quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Direito Civil Comentado - Art. 740, 741, 742 - Do Transporte De Pessoas - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 740, 741, 742
- Do Transporte De Pessoas - VARGAS, Paulo S. R.
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digitadorvargas@outlook.com

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

 (Art. 481 a 853) Capítulo XIV – Do Transporte – Seção II

Do Transporte de Pessoas - (Art. 734 a 742)

 

 

Art. 740. O passageiro tem direito a rescindir o contrato de transporte antes de iniciada a viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor da passagem, desde que feita a comunicação ao transportador em tempo de ser renegociada.

 

§ 1º. Ao passageiro é facultado desistir do transporte, mesmo depois de iniciada a viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor correspondente ao trecho não utilizado, desde que provado que outra pessoa haja sido transportada em seu lugar.

 

§ 2º. Não terá direito o reembolso do valor da passagem o usuário que deixar de embarcar, salvo se provado que outra pessoa foi transportada em seu lugar, caso em que lhe será restituído o valor do bilhete não utilizado.

 

§ 3º. Nas hipóteses previstas neste artigo, o transportador terá direito de reter até cinco por cento da importância a ser restituída ao passageiro, a título de multa compensatória.

 

Na balada de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o dispositivo presente trata, a rigor, da desistência do passageiro, em situações diversas, mas de maneira mais abrangente do que dispõe o art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, que apenas permite, no prazo de sete dias, arrependimento nos casos de contratação à distância e, conforme interpretação extensiva, de vendas emocionais.

 

Assim, reforçando-se o quanto já expendido nos comentários ao CC 732, ter-se-á, mesmo nas hipóteses em que o transporte envolva, o que não se dá sempre, de maneira necessária, uma relação de consumo, a aplicação do Código Civil, que, nesta parte, é mais afeiçoado ao comando constitucional de proteção do consumidor (CC 5º, XXXII), à ideia básica de equilíbrio e solidarismo nas relações entre as pessoas, também emanada da Constituição (art. 3º, I­).

 

Nesta senda, permite o Código Civil de 2002 que o passageiro rescinda – na verdade, tecnicamente um caso de resilição unilateral, porque de verdadeira desistência ou arrependimento (CC 473) – o contrato de transporte, por sua vontade, com consequências diversas conforme a existência de prévia comunicação e o tempo de sua manifestação. Em diversos termos, o artigo em comento cuida da desistência, com consequências diferentes, nas seguintes situações: a) antes de iniciada a viagem, com direito do passageiro à restituição do valor do trecho faltante, mas só se demonstrado que, efetivamente, outra pessoa foi transportada em seu lugar; b) quando já iniciada a viagem, com direito do passageiro à restituição do valor do trecho faltante, mas só se demonstrado que, efetivamente, outra pessoa foi transportada em seu lugar; c) mesmo antes de iniciada a viagem, mas sem comunicação prévia da desistência, com direito à restituição do valor da passagem apenas quando igualmente se comprovar que outra pessoa foi transportada no lugar do desistente.

 

Nesses casos em que o transportador deve devolver o valor do bilhete, fará jus, como está na lei, à multa de até 5% da importância da restituição. Trata-se de cláusula penal compensatória, pelo que, por um lado, não há antinomia real com o CDC 52, § 1º, que estabelece uma cláusula penal moratória. De outro tanto, não se compreende, se se estatui cláusula penal, por natureza convencional, haver uma estipulação legal, que independa de prévio ato de manifestação de vontade, tanto mais se a lei alude a uma multa de até 5%, portanto o que deverá ser previamente pactuado, aí sim, observado o teto da legislação.

 

Pelo seu silêncio a respeito, bem como pelo que se poderia inferir da interpretação a contrario sensu do artigo, nos casos de o passageiro, antes da viagem, desistir sem comunicar a tempo de haver substituição, ou de desistir durante o percurso sem provar sua substituição no trecho faltante, ser-lhe-ia imposta a total perda do valor do bilhete. Aliás, o Código Civil foi explícito em caso de desistência sem aviso prévio e sem prova de que houve substituição (§ 2º).

 

Bem de ver, todavia, que tal orientação não só conflita com o princípio traduzido pela previsão do CDC 53, que pretende vedar a perda total de valores pagos quando inadimplente o consumidor, como, antes, parece não se ajustar aos valores mencionados anteriormente, de equilíbrio e solidarismo nas relações jurídicas, dispostos na Constituição Federal, de que inclusive há exemplos múltiplos no CC/2002, até mesmo quando possibilita a redução, veja-se, de cláusulas penais que o juiz repute excessivas (CC 413). Trata-se de imperativo de equidade que, segundo se entende, determina uma interpretação sistemática, e à luz da Constituição, do artigo vertente, portanto muito além de seu sentido literal.

 

Por isso se poderá reputar abusiva a perda completa do valor pago, acrescentando-se que a abusividade não consubstancia fenômeno de exclusiva repressão na legislação consumerista, na exata medida em que, como se disse, afronta a ideia, diretamente dimanada da Constituição Federal (art. 3º, I), de equilíbrio nas relações jurídicas, posto se a pondere de forma adequada à eventual formação de vínculo entre iguais. De toda sorte, caberá ao juiz, nessas hipóteses, estimar a extensão da perda do valor da passagem, conforme o prejuízo que possa o passageiro ter causado, mas por qualquer de suas modalidades, por qualquer forma de manifestação. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 763-764 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Segundo a doutrina apontado por Ricardo Fiuza, a rescisão unilateral do contrato de transporte tem de ser tempestiva. O passageiro pode desistir da viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor da passagem. Mas terá de comunicar o transportador em tempo de ser renegociada a passagem.

 

Mesmo depois de iniciada a viagem, no meio do percurso, portanto, o passageiro pode desistir do transporte, tendo direito à restituição do valor da passagem correspondente ao trecho não utilizado, desde que fique provado que, em seu lugar, outra pessoa foi transportada no percurso faltante.

 

O usuário que deixou de embarcar, que não se apresentou na hora determinada para a partida, que, intempestivamente tenha desistido da viagem, não terá direito ao reembolso do valor da passagem, a não ser que prove que outra pessoa foi transportada em sua vaga, e, aí, ser-lhe-á devolvido o valor do bilhete que não utilizou.

 

Em qualquer dos casos previstos neste artigo, a título de multa compensatória, o transportador terá direito de reter até cinco por cento da importância a ser restituída ao passageiro. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 391 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo dá ao passageiro o direito excepcionalíssimo de rescindir o contrato de transporte antes de iniciada a viagem. Uma vez que o referido direito seja exercido a tempo de o transportador renegociar a passagem, faz jus o passageiro ao reembolso do preço pago, podendo lhe ser descontado o equivalente a 5% do preço a título de multa compensatória.

 

A desistência da viagem após se ter percorrido determinado trecho dá ao passageiro o direito de obter o reembolso do preço proporcional ao trecho por percorrer, desde que o passageiro prove que outra pessoa foi transportada em seu lugar. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 21.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 741. Interrompendo-se a viagem por qualquer motivo alheio à vontade do transportador, ainda que em consequência de evento imprevisível, fica ele obrigado a concluir o transporte contratado em outro veículo da mesma categoria, ou, com a anuência do passageiro, por modalidade diferente, à sua custa, correndo também por sua conta as despesas de estada e alimentação do usuário, durante a espera de novo transporte.

 

Sob o prisma de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a regra do artigo presente revela com clareza o risco que o legislador entendeu inerente à atividade de transporte; por isso, impôs-se ao transportador uma responsabilidade independente de culpa e a obrigação, nessa esteira, de concluir viagem iniciada e que se tenha interrompido mesmo que por evento fortuito u de força maior. Em outros termos, e porque lhe é afeta uma obrigação de resultado, caso o transporte se tenha iniciado, é dever do transportador conclui-lo, sempre, mesmo se houver interrupção por fato alheio, que não lhe seja atribuível.

 

Além disso, impende fazê-lo, à sua custa, nos mesmos moldes do transporte contratado, ou seja, por veículo da mesma categoria, como a lei determina, só se admitindo meio diverso se houver o passe do passageiro. Até que se implemente o novo transporte para conclusão da viagem, ocasionais despesas com hospedagem e alimentação correm também por conta do transportador. José Maria Trepat Cases (Código Civil comentado, coord. Álvaro Vilaça Azevedo. São Paulo, Atlas, 2003, v. VIII, p. 174-5), com base inclusive em aresto do STJ, lembra que, em virtude da regra em comento, a qual impõe a responsabilidade dos transportadores pela conclusão da viagem iniciada e interrompida, mesmo pelo casus, é dever de todos eles aceitar o passageiro de outro para dar cabo da exigência legal em comento, sob pena de compr perdas e danos. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 764 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Para Fiuza, em qualquer hipótese, ainda que por caso fortuito, se a viagem for interrompida, o transportador fica obrigado a concluir o transporte contratado em outro veículo da mesma categoria, ou, se o passageiro concordar por modalidade diferente, à sua custa. Durante a espera do novo transporte, correm por conta do transportador as despesas de estada e alimentação do usuário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 391 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Sob o prisma de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o transportador tem o dever de resultado de levar o passageiro e sua bagagem em segurança até o destino acertado. Ele não se desobriga nem mesmo diante da ocorrência de fortuito externo que interrompa a viagem. O CDC 84 (Lei n. 8.078/90) dá ao consumidor o direito de exigir o cumprimento específico da obrigação pelo fornecedor. Caso o transportador não proceda no sentido de reduzir os prejuízos sofridos pelos passageiros, ainda que em razão de fortuito externo, violará seu dever legal e ficará obrigado a indenizar os passageiros pelos danos morais e materiais que sua falta acarretar. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 21.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 742. O transportador, uma vez executado o transporte, tem direito de retenção sobre a bagagem de passageiro e outros objetos pessoais deste, para garantir-se do pagamento do valor da passagem que não tiver sido feito no início ou durante o percurso.

 

Na toada de Claudio Luiz Bueno de Godoy, bem de ver, antes de mais nada, que legislação especial, particularmente acerca do transporte de cargas, já conferia ao transportador o direito de reter coisas transportadas como garantia do pagamento do frete. Assim, o próprio Código Comercial, nos arts. 116 e 117, malgrado referindo a uma não mais existente hipoteca tácita, que foi substituída pela noção de direito de retenção (v.g., Martins, Fran. Contratos e obrigações comerciais, 7.ed. Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 261), dispunha que o transportador podia reter a mercadoria para vendê-la e, com o respectivo produto, ver seu crédito pago. Da mesma forma o vetusto Decreto n. 19.472/30, alterado pelo Decreto n. 19.754/31, previa igual direito ao transportador, de retenção das coisas transportadas.

 

Trata-se mesmo de uma medida inspirada na equidade, de sorte a equilibrar a relação contratual, permitindo ao transportador que retenha consigo coisa transportada ou bagagem e objetos de passageiros, até ser pago o valor ajustado pelo respectivo transporte. É o que o Código Civil explicita para o transporte de pessoas, à semelhança da retenção que faculta ao hoteleiro, para garantia do pagamento do valor da hospedagem, mas sem erigir um penhor legal, tal qual procede no CC 1.467, I.

 

A distinção é relevante porquanto, na retenção que se faz para tornar o penhor legal efetivo, há a necessidade de posterior ato judicial homologatório (homologação de penhor legal), o que não ocorre com o direito de retenção, exercitado extrajudicialmente, eis que não é necessária qualquer formalidade homologatória posterior (ver a respeito: Fonseca, Arnoldo Medeiros da. Direito de retenção, 2.ed. Rio de Janeiro, Forense, 1944, p. 287).

 

Porém, tanto quanto no penhor legal que tem o hospedeiro sobre a bagagem do hóspede, ou mesmo o do fornecedor de alimento sobre bens do freguês, a ideia do legislador foi garantir de forma especial o pagamento à consideração de que geralmente é desconhecido o usuário do serviço.

 

O transportador que retém a bagagem ou outros objetos pessoais que estiverem com o passageiro por ocasião do transporte passa a ter sobre a res o dever de custódia, empregando na guarda e conservação a diligência que o exigir a natureza da coisa, aqui, de novo, à semelhança do que se dá com o credor pignoratício (CC 1.435, I). Tem, em contrapartida, porquanto possuidor da coisa, o direito básico de defender essa posse, pela utilização dos interditos, e de ser ressarcido pelas despesas de conservação ou prejuízos decorrentes de ignorados vícios da res. A todo esse propósito, vale conferir ainda uma vez, Arnoldo Medeiros da Fonseca (op. cit., p. 267-76).

 

Veja-se, por fim, que o Código Civil concede ao transportador o direito de retenção apenas para garantia do valor da passagem e não de eventuais danos que o passageiro tenha provocado.  (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 765 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na doutrina de Ricardo Fiuza, no caso de o viajante não ter pagado a passagem no início ou durante o percurso, terá de fazê-lo ao final, uma vez executado ou concluído o transporte. Não o fazendo, o transportador tem direito de retenção dobre a bagagem e outros objetos pessoais do passageiro, para garantir-se do pagamento do valor da passagem. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 392 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Concluindo com Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo estabelece o direito de retenção da bagagem do passageiro em favor do transportador para o pagamento da passagem. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 21.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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