Direito Civil Comentado - Art.
737, 738, 739
- DO
TRANSPORTE DE PESSOAS
- VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com -
digitadorvargas@outlook.com
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI
– Das Várias Espécies de Contrato
(art. 481 a 853) Capítulo XIV – Do Transporte
– Seção II
Do
Transporte de Pessoas - (art. 734 a 742)
Art. 737. O transportador está sujeito aos
horários e itinerários previstos, sob pena de responder por perdas e danos,
salvo motivo de força maior.
No compasso de Claudio
Luiz Bueno de Godoy, a regra em comento nada mais significa senão a obrigação
que tem o transportador de cumprir sua prestação, tal como convencionada. Ou
seja, incumbe-lhe atender, no deslocamento que propicia ao passageiro, o exato
horário previamente estabelecido e, também, o itinerário antecipadamente
informado. Isso implica, ao revés, em que, havido atraso ou alteração de
trajeto, responde o transportador pelos prejuízos decorrentes, ressalva a prova
de que ocorrida força maior.
Veja-se, quanto ao
atraso, e conforme já acentuado nos comentários ao CC 732, a qe ora se remete,
que, já não fosse a força revogadora da superveniência do Código de Defesa do
consumidor, lei posterior subjetivamente especial, a previsão dos arts. 230 e
231 do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n. 7.565/86) acerca do transporte
nacional efetuado pelo meio aéreo, ao fixar limite mínimo para que o atraso de
voo pudesse ensejar indenização, ostenta-se visivelmente incompatível com a
disposição do CC 737, ora em comento.
É bom não olvidar que,
no CC 732, o atual Código estabeleceu a primazia de seus preceitos em relação a
dispositivos da lei especial que com ele se mostrassem, como no caso,
incompatíveis. Na melhor das hipóteses, também como já se disse nos comentários
do CC 732, o limite mínimo de quatro horas de atraso, determinado no Código de
Aeronáutica, apenas pode ser admitido, em interpretação sistemática e
harmonizadora como Código Civil de 2002, se compreendido como uma hipótese em
que a indenização se paga de forma automática, só pelo fato do retardo, sem
qualquer excludente, porém com possibilidade de tarifação ou limitação do quantum
indenizatório. Mas sempre sem prejuízo de se poder provar dano maior,
evidente que com o ônus a tanto atinente, assim correndo-se o risco de nada se
conseguir provar.
O atraso pode provocar
danos materiais e, muito frequentemente, pode provocar também danos morais. A
essa verificação importará a aferição das circunstâncias do caso concreto, a
extensão e condições do atraso e do passageiro durante sua permanência, valendo
diferenciar, a propósito, o que seja mero e pequeno incômodo, contingência
própria da vida de relações, do que signifique verdadeiro abalo psíquico,
frustração grave de justa expectativa do contratante, real afronta a direito da
personalidade.
Da mesma forma, a
mudança do itinerário pode, conforme a hipótese fática, induzir dano ao
passageiro, material e/ou moral, de possível cumulação, valendo não olvidar o
padrão de transparência que a boa-fé objetiva impõe nas relações contratuais,
particularmente caracterizadas pela adesão, como via de regra se dá nos
transportes, assim sobressaindo a necessidade de detida informação sobre as
condições do deslocamento, aí incluindo-se o itinerário a ser percorrido, até
para possibilitar a mais livre escolha do passageiro diante das opções que
existem para o deslocamento pretendido.
Ocorrência
lamentavelmente comum que se tem dado, sobretudo no transporte aéreo, é o
chamado overbooking, resultado da venda de bilhetes em número superior
ao de assentos, como forma de prevenção contra desistências, que, se não
sucedem, levam à necessidade de recolocação de alguns passageiros em voos não
raro com horários e percursos diversos, por exemplo, com conexões que a
contratação original não envolvia. Evidente que o caso é de indenização pelos
prejuízos causados, não excluída ou afastada pela ocasional autorização
administrativa dos órgãos reguladores.
A responsabilidade pelos danos
decorrentes de atraso e mudança de itinerário, de acordo com a lei, somente se
elide pela ocorrência de força maior. A respeito das excludentes no contrato de
transporte, remete-se ao exame já detidamente efetuado nos comentários ao CC
734 e 735, apenas reiterando, quanto à força maior e caso fortuito, conforme já
acentuado no comentário ao CC 734, que eles devem ser externos para afastar a
responsabilidade objetiva do transportador, e que isso não ocorre quando se
trata de defeitos mecânicos do veículo de transporte. (Claudio Luiz Bueno de
Godoy, apud Código Civil Comentado:
Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar
Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 760 - Barueri, SP: Manole,
2010. Acesso 20/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Enquanto para Fiuza o transportador tem de cumprir os itinerários e obedecer aos
horários previstos no contrato ou regulamentos é salvo motivo de força maior,
responder pelos danos que decorrerem de atrasos ou mudanças de percurso. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza
– p. 390 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em
20/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na
esteira de Luís Paulo Cotrim Guimarães e
Samuel Mezzalira, a jurisprudência divide-se quanto à necessidade prova de
danos pelo consumidor quando há descumprimento de horário pelo transportador.
Admite-se que o dano moral é damnun in re ipsa, pois sua configuração
não depende de prova exaustiva; pode ser presumida a partir de certas
condutas). Nesse sentido: REsp n. 659.760-MG, Rel. Min. Aldir Passarinho Jr.,
j. 4.04.2006.
O
simples atraso no voo, de per si, já caracteriza a prestação de serviço
como inadequada, posto que o contrato de transporte é de resultado, sendo
irrelevante a demonstração dos danos suportados pelos passageiros em razão de
seus próprios interesses, origina-se a responsabilidade civil da companhia
aérea em indenizar o incômodo causado ao seu passageiro. A obrigação de
indenizar das companhias aéreas é objetiva, pois se trata de companhia
concessionária de serviço público de transporte aéreo (§ 6º, art. 37, CF),
tanto no que tange aos danos patrimoniais, quanto aos danos morais (...).
Apelação parcialmente provida. Decisão: Conhecer. Dar parcial provimento.
Unânime” (Apelação Cível, n. 2000015000380 APC/DF, 3ª Turma Cível do TJDFT,
Rel. Campos Amaral, j. 10.04.2000, p. DJU 17.05.00, p. 30). (Luís
Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 20.01.2020, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
Art.
738. A
pessoa transportada deve sujeitar-se às normas estabelecidas pelo
transportador, constantes no bilhete ou afixadas à vista dos usuários,
abstendo-se de quaisquer atos que causem incômodo ou prejuízo aos passageiros,
danifiquem o veículo, ou dificultem ou impeçam a execução normal do serviço.
Parágrafo
único. Se o prejuízo sofrido pela pessoa transportada for atribuível à
transgressão de normas e instruções regulamentares, o juiz reduzirá
equitativamente a indenização, na medida em que a vítima houver concorrido para
a ocorrência do dano.
Na
esteira de Claudio Luiz Bueno de Godoy, por sua natureza bilateral, o contrato
de transporte, uma vez aperfeiçoado, enseja obrigações a ambas as partes. Pois,
das obrigações básicas do passageiro, a par do pagamento do preço do bilhete,
cuida o artigo em comento. Conforme seus termos, o passageiro é obrigado,
durante o transporte, a atender as instruções legais, administrativas e
regulamentares que visam a garantir a segurança do deslocamento e a
tranquilidade dos demais passageiros. Assim, deve-se abster o passageiro da
prática de qualquer ato que, como genericamente está na lei, dificulte ou
impeça o normal deslocamento, a regular prestação do serviço de transporte.
Apenas que, quanto a específicas instruções para determinada forma de
transporte, devem ser objeto de regular informação ao passageiro, corolário do
dever de transparência que a boa-fé objetiva exige venha a permear as relações
contratuais (CC 422). Repete-se, de maneira genérica é dever do transportado
não agir de modo a perturbar os outros passageiros e a prejudicar o normal
transcurso do transporte.
Aliás,
a propósito, vale não olvidar previsão da lei especial de regulação do
transporte aéreo, compatível com o novo Código Civil e por isso com plena
aplicabilidade, dispondo sobre verdadeiro poder de polícia ao comandante da
aeronave (arts. 165 e ss. da Lei. n. 7.565/86), podendo mesmo ordenar o
desembarque de passageiro de qualquer forma inconveniente, porquanto
infringente das obrigações mencionadas anteriormente. Aliás, a mesma
prerrogativa é reconhecida por Sílvio de Salvo Venosa a qualquer preposto do
transportador que seja responsável pelo deslocamento, sempre a bem da segurança
do serviço, afinal um dos deveres de quem o presta (Direito civil, 3.ed.
São Paulo, Atlas, 2003, v. III, p. 490).
Por
fim, o parágrafo único do dispositivo em comento trata da indenização dos danos
sofridos pelo passageiro e/ou pela bagagem durante o transporte, mas para cuja
eclosão tenha este contribuído. Ou seja, cuida-se da culpa concorrente da
vítima, que deve levar à proporcionalização da indenização. Tem-se causa de
redução da indenização de responsabilidade objetiva do transportador. E aqui impende
repetida menção à questão da concorrência normativa da legislação consumerista,
que não faz qualquer remissão à culpa concorrente, mas apenas à culpa exclusiva
da vítima como excludente da responsabilidade objetiva do fornecedor de
serviços (art. 14).
Porém,
consoante já se vinha entendendo, mesmo sob a égide do Código de Defesa do
Consumidor, a redução da indenização imposta pela concorrência da culpa da
vítima constitui medida de prestígio à própria boa-fé objetiva, que inúmeros
deveres anexos ou laterais impõe ao fornecedor. Ou seja, de ambos os
contratantes, mesmo nas relações intrinsecamente desiguais, se exige padrão de
comportamento solidário e leal que, a rigor, decorre mesmo de imperativo
constitucional (CF 3º, I). Significa dizer que não seria leal, solidário,
equitativo que a vítima se beneficiasse de uma indenização completa quando,
mesmo objetiva a responsabilidade do outro contratante, tivesse contribuído,
com sua conduta culposa, para a ocorrência dos danos que veio a sofrer. Por
isso, a previsão de culpa concorrente no CC/2002, a rigor, não se mostra
verdadeiramente incompatível com o Código de Defesa do Consumidor. Além disso,
no parágrafo em comento, essa concorrência de culpa acaba ostentando plena
coincidência com a regra geral a respeito editada no capítulo da
responsabilidade civil (CC 945 e seu comentário).
Por fim, duas últimas ressalvas.
Primeiro, a de que, hoje, seja conforme o parágrafo presente, seja de acordo
com o CC 945, quando se alude à redução equitativa da indenização, concorrendo
culpa da vítima, não se reparte necessariamente em porções iguais o valor da
reparação, mas sim proporcionalizado de acordo com o grau de contribuição da
vítima para o prejuízo experimentado. Segundo a de que, havida exclusiva culpa
da vítima, causa única do dano ocorrido, não haverá indenização a ser paga pelo
transportador, já que quebrado o correspondente nexo de causalidade daquele
prejuízo com o serviço do transporte. E, malgrado ausente expressa a alusão do
CC/2002 à culpa exclusiva enquanto causa excludente, ao contrário do que está
no CDC 14, § 3º, II, sua incidência se deduz mesmo da previsão de que a
concorrência de culpa da vítima reduz a indenização. Por isso, sua culpa
exclusiva afasta, de todo, a indenização, a propósito, remete-se ao que já
expendido nos comentários ao CC 734. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 761-762 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso
20/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Segundo
Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel
Mezzalira, uma das situações que importam a quebra do nexo causal é o fato da
vítima, i.é, quando a própria vítima desatende ao dever de cuidado e auxilia de
algum modo na ocorrência do dano.
Avisos e instruções do transportador reforçam o dever de
cuidado dos passageiros e, segundo critério de razoabilidade, podem ser
cobrados dos mesmos, com a finalidade de imputar-lhes parte da responsabilidade
na causação de dano e até mesmo para isentar o transportador.
O
artigo 742 confere ao transportador o direito de retenção sobre a bagagem do
passageiro, para a garantia de eventuais créditos que tenha contra ele. (Luís
Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 20.01.2020, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 739. O transportador não pode recusar
passageiros, salvo os casos previstos nos regulamentos, ou se as condições de
higiene ou de saúde do interessado o justificarem.
Sob o prisma de Claudio
Luiz Bueno de Godoy, em primeiro lugar, há serviços de transporte que, mesmo
entregues à execução dos particulares por concessão, permissão ou autorização,
são públicos e essenciais, assim de prestação continuada e que, portanto, não
podem ser recusados. Veja-se, a propósito, o já expendido no comentário ao CC
731, bastando lembrar, como exemplo, o transporte coletivo municipal, tal como
está no CF 30, V, que, ademais, deve ser combinado com o CDC 22.
Mas, de maneira geral,
colocando-se o transportador em estado de oferta pública e permanente,
obriga-se à contratação perante um público indistinto de usuários, desde que
paguem o bilhete e se mantenham adequados às condições gerais que permitam a
escorreita prestação do serviço, de forma segura e sem perturbar os demais
passageiros, assim, antes de mais nada, conforme as circunstâncias já
mencionadas no artigo anterior, e por isso, exemplificativamente, sendo
recusável o embarque de passageiro menor desacompanhado ou não autorizado, na
forma e quando o exija a Lei n. 8.069/90 (ECA).
Porém, mais ainda,
salienta o artigo agora em comento que o transporte poderá ser igualmente
recusado se o passageiro, além de não atender às instruções legais ou
regulamentares, apresentar-se ao transporte em condições de saúde e higiene que
potencialmente afetem ou prejudiquem os demais passageiros. Nesse pondo, de
novo incide a concorrência normativa do Código de Defesa do Consumidor, que
autoriza a recusa do fornecimento do serviço, no art. 49, II, em conformidade
com os usos e costumes. É o que se entende também aplicável de maneira geral ao
transporte, porquanto na senda de sua principiologia e posto não se trata, na
hipótese fática, de relação de consumo. Pense-se no exemplo do passageiro que
não se ostente convenientemente trajado, o que se deve aferir in rebus,
conforme a época e o lugar do transporte.
Por fim, mas não em diferente sentido,
mesmo causas inespecíficas no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor,
desde que consonantes com a finalidade de preservar, de maneira geral, a
regular prestação do serviço de transporte, devem ser admitidas como fonte de
recusa do passageiro. Assim, qualquer hipótese de risco à segurança, não só à
saúde alheia ou aos bons costumes. Pense-se, como exemplo, em pessoa que queira
embarcar acompanhado de animal perigoso. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 762 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso
20/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Na linha da doutrina
apresentada por Ricardo Fiuza, em princípio, não se admite a recusa de
contratar por parte do transportador, a não ser nos casos previstos nos
regulamentos, ou se as condições de higiene ou de saúde do interessado o
justificarem. Imagine-se o caso de o passageiro se apresentar exalando mau
cheiro extremo, incomodando e perturbando os demais passageiros, ou com saúde
tão debilitada que só devesse ser transportado em ambulância.
Embora este artigo não
mencione expressamente, devem ser incluídas outras situações, como a do
passageiro que se encontra em trajes menores, indecentemente, ou o que está
completamente embriagado ou drogado, ou que porta, na cintura, ostensivamente,
arma branca ou de fogo. Isto para não falar em viajante que forçou a entrada em
ônibus interurbano, na rodovia Transamazônica, trazendo uma serpente enrolada
no braço, alegando que a cobra venenosa era seu animal de estimação, e tinha de
viajar em sua companhia. (Direito Civil -
doutrina, Ricardo Fiuza – p. 390 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed.,
São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
Na toada de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o
transporte de passageiros é, ordinariamente, atividade que conforma relação de
consumo. O Código de Defesa do Consumidor veda a discriminação de consumidores
e a recusa de atendimento às suas demandas, na medida da possibilidade do
fornecedor (CDC 39, II).
O
dispositivo em questão concretiza a regra geral relativamente ao contrato de
transporte. Em regra, não pode o transportador recusar passageiros. Somente
poderá fazê-lo diante de circunstâncias graves que ponham em risco o próprio
transporte e os demais passageiros. A menção às condições de higiene e de saúde
do interessado no dispositivo é meramente exemplificativa. (Luís
Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 20.01.2020, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
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