brasileiro de Aeronáutica e mesmo,
acerca do transporte aéreo internacional, na Convenção de Varsóvia, foco de
frequente discussão. Assim, exemplificativamente, quanto ao problema da
limitação da indenização prevista no art. 22 da Convenção citada, de 1929,
promulgada pelo Decreto n. 20.704/31, com redação do Protocolo de Haia, de
1955, de seu turno com promulgação pelo Decreto n. 56.463/65.
Ou, na mesma esteira,
concernente ao transporte aéreo nacional, a limitação relativa a danos pessoais
ou causados por atraso, constantes do art. 257 do Código Brasileiro de
Aeronáutica (Lei n. 7.565/86), ou, para danos à bagagem, a previsão do art. 260
da mesma normatização.
Na verdade, mesmo antes
do Código Civil de 2002, já se vinha defendendo, inclusive mercê do
reconhecimento da incidência, aos casos de transportes, do Código de Defesa do
Consumidor, que a prévia fixação de limites indenizatórios, sobretudo, embora
não exclusivamente, em casos de danos pessoais, materiais ou morais, não se
justificava à luz do ressarcimento integral que o sistema quer reservar ao
indivíduo e, ainda, pela atual ausência de qualquer justificativa acerca da
necessidade de, com a limitação, proteger e estimular atividade aérea que se
possa considerar ainda incipiente.
Como também, ao que se
crê, desautorizada a conclusão de que uma limitação de responsabilidade teria a
contrapartida na redução dos custos, causa insuficiente a uma falta de completa
garantia de indenidade do passageiro. A todo esse propósito, vale conferir estudo
extenso e completo de Claudia Lima Marques, no qual descreve a evolução da
responsabilidade do transportador aéreo, inclusive com o exame de todas as
nuances das teses diversas esposadas sobre o assunto (Contratos no Código de
Defesa do Consumidor de Defesa do Consumidor, 4.ed. São Paulo, Revista dos
Tribunais, 2002, p. 812-29).
Tudo sem olvidar a
observação, que se reputa fundamental, no sentido de eu a reparação integral de
quaisquer prejuízos sofridos pela pessoa, cuja inviolabilidade constitui princípio
fundamental, decorre mesmo de imperativo constitucional, fato é que a
superveniência do CC/2002 traz dado novo quando estabelece a primazia de seu
regramento sobre qualquer lei especial. Máxime quando conflitante com seus
termos.
Ao contrário de
autorizar qualquer limitação, fora das hipóteses do CC 734, parágrafo único, e
CC 750, portanto antes de prestigiar nesse ponto o tratado internacional –
recebido como lei ordinária, a não ser quando atinente a direito fundamental –
ou o Código de Aeronáutica, o Código Civil, no CC 733 e CC 734, parece ter
pretendido, na esteira do comando constitucional do art. 5º, inciso V e X,
estabelecer a completa reparação dos prejuízos provocados pelo fato do
transporte aos passageiros e ou à sua bagagem.
A solução é idêntica
quando se cuida da responsabilidade por atraso de voo, em extensão mínima
fixada previamente em lei especial – como a de quatro horas, prevista nos arts.
230 e 231 do Código de Aeronáutica – já que, afinal, o Código Civil sujeitou o
transportador à observância de horário e itinerário, salvo força maior (CC
737). Neste passo, lei especial, em interpretação, como contemplativa de uma
indenização sem excludentes, independente da causa que a determinou. Nesse
caso, caberia, inclusive, a tarifação, ou, sendo preferida, a chamada multa
tarifada, porém sem excluir postulação em importe maior, com a contingência da
demonstração de dano e da discussão de eximentes. Tal o elastério, por exemplo,
que se deve reservar ao preceito do art. 15 da Lei n. 11.442/2007 e art. 17, §
2º, da Lei n. 9.611/98, que tratam, respectivamente, do transporte rodoviário
de cargas em território nacional e do transporte multimodal (v. CC 756) e que,
no caso de atraso na entrega das mercadorias, estabelecem limite indenizatório equivalente
ao valor do frete, porém, igualmente, sem se excluir a possibilidade de o
lesado se desincumbir do ônus de comprovação de prejuízo efetivo maior.
Por fim, também é
possível a concorrência normativa do Código de Defesa do Consumidor com o
Código Civil de 2002 em matéria de transportes. É certo que, ao determinar que
o contrato de transporte seja necessariamente oneroso, o Código Civil acabou
abarcando inúmeras relações de transporte que se ostentam de consumo. Não que
isso seja obrigatório, bastando pensar em transporte de carga contratado por
empresa que não se posa considerar destinatária final, fática ou econômica,
conforme a posição que se adote sobre a definição da figura do consumidor.
A verdade é que, no mais
das vezes, o transporte, agora regrado genericamente pelo Código Civil, estará
ao mesmo tempo sujeito às normas da Lei n. 8.078/90, subjetivamente especial,
eis que protetiva do consumidor, de resto como o impôs a própria Constituição
Federal (art. 5º, XXXII). Ocorre que, confrontados o Código Civil e o Código de
Defesa do Consumidor, não raro haverá divergência de tratamento sobre questões
concernentes ao transporte, o que impõe a verificação sobre qual norma aplicar.
Por exemplo, o CC 740 prevê arrependimento do contratante, ausente no Código de
Defesa do Consumidor; o CC 739
estabelece causas de recusa do passageiro diversas das causas previstas no
mesmo Código, quando versada a questão da recusa de contratar; as excludentes
de responsabilidade não são as mesmas em ambas as legislações, como se verá
adiante (CC 734).
Em todos esses casos,
segundo se entende, a interpretação deve sujeitar-se ao influxo da força
unificadora da Constituição. Ou seja, se é comum, hoje, a multiplicidade de
fontes normativas, inclusive legais e infraconstitucionais, evidentemente que
entre elas há de se estabelecer um vínculo sistemático, de sorte a evitar que
cada uma se coloque como um átomo isolado e incoerente com as demais normas do
ordenamento. Esse papel de elo entre as diversas legislações, sobretudo quando
tratam do mesmo assunto, quem o desempenha é a Constituição Federal, que,
sempre que envolvida uma relação de consumo, antes de mais nada determina, como
se viu, a tutela do consumidor, porquanto ocupante de posição intrinsecamente
vulnerável na relação.
Além disso, como se verá
nos comentários aos artigos seguintes, não raro, maior proteção ao consumidor
concentra-se no Código Civil, quando confrontado com o Código de Defesa do
Consumidor. É o que se dá, por exemplo, com a previsão do CC 740.
Por fim, vale anotar ainda que a
interpretação das regras do contrato de transporte, quando confrontados os dois
Códigos referidos, deve atentar a toda nova principiologia contratual, de resto
que não é diversa nas duas legislações quando se cuida de garantir e mesmo
fomentar a função social do contrato, a boa-fé objetiva e o equilíbrio
contratual (ver comentários ao CC 421 e ss), princípios mediante os quais se
asseguram elementos axiológicos básicos,
dispostos na Constituição Federal, como o são a dignidade humana, o
solidarismo e a justiça nas relações entre as pessoas (arts. 1º, III, e 3º, I).
(Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código
Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002.
Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 750-751 -
Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/01/2020. Revista e atualizada nesta data
por VD).
Na Doutrina exposta por
Ricardo Fiuza, manda-se a0plicar aos contratos de transporte, em geral, quando
couber, os preceitos da legislação especial e de tratados e convenções
internacionais, desde que não contrariem as disposições deste Código.
Portanto, não há
prevalência hierárquica do tratado sobre o direito interno, nem deste sobre o
tratado internacional. Em consequência, estão no mesmo nível o tratado e a lei
federal.
Sendo assim, um tratado
internacional que contiver disposições conflitantes, incompatíveis com as deste
Código, haverá de revogar tais preceitos, com base no princípio lex
posterior derogat priori (LICC, art. 2 ~, § j2).
Aliás, a tendência no
direito internacional é a de conferir supremacia aos tratados sobre as normas
de direito interno dos Estados envolvidos, e o que se está vendo, nes momento,
no espaço europeu, é uma confirmação disso. (Direito
Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 388 apud Maria Helena Diniz Código
Civil Comentado já impresso pdf 16ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
No ensinamento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o
Código Civil, como lei posterior, prevalece sobre a legislação ordinária
anterior, ainda que especial, como o Decreto n. 2.681/1912, que regula o
transporte ferroviário e a Lei n. 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica).
O
mesmo critério cronológico resolve as antinomias entre o Código Civil e os
tratados de convenções internacionais, por serem da mesma hierarquia.
Entre
os tratados e convenções internacionais que regulam o transporte aéreo
internacional e que têm vigência no direito brasileiro estão as Convenções de
Varsóvia e Roma (1929), aprovadas pelo Dec.-lei n. 599/38; a de Haia (1955) e a
de Montreal (1975). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em
16.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 733. Nos contratos de transporte cumulativo,
cada transportador se obriga a cumprir o contrato relativamente ao respectivo
percurso, respondendo pelos danos nele causados a pessoas e coisas.
§ 1º. O dano,
resultante do atraso ou da interrupção da viagem, será determinado em razão da
totalidade do percurso.
§ 2º. Se houver
substituição de algum dos transportadores no decorrer do percurso, a
responsabilidade solidária estender-se-á ao substituto.
Discorrendo Claudio Luiz
Bueno de Godoy, o transporte cumulativo é aquele desempenhado por mais de um
transportador, cada qual responsável por um trecho do percurso a ser cumprido.
Ou seja, cada um dos transportadores efetua o transporte incumbindo-se de
cumprir uma fase do trajeto total. Importa, todavia, que haja unidade
contratual, portanto sem que se contrate, individual, separada e
independentemente, cada treco da viagem, quando então se fala em transporte
sucessivo (ver a respeito: Humberto Theodoro Jr., “Do transporte de pessoas no
Código Civil”. In: Revista dos Tribunais, v. 807, janeiro de 2003, p.
11-26). Importa é que haja, no dizer de Pontes de Miranda, unicidade de
contrato e pluralidade de transportadores, todos vinculados ao
deslocamento prometido, não necessariamente subscrevendo contrato, já que o
ajuste é informal (Tratado de direito privado, 3.ed. São Paulo, Revista
dos Tribunais, 1984, t. XLV, § 4.857, n. 2, p. 27-9).
Ter-se-á, portanto, uma
unidade do vínculo obrigacional, prometendo-se prestação de deslocamento da
saída ao destino, mas incumbindo-se de trechos separados e sucessivos cada qual
dos transportadores. No mesmo sentido, o Código Civil italiano, de que é
haurida a regra em comento, dispondo sobre o transporte cumulativo de cargas,
caracteriza-o como sendo aquele assumido por vários transportadores que se
sucedem no deslocamento, mas com um único contrato (art. 1.700).
O artigo em comento,
inserido dentre as disposições gerais do capítulo, refere-se tanto ao
transporte de pessoas, quanto de coisas, que são inclusive textualmente
mencionados ao final do caput. Prevê-se que, tratando-se de
transportadores cumulativos, cada qual responda pelos danos causados no trecho
do percurso a si afeto. Já segundo o § 1º, o atraso atribuível a cada um só se
aferirá ao final do trajeto, pois o retardo é pelo percurso todo, da saída ao
destino, isso porquanto pode haver atraso numa fase que se compense pelo
adiantamento em outra, enfim, cumprindo-se o tempo devido.
Alguns problemas acerca
da interpretação do preceito, porém, se colocam e, mais, fomentam-se ao serem
analisadas as regras do § 2º e do dispositivo do CC 756, atinente ao transporte
cumulativo especificamente de cargas (com a ressalva, nos respectivos
comentários, sobre a concorrência normativa da Lei n. 9.611/98). Em primeiro
lugar, a leitura do artigo induz possível conclusão de que, no transporte
cumulativo, a responsabilidade dos transportadores por atraso ou danos a
passageiros ou coisas, como o caput dispõe, é individual pelo evento que
se tenha dado no ou em função do trecho de que foi incumbido. Quanto aos danos
provenientes de atraso, sem diversa atribuição de responsabilidade, apenas será
preciso esperar e verificar se ele acaba se revelando ao final, no todo do
percurso, aí então identificando-se em qual fase sucedido, para se definir o
transportador individualmente responsável. Tal conclusão ganha força quando se
nota a rejeição da emenda proposta pelo Deputado Bonifácio Neto, a qual, na
tramitação do projeto do Código Civil, procurava alterar a redação do artigo
para explicitar uma responsabilidade solidária dos transportadores cumulativos.
Não é só. No Código
Civil italiano, que tem direta influência na codificação brasileira acerca
dessa matéria, como observa Renan Lotufo (para quem a solução é mesmo a da
responsabilidade individual, conferindo-se em “O contrato de transporte de
pessoas no novo Código Civil”. In: Revista de Direito do Consumidor. São
Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, v. 43, p. 205-14), há igual previsão, no
art. 1.682, de que no transporte cumulativo exclusivamente de pessoas cada
transportador responda no limite de seu percurso, malgrado sem aludir à
reparação do dano daí advindo. Porém, já para o dano às coisas, o Código Civil
italiano previu no art. 1.700, tal como se fez no CC 756 brasileiro na
acentuação de Pontes de Miranda, uma responsabilidade solidária dos
transportadores pela própria dificuldade de se identificar, no transporte de
mercadorias danificadas, em que fase do trajeto se deu o evento (op. cit., p.
31).
Mas, mesmo muito antes
da vigência do Código Civil de 2002, criticando o sistema italiano, Pontes de
Miranda já apontava para a inconveniência e falta de suficiente justificativa à
diferenciação da responsabilidade entre transporte cumulativo de pessoas e de coisas,
sustentando que, malgrado então ausente qualquer previsão legislativa de
solidariedade, ambos transportadores, ainda que vinculados a executar o
transporte só em um trecho do trajeto, respondiam pelo adimplemento da dívida
de todo o percurso, porquanto prometido resultado final indivisível,
inseparável dos resultados parciais (idem, ibidem). Porém, agora sobrevindo o
Código Civil de 2002, para Humberto Theodoro Jr. – inclusive com superação do
argumento de que, convertida em perdas e danos a obrigação indivisível, por
culpa de um dos coobrigados, somente a ele afeta a totalidade da dívida (CC
263, § 2º) - estabeleceu-se na legislação uma responsabilidade solidária para o
transporte de pessoas, mercê da incidência da regra do CC 733, em comento, que
antes inexistia (op. cit., p. 19-20). Para o mesmo autor, essa solidariedade
infere-se da redação do § 2º do dispositivo presente, que, se determinou a
extensão da responsabilidade solidária a quem venha a substituir um dos
transportadores durante o percurso, presumiu então já haver antes uma
solidariedade.
Mas, ainda que não se entenda assim, há
aqui uma concorrência normativa com o Código de Defesa do Consumidor, na forma
dos comentários ao artigo anterior, que parece relevante à compreensão de uma
regra de solidariedade entre os transportadores. É que, em primeiro lugar,
evidenciada uma relação consumerista, impõe-se a responsabilidade solidária de
todos quantos tenham integrado a cadeia prestadora de serviço. ou seja, havendo
vários fornecedores organizados para atender o consumidor, de todos é o dever
legal de qualidade, de segurança e adequação dos serviços prestados (ver a
respeito, analisando a regra do art. 20 do Código de Defesa do Consumidor:
Cláudia Lima Marques; Antônio Herman V. Benjamin; Bruno Miragem. Comentários
ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003,
p. 310). Portanto, nesse ponto, não se diferenciam o transporte de passageiros
e o de coisas, em interpretação haurida do Código de Defesa do Consumidor, que,
por beneficiar e proteger o consumidor de forma mais efetiva, deve prevalecer
sobre a orientação diferente consubstanciada no CC 733 (ver comentário
anterior). E posto não se trate de relação de consumo, há contratos que, mesmo
individuais, são interligados por um nexo funcional, voltados à prossecução de
um objetivo comum, que é uma operação econômica única e global, de transporte
no caso, na qual se revela rede contratual que, mercê da incidência do
princípio da função social do contrato (CC 421), em seu conteúdo ultra
partes, ostentando-se a sua eficácia social, também haverá solidariedade
perante o beneficiário do serviço (Cláudio Luiz Bueno de Godoy. Função
social do contrato, 2.ed. São Paulo, Saraiva, 2007). (Claudio Luiz Bueno de
Godoy, apud Código Civil Comentado:
Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar
Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 752-753 - Barueri, SP:
Manole, 2010. Acesso 16/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Consta na doutrina de
Ricardo Fiuza: Dá-se transporte cumulativo quando vários transportadores – por
terra, água ou ar – efetuam, sucessivamente, o deslocamento, de um lugar para
outro, de pessoas ou coisas. (Direito
Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 388 apud Maria Helena Diniz Código
Civil Comentado já impresso pdf 16ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
Encerrando o capítulo
com Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira,
o transporte cumulativo caracteriza-se pela unidade na prestação de serviços.
Se uma pluralidade de transportadores são usados no transporte, sem que haja
vínculo entre eles, configura-se o transporte sucessivo.
Havendo transporte cumulativo os transportadores não respondem solidariamente, embora a obrigação seja indivisível. I.é: o responsável indeniza a totalidade dos prejuízos sofridos pelo tomador do serviço (§ 1º) (Agostinho Alvim. Direito das obrigações: exposição de motivos. In Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros, Rio de Janeiro, 1972, p. 76). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 16.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
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