DIREITO PROCESSUAL CIVIL III – 1º BIMESTRE – VARGAS DIGITADOR
CURSO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL III – VARGAS
DIGITADOR
TEORIA GERAL DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL E
PROCESSO DE CONHECIMENTO
HUMBERTO THEODORO JUNIOR
§ 53. PROCEDIMENTO SUMÁRIO
Sumário: 343. Causas de rito sumário. 343-a.
Elenco das causas sujeitas ao procedimento sumário. 344. Outras causas de
procedimento sumário. 345. Indisponibilidade do rito sumário. 346. O
procedimento. 347. A petição inicial e seu despacho. 348. A citação e a
resposta do réu. 349. Audiência de conciliação. 349-a. Audiência de instrução e
julgamento. 350. Revelia. 351. Declaratória incidental, intervenção de
terceiros, litisconsórcio e assistência. 352. Direito intertemporal.
343. causas de rito sumário
Dentro do processo de
conhecimento, o Código regula o procedimento comum e os procedimentos
especiais, embora estes estejam colocados em “Livro” à parte. O comum, por sua
vez, isto é, aquele que se aplica às causas para as quais não se prevê rito
especial, divide-se em ordinário e sumário (vide retro, nº 335).
Após a regulamentação dos Juizados Especiais pela Lei nº
9099, de 26.09.95, com competência para as “causas de menor complexidade”,
houve quem entendesse estaria praticamente esvaziado ou extinto o procedimento
sumário, uma vez que ao novo juizado foram atribuídas, entre outras, as causas
de valor até 40 vezes o salário mínimo e todas aquelas que já figuravam no
inciso II do art. 275, como sendo sujeitas ao rito sumário. No entanto, isto
não ocorreu, por várias razões, ou seja:
a)
A Lei nº 9.245, de 26.12.95, posterior à
regulamentação dos Juizados Especiais, reformulou a sistemática do procedimento
sumário, introduzindo modificações significativas no Código de Processo Civil,
de modo a ressaltar a subsistência e a relevância do rito previsto nos arts.
275 a 281;
b)
A competência dos Juizados Especiais não
alcança as causas de interesse da Fazenda Pública, nem as relativas a resíduos
do direito sucessório, e tampouco todas as que envolvam obrigações alimentares
ou se relacionem com matérias de natureza falimentar, fiscal, acidentária e as
ligadas ao estado das pessoas, ainda que de cunho patrimonial. É de lembrar,
ainda, que as pessoas jurídicas de direito privado, embora possam ser
demandadas, não têm legitimidade ativa para as causas do Juizado Especial (Lei
nº 9099, art. 8º, § 1º); e não poderão ser parte, nem ativa nem passiva, nos
referidos Juizados o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público,
as empresas públicas, a massa falida e o insolvente civil (art. 8º, caput). Dentro desse universo, portanto,
continuará a existir um grande número de causas que, mesmo sendo de pequeno
valor ou menor complexidade, não poderão ser solucionadas pelos Juizados
Especiais e, assim, justificarão a necessidade de submetê-las ao procedimento sumário
previsto no Código;
c)
Além disse, os Juizados Especiais foram
previstos pela Lei nº 9.099, de 26.09.95, como opção e não como via obrigatória
a ser percorrida pela parte, de sorte que caberá sempre ao autor a
possibilidade de preferir a tramitação de sua ação pelo procedimento sumário do
Código, em vez de submeter-se ao rito oral e sumaríssimo do Juizado especial;
d)
Por fim, os Juizados Especiais não são simples
rito a ser cumprido pelos juízos já existentes. São, na verdade, novos órgãos
judicantes, cuja implantação depende não da lei federal que os regulamentou,
mas de leis locais que efetivamente os criem (Lei nº 9.099, art. 1º). Assim,
poderá acontecer que alguns Estados nãos os criem ou que os estabeleçam apenas
em algumas comarcas, restando, pois, um número considerável de comarcas e
juízos que ficarão fora do campo de atuação dos Juizados Especiais e que terão
de continuar aplicando, nas causas de pequeno valor ou de menor complexidade, o
procedimento sumário.
343 – a. Elenco das causas sujeitas ao
procedimento sumário
Segundo critérios ligados à matéria e ao valor da causa, o
Código enumera no art. 275 os feitos que deverão submeter-se ao procedimento
sumário, e que são os seguintes, após as inovações da Lei nº 9.245, de
26.12.95:
I – todas as causas cujo valor não exceder 60 vezes o valor
do salário mínimo.
O cotejo do valor da causa com o salário mínimo é feito na
data da propositura da ação (art. 263).
Não se aplica, porém, o procedimento sumário às ações
relativas ao estado e à capacidade das pessoas, que sempre são de rito
ordinário ou especial (art. 275, parágrafo único), independentemente do valor
que se lhes atribuir.
Sendo, outrossim, uma espécie do gênero do procedimento comum,
não se aplica, também o sumário a nenhuma das causas para as quais exista
previsão do procedimento especial, ainda que o valor seja menor do que o
aludido no art. 275, I.
II – Outras causas que qualquer que seja o valor, devem
seguir o procedimento sumário (art. 275, nº II):
a)
As causas
de arrendamento rural e de parceria agrícola:
Esses contratos agrários acham-se minuciosamente
disciplinados pelo Estatuto da Terra (Lei n. 4.504 de 30.11.64), pela Lei.
4.947, de 06.04.66, e pelo regulamento baixado através do Decreto nº 59.566, de
14.11.66.
Todo e qualquer litígio oriundo dos contratos de arrendamento
rural e parceria agrícola deve ser submetido ao procedimento sumário, assim
como as ações de despejo, de retomada, de rescisão contratual, de indenização
por inadimplemento, de acertos de contas. No caso, porém, de contrato escrito,
o valor do aluguel e acessórios poderá ser cobrado executivamente (art. 585,
V).
b)
As causas de
cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio:
A partir da Lei nº 9.245, de 25.12.95, que deu nova redação
ao artigo 275 do CPC, toda e qualquer quantia devida pelo condômino ao
condomínio será exigível mediante procedimento sumário. Revogou-se, portanto, a
norma das Leis nº 4.591, de 16.12.64, e 4.864, de 29.11.65, que previam, na
espécie, o cabimento da execução forçada. O condomínio, doravante, somente
poderá agir executivamente se o condômino firmar documento a seu favor que se
enquadre na configuração de título executivo (art. 585), não bastando, para
tanto, a simples existência de orçamento aprovado pela convenção condominial.
c)
As causas de
ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico:
Prédio, aqui, é sinônimo de bem imóvel, rústico ou urbano,
com ou sem edificações ou outras acessões. Compreende o solo com todos os seus
acessórios naturais ou artificiais. A ação de que se cuida é de indenização por
ato ilícito, seja a responsabilidade objetiva ou subjetiva, conforme a lei
civil.
d)
As causas de
ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre:
Trata-se, também, de ação de indenização por ato ilícito. Não
importa se o demandado dirigia, ou onão, o veículo, na ocasião do dano. Desde que
a causa do acidente tenha sido um veículo, a ação de responsabilidade civil
movida pela vítima seguira o rito sumário, mesmo que se trate de
responsabilizar terceiros, como o patrão e o preponente, ou o pai ou
responsável pelo incapaz.
Com a nova redação que a Lei nº 9.245 de 26.12.95 deu ao inc.
II, alínea d, o rito sumário não cabe, mais, em qualquer acidente de veículo,
mas apenas naqueles que ocorram em relação ao trávego pelas vias terrestres
(automóveis, caminhões, locomotivas etc.), sendo indiferente que o veículo se
mova sob tração mecanizada ou não. Ficam fora do procedimento sumário, então,
os acidentes com aviões, navios e outras embarcações que se movimentam pelo ar
ou pelas águas.
e)
As causas de
cobrança de segura, relativamente aos danos causados em acidente de veículo:
O segurado, no ramo de veículos, poderá sempre usar o
procedimento sumário, para reclamar da seguradora a indenização do dano
proveniente do acidente de veículo. Na letra e do inciso II, o art. 275 não
repetiu a restrição da incidência apenas sobre “acidentes de veículo de via
terrestre”. Daí que o rito smário pode ser utilizado, em matéria de seguro,
para qualquer tipo de acidente de veículo, e não apenas aos de via terrestre.
Quando o seguro referir-se a danos pessoais, de que resulte
morte, o segurado poderá usar a execução forçada nos termos do art. 585, inciso
III. Não haverá lugar, portanto, para o procedimento sumário.
f)
As causas de
cobrança de honorários dos profissionais liberais, ressalvado o disposto em
legislação especial:
Uma ressalva de legislação especial existe em favor dos
advogados, a quem a Lei nº 8.906, de 04.07.94, confere ação executiva para
cobrança de honorários, desde que tenham sido contratados por escrito ou
arbitrados judicialmente em processo preparatório, caso em quem o instrumento
de mandato vale como presunção de prestação de serviço ajustado.
A faculdade de requerer arbitramento em procedimento apenas
preparatório, segundo a jurisprudência, não faz coisa julgada e não impede a
discussão da dívida em embargos à execução, de forma que, embora existente o
arbitramento judicial, a execução será feita como se tratasse de título
executivo extrajudicial, permitindo ao devedor ampla discussão em torno do
crédito ajuizado.
Por isso, a previsão legal do arbitramento não exclui a opção
do advogado pela cobrança de seus honorários, não contratados por escrito,
através da ação sumária do art. 275, II, f, que, em muitos casos, lhe dará a
vantagem de uma condenação definitiva, líquida, sob o manto da res indicata (título executivo
judicial).
Desta forma, cabe ao advogado escolher, segundo suas
conveniências particulares, entre utilizar o arbitramento preparatório e ação
sumária de cobrança.
g)
As causas que
versem sobre revogação de doação:
A doação, segundo o art. 555 do Código Civil, sujeita-se à
revogação em duas situações: (i) ingratidão do donatário; e (ii) inexecução do
encargo.
O alcance da ideia de ingratidão acha-se, outrossim,
delimitado pelas hipóteses arroladas no
art. 557 daquele Código, que compreendem: (i) donatário que atentou contra a
vida do doador ou cometeu crime de homicídio doloso contra ele; (ii) cometeu
ofensa física contra ele; (iii) injuriou-o gravemente ou o caluniou; (iv)
recusou alimentos ao doador necessitado, quando podia ministrá-los.
Em regra, a ação de revogação é personalíssima e somente pode
ser movida pelo próprio doador contra o donatário. Apenas no caso de falecimento
no curso do processo é que se admite o prosseguimento da ação entre os
sucessores (Cód. Civil, art. 560).
Apenas quando se tratar de homicídio é que ficam legitimados
originariamente os herdeiros do doador a propor a ação de revogação. Não poderão,
entretanto, fazê-lo se o doador, antes de falecer, houver perdoado o donatário
(Cód. Civil, art. 560).
Apenas quando se tratar de homicídio é que ficam legitimados
originariamente os herdeiros do doador a propor a ação de revogação. Não poderão,
entretanto, fazê-lo se o doador, antes de falecer, houver perdoado o donatário
(Cód. Civil art. 561).
O poder de revogar a doação é um direito potestativo que se
extingue em um ano a contar de quando chegue ao conhecimento do doador o fato
que o autoriza (Cód. Civil, 559).
No caso das doações onerosas, a revogação por inexecução do
encargo depende de constituição do donatário em mora (Cód. Civil. Art. 562).
344. outras causas de procedimento sumário
Além das causas relacionadas pelo art. 275 do Código de
Processo Civil, leis especiais posteriores adotaram, também, o procedimento
sumário para a ação de adjudicação compulsória
gerada por compromissos de comporá e venda irretratáveis de imóveis (Lei nº
6.014, de 27.12.1973, que deu nova redação ao art. 16 do Decreto-Lei nº 58, de
10.12.1937); para a ação de cobrança da indenização coberta pelo seguro obrigatório de veículos (Lei nº
6.194, de 19.12.1974, art. 10); para a ação de acidentes do trabalho (Lei nº
6.367, de 19.10.1976); para a ação de
usucapião especial (Lei nº 6.969, de 10.12.1981); ação discriminatória (Lei nº 6.383 de 17.12.1976) art. 20); ação revisional de aluguel (Lei nº
8.245, de 18.01.1991, art. 68)); ação
entre representante comercial e representado (Lei nº 4.886, de 09.12.1965)
etc.
345. indisponibilidade do rito sumário
Não pode o autor, nem mesmo com assentimento do réu,
substituir o procedimento sumário pelo ordinário naqueles casos em que a lei
manda observar o primeiro.
“A forma de procedimento não é posta no interesse das partes,
mas da Justiça. A não ser nas hipóteses de pedidos cumulados (art. 292, § 2º), “a
parte não tem a disponibilidade de escolha do rito da causa”.
Mas, à vista do disposto no art. 250, “o emprego do procedimento
ordinário, em vez do sumário, não é causa de nulidade do processo”. Em se
tratando apenas de erro de forma, o juiz deve aproveitar os atos úteis
praticados pela parte e determinar que o efeito tome o rito adequado.
Ao determinar, porém, a conversão de causa ordinária em
sumária, o juiz deverá abrir prazo ao autor para que este complete a inicial,
juntando seu rol de testemunhas, para evitar prejuízo à parte, eis que não
terá, no novo procedimento, outra oportunidade para fazê-lo.
Mesmo quando, por descuido do juiz, a causa não for
convertida, oportunamente, em sumária, e chegar a ser julgada sob o rito
ordinário, não caberá ao Tribunal anular o processo se daí não resultar nenhum
prejuízo para a defesa do réu (arts. 250, parágrafo único, e 244).
Entre o procedimento sumário e o Juizado Especial
disciplinado pela Lei nº 9.099, de 26.09.95, que passou a ser o verdadeiro rito
sumaríssimo, há, todavia, possibilidade de opção pelo autor da ação, pois a lei
entende quem ambos são adequados para a solução das causas de menor
complexidade (art. 3º, § 3º, da referida Lei).
Há, porém, hipóteses legais em que o procedimento ajuizado
como sumário pode, por motivo superveniente, converter-se em ordinário. É o que
se passa quando o juiz acolhe a impugnação ao valor da causa, ou sobre a
natureza da demanda (art. 277, § 4º); e quando, durante a instrução da causa,
se torna necessária prova técnica de maior complexidade (art. 277, § 5º).
346. O procedimento
O objetivo visado pelo legislador ao instituir o procedimento
sumário foi o de propiciar solução mais célere a determinadas causas.
Esse rito apresenta-se, por isso, muito mais simplificado e
concentrado do que o ordinário. Quase nem se nota a distinção entre as fases
processuais, pois, à exceção da petição inicial, tudo praticamente – a defesa,
provas e julgamento – deve realizar-se no máximo em duas audiências, uma de
conciliação e resposta e outra de instrução e julgamento. Valorizou-se, assim,
o princípio da oralidade.
Ainda dentro do critério de maior celeridade, dispõe o art.
174, II, que as causas de rito sumário se processam durante as férias forenses
e não se suspendem pela superveniência delas.
Finalmente, a Lei nº 9.245, de 26.12.95, e, posteriormente, a
Lei nº 10.444, de 07.05.2002, adotaram várias providências para tornar mais
ágil e mais simples a tramitação do procedimento sumário, tais como:
a)
Reduziu-se o rol das ações que podem correr sob
o rito sumário, de modo a eliminar do art. 275 aquelas que não se conciliam com
a singeleza do procedimento em questão e que, por isso mesmo, reclamam
normalmente um contraditório de maior amplitude;
b)
Previu-se a possibilidade de converter o
procedimento em ordinário, quando a prova técnica necessária ao julgamento da
causa envolver trabalho de maior complexidade (art. 277, § 4º);
c)
Instituiu-se uma audiência inicial destinada
especificamente à conciliação e, na sua falta, à resposta do demandado (arts
277 e 278);
d)
Autorizou-se o uso de conciliador, a exemplo do
que se passa no Juizado de Pequenas Causas, para auxiliar o Juiz na tarefa de
conseguir a solução conciliatória (art. 277, § 1º);
e)
Deu-se às causas de rito sumário a natureza de ação dúplice, de sorte que, sem reconvenção,
o réu poderá formular pedido contra o autor, desde que fundado nos mesmos fatos
trazidos a juízo na inicial (art. 278, § 1º). A inovação representará grande
economia processual em ações como a de colisão de veículos, onde geralmente
coincidem pretensões opostas dos litigantes em relação à responsabilidade pelo
ato danoso;
f)
Eliminou-se a possibilidade de intervenção de
terceiros, que funcionava como um dos principais fatores da lentidão e
complexidade do antigo procedimento sumaríssimo. Apenas a assistência e o
recurso de terceiro prejudicado continuaram permitidos, porque, evidentemente,
não representavam maior embaraço ao andamento da causa (art. 280, I). com a Lei
nº 10.444, de 07.05.2002, entretanto, nova alteração se fez no art. 280, para
permitir “a intervenção fundada em contrato de seguro”, que ordinariamente se
tinha como viável por meio da denunciação da lide. Entretanto, com a nova
configuração do seguro de responsabilidade civil traçada pelo Código Civil de
2002, o chamamento ao processo passou a ser mais adequado para exigir a
integração da seguradora ao processo (v., retro, nº 115 e 124-b).
g)
Vedou-se a possibilidade da declaratória
incidental (art. 280, com redação da Lei nº 10.444/02). Por conseguinte, não
caberá, também, o incidente de falsidade, já que este nada mais é do que uma
modalidade da ação declaratória incidental. Não quer dizer que a parte não
possa questionar a veracidade do documento produzido pelo adversário, mas terá
de fazê-lo como simples medida de defesa, dentro da instrução da causa, sem
ampliar a extensão do objeto litigioso e sem provocar a sua suspensão.
347. A petição inicial e seu despacho