1.
A COMPLETUDE DO
ORDENAMENTO JURÍDICO
1.1. O
Problema das Lacunas
-
Por completude entende-se a propriedade pela qual um ordenamento jurídico tem
uma norma para regular qualquer caso [115 - Justiça, validade e eficácia das Normas Jurídicas - Carlos Henrique Bezerra Leite];
-
Um ordenamento é completo quando o juiz pode encontrar nele uma norma para
regular qualquer caso que se lhe apresente [115 - Justiça, validade e
eficácia das Normas Jurídicas - Carlos
Henrique Bezerra Leite];
-
De fato, o que tentamos estabelecer é sempre a unidade: a unidade negativa, com
a eliminação das contradições. A unidade positiva, com o preenchimento das lacunas
[117 - Justiça, validade e eficácia das Normas Jurídicas - Carlos Henrique Bezerra Leite];
-
A completude é algo mais que uma exigência, é uma necessidade, quer dizer, é
uma condição necessária para o funcionamento do sistema [118 - Justiça, validade e
eficácia das Normas Jurídicas - Carlos
Henrique Bezerra Leite];
-
A completude é, portanto, uma condição sem a qual o sistema em seu conjunto não
poderia funcionar [118 - Justiça, validade e eficácia das Normas Jurídicas - Carlos Henrique Bezerra Leite];
-
O problema das lacunas se dá em virtude de duas características do ordenamento:
1.
O juiz não pode deixar de julgar, pois neste caso o Direito não teria
segurança;
2.
O juiz precisa julgar de acordo com a lei.
1.2. O Dogma da Completude
-
O dogma da completude, isto é, o princípio de que o ordenamento jurídico seja
completo para fornecer ao juiz, em cada caso, uma solução sem recorrer à
equidade, foi dominante, e o é em parte até agora, na tória jurídica europeia
de origem romana [119 - Justiça, validade e eficácia das Normas Jurídicas - Carlos Henrique Bezerra Leite];
-
O dogma da completude tornou-se parte integrante da concepção estatal de
Direito [120 - Justiça, validade e eficácia das Normas Jurídicas - Carlos Henrique Bezerra Leite];
-
A onipotência do Estado reverteu-se sobre o Direito de origem estatal, e não
foi reconhecido outro Direito, senão aquele emanado, direta ou indiretamente do
soberano [120 - Justiça, validade e eficácia das Normas Jurídicas - Carlos Henrique Bezerra Leite];
-
Para manter seu monopólio, o Direito do Estado deve servir para todo uso [121
- Justiça, validade e
eficácia das Normas Jurídicas - Carlos
Henrique Bezerra Leite].
1.3. A
Crítica da Completude
-
A batalha da Escola do Direito Livre contra as várias Escolas da exegese é uma
batalha pelas lacunas;
-
Os motivos da crítica ao dogma da completude são:
1.
O envelhecimento do ordenamento;
2.
A inversão entre o Estado (ponto de vista do príncipe) e a população (ponto de
vista do povo), no que diz respeito à visão sociológica (a visão da importância
da sociedade em relação ao Estado);
-
O programa da sociologia jurídica foi o de mostrar, principalmente no início,
que o Direito era um fenômeno social, e que, portanto, a pretensão dos juristas
ortodoxos de fazer do Direito um produto do Estado era infundada e conduzia a
vários absurdos, como o de acreditar na completude do Direito codificado [125
- Justiça, validade e
eficácia das Normas Jurídicas - Carlos
Henrique Bezerra Leite];
1.4. O Espaço Jurídico Vazio
-
Conceder cidadania ao Direito Livre significava quebrar a barreira do princípio
da legalidade, que havia sido colocado em devesa do indivíduo [128 - Justiça, validade e
eficácia das Normas Jurídicas - Carlos
Henrique Bezerra Leite];
-
A completude não era mais um mito, mas uma exigência de justiça; não era uma
função inútil, mas uma defesa útil de um dos valores supremos a que deve servir
a ordem jurídica: a certeza [128 - Justiça, validade e eficácia das Normas Jurídicas - Carlos Henrique Bezerra Leite];
-
Era preciso demonstrar criticamente que a completude, longe de ser um cômodo
fingimento ou, pior, uma ingênua crença, era uma característica construtiva de
todo ordenamento jurídico [128 - Justiça, validade e eficácia das Normas Jurídicas - Carlos Henrique Bezerra Leite];
-
A teoria do espaço jurídico vazio, diz que existem dois espaços jurídicos:
1.
O Espaço Jurídico Pleno no qual se encontram as condutas juridicamente
relevantes, previstas por lei;
2.
O Espaço Jurídico Vazio no qual se encontram as condutas juridicamente irrelevantes,
de liberdade jurídica;
-
Até onde o Direito alcança com suas normas, evidentemente não há lacunas; onde
não alcança, há espaço jurídico vazio e, portanto, não há lacuna no Direito,
mas há atividade indiferente ao Direito [129 - Justiça, validade e eficácia das Normas Jurídicas - Carlos Henrique Bezerra Leite];
-
Esta teoria ignora as coisas que se encontram entre os dois blocos, onde há
condutas juridicamente relevantes nas quais prevalece a liberdade jurídica;
-
A afirmação do Espaço Jurídico Vazio nasce da falsa identificação do jurídico
como o obrigatório [130 - Justiça, validade e eficácia das Normas Jurídicas - Carlos Henrique Bezerra Leite];
-
Na realidade, a liberdade não-jurídica, poderia ser melhor definida como
“liberdade não protegida” [130 - Justiça, validade e eficácia das Normas Jurídicas - Carlos Henrique Bezerra Leite];
-
Trata-se daquela liberdade que é reconhecida no próprio momento em que é
imposta a terceiros a obrigação jurídica de não impedir o seu exercício [130
- Justiça, validade e
eficácia das Normas Jurídicas - Carlos
Henrique Bezerra Leite];
-
O fato de que a liberdade não seja protegida não torna essa situação jurídica
irrelevante, porque, no momento em que a liberdade de agir de um não está
protegida, está protegida a liberdade de outro de exercer a força; e enquanto
está protegida, esta é juridicamente relevante em vez da outra [132 - Justiça, validade e
eficácia das Normas Jurídicas - Carlos
Henrique Bezerra Leite].
1.5. A
Norma Geral Exclusiva
-
Outra teoria contra a Escola do Direito Livre afirma que não há lacunas pela
razão inversa, pelo fato de que o Direito nunca falta [132 - Justiça, validade e
eficácia das Normas Jurídicas - Carlos
Henrique Bezerra Leite];
-
Uma norma que regula um comportamento não só limita a regulamentação e,
portanto, as consequências jurídicas
desta regulação derivam para aqueles comportamentos [133 - Justiça, validade e
eficácia das Normas Jurídicas - Carlos
Henrique Bezerra Leite];
-
Todos os comportamentos não compreendidos na norma particular são regulados por
uma norma geral exclusiva, isto é, pela regra que exclui todos os
comportamentos que não sejam aqueles previstos na norma particular [133
- Justiça, validade e
eficácia das Normas Jurídicas - Carlos
Henrique Bezerra Leite];
-
Também a teoria da norma geral exclusiva tem o seu ponto fraco. Normalmente em
um ordenamento jurídico não existe somente ao mesmo tempo um conjunto de normas
particulares inclusivas e uma norma geral exclusiva que as acompanha, mas
também um terceiro tipo de norma, que é inclusiva como a primeira e geral, como
a segunda, e podemos chamar de norma geral inclusiva [135 - Justiça, validade e
eficácia das Normas Jurídicas - Carlos
Henrique Bezerra Leite];
-
Chamamos de norma geral inclusiva uma norma segundo a qual, no caso de lacuna,
o juiz deve recorrer às normas que regulam casos parecidos ou matérias análogas
[135 - Justiça, validade e eficácia das Normas Jurídicas - Carlos Henrique Bezerra Leite];
-
Portanto, cabe ao intérprete decidir se, em caso de lacuna, ele deve aplicar a
norma geral exclusiva e, portanto, excluir o caso não previsto de disciplina do
caso previsto, ou aplicar a norma geral inclusiva e, portanto, incluir o caso
não previsto na disciplina do caso previsto [136 - Justiça, validade e
eficácia das Normas Jurídicas - Carlos
Henrique Bezerra Leite];
-
Assim, no caso de lacuna, existem pelo menos duas soluções jurídicas:
1.
A consideração do caso não regulamentado como diferente do regulamentado e a
consequente aplicação da norma geral exclusiva;
2.
A consideração do caso não regulamentado como semelhante ao regulamentado e a
consequente aplicação da norma geral inclusiva.
-
Se existem duas soluções ambas possíveis, e a decisão entre as duas, cabe ao
intérprete, uma lacuna existe, e consiste justamente no fato de que o
ordenamento deixou impreciso qual das duas soluções é a pretendida [137
- Justiça, validade e
eficácia das Normas Jurídicas - Carlos
Henrique Bezerra Leite];
-
A lacuna consiste justamente na falta de uma regra que permita acolher uma
solução em vez da outra [137 - Justiça, validade e eficácia das Normas Jurídicas - Carlos Henrique Bezerra Leite];
-
Assim, o ordenamento jurídico, apesar da norma geral exclusiva, pode ser
incompleto. E pode ser incompleto porque entre a norma particular inclusiva e a
geral exclusiva, introduz-se, normalmente, a norma geral inclusiva, que
estabelece uma zona intermediaria entre o regulamentado e o não regulamentado,
em direção à qual tende a penetrar o ordenamento jurídico, forma quase sempre
indeterminada e indeterminável [139 - Justiça, validade e eficácia das Normas Jurídicas - Carlos Henrique Bezerra Leite];
-
O fato de a solução não ser mais óbvia, isto é, de não se poder tirar do
sistema nem uma solução nem a solução oposta revela a lacuna, isto é, revela a
incompletude do ordenamento jurídico.
1.6. As
Lacunas Ideológicas
-
Entende-se também por lacuna a falta não de uma solução, qualquer que seja ela,
mas de uma solução satisfatória, ou, em outras palavras, não já a falta de uma
norma, mas a falta de uma norma justa [140 - Justiça, validade e eficácia das Normas Jurídicas - Carlos Henrique Bezerra Leite];
-
Ora, com respeito ao Direito Positivo, se é óbvio que cada ordenamento tem
lacunas ideológicas, é igualmente óbvio que as lacunas com as quais deve se
preocupar aquele que é chamado a aplicar o Direito não são as ideológicas, mas
as reais [140 - Justiça, validade e eficácia das Normas Jurídicas - Carlos Henrique Bezerra Leite];
1.7. Vários
Tipos de Lacunas
Reais (Próprias) Dentro do Ordenamento
Jurídico
- LACUNAS
Ideológicas
(Impróprias) Derivam
do ordenamento ideal
-
A lacuna própria é uma lacuna do sistema ou dentro do sistema; a lacuna
imprópria deriva da comparação do sistema real com o sistema ideal [143
- Justiça, validade e
eficácia das Normas Jurídicas - Carlos
Henrique Bezerra Leite];
-
Temos a lacuna própria somente onde, ao lado da norma geral exclusiva, existe
também uma norma geral inclusiva, e o caso não regulamentado pode ser encaixado
tanto em uma como na outra [143 - Justiça, validade e eficácia das Normas Jurídicas - Carlos Henrique Bezerra Leite];
-
O que distingue é a forma pela qual podem ser eliminadas:
1.
A lacuna imprópria somente através da formulação de novas normas; São
completáveis somente pelo legislador;
2.
A lacuna própria mediante as leis vigentes; são completáveis por obra do
intérprete.
-
O problema da completude do ordenamento jurídico é se há e como podem ser
eliminadas as lacunas próprias;
-
Quanto aos motivos que as provocam as lacunas podem ser:
1.
Subjetivas: quando dependem de algum motivo imputável ao legislador;
2.
Objetivas: quando dependem do desenvolvimento das relações sociais; das novas
invenções, de todas aquelas causas que provocam um envelhecimento dos textos
legislativos;
-
AS LACUNAS SUBJETIVAS podem ser:
1.
Voluntárias: são aquelas que o próprio legislador deixa de propósito, quando a
matéria é muito complexa, e é melhor confiá-la, caso por caso, à interpretação
do juiz;
2.
Involuntárias: são aquelas que dependem de um descuido do legislador.
-
Em alguns casos o legislador distribui diretrizes que traçam as linhas gerais
da ação a ser cumprida, mas deixam a determinação dos particulares a quem as
deve executar ou aplicar;
-
Onde age o poder criativo daquele que deve aplicar as normas do sistema, o
sistema está sempre, em sentido próprio, completo;
-
As lacunas também se dividem:
1.
PRAETER LEGEM: Existem quando normas expressas para ser muito particulares, não
compreendem todos os casos que podem apresentar-se a nível dessa
particularidade;
2.
INTRA LEGEM: Quando as normas são muito gerais e revelam, no interior das
disposições dadas, vazios ou buracos que caberá ao intérprete preencher.
1.8. Heterointegração
e Autointegração
Autointegração
LACUNAS REAIS
Heterointegração
Analogia-Legis
AUTOINTEGRAÇÃO
Analogia-Iuris
Costumes
Direito
Judiciário (Jurisprudência)
HETEROINTEGRAÇÃO Direito Científico (Doutrina)
Juízo
de Equidade
-
No Brasil, costumes fazem parte da analogia iuris; jurisprudência e doutrina
não são fontes de Direito;
-
Entre os casos inclusos expressamente e os casos exclusos há, em cada
ordenamento uma zona incerta de casos não regulamentados mas potencialmente
colocáveis na esfera de influência dos casos expressamente regulamentados [146
- Justiça, validade e
eficácia das Normas Jurídicas - Carlos
Henrique Bezerra Leite];
-
Se, estaticamente considerados, um ordenamento jurídico não é completo a não
ser pela norma geral exclusiva, dinamicamente considerado, porém, é completável
[146 - Justiça, validade e eficácia das Normas Jurídicas - Carlos Henrique Bezerra Leite];
-
A HETEROINTEGRAÇÃO é operada através do:
1.
Recurso a ordenamentos diversos;
2.
Recurso a fontes diversas daquela que é dominante (a lei);
-
A AUTOINTERGRAÇÃO consiste na integração cumprida através do mesmo ordenamento,
no âmbito da mesma fonte dominante;
-
No caso da HETEROINTEGRAÇÃO o recurso a ordenamentos diversos podem ser:
1.
Reenvio a ordenamentos anteriores no tempo;
2.
Reenvio a ordenamentos vigentes contemporâneos;
-
Ainda no caso da HETEROINTEGRAÇÃO o recurso a outras fontes diversas da
dominante podem ser:
1.
Costumes;
2.
Direito Judiciário;
3.
Direito Científico;
4.
Juízo de Equidade.
1.9. A Analogia
-
Com os métodos de autointegração o legislador pretende ou presume que em caso
de lacuna a regra deve ser encontrada no âmbito mesmo das leis vigentes, quer
dizer, sem recorrer a outros ordenamentos nem a fontes diversas da lei [151
- Justiça, validade e
eficácia das Normas Jurídicas - Carlos
Henrique Bezerra Leite];
-
Entende-se por analogia o procedimento pelo qual se atribui a um caso não
regulamentado a mesma disciplina que a um caso regulamentado semelhante [151
- Justiça, validade e
eficácia das Normas Jurídicas - Carlos
Henrique Bezerra Leite];
-
É preciso que entre os dois casos exista não uma semelhança qualquer, mas uma
semelhança relevante, é preciso ascender dos dois casos a uma qualidade comum a
ambos que seja ao mesmo tempo a razão suficiente pela qual ao caso
regulamentado foram atribuídas aquelas e não outras consequências [153 -
Justiça, validade e
eficácia das Normas Jurídicas - Carlos
Henrique Bezerra Leite];
-
Por razão suficiente entendemos aquela que tradicionalmente se chama a ratio
legis. Então diremos que para que o raciocínio por analogia seja lícito no
direito é necessário que os dois casos, o regulamentado e o não regulamentado
tenham em comum a ratio legis [154 - Justiça, validade e eficácia das Normas Jurídicas - Carlos Henrique Bezerra Leite];
-
Analogia legis significa utilizar uma norma que está no ordenamento e aplicá-la;
-
Analogia iuris significa utilizar os princípios do ordenamento;
-
A interpretação extensiva estende os termos de uma norma para que ela se
aplique a um caso real não previsto;
-
Por analogia iuris entende-se o procedimento pelo qual se tira uma nova
regra para um caso imprevisto não mais da regra que se refere a um caso
singular, mas de todo o sistema ou de parte dele [154 - Justiça, validade e
eficácia das Normas Jurídicas - Carlos
Henrique Bezerra Leite];
-
O efeito da extensão analógica (analogia legis) é a criação de uma nova
norma jurídica;
-
O efeito da interpretação extensiva é a extensão de uma norma para casos não
previstos por essa;
-
Tanto na analogia legis como na analogia iuris o juiz cria
Direito;
-
Na interpretação extensiva, apenas estende-se uma norma existente.
1.10.
Os Princípios Gerais do
Direito
-
A recorrência aos Princípios Gerais de Direito é tradicionalmente conhecida
como analogia iuris;
-
Os Princípios Gerais de Direito são, para Bobbio, normas fundamentais ou
generalíssimas do sistema, as normas mais gerais.
REFERÊNCIAS
- CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA
DE ESTADO - CPTE - 2° e 3º BIMESTRE – PROF. MAURO IASI
- DIREITO CONSTITUCIONAL - 1º, 2º e 3º BIMESTRE - PROF. ROBERTO BAHIA
- DIREITO
CIVIL I - 1°, 2º, 3º e 4º BIMESTRE
– PROF GERSON A.
CALGARO
- DIREITO ROMANO - 1°, 2º, 3º e 4º BIMESTRE. Prof. HÉLCIO M. F.
MADEIRA
- FILOSOFIA GERAL – 3º BIMESTRE – PROFESSOR ROBSON MEZADRI
- IED – INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO – 2º, 3º E 4º BIMESTRE –
PROFESSORA MÁRCIA A. ANTUNES
- Justiça, validade e eficácia das Normas Jurídicas - Carlos Henrique Bezerra Leite
- Thomas
Mark – Direito Romano - 8ª ed. p. 74 a 149.
http://vargasdigitador.blogspot.com.br/
DIREITO - Apostilas períodos de I a 10. Blog em
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