Comentários ao Código Penal – Art. 26
Inimputáveis
e Redução da Pena
VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Geral –Título III – Da
Imputabilidade Penal
Inimputáveis - (Redação
dada pela Lei na 7,209, de 11/7/1984.)
Art. 26. É
isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto
ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento. (Redação dada pela Lei ns 7.209, de 11/7/1984).
Redução de pena
Parágrafo único.
A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de
perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou
retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou
de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei na
7.209, de 11/7/1984).
Acompanhe-se as apreciações de Greco,
Rogério. Código Penal Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários à “Imputabilidade – Capacidade de Culpabilidade”
– Art. 26 do CP, p. 74-78:
Imputabilidade (capacidade
de culpabilidade) - Para que o agente possa ser responsabilizado pelo fato
típico e ilícito por ele cometido, é preciso que seja imputável. A imputabilidade,
portanto, é a possibilidade de se atribuir, imputar o fato típico e ilícito ao
agente. A imputabilidade é a regra; a inimputabilidade, a exceção.
Sanzo Brodt assevera: “A
imputabilidade é constituída por dois elementos: um intelectual (capacidade de
entender o caráter ilícito do fato), outro volitivo (capacidade de
determinar-se de acordo com esse entendimento). O primeiro é a capacidade
(genérica) de compreender as proibições ou determinações jurídicas. Bettiol diz
que o agente deve poder ‘prever as repercussões que a própria ação poderá acarretar
no mundo social’, deve ter, pois, ‘a percepção do significado ético-social do próprio
agir’. O segundo, a ‘capacidade de dirigir a conduta de acordo com o entendimento
ético-jurídico. Conforme Bertiol, é preciso que o agente tenha condições de
avaliar o valor do motivo que o impele à ação e, do outro lado, o valor
inibitório da ameaça penal”. (SANZO BRODT, Luís Augusto. Da consciência da
ilicitude no direito penal brasileiro, p. 46).
O Código Penal erigiu as
hipóteses que, segundo critério politico-legislativo conduziriam à
inimputabilidade do agente, a saber: I -
inimputabilidade por doença mental; II - inimputabilidade
por imaturidade natural.
Inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado - Pela redação do caput do mencionado art. 26, verifica-se que o Código Penal adotou a conjugação de dois critérios que nos levam a concluir pela inimputabilidade do agente, a saber: a) existência de uma doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (critério biológico); b) a absoluta incapacidade de, ao tempo da ação ou da omissão, entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (critério psicológico).
Isso significa que o
Código Penal, pelo seu art. 26, caput,
adotou o critério biopsicológico para a aferição da inimputabilidade do agente.
Em sede de
inimputabilidade (ou semimputabilidade), vigora, entre nós, o critério biopsicológico
normativo. Dessa maneira, não basta simplesmente que o agente padeça de alguma
enfermidade mental, faz-se mister, ainda, que exista prova (v.g., perícia) de que este transtorno
realmente afetou a capacidade de compreensão do caráter ilícito do fato (requisito
intelectual) ou de determinação segundo esse conhecimento (requisito volitivo)
à época do fato, i.e., no momento da
ação criminosa (STJ, HC 33401/RJ, Min. Felix Fischer, 5* T., DJ 3/1 1/2004, p.
212).
Doença mental - A
expressão doença mental já de há muito vem sendo criticada. Conforme assevera
Nélson Hungria, essa expressão “não colheu aprovação geral no seio da classe
médica”, cuja preferência se inclina para a locução alienação mental. Explicando
os motivos pelos quais o legislador havia acolhido a expressão doença mental em
vez de alienação mental, diz Nélson Hungria:
“O título ‘alienação mental’, ainda que tivesse um sentido incontroverso em psiquiatria, prestar-se-ia, na prática judiciária, notadamente no tribunal de juízes de fato, a deturpações e mal-entendidos. Entre gente que não cultiva a ciência psiquiátrica, alienação mental pode ser entendida de modo amplíssimo, i.é, como todo estado de quem está fora de si, alheio a si, ou de quem deixa de ser igual a si mesmo, seja ou não por causa patológica.
[-.-]
A preferência pela
expressão ‘doença mental’ veio de que esta, nos tempos mais recentes, já superado
em parte o critério de classificação a que aludia Gruhle, abrange todas as
psicoses, quer as orgânicas e tóxicas, quer as funcionais (funcionais propriamente
ditas e sintomáticas), i.é, não só as
resultantes de processo patológico instalado no mecanismo cerebral
precedentemente são (paralisia geral progressiva, sífilis cerebral, demência
senil, arteriosclerose cerebral, psicose traumática etc.) e as causadas por
venenos ab externo (alcoolismo,
morfinismo, cocainismo, saturnismo etc.) ou toxinas metabólicas (consecutivas a
transtornos do metabolismo produzidos por infecções agudas, enfermidades gerais
etc.), como também as que representam perturbações mentais ligadas ao psiquismo
normal por transições graduais ou que assentam, como diz Bumke, muito verossimilmente
sobre anomalias não tanto da estrutura quanto da função do tecido nervoso ou
desvios puramente quantitativos, que nada mais traduzem que variedades da
disposição física normal, a que correspondem funcionalmente desvios da normal
conduta psíquica (esquizofrenia, loucura circular, histeria paranoia.)”. (HUNGRIA,
Nélson. Comentários ao código penal, v. l, t. II, p. 333-335).
Desenvolvimento mental
incompleto ou retardado - Sob essa expressão se agrupam, ainda nas lições de Hungria,
“não só os deficitários congênitos do desenvolvimento psíquico ou oligofrênicos
(idiotas, imbecis, débeis mentais), como os que o são por carência de certos
sentidos (surdos-mudos) e até mesmo os silvícolas inadaptados”. (HUNGRIA,
Nélson. v. I, t. II, p. 336). Abrindo um parêntese nas precisas lições do
mestre, é preciso ressaltar que os surdos-mudos, nos dias de hoje, como regra,
têm uma vida basicamente igual à daqueles que não possuem a deficiência da
surdo-mudez. A possibilidade de entender e fazer-se entender já não permite
alocar os surdos-mudos na categoria de pessoas com desenvolvimento mental
incompleto ou retardado.
Sentença absolutória
imprópria - Se comprovada a total inimputabilidade do agente, deverá ele ser
absolvido, nos termos do inciso VI do art. 386 do Código de Processo Penal,
conforme nova redação que lhe foi dada pela Lei nº 11.690, de 9 de junho de 2008,
aplicando-se-lhe, por conseguinte, medida de segurança. Daí dizer-se que tal sentença
é impropriamente absolutória, uma vez que, embora absolvendo o inimputável, aplica-se-lhe
medida de segurança.
Semimputabilidade - O
parágrafo único do art. 26 do Código Penal prevê uma redução de pena de um a dois
terços para aquele que, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento
mental incompleto ou retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter
ilícito do fato ou de deter- minar-se de acordo com esse entendimento.
A diferença básica entre o caput do
art. 26 e seu parágrafo único reside no fato de que, neste último, o agente não
era inteiramente incapaz de entender a ilicitude do feto ou de determinar-se de
acordo com esse entendimento. Isso quer dizer que o agente pratica um fato típico,
ilícito e culpável. Será, portanto, condenado, e não absolvido, como acontece
com aqueles que se amoldam ao caput
do art. 26. Contudo, o juízo de censura que recairá sobre a conduta do agente
deverá ser menor em virtude de sua perturbação da saúde mental ou de seu
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, razão pela qual a lei determina
ao julgador que reduza a sua pena entre um a dois terços.
Substituição da pena por medida de segurança para o semimputável - Se o
condenado, na hipótese do parágrafo único do art. 26 do Código Penal, necessitar
de especial tratamento curativo, poderá o juiz, com base no art. 98 do Código Penal,
substituir a pena privativa de liberdade pela internação, ou tratamento
ambulatorial, pelo prazo mínimo de um a três anos, nos termos do art. 97 e seus
parágrafos, do Código Penal.
Denúncia oferecida em face
de um inimputável - Tomando conhecimento de que um agente comprovadamente
inimputável praticou um feito típico e antijurídico, deve o Promotor de justiça
denunciá-lo, narrando com exatidão os fatos por ele cometidos, para que durante
a instrução do processo possa ser assegurada sua ampla defesa. Ao final da peça
acusatória, deverá o membro do Parquet,
mencionando a causa dirimente da culpabilidade, pugnar pela absolvição do réu,
com a consequente aplicação de medida de segurança. Não haverá possibilidade, nessa
hipótese, de ser formulado pedido condenatório, haja vista que a peça teria de
ser rejeitada por faltar-lhe uma das condições necessárias ao regular exercício
do direito de ação, qual seja, a possibilidade jurídica do pedido.
Absolvição sumária - Vide
parágrafo único do art. 415 do Código de Processo Penal, com a nova redação que
lhe foi dada pela Lei nº 11.689, de 9 de junho de 2008.
Semimputabilidade e
julgamento pelo Júri - Vide art. 483, inciso IV, do Código de Processo Penal,
com a nova redação que lhe foi dada pela Lei nº 11.689, de 9 de junho de 2008.
Cleptomania - Comprovada a
cleptomania, e a capacidade da agente de entender o caráter ilícito dos fatos
praticados, mas a incapacidade de determinar-se de acordo com esse entendi- mento,
tem-se a semimputabilidade da ré, com a consequente redução de pena (TJMG, AC
2.0000.00.480898-2/000, Rel. Des. Ediwal José de Morais, DJ 30/3/2005).
Inimputável preso e
constrangimento ilegal - Se ao paciente foi imposta medida de internação, em
face de sua inimputabilidade, constitui constrangimento ilegal a sua permanência
em estabelecimento penitenciário. (TJMG, HC 1.0000.08.487874-3/000, Rel. Des.
Paulo Cézar Dias, DJ 11/2/2009)
No caso dos autos, imposta medida de segurança de internação, observa-se a existência de patente constrangimento ilegal o fato de ter sido o paciente colocado em presídio comum, em razão da falta de hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou outro estabelecimento adequado. A insuficiência de recursos do Estado não é fundamentação idônea a ensejar a manutenção do paciente em regime prisional, quando lhe foi imposta medida de segurança de internação. Precedentes do STJ. Ordem concedida para determinar a imediata transferência do paciente para hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou outro estabelecimento adequado, devendo, na falta de vaga, ser submetido a regime de tratamento ambulatorial (STJ, H C 108517/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5a T., DJe 20/10/2008).
Sendo incontroversa a inimputabilidade do réu que se encontra preso em estabelecimento prisional, resta configurado o constrangimento ilegal (STJ, HC 60232/ES, Rel. Min. Gilson Dipp, 5a T., DJ 18/12/2006, p. 429).
Substituição da internação por medida de tratamento ambulatorial - Em casos excepcionais, admite-se a substituição da internação por medida de tratamento ambulatorial quando a pena estabelecida para o tipo é a reclusão, notadamente quando manifesta a desnecessidade da internação (STF, HC 85.401/RS, 2ª T. (Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 12/2/2010). (Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários à “Imputabilidade – Capacidade de Culpabilidade” – Art. 26 do CP, p. 78-82. Editora Impetus.com.br, acessado em 07/11/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na apresentação de defesa Victor Augusto em artigo intitulado “Da Imputabilidade Penal”, comentários ao art. 26 do CP, publicado no site Index Jurídico, explica:
Um primado básico da punição criminal é a imputabilidade, a possibilidade de se imputar ao sujeito a responsabilidade pelo resultado produzido. Trata-se de um dos elementos da culpabilidade, que, de forma geral, trata do juízo de reprovabilidade e censura que recai sobre o agente e das condições deste responder pelo que fez.
Pode,
então, definir-se a responsabilidade como a existência dos pressupostos
psíquicos pelos quais alguém é chamado a responder penalmente pelo crime que
praticou. HUNGRIA; FRAGOSO, 1978, P. 320.
Em
certas hipóteses, o agente pode sofrer de alguma condição biopsicológica que
lhe impede a compreensão do caráter ilícito do fato ou a possibilidade de se determinar com base nesse
entendimento. Ou seja, o agente não compreende que o ato é ilícito ou, se
compreende, ele não consegue se controlar para evitar a realização do ato.
Faltam-lhe os pressupostos
psíquicos necessários
para considerá-lo culpável.
Entender ou
compreender é o ato de observar
um ato e normalmente atribuir o seu valor ético-jurídico: é um ilícito ou não?
E autodeterminação é a habilidade de autogoverno, a de
controlar seus atos e impulsos.
O Código
apresenta hipóteses onde não há imputabilidade, culpabilidade ou crime, por
força de condição biopsicológica: a) Doença mental; b) Desenvolvimento
mental incompleto ou retardado.
Em ambos os
casos, é necessário que essa condição esteja em efeito no momento da conduta e que, neste
momento, o agente não tenha capacidade de discernir o ilícito ou de se determinar em não o
cometer. A incapacidade, neste caso, tem que ser total.
Ou
seja, não é todo agente acometido por doença ou desenvolvimento mental
insuficiente que irá se beneficiar. É necessário a conjunção simultânea de
todas essas circunstâncias, pois há casos em que a doença só manifesta seus
sintomas eventualmente, permanecendo o agente lúcido na maior parte do tempo.
Se a incapacidade em discernir e se determinar for relativa (a
pessoa era parcialmente capaz de entender e se determinar) a punição é mantida,
mas com o benefício de uma causa de diminuição de um a dois terços (1/3 a 2/3).
Em face do Código, a
responsabilidade só deixa de existir quando inteiramente suprimidas no agente
ao tempo da ação ou omissão, a capacidade de entendimento ético-jurídico ou a
capacidade de adequada determinação da vontade ou de autogoverno. HUNGRIA; FRAGOSO,
1978, P. 321-322.
A
ideia por trás destes dispositivos reside no reduzido (ou inexistente) juízo de
reprovabilidade social, visto que o agente, nesses casos, age por força da
doença ou de adversa condição biopsicológica pessoal. Não há a malícia que
envolve o delito comum. (Victor
Augusto em artigo intitulado “Da Imputabilidade
Penal”, comentários ao art. 26 do CP, publicado no site Index Jurídico, em 24
de janeiro de 2019, acessado em 07/11/2022 corrigido
e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na
lição de Flávio Olímpio de
Azevedo, Artigo “Inimputáveis” Comentários
ao art. 26 do Código Penal, publicado no site Direito.com, Mirabete bem define a imputabilidade: “Admitindo-se
que a culpabilidade é um juízo de reprovação e assentado que somente pode ser
responsabilizado o sujeito pela prática de um fato ilícito quando poderia ter
agido em conformidade com norma penal, a imputação exige que o agente seja
capaz de compreender a ilicitude de sua conduta e de agir de acordo com esse
entendimento. Essa capacidade só existe quando tiver ele uma estrutura psíquica
suficiente para querer entender, de modo que a lei considera inimputável quem
não a tem” (Código Penal Interpretado, Júlio Fabbrini Mirabete e Renato N.
Fabbrini, Ed. Atlas, p. 153).
Responsabilidade diminuída - § 2º -
Ocorrendo a semimputabilidade, sendo o agente de forma parcialmente capaz de
entender o caráter criminoso do fato cometido não exclui a imputabilidade, mas
é fator para a diminuição da pena.
“A diminuição de imputabilidade importa
na diminuição da culpabilidade. Se a capacidade de resistência do sujeito o
agente diante dos impulsos é menor que nos indivíduos normais, se sucumbe ao
estímulo criminal, a reprovabilidade será também menor e o grau de
culpabilidade menos intenso. E diminuição da culpabilidade a atenuação da pena”
(Código Penal, comentado, Paulo José Costa, Ed. DB, p. 111).
Caso concreto comum semimputável é o
dependente de droga, que seria equivalente a doença mental que no momento do
delito era incapaz de entender o caráter ilícito do fato. “Mas não se aplica
esse exemplo à ingestão de drogas provocada de forma voluntária ou culposa para
após o cometimento do delito”.
Notas: Lei 11.343, de 23 de agosto de
2006: Art. 45. É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o
efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da
ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada,
inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se
de acordo com esse entendimento. (Flávio Olímpio de Azevedo, Formado em Direito
pela FMU em 1973. Comentários ao art. 26 do Código Penal, “Inimputáveis” publicado no site Direito.com, acessado em 07/11/2022 corrigido
e aplicadas as devidas atualizações VD).
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