Direito Civil Comentado - Art.
740, 741, 742
- Do Transporte
De Pessoas - VARGAS,
Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com -
digitadorvargas@outlook.com
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI
– Das Várias Espécies de Contrato
(Art. 481 a 853) Capítulo XIV – Do Transporte
– Seção II
Do
Transporte de Pessoas - (Art. 734 a 742)
Art. 740. O passageiro tem direito a rescindir o
contrato de transporte antes de iniciada a viagem, sendo-lhe devida a
restituição do valor da passagem, desde que feita a comunicação ao
transportador em tempo de ser renegociada.
§ 1º. Ao passageiro é
facultado desistir do transporte, mesmo depois de iniciada a viagem, sendo-lhe
devida a restituição do valor correspondente ao trecho não utilizado, desde que
provado que outra pessoa haja sido transportada em seu lugar.
§ 2º. Não terá
direito o reembolso do valor da passagem o usuário que deixar de embarcar,
salvo se provado que outra pessoa foi transportada em seu lugar, caso em que
lhe será restituído o valor do bilhete não utilizado.
§ 3º. Nas hipóteses
previstas neste artigo, o transportador terá direito de reter até cinco por
cento da importância a ser restituída ao passageiro, a título de multa
compensatória.
Na balada de Claudio
Luiz Bueno de Godoy, o dispositivo presente trata, a rigor, da desistência do
passageiro, em situações diversas, mas de maneira mais abrangente do que dispõe
o art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, que apenas permite, no prazo de
sete dias, arrependimento nos casos de contratação à distância e, conforme
interpretação extensiva, de vendas emocionais.
Assim, reforçando-se o
quanto já expendido nos comentários ao CC 732, ter-se-á, mesmo nas hipóteses em
que o transporte envolva, o que não se dá sempre, de maneira necessária, uma
relação de consumo, a aplicação do Código Civil, que, nesta parte, é mais
afeiçoado ao comando constitucional de proteção do consumidor (CC 5º, XXXII), à
ideia básica de equilíbrio e solidarismo nas relações entre as pessoas, também
emanada da Constituição (art. 3º, I).
Nesta senda, permite o
Código Civil de 2002 que o passageiro rescinda – na verdade, tecnicamente um
caso de resilição unilateral, porque de verdadeira desistência ou
arrependimento (CC 473) – o contrato de transporte, por sua vontade, com
consequências diversas conforme a existência de prévia comunicação e o tempo de
sua manifestação. Em diversos termos, o artigo em comento cuida da desistência,
com consequências diferentes, nas seguintes situações: a) antes de iniciada a
viagem, com direito do passageiro à restituição do valor do trecho faltante,
mas só se demonstrado que, efetivamente, outra pessoa foi transportada em seu
lugar; b) quando já iniciada a viagem, com direito do passageiro à restituição
do valor do trecho faltante, mas só se demonstrado que, efetivamente, outra
pessoa foi transportada em seu lugar; c) mesmo antes de iniciada a viagem, mas
sem comunicação prévia da desistência, com direito à restituição do valor da
passagem apenas quando igualmente se comprovar que outra pessoa foi
transportada no lugar do desistente.
Nesses casos em que o
transportador deve devolver o valor do bilhete, fará jus, como está na lei, à
multa de até 5% da importância da restituição. Trata-se de cláusula penal
compensatória, pelo que, por um lado, não há antinomia real com o CDC 52, § 1º,
que estabelece uma cláusula penal moratória. De outro tanto, não se compreende,
se se estatui cláusula penal, por natureza convencional, haver uma estipulação
legal, que independa de prévio ato de manifestação de vontade, tanto mais se a
lei alude a uma multa de até 5%, portanto o que deverá ser previamente
pactuado, aí sim, observado o teto da legislação.
Pelo seu silêncio a
respeito, bem como pelo que se poderia inferir da interpretação a contrario
sensu do artigo, nos casos de o passageiro, antes da viagem, desistir sem
comunicar a tempo de haver substituição, ou de desistir durante o percurso sem
provar sua substituição no trecho faltante, ser-lhe-ia imposta a total perda do
valor do bilhete. Aliás, o Código Civil foi explícito em caso de desistência
sem aviso prévio e sem prova de que houve substituição (§ 2º).
Bem de ver, todavia, que
tal orientação não só conflita com o princípio traduzido pela previsão do CDC
53, que pretende vedar a perda total de valores pagos quando inadimplente o
consumidor, como, antes, parece não se ajustar aos valores mencionados
anteriormente, de equilíbrio e solidarismo nas relações jurídicas, dispostos na
Constituição Federal, de que inclusive há exemplos múltiplos no CC/2002, até mesmo
quando possibilita a redução, veja-se, de cláusulas penais que o juiz repute
excessivas (CC 413). Trata-se de imperativo de equidade que, segundo se
entende, determina uma interpretação sistemática, e à luz da Constituição, do
artigo vertente, portanto muito além de seu sentido literal.
Por isso se poderá reputar abusiva a
perda completa do valor pago, acrescentando-se que a abusividade não
consubstancia fenômeno de exclusiva repressão na legislação consumerista, na
exata medida em que, como se disse, afronta a ideia, diretamente dimanada da
Constituição Federal (art. 3º, I), de equilíbrio nas relações jurídicas, posto
se a pondere de forma adequada à eventual formação de vínculo entre iguais. De
toda sorte, caberá ao juiz, nessas hipóteses, estimar a extensão da perda do
valor da passagem, conforme o prejuízo que possa o passageiro ter causado, mas
por qualquer de suas modalidades, por qualquer forma de manifestação. (Claudio
Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil
Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord.
Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 763-764 - Barueri, SP:
Manole, 2010. Acesso 21/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Segundo a doutrina
apontado por Ricardo Fiuza, a rescisão unilateral do contrato de transporte tem
de ser tempestiva. O passageiro pode desistir da viagem, sendo-lhe devida a
restituição do valor da passagem. Mas terá de comunicar o transportador em
tempo de ser renegociada a passagem.
Mesmo depois de iniciada
a viagem, no meio do percurso, portanto, o passageiro pode desistir do
transporte, tendo direito à restituição do valor da passagem correspondente ao
trecho não utilizado, desde que fique provado que, em seu lugar, outra pessoa
foi transportada no percurso faltante.
O usuário que deixou de
embarcar, que não se apresentou na hora determinada para a partida, que,
intempestivamente tenha desistido da viagem, não terá direito ao reembolso do
valor da passagem, a não ser que prove que outra pessoa foi transportada em sua
vaga, e, aí, ser-lhe-á devolvido o valor do bilhete que não utilizou.
Em qualquer dos casos
previstos neste artigo, a título de multa compensatória, o transportador terá
direito de reter até cinco por cento da importância a ser restituída ao
passageiro. (Direito Civil - doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 391 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em
21/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o
dispositivo dá ao passageiro o direito excepcionalíssimo de rescindir o
contrato de transporte antes de iniciada a viagem. Uma vez que o referido
direito seja exercido a tempo de o transportador renegociar a passagem, faz jus
o passageiro ao reembolso do preço pago, podendo lhe ser descontado o
equivalente a 5% do preço a título de multa compensatória.
A
desistência da viagem após se ter percorrido determinado trecho dá ao
passageiro o direito de obter o reembolso do preço proporcional ao trecho por
percorrer, desde que o passageiro prove que outra pessoa foi transportada em
seu lugar. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em
21.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 741. Interrompendo-se a viagem por qualquer motivo alheio à vontade do transportador, ainda que em consequência de evento imprevisível, fica ele obrigado a concluir o transporte contratado em outro veículo da mesma categoria, ou, com a anuência do passageiro, por modalidade diferente, à sua custa, correndo também por sua conta as despesas de estada e alimentação do usuário, durante a espera de novo transporte.
Sob o prisma de Claudio
Luiz Bueno de Godoy, a regra do artigo presente revela com clareza o risco que
o legislador entendeu inerente à atividade de transporte; por isso, impôs-se ao
transportador uma responsabilidade independente de culpa e a obrigação, nessa
esteira, de concluir viagem iniciada e que se tenha interrompido mesmo que por
evento fortuito u de força maior. Em outros termos, e porque lhe é afeta uma
obrigação de resultado, caso o transporte se tenha iniciado, é dever do
transportador conclui-lo, sempre, mesmo se houver interrupção por fato alheio,
que não lhe seja atribuível.
Além disso, impende fazê-lo, à sua
custa, nos mesmos moldes do transporte contratado, ou seja, por veículo da
mesma categoria, como a lei determina, só se admitindo meio diverso se houver o
passe do passageiro. Até que se implemente o novo transporte para
conclusão da viagem, ocasionais despesas com hospedagem e alimentação correm
também por conta do transportador. José Maria Trepat Cases (Código Civil
comentado, coord. Álvaro Vilaça Azevedo. São Paulo, Atlas, 2003, v. VIII,
p. 174-5), com base inclusive em aresto
do STJ, lembra que, em virtude da regra em comento, a qual impõe a
responsabilidade dos transportadores pela conclusão da viagem iniciada e
interrompida, mesmo pelo casus, é dever de todos eles aceitar o
passageiro de outro para dar cabo da exigência legal em comento, sob pena de
compr perdas e danos. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 764 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/01/2020. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Para Fiuza, em qualquer
hipótese, ainda que por caso fortuito, se a viagem for interrompida, o
transportador fica obrigado a concluir o transporte contratado em outro veículo
da mesma categoria, ou, se o passageiro concordar por modalidade diferente, à
sua custa. Durante a espera do novo transporte, correm por conta do
transportador as despesas de estada e alimentação do usuário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza
– p. 391 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em
21/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Sob o prisma de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o
transportador tem o dever de resultado de levar o passageiro e sua bagagem em
segurança até o destino acertado. Ele não se desobriga nem mesmo diante da
ocorrência de fortuito externo que interrompa a viagem. O CDC 84 (Lei n.
8.078/90) dá ao consumidor o direito de exigir o cumprimento específico da
obrigação pelo fornecedor. Caso o transportador não proceda no sentido de
reduzir os prejuízos sofridos pelos passageiros, ainda que em razão de fortuito
externo, violará seu dever legal e ficará obrigado a indenizar os passageiros
pelos danos morais e materiais que sua falta acarretar. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em
21.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 742. O transportador, uma vez executado o
transporte, tem direito de retenção sobre a bagagem de passageiro e outros
objetos pessoais deste, para garantir-se do pagamento do valor da passagem que
não tiver sido feito no início ou durante o percurso.
Na toada de Claudio Luiz
Bueno de Godoy, bem de ver, antes de mais nada, que legislação especial,
particularmente acerca do transporte de cargas, já conferia ao transportador o
direito de reter coisas transportadas como garantia do pagamento do frete.
Assim, o próprio Código Comercial, nos arts. 116 e 117, malgrado referindo a
uma não mais existente hipoteca tácita, que foi substituída pela noção de
direito de retenção (v.g., Martins, Fran. Contratos e obrigações
comerciais, 7.ed. Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 261), dispunha que o
transportador podia reter a mercadoria para vendê-la e, com o respectivo
produto, ver seu crédito pago. Da mesma forma o vetusto Decreto n. 19.472/30,
alterado pelo Decreto n. 19.754/31, previa igual direito ao transportador, de
retenção das coisas transportadas.
Trata-se mesmo de uma
medida inspirada na equidade, de sorte a equilibrar a relação contratual,
permitindo ao transportador que retenha consigo coisa transportada ou bagagem e
objetos de passageiros, até ser pago o valor ajustado pelo respectivo
transporte. É o que o Código Civil explicita para o transporte de pessoas, à
semelhança da retenção que faculta ao hoteleiro, para garantia do pagamento do
valor da hospedagem, mas sem erigir um penhor legal, tal qual procede no CC
1.467, I.
A distinção é relevante
porquanto, na retenção que se faz para tornar o penhor legal efetivo, há a
necessidade de posterior ato judicial homologatório (homologação de penhor
legal), o que não ocorre com o direito de retenção, exercitado
extrajudicialmente, eis que não é necessária qualquer formalidade homologatória
posterior (ver a respeito: Fonseca, Arnoldo Medeiros da. Direito de retenção,
2.ed. Rio de Janeiro, Forense, 1944, p. 287).
Porém, tanto quanto no
penhor legal que tem o hospedeiro sobre a bagagem do hóspede, ou mesmo o do
fornecedor de alimento sobre bens do freguês, a ideia do legislador foi
garantir de forma especial o pagamento à consideração de que geralmente é
desconhecido o usuário do serviço.
O transportador que
retém a bagagem ou outros objetos pessoais que estiverem com o passageiro por
ocasião do transporte passa a ter sobre a res o dever de custódia,
empregando na guarda e conservação a diligência que o exigir a natureza da
coisa, aqui, de novo, à semelhança do que se dá com o credor pignoratício (CC
1.435, I). Tem, em contrapartida, porquanto possuidor da coisa, o direito
básico de defender essa posse, pela utilização dos interditos, e de ser
ressarcido pelas despesas de conservação ou prejuízos decorrentes de ignorados
vícios da res. A todo esse propósito, vale conferir ainda uma vez,
Arnoldo Medeiros da Fonseca (op. cit., p. 267-76).
Veja-se, por fim, que o Código Civil
concede ao transportador o direito de retenção apenas para garantia do valor da
passagem e não de eventuais danos que o passageiro tenha provocado. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 765 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso
21/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Na
doutrina de Ricardo Fiuza, no caso de o viajante não ter pagado a passagem no
início ou durante o percurso, terá de fazê-lo ao final, uma vez executado ou
concluído o transporte. Não o fazendo, o transportador tem direito de retenção
dobre a bagagem e outros objetos pessoais do passageiro, para garantir-se do
pagamento do valor da passagem. (Direito
Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 392 apud Maria Helena Diniz Código
Civil Comentado já impresso pdf 16ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
Concluindo com Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o
dispositivo estabelece o direito de retenção da bagagem do passageiro em favor
do transportador para o pagamento da passagem. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 21.01.2020, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
Nenhum comentário:
Postar um comentário