segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Direito Civil Comentado - Art. 803, 804, 805 - Da Constituição De Renda - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

 
Direito Civil Comentado - Art. 803, 804, 805
- Da Constituição De Renda - VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com -
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Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

 (art. 481 a 853) Capítulo XVI – Da Constituição de Renda

 – Seção III - (art. 803 a 813) -

 

Art. 803. Pode uma pessoa, pelo contrato de constituição de renda, obrigar-se para com outra a uma prestação periódica, a título gratuito.

Recepcionando Claudio Luiz Bueno de Godoy, inaugura o Código Civil de 2002, no artigo em tela, o tratamento reservado do contrato de constituição de renda. De pouca aplicação prática, sua origem próxima remonta às rendas perpétuas, que tiveram maior incidência muito mais como uma forma de indevida burla à vedação do mútuo usurário. Costuma-se identificar nos censos reservativo e consignativo o berço da atual constituição de renda, já entrevisível, em ambos, uma maneira de garantir renda, posto que perpétua, ora mediante a entrega de um imóvel, ora de um capital. Remanesce atualmente, todavia, a proibição de instituição de renda que seja perpétua, só se podendo pactuá-la por prazo certo ou, no máximo, pelo tempo de vida do beneficiário, quando então se fala em renda vitalícia (ver CC 806, infra).

A constituição da renda pode se dar a título gratuito ou oneroso. As duas modalidades vinham previstas, juntas, no art. 1.424 do CC/1916. Entendeu, porém, o legislador de 2002 de separar seu regramento em dois dispositivos diversos. Neste primeiro, ora em comento, cuida-se da constituição de renda a título gratuito. Por seu intermédio, uma pessoa, animada pelo espírito de liberalidade, assim sem receber capital, bens móveis ou imóveis, como contrapartida, se obriga a pagar prestação periódica a outrem. Ou seja, alguém, chamado rendeiro ou censuário, se faz devedor do pagamento de uma renda em favor de outrem, chamado rentista ou censuísta, (Credor, rentista ou censuísta: quem cede algum capital em troca de uma renda; Devedor, rendeiro ou censuário: quem assume a obrigação de...), por mera liberalidade, sem nada receber por isso. Quando assim instituída, a constituição de renda encerra contrato unilateral, porquanto gera obrigação apenas ao devedor da prestação.

Não se reproduziu, no Código Civil de 2002, a alusão do antigo art. 1.424 à constituição de renda por ato de última vontade, hoje se exigindo, ainda mais, a instituição por escritura pública (CC 807). A bem dizer, mesmo na vigência do CC/1916, Sílvio Rodrigues, por exemplo, já anotava o caráter de deixa modal da instituição de renda por testamento (Direito civil. São Paulo, Saraiva, 2002, v. III, p. 324). E, de fato, se cuida o Código Civil do contrato de constituição de renda, devia mesmo circunscrever-se à sua constituição por ato inter vivos.

Gratuitamente pactuada, a constituição de renda toma, conforme já advertia Clóvis Bevilaqua, a natureza da doação (Código Civil comentado. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 181). Isso significa serem a ela aplicáveis todas as regras atinentes ao contrato de doação, incluindo as vedações à consumação da liberalidade (CC 548 a 550). Aliás, a própria disposição do CC 545, que trata da doação sob a forma de subvenção periódica, sempre se entendeu, desde o precedente art. 1.172 do Código Civil de 1916, como uma verdadeira constituição de renda gratuita (ver Carvalho Santos, J. M. de. Código Civil brasileiro interpretado, 5.ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. XVI, p. 374), com a diferença, apenas, de que essa forma de doação, em princípio, salvo disposição diversa, se extingue com a morte do doador, ao contrário da renda constituída, que, no geral, encerra obrigação transmissível aos herdeiros, na força da herança, malgrado, repita-se, ressalvada a possibilidade de ajuste em contrário (CC 806, infra). Sem contar, ainda, como se disse, a exigência de forma pública para a sua constituição. A renda, via de regra, é pecuniária, assim mediante a paga de prestação dessa natureza, e que pode ser indexada, malgrado não se exclua, aí com alguma discussão (vinculando-a necessariamente a dinheiro, ver Caio Mário Pereira. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro, forense, 2004, v. III, p. 479), a prestação em espécie, com entrega de bens. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 830 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 18/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na toada de Ricardo Fiuza, a constituição de renda tem sua definição dimanada do próprio art. 1.424, do CC de 1916, no que couber, segundo o qual mediante ato entre vivos, ou de última vontade, e título oneroso, ou gratuito, pode constituir-se, por tempo determinado, em benefício próprio ou alheio, uma renda ou prestação periódica, transferindo-se certo capital, em bens ou dinheiro, a pessoa que se obrigue a satisfazê-la.

Há inovação relevante no trato da matéria: ocorreu com o desmembramento em dois artigos, separando a constituição de renda a título gratuito da de título oneroso, a proclamar a diferença existente, e facilitando a aplicação de ambas.

Foi suprimida a possibilidade de constituição de renda através de atos de última vontade. A subtração da possibilidade de constituição de renda através de testamento deu-se em face de o CC/2002 considerar a constituição de renda como um verdadeiro contrato e assim sendo não poder ser feito por testamento, como aponta, com precisão, o jurista Ari Ferreira de Queiroz (Direito civil: direito das obrigações, Goiânia, Ed. Jurídica IEPC, p. 183).

A sua adolescência é reconhecida pela doutrina, embora alguns admitam a constituição de renda também como fonte de decisão judicial, resultante de condenação por ilicitude civil, onde se determina uma prestação alimentar ao ofendido ou a seus dependentes. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 423 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 18/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Para Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, constituição de renda é o contrato mediante o qual alguém se obriga a pagar renda ou prestação periódica a outrem.

É contrato unilateral, formal e temporário. Pode ser gratuito (CC 803) ou oneroso (CC 804), comutativo ou aleatório. Quando oneroso, é real.

As partes são o rendeiro ou censuário (devedor da renda) e o credor da renda (beneficiário). A renda pode ser constituída em benefício de terceiros. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 18.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 804. O contrato pode ser também a título oneroso, entregando-se bens móveis ou imóveis à pessoa que se obriga a satisfazer as prestações a favor do credor ou de terceiros.

No lecionar de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a constituição de renda, que se pode instituir a título gratuito, conforme está no artigo antecedente, pode sê-lo também a título oneroso, de acordo com a disposição do preceito em comento. Já o previa o art. 1.424 do CC/1916, malgrado referindo a entrega ao rendeiro de capital consistente em móvel ou dinheiro, deixando de aludir aos imóveis porque, quando a ele vinculada a renda, tinha-se tipificado direito real sobre coisa alheia, o que no Código Civil de 2002 não se repete, perdendo assim a constituição de renda mediante a entrega de imóvel sua natureza de direito real, remanescendo mero vínculo obrigacional entre as partes, com a ressalva do que está no comentário ao CC 809.

A constituição de renda portanto, será a título oneroso quando quem a institui, o rentista ou censuísta, transfere o domínio de bem móvel ou imóvel ao rendeiro ou censuário, que então se obriga a satisfazer, em favor daquele ou de terceiro beneficiário, certa prestação periódica, tal qual, sobre ela, comentado no artigo anterior. Igualmente a exemplo do que se dá na constituição gratuita, o contrato não pode ser perpétuo, instituindo-se por prazo certo, com termo final datado, quando o ajuste se considera comutativo, ou pelo tempo da vida do beneficiário, a chamada renda vitalícia, que empresta caráter aleatório à entabulação, sem que se saiba, de antemão, a extensão da obrigação do rendeiro, prestada em compensação da entrega que lhe faz o censuísta ou rentista de bem móvel ou imóvel. Tem-se entendido, de forma prevalente, ressalvada a posição de Serpa Lopes, secundada, por exemplo, por Sílvio Rodrigues (Direito civil, 28.ed. São Paulo, Saraiva, 2002, v. III, p, 326) e Sílvio Salvo Venosa (Direito civil, 3.ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. III, p. 370), cuidar-se de contrato real, destarte que somente se aperfeiçoa com a entrega do bem, contrapartida da renda, ao censuário (CC 809, infra). Este bem, que no CC/1916 poderia ser um imóvel ou, especificamente, capital consistente em dinheiro, ao que se entendia, pese embora a redação do art. 1.424, sem dúvida hoje, dada a redação do artigo presente, pode abarcar os móveis, em geral.

Nesse ponto sem nenhuma divergência em relação ao CC/1916, acentua-se no dispositivo do artigo presente que a renda constituída pode beneficiar o próprio instituidor ou um terceiro, então em favor de quem se a estipula. Neste último caso será preciso individualizar a autônoma relação entre o instituidor e o beneficiário, que pode ser tanto onerosa quanto gratuita, então a que se aplicará, também aí, o regramento da doação.

Para o rendeiro, todavia, haverá sempre onerosidade consubstanciada, como compensação do recebimento de bem móvel ou imóvel do instituidor, na obrigação de pagamento de prestação periódica ao beneficiário. Verdade que a constituição de renda apresenta pontos de contato com diversos contratos. Se com a doação, quando gratuita, também possui a mesma finalidade previdenciária do seguro, especialmente quando vitalícia. Aproxima-se ainda do mútuo, se bem que com transmissão de bem, ao rendeiro, que não se devolve, como regra, ao titular. Também com a compra e venda possui similitude, pese embora a resolubilidade de que lhe é intrínseca, operada quando deixa o rendeiro de cumprir a prestação da renda periódica (CC 810). Todavia, como observa Venosa (Direito civil, 3.ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. III, p. 369), essa aproximação serve à extração, destes outros institutos, de critérios que servem à interpretação da constituição de renda. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 831 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 18/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entendimento de Ricardo Fiuza, diferentemente da constituição de renda a título gratuito, onde a transmissão de determinado bem ou capital é feita sem contraprestação, por mera liberalidade do instituidor, o que guarda a semelhança com a doação, a celebrada a título oneroso obriga o rendeiro a fornecer àquele ou a terceiro renda ou prestação periódica, durante o prazo ajustado.

O propósito desse negócio jurídico oneroso e bilateral é o de o instituidor garantir uma melhor remuneração ao seu capital, optando por transferir o seu domínio ao rendeiro ou censuário, mediante uma contraprestação. Nesse caso o instituidor desfalca seu patrimônio, entregando ao rendeiro o capital que produzirá a renda a ser recebida por ele próprio ou por terceiro beneficiário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 423 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 18/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na versão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o rendeiro (devedor da renda) pode se obrigar livremente a pagá-la ao beneficiário, sem receber contraprestação. Neste caso, a constituição de renda é gratuita e conforma uma doação por prestações periódicas, ficando subordinadas aos limites legais impostos a esta.

O contrato é oneroso se o rendeiro se obriga ao pagamento da renda mediante o recebimento de contraprestação que, nos termos deste dispositivo, pode ser bem móvel ou imóvel. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 18.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 805. Sendo o contrato a título oneroso, pode o credor, ao contratar, exigir que o rendeiro lhe preste garantia real, ou fidejussória.

Sob entendimento de Claudio Luiz Bueno de Godoy, para garantia do cumprimento da prestação que lhe é afeta, e em função da qual lhe é transferido bem móvel ou imóvel, explicita-se, no Código Civil de 2002, a prerrogativa que tem o censuísta de exigir do rendeiro uma garantia, que pode ser real ou fidejussória. Evidente que tal exigência somente terá cabimento na constituição onerosa, afinal aquela, bilateral nos seus efeitos, em que se pressupôs a entrega, pelo rentista, de bem móvel ou imóvel ao rendeiro, em virtude do que pactuada uma prestação periódica que, assim, pode ter seu cumprimento previamente garantido, por pacto das partes. Embora não o vedasse o CC/1916, na verdade ele apenas referiu a prestação de garantia para o caso de descumprimento já ostentado pelo rendeiro, então abrindo-se caminho à exigência de garantia das prestações futuras (art. 1.427). pois agora positiva-se a possibilidade, logo quando da instituição, desde que onerosa, da prestação de garantia pelo rendeiro. Essa garantia poderá ser real, portanto na forma e nos termos previstos nos CC 1.419 e seguintes do Código Civil de 2002, inclusive com as restrições lá previstas e exigência de registro, se se cuida de garantia hipotecaria. Ou, se preferirem as partes, a garantia poderá ser fidejussória, ou seja, mediante fiança, regrada nos CC 818 a 839 do Código. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 832 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 18/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

A inserção desse artigo na visão de Ricardo Fiuza, objetiva assegurar uma garantia ao instituidor da renda que, ao tempo em que subtrai seu patrimônio por livre deliberação própria (sponte sua), na certeza de que no domínio do rendeiro o capital entregue para a esfera patrimonial deste irá propiciar-lhe melhor renda, poderá, apesar da firme expectativa desse objetivo, acautelar-se mediante uma garantia real ou fidejussória, ficando, assim, em maior segurança quanto ao êxito do contrato.

A garantia real revela a vinculação de certo bem do rendeiro ao cumprimento da obrigação por ele assumida, permitindo ao instituidor credor, caso ocorra inadimplência por parte daquele, a constrição do bem em garantia à realização da renda pactuada.

A garantia fidejussória, por sua vez, como garantia pessoa, corresponde à segurança prestada por alguém, perante o instituidor de que responderá pelo atendimento da obrigação do rendeiro, caso este não a cumpra, a exemplo da fiança, da caução de títulos de crédito pessoal etc. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 424 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 18/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na plataforma de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo explicita a possibilidade de a obrigação do rendeiro ser objeto de garantia real ou fidejussória. Assim, o próprio bem alienado ao rendeiro para que ele se comprometa ao pagamento da renda pode ser hipotecado em favor do beneficiário. Outro modo de garantir o beneficiário contra o inadimplemento do rendeiro é estabelecer no contrato de alienação do imóvel a cláusula resolutiva de domínio para o caso de descumprimento. O pagamento da renda pode ser também garantido por fiança.

A interpretação a contrario sensu leva à conclusão de a renda gratuita não poder possuir garantias. Essa conclusão destoa do sistema, que admite que não impede que obrigações a título gratuito gozem de garantia real ou fidejussória. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 18.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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