domingo, 19 de abril de 2015

LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO PENAL – DECRETO-LEI N 3.914, DE 07 DE DEZEMBR0 DE 1941 E À LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS (DECRETO LEI N 3.688 DE 03 DE OUTUBRO DE 1941 – VARGAS DIGITADOR

LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO PENAL – DECRETO-LEI N 3.914, DE 07 DE DEZEMBR0 DE 1941 E À LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS (DECRETO LEI N 3.688 DE 03 DE OUTUBRO DE 1941 – VARGAS DIGITADOR

O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição, decreta:

Art. 1º. Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples, ou de multa ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

Art. 2º. Quem incorrer em falência será punido:
I – se fraudulenta a falência, com a pena de reclusão, por 2 (dois) a 6 (seis) anos;
II – se culposa, com a pena de detenção, por 6 (seis) meses a 3 (três) anos.

Art. 3º. Os fatos definidos como crimes no Código Florestal, quando não compreendidos em disposição do Código Penal, passam a constituir contravenções, punidas com a pena de prisão simples por 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou de multa, de um conto de réis a dez contos de réis, ou com ambas as penas cumulativamente.

Art. 4º. Quem cometer contravenção prevista no Código Florestal será punido  com pena de prisão simples, por 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou de multa, de duzentos mil-réis a cinco contos de réis, ou com ambas as penas,m cumulativamente.

Art. 5º. Os fatos definidos como crimes no Código de Pesca (Decreto-Lei nº 794, de 19 de outubro de 1938) passam a constituir contravenções,punidas com a pena de prisão simples, por 3 (três) meses a 1 (um) ano, oude multaa, de quinhentos mil-réis a dez contos de réis, ou com ambas as penas, cumulativamente.

Art. 6º. Quem, depois de punido administrativamente por infração da legislação especial sobre a caça, praticar qualquer infração definida na mesma legislação, ficará sujeito à pena simples por 15 (quinze) dias a 3 (três) meses.

Art. 7º. No caso do art. 71 do Código de Menores (Decreto n. 17.943-A, de 12 de outubro de 1927), o juiz determinará a internação do menor em seção  especial de escola de reforma.
§ 1º. A internação demorará no mínimo, 3 (três) anos.
§ 2º. Se o menor completar 21 (vinte e um) anos, sem que se tenha revogada a medida de internação, será transferido para colônia agrícola ou para um instituto de trabalho, de reeducação ou de ensino profissional, ou seção especial de outro estabelecimento à disposição do juiz criminal.
§ 3º. Aplicar-se-á, quanto à revogação da medida, o disposto no Código Penal sobre a revogação de medida de segurança.

Art. 8º. As interdições permanentes, previstas na legislação especial como efeito de sentença condenatória, durarão pelo prazo máximo estabelecido no Código Penal para a espécie correspondente.

Art. 9º. As interdições permanentes, impostas em sentença condenatória passada em julgado, ou desta, decorrentes, de acordo com a Consolidação das Leis Penais, durarão pelo prazo máximo estabelecido no Código Penal para a espécie correspondente.
Parágrafo único. Aplicar-se-á o disposto neste artigo às interdições temporárias com prazo de duração superior ao limite máximo fixado no Código Penal.

Art. 10. O disposto nos arts. 8º e 9º não se aplica às interdições que, segundo o Código Penal, podem consistir em incapacidades permanentes.

Art. 11. Observar-se-á, quanto ao prazo de duração das interdições, nos casos dos arts 8º e 9º, o disposto no art. 72 do Código Penal, no que for aplicável.

Art. 12. Quando, por fato cometido antes da vigência do Código Penal, se tiver de pronunciar condenação de acordo com a lei anterior, atender-se-á ao seguinte:
I – a pena de prisão celular, ou de prisão com trabalho, será substituída pela de reclusão, ou de detenção, se uma destas for a pena cominada para o mesmo fato pelo Código Penal;
II – a pena de prisão celular ou de prisão com trabalho será substituída pela de prisão simples, se o fato estiver definido como contravenção na lei anterior, ou na Lei das Contravenções Penais.

Art. 13. A pena de prisão celular ou de prisão com trabalho imposta em sentença irrecorrível, ainda que já iniciada a execução, será convertida em reclusão, detenção ou prisão simples, de conformidade com as normas prescritas no artigo anterior.

Art. 14. A pena convertida em prisão simples, em virtude do art. 409 da Consolidação das Leis Penais, será convertida em reclusão, detenção ou prisão simples, segundo o disposto no art. 13, desde que o condenado possa ser recolhido a estabelecimento destinado à execução da pena resultante da conversão.
Parágrafo único.  Abstrair-se-á, no caso de conversão, do aumento que tiver sido aplicado, de acordo com o disposto no art. 409, in fine, da Consolidação das Leis Penais.

Art. 15. A substituição ou conversão da pena, na forma desta Lei, não impedirá a suspensão condicional, se a lei anterior não a excluía.

Art. 16. Se, em virtude da substituição da pena, for imposta a de detenção ou a de prisão simples, por tempo superior a 1 (um) ano e que não exceda a 2 (dois), o juiz poderá conceder a suspensão condicional da pena, desde que reunidas as demais condições exigidas pelo art. 57 do Código Penal.

Art. 17. Aplicar-se-á o dispositivo no art. 81, § 1º, II e III, do Código Penal, aos indivíduos recolhidos a manicônio judiciário ou a outro estabelecimento em virtude do disposto no art. 29, 1ª parte, da Consolidação das Leis Penais.

Art. 18. As condenações anteriores serão levadas em conta para determinação da reincidência em relação a fato praticado depois de entrar em vigor o Código Penal.

Art. 19. O juiz aplicará o disposto no art. 2º, parágrafo único, in fine, do Código Penal, nos seguintes casos:
I – se o Código ou a Lei das Contravenções penais cominar para o fato pena de multa, isoladamente, e na sentença tiver sido imposta pena privativa de liberdade;
II – se o Código ou a Lei das Contravenções cominar para o fato pena privativa de liberdade por tempo inferior ao da pena cominada na lei aplicada pela sentença.
Parágrafo único. em nenhum caso, porém, o juiz reduzirá a pena abaixo do limite que ficaria se pronunciasse condenação de acordo com o Código Penal.

Art. 20.  Não poderá ser promovida ação pública por fato praticado antes de vigência do Código Penal.
I – quando, pela lei anterior, somente cabia ação privada;
II – quando, ao contrário do que dispunha a lei anterior, o Código Penal só admite ação privada.
Parágrafo único. O prazo estabelecido no art. 105 do Código Penal correrá, na hipótese do nº II:
a)    De 1º de janeiro de 1942, se o ofendido sabia, anteriormente, quam era o autor do fato;
b)    No caso contrário, do dia em que vier a saber quem é o autor do fato.

Art. 21. Nos casos em que o Código Penal exige representação, sem esta não poderá ser intentada ação pública por fato praticado antes de 1º de janeiro de 1942, prosseguindo-se, entretanto, na que tiver sido anteriormente iniciada, haja ou não representação.
Parágrafo único. Atender-se-á, no que for aplicável, ao disposto no parágrafo único do artigo anterior.

Art. 22. Onde não houver estabelecimento adequado para a execução de medida de segurança detentiva estabelecida no art. 88, § 1º, III, DO Código Penal, aplicar-se-á a liberdade vigiada, até que seja criado aquele estabelecimento ou adotada qualquer das providências previstas no art. 89,e seu parágrafo, do mesmo Código.
Parágrafo único. Enquanto não existir estabelecimento adequado, as medidas detentivas estabelecidas no art. 88, § 1º, I e II, do Código Penal poderão ser executadas em seções especiais de manicômio comum, asilo ou casa de saúde.

Art. 23. Onde não houver estabelecimento adequado ou adaptado à execução das penas de reclusão, detenção ou prisão, poderão estas ser cumpridas em prisão comum.

Art. 24. Não se aplicará o disposto no art. 79, II, do Código Penal a indivíduo que, antes de 1º de janeiro de 1942, tenha sido absolvido por sentença passada em julgado.

Art. 25. A medida de segurança aplicável ao condenado que, a 1º de janeiro de 1942, ainda não tenha cumprido a pena, é a liberdade vigiada.

Art. 26. Apresente Lei não se aplica aos crimes referidos no art. 360 do Código Penal, salvo os de falência.

Art. 27. Esta Lei entrará em vigor em 1º de janeiro de 1942; revogadas as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1941; 120º da Independência e 53º da República.


Getúlio Vargas

sábado, 18 de abril de 2015

MANUAL DE PROCESSO PENAL – Capítulo 7-D – DO INQUÉRITO – PRISÃO EM FLAGRANTE, O CURADOR DO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE, CONCLUSÃO DO INQUÉRITO, RELATÓRIO, ARQUIVAMENTO, JUIZADO DE INSTRUÇÃO - VARGAS DIGITADOR.

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – Capítulo 7-D – DO INQUÉRITO – PRISÃO EM FLAGRANTE, O CURADOR DO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE, CONCLUSÃO DO INQUÉRITO, RELATÓRIO, ARQUIVAMENTO, JUIZADO DE INSTRUÇÃO - VARGAS DIGITADOR.

Prisão em flagrante

O art. 5º, I e II, do CPP esclarece como se inicia o inquérito policial nos crimes de ação penal pública incondicionada; no § 4º desse mesmo artigo, como ele é instaurado em se tratando de ação pública condicionada; e, finalmente, no § 5º, o legislador traçou normas a respeito do ato inaugural do inquérito, nas hipóteses de ação penal privada.

Como o inquérito, em quaisquer dessas infrações penais, pode ser iniciado, também, pelo auto de prisão em flagrante, o legislador deixou para disciplinar a matéria num único dispositivo. Trata-se do art. 8º, Verbis: “Havendo prisão em flagrante, será observado o disposto no Capítulo II do Título IX deste Livro”.

E assim o fez porque, em qualquer tipo de ação penal, havendo prisão em flagrante, a peça inaugural do inquérito será o respectivo auto.

Desse modo, se houver flagrância (art. 302, I, II, III e IV, do CPP), pouco importando a modalidade de ação penal, a peça inaugural do inquérito será o auto de prisão em flagrante, isto é, uma peça datilografada ou digitada,na presença da Autoridade Policial, em que se registram dia, local, hora, comparecimento do condutor, de testemunhas e do conduzido. Não havendo testemunhas presenciais, ao menos duas que hajam assistido à apresentação do conduzido à Autoridade Policial, Presentes na delegacia o condutor, conduzido e eventualmente testemunhas, e após estar a Autoridade Policial convencida da legalidade da prisão, ouve o condutor, em peça distinta, entrega-lhe recibo da apresentação do preso e, também em peças distintas, ouve as eventuais testemunhas e o conduzido, lavrando o auto, que será informado de todas essas peças.

O curador no auto de prisão em flagrante

E se o conduzido for menor de 21 anos, deverá a autoridade nomear-lhe curador? Hoje, em face do novo Código Civil, não. O art. 15 do CPP exigia a nomeação de curador ao indiciado menor. Certo que a jurisprudência entendia que a não-observância desse preceito não acarretava nulidade,mesmo porque não há nulidade em inquérito, peça meramente informativa que é, salvo naqueles atos que dificilmente se renovam em juízo, como, por exemplo, os exames periciais. Fora daí, não há cuidar de nulidade. Todavia, tratando-se de inquérito policial iniciado por meio de auto de prisão em flagrante, para que este fosse válido como peça coercitiva, haveria necessidade de se nomear curador ao menor. Tratando-se de auto de prisão em flagrante, forma dat esse rei... e, desse modo, não sendo observadas as formalidades legais, imprestável seria ele como peça capaz de autorizar o encarceramento do indiciado. E se a autoridade deixasse de nomear o curador? Quando da remessa da cópia do auto ao Juiz, este relaxaria a prisão. Note-se que o curador nomeado, quer para o auto de prisão em flagrante, quer para os inquéritos em geral (art. 15), não intervinha nos atos praticados. Limitava-se a presenciá-los. E assistia apenas àqueles atos aos quais devia estar presente o menor. Hoje não mais se exige.

A respeito da menoridade, vejam-se as observações que fizemos no final do verbete “Indiciado menor”, Capítulo 7-C.

Conclusão do inquérito

Nos termos do art. 10 do CPP, o inquérito deverá ser concluído dentro do prazo de 30 dias, quando o indiciado não estiver preso. Na hipótese de estar preso, o mesmo dispositivo legal faz distinção: a) se a prisão foi decorrente de haver sido o indiciado surpreendido em estado de flagrância, o inquérito deverá estar concluído dentro do prazo de 10 dias,a partir da data da prisão; b) se o indiciado estiver preso em virtude de “preventiva” (art. 311 a 316), o inquérito deverá, também, ser concluído no prazo de 10 dias a partir do dia em que se efetivou a prisão. Convém fazer aqui uma observação: malgrado a redação do art. 10 do CPP, se o Juiz decretara prisão preventiva não haverá necessidade de os autos retornarem à Polícia para a conclusão do inquérito. Explica-se: a lei é muito mais exigente para a decretação de prisão preventiva do que para o oferecimento de denúncia. Sendo assim, se houver elementos para a decretação da medida extrema, com muito mais razão para a oferta da denúncia.

Na Justiça Federal, o prazo para conclusão do inquérito, estando o indiciado preso, é de 15 dias, podendo ser prorrogado por mais 15 dias, a pedido, devidamente fundamentado, da Autoridade Policial, e deferido pelo Juiz a que competir o conhecimento do processo, tal como dispõe o art. 66 da Lei n. 5.010, de 30-5-1966.

Esse prazo é fatal? Nos termos do § 3º do art. 10, quando o fato for de difícil elucidação e o indiciado estiver solto, a autoridade poderá requerer ao Juiz a dilação de prazo. Sem embargo, com o aumento da criminalidade em todas as delegacias o número de inquéritos é muito grande e, assim, mesmo fora da hipótese do § 3º supracitado, é comum a Autoridade Policial solicitar dilação de prazo. Ali não se fala na ouvida do Ministério Público e, muito menos, do querelante. Todavia é curial que assim se proceda. O titular da ação penal, lendo os autos inconclusos, poderá chegar à conclusão de que já possui elementos para a sua propositura e, então a promoverá. Poderá, por outro lado, concordando com a devolução sugerir esta, ou aquela diligência...

E se o indiciado houver sido preso em flagrante? Nesse caso, deverá a Autoridade Policial concluir o inquérito dentro do prazo de 10 dias, obedecida, segundo a corrente majoritária, a regra do § 1º do art. 798 do estatuto processual penal, a partir da data em que se verificou a prisão. Aqui a lei não permite a dilação. Para nós, o prazo deve ser contado nos termos do art. 10 do CP. Havendo prisão, o status libertatis do indiciado ou réu deve ser restringido ao mínimo possível, já que essa prisão provisória não é pena. Se for condenado, não será contado o tempo da pena a partir do dia em que ele for preso? Assim também, no caso de flagrância ou preventiva, computa-se no prazo o dia em que a prisão se efetivou. Não sendo o inquérito concluído dentro do termo prefixado em lei, além daquelas medidas que se podem tomar contra a autoridade desidiosa, o indicado ou alguém por ele poderá impetrar ordem de habeas corpus, com fundamento no art. 648, II, do CPP. Cumpre observar que o prazo de 10 dias tem o seu termo a quo na data da prisão.

Cuidando-se de crime contra a economia popular, o prazo para a conclusão do inquérito, esteja preso ou solto o indiciado, é de 10 dias, consoante o disposto no § 1º do art. 10 da Lei n. 1.521, de 26-12-1951.

Em se tratando de entorpecente, o prazo para a conclusão do inquérito, estando o indiciado preso, é de 30 dias, nos termos do art. 51 da Lei n. 11.343, de 23-8-2006 (nova Lei de Tóxicos), em vigor a partir de outubro de 2006. Se solto estiver, o prazo será de 90 dias (art. 51). Em ambas as hipóteses, conforme o parágrafo único do dispositivo supracitado, esses prazos podem ser duplicados pelo Juiz, mediante pedido justificado da autoridade de polícia judiciária.

Se o flagrante ocorrer tal como previsto no art. 307 do CPP, tão logo se conclua o auto, deverá este, imediatamente, ser remetido à autoridade competente, nos próprios termos do art. 307.

Relatório

Concluídas todas as diligências, terminado, enfim, o inquérito, deverá a Autoridade Policial fazer um relatório, nos próprios autos, de tudo quanto houver apurado nas investigações.

“A autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará os autos ao Juiz competente.”

Esse relatório não encerra,não deve nem ode encerrar qualquer juízo de valor.não deve, pois, a Autoridade Policial, no relatório, fazer apreciações sobre a culpabilidade ou antijuridicidade. E se o fizer? Haverá mera irregularidade, sem qualquer consequência. Deverá limitar-se a historiar o que apurou nas investigações. Por outro lado, se por quaisquer circunstâncias outras testemunhas deixaram de ser ouvidas, poderá a Autoridade Policial, no relatório, indicá-las, mencionando o lugar onde poderão ser encontradas (CPP, art. 10, § 2º).

Concluído o inquérito, elaborado o relatório, a Autoridade Policial determinará a sua remessa, juntamente com os instrumentos do crime e outros objetos por acaso apreendidos e que interessarem à prova, ao Juiz competente (art. 11).

Deve a Autoridade Policial, quando da feitura de quaisquer inquéritos policiais, ou termos Circunstanciados de que trata a Lei dos Juizados Especiais Criminais, extrair cópias dos atos praticados, formando-se, assim, autos suplementares, que ficarão arquivados na delegacia. É uma boa cautela ante a possibilidade d extravio de autos.

Arquivamento

Vimos que a finalidade precípua do inquérito consiste em apurar a infração penal e sua autoria, a fim de que o titular da ação penal, seja o Ministério Público, seja o particular, possa exercer o jus accusationis. À Polícia Civil (ou Judiciária, como diz o Código) cumpre colher os elementos de informação. Não cabe à Autoridade Policial dizer, p. ex., que o indiciado não agiu em legítima defesa, estado de necessidade, que não se houve com culpa etc. Não deve, enfim a Autoridade Policial apreciar os autos do inquérito policial e sobre eles emitir um juízo de valor. A opinio delicti cabe ao titular da ação penal e não àquele que se limita, simplesmente, a investigar o fato infringente da norma e quem tenha sido o seu autor. Por isso mesmo não pode, em qualquer circunstância, determinar o arquivamento dos autos do inquérito. Cumpre-lhe, nos termos do § 1º do art. 10 do CPP, “enviar os autos ao Juiz competente”, e, para ser mais incisivo ainda, cortando qualquer possibilidade de arquivamento, dispõe o legislador, no art. 17, que a Autoridade Policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito policial. O pedido de arquivamento, nos crimes de ação pública, fica afeto ao órgão do Ministério Público. Somente este é que poderá requerer ao Juiz seja arquivado o inquérito,e, caso o Magistrado acolha as razões invocadas por ele, determiná-lo-á. Do contrário, agirá de conformidade com o art. 28 do CPP.

Tratando-se de crime de alçada privada, não há excogitar-se de arquivamento: arquivado será se a pessoa com o direito de queixa deixar de intentar a ação penal. Nada obsta, entretanto, que a pessoa possa exercer o direito de queixa requeira ao Juiz o arquivamento dos autos do inquérito (inquérito que diga respeito a crime de alçada privada, é lógico). Mas tal pedido de arquivamento equivale à renúncia, e, nesse caso, cumpre ao Juiz decretar a extinção da punibilidade, nos termos do art. 107, V, do CP.

Convém ponderar a observação de que, se o Juiz determinar o arquivamento de inquérito, em virtude de não haver o órgão do Ministério Público encontrado elementos para a propositura da ação penal, nada obstará possa a Autoridade Policial, tendo ciência de outras provas, empreender novas investigações, nos termos do art. 18 do CPP, mesmo porque o despacho que determina o arquivamento não faz coisa julgada, como, aliás, percebe-se pela leitura do dispositivo supraindicado. Nem poderia fazer, porque não se trata de decisão definitiva, de mérito. E somente as decisões que definem o juízo, que resolvem o meritum causae, é que transitam em julgado.

Essas novas investigações por acaso empreendidas serão encaminhadas a juízo e apensadas aos autos arquivados, tendo, então, o órgão do Ministério Público nova oportunidade de se manifestar a respeito. Se, com as novas provas, com as novas investigações, houver elementos que possibilite a propositura da ação penal, esta será promovida. Do contrário, não. Não se pode desarquivar inquérito sem novas provas que alterem o anterior panorama probatório, na dicção da Súmula 524 do STF. Nesse sentido, Informativo STF n. 375.

Tratando-se de crime de alçada privada, os autos de inquérito serão remetidos a juízo, onde aguardarão, em cartório, a inciativa de quem de direito (titular do direito de queixa).

Juizado de Instrução

Não adotou nosso Código o Juizado de Instrução. Dele tampouco cogitou o Anteprojeto Frederico Marques. No Juizado de Instrução, a função da Polícia se circunscreveria a prender os infratores e a apontar os meios de prova, inclusive testemunhal. Caberia ao “Juiz Instrutor” colher as provas. A função que hoje se comete à Autoridade Policial ficaria a cargo do “Juiz Instrutor”. Assim, colhidas as provas pelo citado Magistrado, vale dizer, feita a instrução propriamente dita, passar-se-ia à fase do julgamento. O inquérito seria suprimido.


Em vários países da Europa há o Juizado de Instrução. É o próprio Juiz quem ouve o pretenso culpado, as testemunhas e a vítima e, enfim, quem colhe as provas a respeito do fato infringente da norma e respectiva autoria. Concluída a instrução (que na França é inquisitiva), cumpre ao Magistrado (Juge d’instruction) proferir decisão (equivalente  á nossa pronúncia), julgando acerca da procedência ou não do jus accusationis. Se, se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, remeterá os autos ao Juiz competente, em que haverá lugar a audiência de julgamento. Ao que nos parece, o nosso sistema é muito melhor. Por primeiro a Polícia colhe as informações necessárias à propositura da ação. Se o Ministério Público entender haver prova da existência do crime e indícios de aurotia, promove a ação penal, instaurando-se, assim, o processo. Recebida a peça acusatória, cumprirá ao Ministério Público demonstrar a veracidade da sua afirmação. Alega-se que as testemunhas ouvidas na Polícia serão novamente ouvidas em Juízo. E daí? Na Polícia elas são ouvidas pela Autoridade Policial, unilateralmente. Seus depoimentos não valem como prova capaz de ensejar, por si só, um decreto condenatório, e sim como informações capazes de possibilitar a instauração do processo. Em juízo, já agora sob o crivo do contraditório, sim. Parece-nos, repetimos, que o sistema brasileiro é melhor, uma vez que toda a prova acusatória é colhida contraditoriamente, o que não se observa na França... Parafraseando Winston Churchill (“a democracia é o pior dos regimes, à exceção de todos os outros”) podemos dizer que o nosso inquérito policial, como instrução preparatória para a instauração do processo, é o pior de todos, à exceção dos demais... Entendemos que como inquérito evitam-se instruções criminais açodadas. Quanto à entrega da chefia das investigações preparatórias ao Ministério Público, não se nos afigura de boa política criminal, uma vez que, daqui a alguns anos, o Promotor de Justiça estará sofrendo as mesmas críticas que se fazem a alguns Delegados... Se Promotor e Delegado têm a mesma formação universitária, por que a substituição? Não faz sentido. Observe-se, por outro lado, que a Constituição da República confere aos membros do Ministério Público a titularidade da ação penal pública, e inclusive poderes para requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais. É como soa o art. 129, I e VIII, da Magna Carta. Para que possam proceder a investigações, necessária será emenda Constitucional alterando não só aquela disposição como também a do art. 144 do mesmo diploma. E, se a emenda vier que se faça a coisa perfeita: transferindo-se as atuais funções dos Delegados aos membros do Ministério Público. Permitir a estes apenas as investigações dos crimes do colarinho branco é subestimar e afrontar a atividade daqueles que lutam corpo a corpo com a criminalidade.

MANUAL DE PROCESSO PENAL – Capítulo 7-C – DO INQUÉRITO – DILIGÊNCIAS, APREENSÃO DE OBJETOS E INSTRUMENTOS DO CRIME, DA BUSCA E APREENSÃO, DA DÚVIDA DO OFENDIDO, DA OUVIDA DO INDICIADO, DO RECONHECIMENTO, DAS ACAREAÇÕES, DOS EXAMES PERICIAIS, VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, REPRODUÇÃO SIMULADA, A IDENTIFICAÇÃO, PODE O INDICIADO RECUSAR-SE A SER IDENTIFICADO?, INDICIADO MENOR, FOLHA DE ANTECEDENTES - VARGAS DIGITADOR.

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – Capítulo 7-C – DO INQUÉRITO – DILIGÊNCIAS, APREENSÃO DE OBJETOS E INSTRUMENTOS DO CRIME, DA BUSCA E APREENSÃO, DA DÚVIDA DO OFENDIDO, DA OUVIDA DO INDICIADO, DO RECONHECIMENTO, DAS ACAREAÇÕES, DOS EXAMES PERICIAIS, VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, REPRODUÇÃO SIMULADA, A IDENTIFICAÇÃO, PODE O INDICIADO RECUSAR-SE A SER IDENTIFICADO?, INDICIADO MENOR, FOLHA DE ANTECEDENTES - VARGAS DIGITADOR.

Diligências

Dispõe o art. 6º do CPP:

“Logo que tiver conhecimento da prática de infração penal, a autoridade policiar deverá:
I – dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;
II – apreender os objetos que tiverem relação como fato, após liberados pelos peritos criminais;
III – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;
IV – ouvir o ofendido;
V – ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro (arts. 185 e s.), devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura;
VI – proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações;
VII – determinar se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias;
VIII – ordenar a identificação do indiciado pelo processo dactiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes;
IX – averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter”.

Tais regras servem de excelente programa para um bom Delegado. Ali estão as diligências que podem ser feitas.

Dispondo o art. 6º do CPP sobre o que poderá fazer a Autoridade Policial ao tomar conhecimento da prática de uma infração penal, pode parecer dever ela realizar todas as diligências ali referidas. Obviamente não é assim. Tudo dependerá da natureza da infração e do caso concreto. Se esta ou aquela infração exigir tais ou quais providências, deverão elas ser realizadas. Assim, p. ex., se A, verbalmente, calunia B, instaurando o inquérito, é evidente que a Autoridade Policial limitar-se-á àquelas diligências indicadas nos incisos III (ouvida de testemunhas), IV (maiores esclarecimentos da vítima), V (interrogatório do indiciado), eventualmente no inciso VIII (identificação dactiloscópica), na segunda parte do inciso VI (acareação) e, por último, no inciso IX (informações sobre a vida pregressa).

Quando a Autoridade Policial tomar conhecimento da prática de uma infração penal que deixa vestígios – delicta factis permanentis (delitos que deixam vestígios) -, como o homicídio, roubo, furto qualificado etc., deverá, se possível e conveniente, dirigir-se ao local, providenciando para que se não alterem o estado e conservação das coisas enquanto necessário.

Tratando-se de crime de homicídio, e. g., é interessante constatar a posição em que a vítima foi encontrada. O próprio locus delicti, quando possível, pode e deve ser registrado fotograficamente, “constituindo elemento de primeira ordem na elucidação dos fatos e na comprovação perante o julgamento de particularidade às vezes impossível de ser representada, por outra forma, nos autos do inquérito”.

O art. 169 do CPP, por seu turno, adianta que, para o efeito do exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos. Todavia, se tratar-se de acidentes automobilísticos, aplicar-se-á o disposto na Lei n. 5.970, de 11-12-1973, que os “exclui da aplicação do disposto nos arts. 6º, I, 64 e 169, do CPP”. Verbis: “Em caso de acidente de trânsito, a autoridade ou agente policial que primeiro tomar conhecimento do fato poderá autorizar, independentemente de exame do local, a imediata remoção das pessoas que tenham sofrido lesão, bem como dos veículos nele envolvidos, se estiverem no leito da via pública e prejudicarem o tráfego. Para autorizar a remoção, a autoridade ou agente policial lavrará boletim de ocorrência, nele consignando o fato, as testemunhas que o presenciaram e todas as demais circunstâncias necessárias ao esclarecimento da verdade” (cf. Lei n. 5.907/73, art. 1º e parágrafo único). e, na Justiça Militar, o assunto é tratado da mesma forma, como se constata pelo art. 1º da Lei n. 6.174, de 9-12-1974.

Apreensão de objetos e instrumentos do crime

Deverá, também, a Autoridade Policial determinar a apreensão dos instrumentos do crime e de todos os objetos que tiverem relação com o fato, após a liberação feita pelos peritos.

A importância dessas diligências, quando couberem, é facilmente constatável. Nos termos do art. 11 do CPP, “os instrumentos do crime, bem como os objetos que interessarem à prova, acompanharão os autos do inquérito”. De acordo com a letra a do inc. II do art. 91 do CP, são efeitos da sentença condenatória... a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé, dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito. De acordo com o art. 124 do CPP, OS INSTRUMENTOS DO CRIME, CUJA PERDA A FAVOR DA União for decretada, serão inutilizados ou recolhidos a museu criminal, se houver interesse na sua conservação.

Por outro lado, dispõe o art. 175 do CPP: “Serão sujeitos a exame os instrumentos empregados para a prática da infração, a fim de se lhes verificar a natureza e a eficiência”.

Pela análise desses dispositivos bem se percebe da real importância da apreensão dos instrumentos do crime. Ademais, os objetos que interessarem à prova devem ser apreendidos, e a necessidade dessa medida dispensa qualquer comentário.

Da busca e apreensão

A busca e apreensão dos instrumentos do crime e de outros objetos que interessarem à prova poderá ser levada a efeito ou no próprio locus delicti, ou em domicílio, ou até mesmo na própria pessoa. Quanto à busca e apreensão no locus delicti, não haverá maior dificuldade para o encarregado dessa tarefa. Tratando-se de busca domiciliar ou mesmo pessoal, o assunto merece maior exame.

Em se tratando de busca domiciliar, a Constituição Federal, no art. 5º, XI, prescreve: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.

As buscas podem ser realizadas em qualquer dia e a qualquer hora?

Nada impede seja a busca realizada em domingo ou feriado, pois até mesmo atos processuais podem ser realizados nesses dias, conforme se constata pelo art. 797 do CPP... Todavia, quanto à hora, a lei estabelece que as buscas domiciliares serão executadas de dia. À noite não é possível. Cumpre observar ser da nossa tradição, considerar dia, aquele período entre 6 e 18 horas.

Da ouvida do ofendido

Deverá a autoridade, quando possível, ouvir o ofendido. O sujeito passivo do crime, de regra, é quem melhor poderá fornecer à Autoridade Policial elementos para o esclarecimento do fato. Certo que a sua palavra apresenta valor probatório relativo em face do interesse que tem na relação jurídico-material. Mas, às vezes, é de extraordinária valia, pois constitui o vértice de toda a prova, como sucede nos crimes contra os costumes. Nesses crimes, cometidos na clandestinidade, entre quatro paredes, às escuras, longe de olhares curiosos, sem vigília de ninguém, as palavras da ofendida, desde que seguras, coerentes, plausíveis, apresentam notável valor probatório, e por isso mesmo as próprias vítimas são as grandes testemunhas. Muito cuidado, entretanto, quando se tratar de menores. Estes têm uma ideia muito fértil. Almeida Jr., ao cuidar do depoimento infantil, alude à sua imaturidade psicológica, imaginação, motomania, imaturidade moral e, sobretudo, à sua sugestibilidade, levando-a ao mundo da fantasia.

Da ouvida do indiciado

A Autoridade Policial, quando da elaboração do inquérito, deverá, se não for impossível (caso de fuga, de autoria desconhecida etc.), qualificar e identificar o indiciado dactiloscopicamente, quando permitido, e, a seguir, ouvi-lo, vale dizer, interrogar a pessoa contra quem foi instaurado o inquérito. Se impossível a qualificação direta, far-se-á a indireta, isto é, a Autoridade Policial diligencia com empregadores ou parentes do criminoso seus dados qualificadores. Antes de ouvi-lo, cumpre à autoridade chamar-lhe a atenção para o seu direito constitucional de permanecer calado, lembrando-lhe, inclusive, não implicar tal comportamento autoincriminação. Contudo, observe-se que o direito ao silêncio não confere ao indiciado a prerrogativa de se furtar a fornecer os dados que o qualificam. Se o fizer, haverá a nosso juízo, o crime de desobediência. Se fornecer dados não verdadeiros, a nosso ver, haverá o crime de falsa identidade previsto no art. 307 do CP. Nesse sentido, TJRJ. A. 4.846/99: “Se o agente, ao ser qualificado no auto de prisão em flagrante, Deu nome e filiação diversos do seu, fornecendo falsa identidade para se beneficiar com a ocultação de sua verdadeira, por ser evadido do sistema penal, praticou também o delito contido na norma do art. 307 do CP, porque o direito de defesa, de calar, fazer afirmação falsa ou negar a verdade, diz respeito ao interrogatório de mérito, quando indagado sobre a imputação, e não quanto ao de qualificação, pois todos estão obrigados a fornecer às autoridades a sua verdadeira identidade”. (Contra: STJ. Rel. Min. Vicente Leal. REsp 204.218/MG, DJU, 25-9-2000, p. 147, sob o fundamento de que assim agindo estará o réu se autodefendendo para encobrir maus antecedentes, pois tal postura encontra-se ao abrigo da garantia constitucional que lhe assegura o direito ao silêncio quando inquirido pela autoridade pública.). Embora o interrogatório seja meio de defesa, também não pode o indiciado fazer uma autoacusação falsa. Pode dar ao fato a versão que quiser menos a de autoincriminar-se falsamente. Se por acaso o indiciado não for encontrado, deve a Autoridade Policial, se possível, proceder à sua qualificação ndireta, isto é, colher os dados que o qualificam junto à empresa onde trabalhava, entre parentes. P. ex.

Como acentua o inc. V do art. 6º do CPP, deverá a Autoridade Policial observar o disposto no Capítulo III do Título VII do Livro I, isto é, os arts. 185 e s. do CPP. Com tal expressão, quer o legislador dizer que o interrogatório do indiciado deverá ser realizado dentro daquelas mesmas normas e garantias que norteiam o interrogatório levado a efeito pela Autoridade Judiciária, inclusive, como vimos, respeitando o seu direito de permanecer calado, decorrência lógica do princípio nemo tenetur se detegere (ninguém é obrigado a acusar a si próprio). Para desencanto nosso, ainda há Juízes que entendem que os indiciados que se reservam o direito de apenas falar em juízo... assim o fazem porque têm “culpa no cartório”. Fossem inocentes, dizem eles, responderiam a todas as perguntas dom desassombro... E dizem isso malgrado a Constituição da República, no art. 5º, LXIII, confira aos réus o direito de permanecerem calados e o parágrafo único do art. 186 do CPP disponha que “o silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa”... Ademais, embora o Advogado possa assistir ao interrogatório do indiciado, se ele não comparecer não haverá para a Autoridade Policial aquele mesmo dever imposto ao Juiz no art. 185 do CPP. O inquérito é inquisitivo e não contraditório. Ademais, no Fórum a presença de Advogados é uma constante, tornando viabilíssima a nomeação de um deles para assistir ao interrogatório do réu. Já nas delegacias (numerosas delas) não há Advogados, e, por isso, não faz sentido a Autoridade Policial paralisar os trabalhos para sair à cata de um causídico, tanto mais quanto o inciso V do art. 6º do CPP manda aplicar as regras concernentes ao interrogatório judicial no que forem aplicáveis...

Do reconhecimento

A Autoridade Policial deverá, quando necessário, proceder a reconhecimento de pessoas ou coisas. Os reconhecimentos devem ser feitos segundo as prescrições dos arts. 226, 227 e 228 do CPP.

Das acareações

A Autoridade Policial deverá, também, quando necessário, proceder às acareações, observadas as regras dos arts. 229 e 230. Acarear é pôr frente a frente os acareandos, para, em seguida, a autoridade ler o que disseram e lhes perguntar se confirmam ou corrigem. Evidente que elas somente poderão ser feitas quando a divergência incidir sobre fatos ou circunstancias, entre testemunhas, entre indiciado ou testemunha e a pessoa ofendida, entre os ofendidos, sempre que divergirem em suas declarações.

Se a autoridade pretender proceder à acareação entre indiciado e testemunha ou vítima, não se deve olvidar que, tendo aquele o direito constitucional ao silêncio, não será obrigado a participar do ato. Fá-lo-á se quiser.

Dos exames periciais

Se for o caso de proceder a exame de corpo de delito ou a quaisquer outras perícias, a Autoridade Policial deverá determiná-las, de conformidade com os arts. 158 usque 184 do CPP.

Procede-se a exame de corpo de delito todas as vezes que a infração deixar vestígios. Quando se fala em corpo de delito, a primeira ideia que se tem é a do corpo da vítima. Nada mais errados. Corpo de delito  ou corpus delicti, ou ainda corpus criminis, é o conjunto dos vestígios materiais deixados pelo crime. Assim, o exame de corpo de delito pode ser feito num cadáver, numa pessoa viva, numa janela, num quadro, num documento...

Há infrações que deixam vestígios – delicta factis permanentis -  e as que não deixam – delicta factis transeuntis. Somente aquelas, por óbvio, sujeitam-se a tais exames.

Porém não são apenas os exames de corpo de delito que podem ser realizados durante a feitura do inquérito policial, mas quaisquer outras perícias.

Os demais exames periciais que se fazem têm notável relevância, porquanto esclarecem, elucidam e aclaram a compreensão de algum fato ou circunstância relacionada com a persecução. P. ex.: o exame realizado numa arma de fogo, para se constatar se ela foi ou não utilizada recentemente.nesse caso, com um cotonete o perito procura limpar o canos da arma, retirando eventual nitrito aíi existente, provocado pelo disparo; em seguida, coloca umas gotas de solução acética de alfa nafetilamina no cotonete e depois algumas gotas de solução acética de ácido sulfanílico. Se o cotonete apresentar uma cor vermelha (trata-se de reagente colorimétrico), é sinal de que havia na arma nitrito, deixado no cano com o disparo. Se ficar incolor, pode-se dizer que a arma não foi disparada há poucos dias. Há uma variedade imensa de perícias que podem ser realizadas durante o inquérito policial. Dentre outras, a análise da composição química de um objeto, o exame realizado para se constatar a existência de sangue humano num determinado objeto, a pesquisa de sangue oculto, o exame caligráfico, o exame nas mãos da vítima e do indiciado para saber se eles fizeram, ou não, disparo com arma de fogo, o exame psiquiátrico para constatação da saúde mental da vítima etc. Cumpre observar, contudo, que em se tratando de exame de insanidade mental na pessoa do lado indiciado, se a Autoridade Policial entender necessário, deverá representar ao Juiz para que este o determine, nos termos do § 1º do art. 149 do CPP.

Violência doméstica

Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, a Autoridade Policial, sem prejuízo das diligências referidas no art. 6º do CPP, deve ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência, tomar por termo a representação, se apresentada, colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias, e remeter, em apartado, no prazo de 48 horas, cópias desses dados, com o pedido da ofendida para a concessão de medidas protetivas de urgência. Esse pedido será tomado por termo pela Autoridade Policial e deverá conter a qualificação da ofendida e do agressor, nome e idade dos dependentes, descrição sucinta do fato e das medidas protetivas desejadas, dentre as indicadas nos arts. 22 e 23 da Lei n. 11.340, de 7-8-2006. Tomada essa providência de urgência, o inquérito continua normalmente.

Reprodução simulada

Às vezes deverá a Autoridade Policial, para verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo, proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública.

De regra a reprodução simulada é feita pelo próprio indicado. E se este a tanto se opuser? Não comete nenhuma infração. Se ele não é obrigado a cusar a si próprio (nemo tenetur se detegere), se ele tem o direito constitucional de permanecer calado, não teria, como não tem sentido, ser eventualmente processado por desobediência pelo simples fato de se recusar a contribuir para a descoberta de “alguma prova” contra ele... É o privilege against self incrimination. Não querendo proceder à reprodução simulada (e somente nessa hipótese), nada impede possa a Autoridade Policial realizá-la com as testemunhas presenciais.

A identificação

Podemos dizer que a identificação é o processo usado para se estabelecer a identidade. Esta, por sua vez, vem a ser o conjunto de dados e sinais que caracterizam o indivíduo. Nos dias atuais o processo generalizado para a identificação das pessoas, notadamente dos criminosos, é o dactiloscópico, isto é, pelas saliências papilares existentes nas pontas dos dedos.

O primeiro processo utilizado para a identificação de criminosos era a mutilação; depois surgiu o ferro em brasa. Mesmo no Brasil, no segundo quartel do século XVIII, havia disposição no sentido de que “todos os negros que fossem achados em quilombos, estando neles voluntariamente, se lhes pusesse uma marca em uma espádua com a letra F, que, para esse efeito, havia nas Câmaras e se, quando se fosse executar essa pena, fosse achado já com a mesma marca, se lhe cortasse uma orelha, tudo por simples mandado do juiz...”. Tivemos no século XIX a fotografia, o retrato falado, a antropometria, criada por Alphonse Bertillon, em que se tomavam as medidas dos diâmetros longitudinal e transversal do crânio, o diâmetro bizigomático, a estatura, a envergadura, a altura da orelha direita, a cor da íris esquerda, o tamanho dos dedos e outros dados. Tratava-se de um método complicado, exigindo técnica e experiência, em razão mesmo das dificuldades para a obtenção e posterior comparação dos dados. Frigério entendia ser possível identificar uma pessoa pela orelha, suas circunvoluções e implantação na caixa craniana. Era a otometria. Outros criaram a oftalmografia (estrutura da íris), a odontoscopia (exame da arcada dentária), a posição das veias no dorso das mãos, a posição das veias na fronte (era a flebografia). Stokis defendia a possibilidade de identificação pelos sulcos palmares (quiroscopia); Wilder, pelos sulcos plantares (pelmatoscopia); e Bert, pelas particularidades do umbigo...

Nenhum desses processos, contudo, sobrepujou a dactiloscopia, em face, repita-se, da imutabilidade, da perenidade, da variedade e facilidade de exame.

Nada impede, porém, que, num determinado caso concreto, se lance mão da odontoscopia para se estabelecer a identidade de alguém, o que é comum dos caos de acidentes em que a pessoa fica carbonizada. Suponha-se que a Polícia tenha feito levantamento de sulcos plantares deixados pelo criminoso. Preso o suspeito, pode-se fazer a comparação. Diga-se o mesmo em caso de dentadas...

Todos nós temos nas polpas dos dedos cristas papilares. São saliências aí existentes. Se untarmos a ponta de um dedo da mão com tinta preta e premermos esse dedo sobre um pedaço de papel, haveremos de ver uma série de linhas formando desenhos. A esses vestígios deixados pelas cristas papilares chama-se impressão digital. E ao estudo dessas impressões denomina-se dactiloscopia. A palavra “dactiloscopia” vem do grego daktilos (dedos) mais skopein (observação, exame). A impressão digital assemelha-se a um desenho formado por diferentes linhas curvas e é constituída de pequenas partículas de suor produzidas pelos sulcos e saliências da pele que envolve os dedos.

O seu valor está na imutabilidade (desde o sexto mês da vida intrauterina até a putrefação, os desenhos formados pelas cristas papilares continuam iguais). Outra vantagem está na perenidade (não pode ser modificada por vontade do possuidor) e, finalmente, na variedade. Até hoje não foram encontradas duas pessoas com a mesma individual dactiloscópica (as impressões digitais são diferentes entre os homens), ainda que se trate de gêmeos univitelinos. Todavia Leonídio Ribeiro e Antônio Aleixo informam que as impressões digitais são suscetíveis de desaparecimento: a) por amputação ou putrefação dos dedos; b) por largas e profundas cicatrizes das polpas digitais; e c) devido a certas doenças como hanseníase.

De acordo com a classificação feita por Vucetich, dálmata que residia na Argentina, há quatro tipos fundamentais de cristas papilares: arco, presilha interna, presilha externa e verticilo. O arco apresenta linhas de um a outro bordo da polpa digital, descrevendo pequenas curvas com convexidade para a ponta dos dedos. As presilhas são formadas por linhas que parte de um dos bordos da polpa do dedo, descrevem uma curva alongada e voltam ao bordo de onde partiram, e, no lado oposto, a confluência das linhas discordantes forma um delta (pequeno sinal triangular ou estrelado). Quando o delta é formado à direita da pessoa que observa sua impressão, diz-se presilha interna; se à esquerda, presilha externa. Já os verticilos são formados por linhas que descrevem círculos concêntricos ou em espiral. Apresentam, por isso, dois deltas, um no lado esquerdo e o outro, no direito.

Quando alguém apresentar no dedo polegar um arco, registra-se a letra A, e nos demais dedos, o número 1; se for presilha interna, I, e nos demais dedos, o número 2, se presilha externa, E, e nos demais dedos, 3; e, finalmente, se verticilo, V, tratando-se do polegar, e 4, nos outros dedos. Desse modo, temos os quatro tipos: A-1; I-2; E-3; V-4.. Se alguém, p. ex., no polegar da mão direita, apresenta um verticilo; no indicador, uma presilha externa; no médio, um arco; no anular, um verticilo; e, no mínimo, uma presilha interna, teremos, então, a seguinte classificação-denominação: V-3-1-4-2.

Além desses símbolos, usam-se também a letra X (para indicar cicatriz) e a letra O (para indicar amputação).

Posteriormente, criaram-se subtipos:

São subtipos do arco: Arco Plano (PL); Arco Angular (AG); Arco bifurcado à direita (Bd); Arco bifurcado à esquerda (Be); Arco dextro-apresilhado (Da); Arco sinistro apresilhado (Sa).

São subtipos da presilha interna: presilha interna normal (Nr) e presilha interna invadida (Vd).

São subtipos da presilha externa: presilha externa normal (Nr) e presilha externa invadida (Vd).

Quanto ao verticilo, temos: circular (Cr); espiral (sp);  ovoidal (ov); sinuoso (Sn); duvidoso (dv).

Ao lado desses subtipos, há os tipos especiais:
2 Dp – presilha interna dupla;
2G – presilha interna ganchosa;
3Dp – presilha externa dupla;
3G – presilha externa ganchosa;
4G – verticilo ganchoso.

Nos arquivos do Instituto de Identificação, fazem-se fichas das anomalias, tais como sindactilia (dedos ligados), podactilia (dedos em número maior que o normal), ectrodactilia (dedos em número menor que o normal e desenhos anômalos, que são representados, respectivamente, pelos seguintes símbolos: SIN, POL, ECT, NA.

Pode acontecer de dezenas de pessoas apresentarem no polegar, por exemplo, um arco. Não importa, aparentemente estaria quebrado o caráter da variedade das digitais. Ampliados e projetos os arcos numa tela, procuram-se os pontos característicos: ilhota ou ponto, linha cortada, forquilha, bifurcação, encerro, e, como cientificamente demonstrado, essas dezenas de arcos apresentação pontos característicos diferentes. Nenhum será igual ao outro.

Quando a Autoridade Policial determina sejam tiradas as impressões digitais do indiciado, cumpre ao funcionário untar-lhe as polpas de todos os dedos de ambas as mãos e premê-los sobre uma folha de papel, denominando-se, a essa ficha dactiloscópica, planilha. Esta é elaborada em três vias: uma fica no inquérito, outra, nos autos suplementares e finalmente a terceira via é encaminhada ao Departamento de Investigações. Em rigor, toda pessoa ao nascer deveria ser identificada dactiloscopicamente, encaminhado-se a respectiva planilha ao Departamento de Investigações para o seu arquivamento.

Cumpre observar que ultimamente, após os atentados terroristas ao Word Trade Center, os ingleses e a indústria alemã Siemens passaram a fazer experiência dom oftalmografia. De fato, segundo se alega, duas pessoas não possuem a mesma estrutura da íris. Esta é formada por inúmeros trações irregulares, com espessura, tamanho, tonalidade e relevo completamente distintos. As criptas existentes na íris, isto é, as saliências nervosas que integram o seu relevo, variam de pessoa para pessoa. Não se trata de um processo de identificação novo. Conforme vimos, Capdeville e Levinsohn, dezenas de anos atrás, já entendiam que o processo oftalmográfico era infalível. E realmente é. Mas exige equipamentos de alto custo. Funciona assim: a pessoa encosta o roto numa câmara digital, que o fotografa. Essa foto é enviada a um bando de dados, onde ficam arquivadas milhares de imagens de íris, com as fichas dos seus respectivos donos. Em alguns segundos o equipamento diz quem é a pessoa procurada. Atualmente têm sido feitas experiências no aeroporto Heathrow, em Londres. Assim, em vez de apresentar o passaporte no balcão de imigração, os passageiros aproximam o rosto de uma câmara digital. Com as informações do banco de dados para onde a imagem da íris foi endereçada, o equipamento diz se o estrangeiro tem ou não autorização para entrar no país. Segundo relato feito há pouco tempo pela revista Veja, alguns países da Europa e Estados Unidos têm-se valido desse processo para controlar o acesso de seus funcionários a cofres públicos. Todavia, como processo geral de identificação de criminosos, parece-nos inviável. Servirá, sim, para controle de segurança em aeroportos, de acesso a locais onde se guardam valores, penitenciárias (quem entra e quem sai) etc. E não só por isso, mas pelo seu alto custo, por óbvio não suplantará o processo dactiloscópico.

No Brasil, em algumas penitenciárias, inclusive nas localizadas na Comarca de Bauru/SP, para evitar fuga de presos, substituição de presos (o preso sai e o visitante fica...), está sendo adotado um critério bem mais prático: a pessoa (qualquer) que entrar na penitenciária preme o seu indicador direito numa pequena máquina e esta, em fração de segundos, transmite sua digital para um banco de dados, onde se registra, também, o nome da pessoa. Ao sair, repete-se o processo, e, então, o responsável pelo controle fica sabendo se a pessoa que entrou é a mesma que está saindo.

Pode o indiciado recusar-se a ser identificado?

O legislador constituinte proibiu a identificação dactiloscópica daqueles já civilmente identificados (art. 5º, LVIII), salvo as hipóteses previstas em lei. E após doze anos de vigência da Magna Carta, surgiu a Lei n. 10.054, de 7-12-2000, estabelecendo que o civilmente identificado por documento original não será submetido à identificação criminal, exceto quando: a) estiver indiciado ou acusado pela prática de homicídio doloso, crimes contra o patrimônio praticados com violência ou grave ameaça, crime de receptação qualificada, crimes contra a liberdade sexual ou crime de falsificação de documento público; b) houver fundada suspeita de falsificação ou adulteração do documentos de identidade; c) o estado de conservação ou a distância temporal da expedição de documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais; d) constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações; e) houver registro de extravio do documento de identidade; f) o indiciado ou acusado não comprovar, em 48 horas, sua identificação civil. A cópia do documento de identificação civil apresentada deverá ser mantida nos autos de prisão em flagrante, quando houver, e no inquérito policial, em quantidade de vias necessárias. Nesses casos, cumprirá à Autoridade Policial, no curso do inquérito, se possível, proceder à identificação dactiloscópica. Deverá, então, um funcionário da delegacia colher as impressões digitais de ambas as mãos. São tiradas várias impressões em várias folhas de papel, de sorte que cada folha, chamada planilha, conterá as impressões dos 10 dedos. Uma acompanha os autos do inquérito; outra permanece nos autos suplementares do inquérito e as demais são encaminhadas ao Departamento de Investigação. Serão juntadas, também, as fotografias do indiciado ou réu tiradas nas delegacias e que, de igual modo, serão anexadas aos autos de prisão em flagrante, inquérito ou mesmo Termo Circunstanciado. Se o indiciado estiver envolvido com ação praticada por organizações criminosas, será ele, também, nos termos do art. 5º da Lei n. 9.034, de 3-5-1995, identificado dactiloscopicamente, ainda que já identificado civilmente.

A Lei n. 10.054/2000 foi mais longe: exige, na hipótese de o indiciado ou autor do fato (nas infrações de menor potencial ofensivo) não ter sido identificado civilmente, não só sua identificação dactiloscópica, como inclusive a fotográfica. Nesses casos, os materiais dactiloscópicos e fotográficos Serão juntados aos inquéritos policiais e até mesmo aos autos de comunicação da prisão em flagrante.

A nosso ver, é profundamente estranho tenha o legislador desejado emprestar um procedimento célere para as infrações de menor potencial ofensivo, inclusive salientando que a transação não forja a reincidência, e, ao mesmo tempo, desejado que nessas infrações sem dignidade penal seja o autor do fato não civilmente identificado submetido à humilhação de uma identificação fotográfica, além da dactiloscópica. Esta necessária; aquela, não. Trata-se de medida vexatória e sem,nenhum interesse prático, mesmo porque, todos sabemos, com o passar dos anos as pessoas mudam a fisionomia e por meio de artifícios podem até caracterizar-se de forma diferente. Ademais, pessoas diversas têm uma profunda e acentuada semelhança... É bem possível, p. ex., que no Fórum, quando da ouvida da vítima ou testemunha, sendo-lhe mostrada a fotografia do pretenso criminoso, nãohaja sequer vacilação... e, não obstante, poderá ser um sósia. Mas não é só: centenas de delegacias do interior do nosso país vivem completamente desaparelhadas, e, com a exigência da identificação fotográfica, o legislador criou mais um problema, cuja solução certamente ele não dará...

Pode o indiciado ou réu recusar-se a que tirem suas impressões digitais? Respeitadas as restrições impostas na Lei n. 10.54/2000, já referida, sim. Em caso contrário, haverá desobediência.

E se o indiciado houver fugido? Nesse caso, à evidência, não será possível a identificação dactiloscópica. Ainda assim, cumpre à Autoridade Policial qualificá-lo indiretamente, isto é, colhendo, no local onde haja trabalhado ou de parentes, dados a respeito da sua qualificação. E, se esses dados forem perfeitos e completos, uma cópia é encaminhada ao D. I. (Departamento de Investigação), e aí, por meio daqueles informes, será possível saber tratar-se ou não de reincidente.

Por isso, uma vez tiradas as impressões e fotos, ou mesmo feita a qualificação indireta, cumpre à Autoridade Policial remeter duas planilhas ao D. I. (ou os dados colhidos quando da qualificação indireta) e indagar desse Departamento se o indiciado (ou réu) já foi ou não processado em outra comarca. Com a planilha, o D. I. em 10 ou 15 minutos, localiza a ficha da pessoa cujos antecedentes se pedem (se ela já foi identificada, ainda que para efeitos civis) e presta as necessárias informações, dizendo, por exemplo, que o cidadãojá foi processado em Ribeirão Preto etc. Ante tal informação, oficia-se ao juízo daquela comarca solicitando-lhe certidão de eventual sentença condenatória, com a nota do trânsito em julgado, ali proferida contra o indiciado.

Se não constar dos arquivos a identificação do indiciado, informará o D. I. não ter elementos para prestar as informações. Pode acontecer que o indiciado seja natural de outro Estado da Federação. Nessa hipótese, deverá a Autoridade Policial solicitar informações ao D. I. desse Estado, sempre tendo a cautela de remeter uma cópia da planilha, que é uma folha de papel contendo as impressões dos dedos das mãos direita e esquerda.

Indiciado menor

O art. 15 do CPP assim dispõe:
“se o indiciado for menor, ser-lhe-á nomeado curador pela autoridade policial”.

Evidentemente, a lei faz referência ao menor de 21 e maior de 18 anos, uma vez que os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis, nos precisos termos do art. 27 do CP.

Qual a razão que levou o legislador a melhor amparar o indiciado menor, concedendo-lhe curador na fase do inquérito policial? A exigência do art. 15 prendia-se ao fato de que o menor de 21 e maior de 18 era relativamente incapaz. É verdade que, de certo modo, o CPP fez abstração dessa incapacidade relativa, tanto que o direito de queixa ou de representação poderia ser exercido pelo menor de 21 e maior de 18 sem a assistência de seu representante legal, tudo nos termos do art. 34 do CPP. Mais ainda: até mesmo contra a vontade do seu representante legal, poderia ele exercer tal direito (CPP, art. 50, parágrafo único). Porém, em face da sua qualidade de sujeito passivo da pretensão punitiva, entendeu o legislador devesse tomar aquela cautela procurando sintonizar-se com o Código Civil então vigente, tanto mais quanto os menores de 21 e maiores de 18, pelo fato de serem tidos como relativamente incapazes, eram considerados sugestionáveis e poderiam ser influenciados.

Contudo, cumpre observar que, tendo o novo Código Civil fixado em 18 anos o fim da menoridade, nãomais há razão, e constitui colossal enormidade, nomear curador a quem já completou essa idade. Observe-se: o Código de Processo Penal, em várias de suas disposições, usa o termo “menor” (arts. 15, 194, 449); às vezes fala do “menor de 21 anos” (arts. 34, 52, 54, 279, III, c, 2ª parte, 564, III); e, finalmente, em muitas delas, utiliza a expressão “representante legal”, referindo-se àquele que representava o menor de 21 e maior de 18 anos. Por óbvio, não mais se pode falar em menor de 21 e maior de 18 anos e muito menos em representante legal do maior de 18 anos (salvo se doente mental).

De que critério se valeu o legislador processual penal para exigir a idade de 18 anos para o cidadão poder atuar em juízo, e por que reclamou a intervenção do seu “representante legal” quando estivesse na faixa etária entre os 18 e 21 anos? Quanto á idade de 18 anos para figurar como sujeito ativo da infração, é fácil entender; a maioridade penal poderia ter sido fixada aos 14 anos, aos 16, aos 18, aos 21. Questão de política criminal, levou o legislador a optar pela idade de 18 anos, da mesma forma que interesses políticos levaram o constituinte a permitir o voto não só do analfabeto como também daquele que já completou 16 anos. Entendeu-se que aos 18 anos de idade o homem já tem discernimento ético para saber o que é ou não contrário à comum consciência jurídica. Como bem disse Aníbal Bruno, “A capacidade de entender o caráter criminoso do fato não importa em que o agente possa ter conhecimento de que o seu ato é definido em lei como crime, não importa na capacidade de consciência da sua antijuridicidade em sentido estrito; importa apenas na possibilidade, para o agente, de compreender que o seu comportamento é reprovado pela ordem jurídica, não nos termos precisos de um conhecimento técnico, como possui o jurista, mas nos limites em que o pode compreender o leigo” (Direito penal; parte geral, Rio de Janeiro, Forense, 1967, t. 2º, p. 45). Daí haver o Código Penal de 1940 adotado a imputabilidade da pessoa física ao atingir os 18 anos de idade.

Partindo dessa ideia, não seria justo que esse mesmo cidadão, considerado imputável, podendo ser sujeito ativo de crime, não pudesse exercer o direito de “queixa” ou de “representação”. Podia ser acusado, mas não podia acusar... Por isso o legislador processual penal, procurando entrar em harmonia com o legislador penal, encontrou na idade de 18 anos um razoável sintonizador, permitindo àquele que a completou o exercício do direito de queixa ou de representação, sem abri mão de igual direito do seu representante legou. É certo que a idade é um estado da pessoa. Sendo-o, como efetivamente o é, cabe ao Direito Civil proclamar quando se adquire a capacidade de fato ou de exercício, vale dizer, capacidade para os atos da vida jurídica. O legislador penal, entretanto, por razões de política criminal, atribuiu a imputabilidade à pessoa ao atingir os 18 anos. Não houve uma valoração técnica, mas avaliação de política criminal, o que é diferente. Tanto é verdade que essa maioridade para fins de considerar a pessoa imputável não é uniforme entre as legislações. Na Itália, p. ex., o art. 98 do Codice Penale considera imputável o menor que completou 14 anos “se aveva capacitá d’intendere e di volere”, embora a pena seja diminuída. Entre nós houve uma tentativa nno sentido de que, embora o limite da imputabilidade devesse ser aos 18 anos, se revelassem suficiente desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito do fato e governar a própria conduta. Tratava-se do Decreto-lei n. 1.004/69, que instituía o novo Código Penal. Contudo, não foi promulgado. O Código Penal paraguaio, de 1997, fixou no ser art. 21 a idade em 14 anos; o português no art. 19, estabeleceu a idade de 16 anos. Todavia, o Código Civil de 1916 fixou a maioridade civil aos 21 anos partindo do pressuposto de que, ao atingir essa idade, a pessoa tinha aptidão para os atos da vida jurídica. Entre os 16 e 21, a capacidade de fato estava em formação. Falava-se, então, em capacidade relativa, sendo, nesse caso, assistidos pelo seu representante legal: pai, tutor, curado. Em face disso, o legislador processual penal exigiu se nomeasse  curador ao réu menor de 21 e maior de 18 anos (arts. 15, 194, 449, 564, III, c, todos do CPP). Dispôs ainda que a pessoa que estivesse na faixa etária entre os 18 e 21 anos poderia exercer o direito de queixa ou de representação, sem afastar a figura do seu representante legal, em consonância com o Direito Civil, criando, assim, dois titulares distintos do direito de queixa ou de representação. Daí as regras dos arts. 34, 50, parágrafo único, 53, 54 e outros do CPP, mais tarde prestigiadas pela Súmula 594 do STF.

Agora, dizendo o art. 5º do CC em vigor que a menoridade cessa aos 18 anos, é sinal de que o legislador entendeu (e com razão), que de 1916 para cá o mundo mudou, outros são os costumes (alguns abastardados, nomeadamente os políticos, é verdade...), o progresso da ciência, os meios de comunicação, a televisão, o mundo mágico do computador, a tecnologia avançada, o homem indo à lua, naves pelo espaço cósmico, telefone sem fio, celulares, Internet, tudo isso criou, por assim dizer, uma nova mentalidade. A geração atual é outra. Não se comparam as moças de 18 anos de hoje com outras da mesma idade dos anos 1940, que se deliciavam com os romances de M. Delly... Já foram despenalizadas algumas figuras delituais como o adultério, a sedução, o rapto consensual. A justiça negociada ou consensual, até há pouco tempo, era tida como absurda e inconstitucional; agora é uma realidade. Os moços de hoje têm outra visão dos problemas da vida e do mundo. A luta pela vida fê-los adquirir uma maturidade precoce. Pode-se até dizer que os nossos moços perderam a mocidade... já são adultos, agem como adultos, fazem coisas de adultos. O sexo deixou de ser tabu... qualquer criança de 10 ou 12 anos fala com a maior naturalidade sobre os processos para evitar a gravidez, e nas escolas são até indagadas sobre alguma experiência sexual... Tudo isso graças, também, ao processo educativo... das nossas televisões... com a aquiescência do Ministério da Educação. Os costumes são outros. Por outro lado, o fato de a Lei n. 10.792, de 1º-12-2003, haver revogado o art. 194 do CPP, que exigia curador ao menor de 2     1 e maior de 18 anos, constitui razão a mais para não se permitir sua exigência no inquérito.

Folha de antecedentes

Deverá a Autoridade Policial, também, diligenciar, se possível, a folha de antecedentes do indiciado. Tal documento apresenta grande valor, pois, por meio dele, constata-se se o criminoso é ou não reincidente, circunstância relevantíssima para a aplicação da pena, como se pode constatar pelos arts. 61, I, e 77, I, todos do CP.


Claro não ser ela prova da reincidência, mas uma excelente fonte de prova, já que, por seu intermédio, sabe-se onde e quando tramitaram processos contra o infrator, bastando assim ao Juiz processante oficiar ao Juízo por onde correm ou correram processos contra o réu, requisitando certidões de eventuais sentenças condenatórias com a nota do trânsito em julgado ou não.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

MANUAL DE PROCESSO PENAL – Capítulo 7-B – DO INQUÉRITO - O INQUÉRITO POLICIAL NOS CRIMES DE AÇÃO PRIVADA, A MULHER CASA D O DIREITO DE QUEIXA, QUAL O PRAZO PARA REQUERER A INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO NOS CRIMES DE ALÇADA PRIVADA?, CONTEÚDO DO REQUERIMENTO - VARGAS DIGITADOR.

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – Capítulo 7-B – DO INQUÉRITO - O INQUÉRITO POLICIAL NOS CRIMES DE AÇÃO PRIVADA, A MULHER CASA D O DIREITO DE QUEIXA, QUAL O PRAZO PARA REQUERER A INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO NOS CRIMES DE ALÇADA PRIVADA?, CONTEÚDO DO REQUERIMENTO -  VARGAS DIGITADOR.

O inquérito policial nos crimes de ação privada

Em determinados casos, o nosso ordenamento, à semelhança do que ocorre em outras legislações, permite ao ofendido, ou a quem legalmente o represente, o direito de promover a ação penal. Fala-se, então, em “ação penal privada”. Nesses casos, a Autoridade Policial somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tiver qualidade para quem intentá-la, vale dizer, o ofendido ou quem legalmente o represente. É o que diz o § 5º do art. 5º do CPP. Se o ofendido morrer ou for judicialmente declarado inocente, o direito de promover a ação privada passa ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão (arts. 30 e 31 do CPP). De consequência, se o crime for de alçada privada, não poderá a Autoridade Policial iniciar o inquérito de ofício nem mediante requisição da Autoridade Judiciária ou do Ministério Público. Somente a pessoa com o direito à ação privada é que poderá requerer a instauração do inquérito. Ninguém mais. Vejam-se a propósito os arts. 30 e 31 do CPP.

O requerimento, com firma reconhecida, é dirigido à Autoridade Policial competente, que, caso o requerente forneça elementos que possibilitem a instauração do inquérito, determinará seja este iniciado.

Se o ofendido for menor de 18 anos, ou mesmo maior, mentalmente enfermo, ou retardado mental, caberá ao seu representante legal requerer a instauração de inquérito e promover posteriormente a queixa, ou, se tiver em mãos elementos que o habilitem a promover a ação penal, ingressar em juízo com a queixa.

A regra contida no art. 34 do CPP (reiterada na Súmula 594 do STF), aludindo ao menor de 21 e maior de 18 anos, caiu no vazio em virtude de haver o novo Código Civil fixado o término da menoridade aos 18 anos. Assim, se o ofendido completou 18 anos, desde que não seja doente mental, somente ele, e exclusivamente ele, é quem pode exercer o direito de queixa e, consequentemente, o de requerer a instauração do inquérito policial, nos termos do § 5º do art. 5º do CPP.

A mulher casada e o direito de queixa

A mulher casada poderá requerer a instauração de inquérito nos crimes de ação privada? O § 5º do art. 5º diz que poderá requerer instauração de inquérito quem tiver qualidade para promover a ação penal privada. Não obstante as restrições impostas pelo art. 35 do CPP, o certo é que o art. 226, § 5º, da Magna Carta, estabelecendo, na sociedade conjugal, os mesmos direitos e obrigações, tacitamente revogou aquela disposição. Aliás, desnecessariamente, a Lei n. 9.520, de 27-11-1997, de forma expressa, também a revogou.

Qual o prazo para requerer a instauração de inquérito nos crimes de alçada privada?

O Código não diz. Mas, por outro lado, dispondo o art. 38 que o direito de queixa deve ser exercido em juízo e dentro do prazo de 6 meses (salvo disposição em contrário,como ocorre no crime previsto no art. 236 do CP, p. ex.), a partir da data em que se souber quem foi o autor do crime, e sendo a queixa o ato inaugural da ação penal, fácil concluir que o interessado deverá requerer a instauração do inquérito antes de se completar aquele semestre a que se refere o art. 38, de molde a haver tempo suficiente para ingressar em juízo com a queixa dentro daquele prazo. Haverá necessidade de o Juiz despachá-la para que o querelante não perca o prazo? Decerto que não; bastará o simples ato de levar a queixa, devidamente apoiada nas provas do inquérito ou peças de informação, ao protocolo, tendo-se o cuidado, para evitar amarga decepção, de se protocolar também a segunda via, que servirá de cópia.

Já em se tratando de crime cuja ação penal dependa de representação, esta poderá ser feita inclusive no último dia do prazo, mesmo porque ela não é a peça inicial da ação penal, como o é a queixa na ação privada. Nada impede que a representação seja feita num sábado ou domingo, visto que ela pode ser feita, também, perante a Autoridade Policial (art. 39 do CPP), e sempre há Autoridade Policial de plantão.

Conteúdo do requerimento

Como deve ser feito tal requerimento? Sua feitura obedece ao disposto no § 1º do art. 5º. Poderá ser indeferido? Poderá ser indeferido? A lei não diz. O § 2º do art. 5º refere-se apenas ao requerimento de que trata o inc. II do art. 5º. Mas, se extinta estiver a punibilidade, ou se o fato não constituir infração, nada impede que a autoridade o indefira. E se a autoridade não for competente? Nesse caso, nada obsta se aplique, por analogia, o que dispõe o § 3º do art. 39, isto é, o requerimento será encaminhado àquela que  o for.


Nada impede, também, em face de um indeferimento, possa o requerente recorrer ao Chefe de Polícia (Delegado Regional, Delegado Seccional, Delegado-Geral da Polícia Civil, p. ex.). Em suma: ao superior hierárquico do Delegado de Polícia.