segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 509, 510, 511, 512 - Da Venda a Contento e da Sujeita a Prova – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 509, 510, 511, 512
- Da Venda a Contento e da Sujeita a Prova
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção II – Das Cláusulas Especiais à Compra e Venda –
Subseção II – Da Venda a Contento e da Sujeita a Prova
 - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 509. A venda feita a contento do comprador entende-se realizada sob condição suspensiva, ainda que a coisa lhe tenha sido entregue; e não se reputará perfeita, enquanto o adquirente não manifestar seu agrado.

Seguindo orientação de Nelson Rosenvald, a Subseção II – relativa às cláusulas especiais de compra e venda – traz inovação ao inserir na disciplina da venda a contento o pacto de venda sujeito a prova.

O artigo ora enfocado dispõe sobre a tradicional venda a contento (pactum diplicentiae), caracterizada pela subordinação a uma condição suspensiva, qual seja aquela em que o comprador aprecia as qualidades da coisa que lhe foi entregue. Temos então uma situação em que o vendedor se sujeitará a um evento futuro e incerto, que se relaciona ao puro arbítrio do comprador, excepcionando-se aqui a proibição às condições puramente potestativas (CC 122). Com efeito, a devolução do em não se prende em nenhum momento a uma apreciação objetiva acerca das características materiais da coisa, mas simplesmente ao desejo do comprador. Nesse ponto discordamos daqueles que acreditam se tratar de cláusula simplesmente potestativa e não meramente potestativa, pois o arbítrio não seria ilimitado. Muito pelo contrário, temos que a opção do comprador poderá se basear em um simples capricho sem que se possa questionar tal aspecto subjetivo.

O comprador não e proprietário, porém mero titular de um direito eventual, portanto dele não se exigirá nenhuma espécie de pagamento até que se decida adquirir o bem. Todavia, poderá reclamar a entrega da coisa, pois sem a posse direta do objeto não terá condições de avaliar se o negócio jurídico se lhe mostra satisfatório.

Não se olvide de que a cláusula será expressa no contrato, caso contrário não se poderá presumir que o comprador apenas adquiriu para experimentar. Já nas relações de consumo, em que a compra ocorre fora do domicilio do fornecedor, o consumidor exercerá o direito de arrependimento no prazo de reflexão de sete dias (CDC 49). Ao contrário do exposto no Código Civil, a devolução não decorre da autonomia privada, mas da tutela ao vulnerável que adquire bens por meio de pressão psicológica, sem a necessária ponderação acerca da real utilidade da compra. Outrossim, no Código de Defesa do Consumidor a aquisição não se faz por condição suspensiva; ela é perfeita e acabada, mas subordina-se ao direito potestativo de resilição unilateral (CC 473).

Diversamente do Código Civil de 1916, a norma em apreciação silencia no que concerne à possibilidade de a venda a contento ser realizada mediante cláusula resolutiva para o comprador. Entendemos que nada impede a fixação da resolução, com base na autonomia privada das partes, eis que não há proibição expressa da norma ou ofensa à ordem púbica. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 573 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Vemos na doutrina apresentada por Fiuza, que a condição suspensiva da venda feita a contento está clausulada pela subordinação do negócio à circunstância da satisfação do adquirente. Enquanto o comprador não aceitar a coisa (no sentido de aprova-la), ainda não colhido o manifesto do aprazimento por quem ela foi entregue, não se terá a venda como perfeita e obrigatória. Da declaração da ‘vontade do comprador depende a eficácia do negócio’. A venda a contento (pactum displicentiae) é, conforme ensina Clóvis Beviláqua, “a que se conclui sob a condição de ficar desfeita, se o comprador não se agradar da coisa vendida”. Por conseguinte, a tradição da coisa não corresponde à transferência do domínio, resumindo-se a transferir a posse direta, visto que efetuada a venda sob condição suspensiva. A presunção de a venda feita pelo comprador ser sempre realizada sob condição suspensiva afasta a hipótese de poder o contrato dá-lhe o caráter de condição resolutiva, antes referida pelo art. 1.444, parte final, do CC/1916. – A propósito não há mais de se falar de condição resolutiva e, sim de cláusula resolutiva.

Carlos Alberto Dabus Maluf reconhece a venda feita a contento como um contrato sujeito a condição potestativa, que o Código Civil admite e disciplina minuciosamente. Enfatize, porém, entender a doutrina que tal condição não é meramente potestativa, não infringindo o princípio do art. 115 do CC de 1916 (vide CC/2002 art. 122). O arbítrio do comprador não é, por isso, ilimitado. Ele fica constrito a um fato ou circunstância, a do agrado, não incidindo um mero capricho. Desse modo, constitui exceção à regra do mencionado artigo. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 272 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo entendimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a venda a contento é a cláusula que permite ao comprador não se vincular à compra e venda se a coisa vendida não o satisfizer. Tal cláusula consiste numa condição suspensiva: o contrato somente produzirá seus efeitos após a confirmação do comprador quanto à sua satisfação quanto à coisa. A satisfação do comprador implica o direito potestativo deste confirmar o não o contrato.

Embora não haja qualquer restrição legal, a doutrina ensina que “comporta gêneros que se costumam provar, medir, pesar e experimentar antes de aceitar” (Caio Mário da Silva Pereira), Instituições de Direito Civil, v III, Rio de Janeiro: Forense).

No Código de 1916 entendia-se ser direito personalíssimo do comprador, pelo uso do termo “pessoal”, no art. 1.148, segundo Beviláqua). A restrição não tem correspondente no CC/2002.

O artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, concede ao consumidor o direito de “desistir” do contrato em 7 dias, quando a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial o que conforma espécie de venda a contento por força de lei. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 16.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 510. Também a venda sujeita a prova presume-se feita sob a condição suspensiva de que a coisa tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor e seja idônea para o fim a que se destina.

Na visão de Nelson Rosenvald, a inovação do legislador nesse ponto foi a criação da cláusula de “venda sujeita a prova”. Aqui, a eficácia do negócio jurídico compra e venda se subordinará à objetiva constatação das qualidades que foram asseguradas pelo vendedor. Difere, portanto, da venda a contento, em que a satisfação do comprador e avaliada em nível subjetivo, da estima pela coisa.

Mas a distinção não para por aí. Na medida em que o desagrado do comprador se prende à própria desconformidade externa entre o que se prometeu e o que se pretende adquirir realmente, pergunta-se se o comprador deverá provar a existência do alegado déficit qualitativo. Parece-nos que a resposta é positiva, caso contrário cairíamos nas mesmas consequências da venda a contento, ou seja, do arbítrio do comprador. E outras palavras, a condição suspensiva da compra e sujeita à demonstração da veracidade das alegações do comprador, sob pena de ser lavada à apreciação do magistrado para os fins do antigo art. 335 do CPC/1973, correspondendo hoje ao art. 375 no CPC/2015, com praticamente redação idêntica. Caso o desnível qualitativo seja oculto, deverá o comprador se socorrer das normas relativas aos vícios redibitórios (CC 441 a 446). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 573 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Relembrando Ricardo Fiuza, que o parágrafo único do art. 1.144 do CC de 1916 dispunha: “Nesta espécie de venda, se classifica a dos gêneros, que se costumam provar, medir, pesar, ou experimentar antes de aceitos”. Revela, no exemplo, o característico determinando de pacto adjeto a tal espécie de compra e venda.

O legislador do CC/2002 deu novo tratamento à venda sujeita a prova ou experimentação, também realizada sob condição suspensiva, disciplinando-a em dispositivo próprio. A coisa vendida submete-se ao exame do adquirente, na apuração das qualidades que lhes são inerentes e assegurados pelo vendedor, como condição ao aperfeiçoamento do contrato. Quer dizer que, tendo a coisa as qualidades afirmadas como certas, abonadas pelo vendedor, e reconhecida adequada para o fim a que se destina, não poderá o comprador, feita a experimentação, recusá-las por puro arbítrio, sem a devida motivação, o que importaria em potestatividade pura, defesa por lei. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 273 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Temos na visão de Marco Túlio de Carvalho Rocha que, a venda sujeita a prova é cláusula de sentido próximo ao da venda a contento, desta se diferenciando, no entanto, porque a recusa do comprador somente pode ser manifestada caso a coisa vendida não possua as qualidades asseguradas pelo vendedor ou não sirva ao fim a que ela se destina.

E, tal como a venda a contento, uma condição suspensiva: o contrato somente produzirá efeitos se a coisa vendida possuir as qualidades prometidas e servir à finalidade a que destinada. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 16.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 511. Em ambos os casos, as obrigações do comprador, que recebeu, sob condição suspensiva, a coisa comprada, são as de mero comodatário, enquanto não manifeste aceitá-la.

Seguindo na esteira de Nelson Rosenvald, o dispositivo é de índole meramente explicativa. Evidentemente, se na venda a contento e na sujeita à prova o comprador é mero titular de direito eventual em razão da condição suspensiva (CC 125), a eficácia aquisitiva se sujeita ao evento futuro e incerto do contentamento com o bem ou da constatação de suas virtudes materiais.

Enquanto a condição não se verifica, o comprador é mero comodatário, pois surge apenas um desdobramento da posse: a posse indireta se mantém com o vendedor – ainda remanescente na posição de proprietário – e a posse direta é transferida ao comprador, em virtude de uma relação de direito obrigacional.

Caso o comprador não queira adquirir a coisa, sua obrigação consistirá na devolução imediata, sob pena de conversão da posse em injusta – pela precariedade, se, interpelado pelo vendedor, recusar-se a restituir no prazo assinalado. Diante do esbulho, a saída será o ajuizamento da ação de reintegração de posse.

Todavia, a parte final do dispositivo se refere á manifestação do comprador em aceitar a coisa. Qual a natureza de tal manifestação? A nosso viso, normalmente será expressa, mas admite a forma tácita, como pelo pagamento do preço ou a prática de qualquer comportamento concludente ou socialmente típico que demonstre a sua satisfação com a aquisição. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 574 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na esteira da doutrina de Fiuza, enquanto não manifestada a declaração de vontade do comprador (pacto ad gustum) ou aceita a coisa comprada pela confirmação de suas qualidades e aptidão para o fim a que se destina, o possuidor direito e pretenso adquirente equipara-se ao comodatário, onde inato o dever de restitui-la, com as obrigações de conservá-la como se ela lhe fora dada em empréstimo. Pela condição suspensiva, a coisa comprada tem sua tradição provisória, implicando uma relação jurídica assemelhada ao comodato. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 273 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Tendo em conta o comentário de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o contrato de compra e venda tem seus efeitos suspensos enquanto não se verificar as respectivas condições suspensivas previstas para venda a contento e para a venda sujeita a prova. Em razão disso, pode-se indagar a que título a posse da cosa seria transferida ao comprador ou quais os direitos e deveres dele e do vendedor enquanto não operada a condição. O dispositivo esclarece que o comprador exerce a posse na qualidade de mero comodatário. Disto decorre, por exemplo que a transferência da posse direta sobre a coisa não transfere a propriedade ao comprador e que, se sobrevier a perda da coisa por caso fortuito ou por força maior, a regra res perit domino implica a perda da propriedade para o vendedor. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 16.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Art. 512. Não havendo prazo estipulado para a declaração do comprador, o vendedor terá direito de intimá-lo, judicial ou extrajudicialmente, para que o faça em prazo improrrogável.

Vendo sob o prisma de Nelson Rosenvald, tanto na venda a contento como na venda sujeita a prova, o Código Civil abdicou da possibilidade de fixar os prazos decadenciais ao exercício do direito potestativo de restituição da coisa.

Duas soluções se impõem. Primeiro, as partes ajustam prazo convencional de decadência. Superado o lapso temporal, a compra e venda se aperfeiçoa em caráter definitivo. Segundo, não havendo fixação de prazo pelas partes, o vendedor deverá interpelar o comprador – judicial ou extrajudicialmente – para o exercício da opção, assinalando prazo para manifestação, sob pena de, no silêncio, concretizar-se a compra e venda. Cuida-se de uma forma de aceitação presumida da compra e venda.

Nada obstante ser conhecida a regra que disciplina a satisfação imediata do credor nos contratos sem prazo (CC 331), há casos em que se demanda um prazo tácito (CC 134), quando suas próprias particularidades evidenciarem a necessidade de um período para o cumprimento da obrigação. Aqui estamos diante de tais situações, pois seria abusiva a conduta do vendedor em exigir imediatamente o adimplemento, sem que ao comprador seja concedido tempo razoável – mediante interpelação – para constatar as qualidades da coisa possuída. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 574 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 16/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A doutrina apresentada por Fiuza, aponta a declaração do comprador acerca da coisa, supostamente necessária para reputar-se perfeita a venda feita a contento (CC 509 parte final) ou ainda a sujeita a prova, visto que, sem embargo, como vendas condicionais, a eficácia do ato fica na dependência daquela manifestação. Não avençado o prazo para a declaração, é natural cumprir ao vendedor intimá-lo para que exprima seu agrado ou aquiescência, e, no caso, o prazo será fixado de modo unilateral. Nesse sentido: “Na venda a contento, se no próprio contrato não ficou estabelecido prazo para aceitação do negócio pelo comprador, é necessária a sua interpelação para os fins constantes do CC 1.147” (RT 445/I 80). O novo texto inclui a intimação extrajudicial, adotando a prática comum dos avisos de conhecimento por meio do Registro de títulos e Documentos. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 273 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 16/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Diferentemente do que faz em relação a outros institutos, a lei não demarca um prazo para que o comprador manifeste o interesse na confirmação ou não do negócio na venda sujeita a prova e na venda a contento, salvo nas vendas a consumidor fora do estabelecimento comercial, em que vigora o prazo de 7 dias (Marco Túlio de Carvalho Rocha. Desse modo, o prazo para o comprador manifestar a aceitação da coisa deve ser estabelecido contratualmente e, caso não seja, o limite temporal será estabelecido por meio de interpelação do vendedor ao comprador (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 16.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 505, 506, 507, 508 - Das Cláusulas Especiais à Compra e Venda – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 505, 506, 507, 508
- Das Cláusulas Especiais à Compra e Venda
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção II – Das Cláusulas Especiais à Compra e Venda –
Subseção I – Da Retrovenda - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 505. O vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-la no prazo máximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e reembolsando as despesas do comprador, inclusive as que, durante o período de resgate, se efetuaram com a sua autorização escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias.

Viajando com Nelson Rosenvald, tem-se que o negócio jurídico da compra e venda possui vastíssimo campo de aplicação, não apenas pelo fato de ser o modo mais democrático de realização do tráfego jurídico em qualquer estrato social, mas também por possibilitar a conjugação de cláusulas especiais que flexibilizam o contrato sem sacrificar a sua natureza bilateral e onerosa.

Dentre as cláusulas especiais, uma das mais ricas é a de retrovenda. Cuida-se de pacto adjeto à compra e venda, pelo qual vendedor e comprador estipulam que aquele possuirá o direito potestativo de recobrar a propriedade em certo prazo, sujeitando o adquirente a tanto, desde que deposite o preço acrescido de despesas realizadas pelo comprador.

Destarte, o núcleo da retrovenda é exatamente o direito potestativo, o poder do comprador de submeter o vendedor ao exercício unilateral da desconstituição do negócio jurídico, sem que possa a isso se por. Basta que o direito seja exercitado no prazo decadencial e fatal de três anos, a contar no registro do título aquisitivo da propriedade imóvel. Ademais, não havendo um novo contrato de compra e venda, mas apenas um desfazimento do anterior, não se pode questionar de hipótese de incidência de imposto de transmissão de bens imóveis (ITBI).

Note-se que o prazo decadencial descrito na norma é o máximo, nada impedindo que as partes convencionem um período inferior, observando-se o disposto no CC. 211. Aliás, seria ofensivo ao direito de propriedade permitir a convenção de prazo maior, diante da insegurança que a cláusula provocaria nas relações patrimoniais do proprietário e de terceiros que com ele negociem. Caso as partes silenciem quanto ao prazo, a qualquer momento poderá ser exercitada a retratação mediante interpelação do comprador, mas com a devida atenção à observação do parágrafo único do CC. 473, a fim de evitar o abusivo exercício do direito potestativo que seja lesivo à economia do contrato e à sua função social.

A retrovenda é, a priori, uma nítida manifestação do princípio da autonomia privada, pois só nos negócios jurídicos as partes podem inserir elementos acidentais (termo, condição e encargo) a ponto de inovar dentro dos limites impostos pelo sistema.

Todavia, atualmente a autonomia privada é ponderada com princípios como o da função social do contrato e da boa-fé objetiva. Na espécie, isso implica a impossibilidade de o ordenamento ser complacente com a cláusula de retrovenda que seja utilizada como modo de garantia de um mutuante contra o mutuário diante do eventual inadimplemento da obrigação.

Em outas palavras, o Código Civil veda a cláusula comissória (CC. 1,365 e 1.428), que permitiria ao credor ficar com o bem dado em garantia em caso de inexecução da obrigação ao tempo do vencimento. A norma possui evidente aspecto ético, pois impede a usura. A título ilustrativo, caso a dívida fosse de trinta mil reais, a cláusula comissória permitirá ao credor adjudicar um imóvel de cem mil reais diante do inadimplemento.

Portanto, a retrovenda serviria como acordo simulatório, no qual o negócio jurídico compra e venda seria uma fachada para encobrir a real causa da contratação: a garantia ilícita de um empréstimo. A sanção para a simulação será a nulidade do negócio, nos termos do CC. 167. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 569-570 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 13/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo o histórico apresentado pelo Deputado Ricardo Fiuza, o dispositivo foi alterado pela Câmara dos Deputados no período inicial de tramitação do projeto apenas para inclusão do advérbio “máximo” após o substantivo prazo. Inovando em parte o sistema ora vigente, o art. 505, talvez por defeito de redação, aparenta que o prazo de recompra seja sempre, em todo e qualquer caso, fixado em três anos. Ora, não deve ser esta, sem dúvida a mens legis, porque vai contra a tradição do instituto e os ditames do art. 1.141 do CC de 1916. Embora se saiba que o instituto se prestou e ainda se presta ao abuso de poder econômico e a acobertar a prática da agiotagem, o prazo de três anos deve ser entendido como máximo, não único. Mais precisamente:  não estipulado prazo menor, prevalecerá o máximo, para o direito de retrato ou de resgate, tal como dispõe a parte final do art. 1.141 do CC de 1916: “(...) presumindo-se estipulado o máximo do tempo, quando as partes não o determinarem”.

A Doutrina mostra que a retrovenda (pactum de retrovendendo) é pacto adjunto à compra e venda, cláusula especial e resolutiva pela qual o vendedor reserva-se o direito de adquirir de novo o imóvel vendido, mediante a devolução do preço recebido com reembolso das despesas do comprador, inclusive das despendidas durante o período de resgate, por sua autorização ou decorrentes da realização de benfeitorias necessárias. Findo o prazo de resgate, sem que dele o vendedor o exercite, ter-se-á por irretratável o negócio da compra e venda, deixando a propriedade de ser resolúvel. A propriedade resolúvel também se extinguirá em exercendo o alienante o seu direito de resgate sobre o imóvel alienado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 270 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 12/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira do Maestro Marco Túlio de Carvalho Rocha, retrovenda ou pactum de retrovendendo é a cláusula especial do contrato de compra e venda que permite ao vendedor readquirir o bem imóvel mediante o reembolso do preço, das despesas e indenização das benfeitorias necessárias.

O prazo máximo de eficácia de cláusula é de 3 anos. É prazo máximo inderrogável pelas partes, uma vez que o limite é de ordem pública, pois visa a segurança jurídica de terceiros, uma vez que a cláusula torna a propriedade resolúvel para o comprador (sobre propriedade resolúvel: CC 1.359 e 1.360)

Somente em contratos de compra e venda de bens imóveis a cláusula pode ser inserida, pois a resolutividade do domínio que ela cria subordina terceiros e, portanto, depende da publicidade assegurada pelo registro de imóveis.

O critério para o exercício do direito de recompra do imóvel, ao contrário, é de ordem privada e, portanto, pode ser alterado pelas partes contratantes. Nada obsta, portanto, que prevejam a correção monetária do preço e a incidência de juros, respeitados os limites legais. O caso fortuito e a força maior extinguem o direito para o vendedor e a coisa para o comprador. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 13.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 506. Se o comprador se recusar a receber as quantias a que faz jus, o vendedor, para exercer o direito de resgate, as depositará judicialmente.

Parágrafo único. Verificada a insuficiência do depósito judicial, não será o vendedor restituído no domínio da coisa, até e enquanto não for integralmente pago o comprador.

Como alerta Nelson Rosenvald, a recusa do vendedor em se submeter à desconstituição da compra e venda permite que o comprador proponha ação de consignação em pagamento, a fim de exercer o direito potestativo de resgate.

No particular, entendemos que houve um lapso do legislador ao não permitir o depósito em estabelecimento bancário da quantia devida, como permite o CC 334 e o CPC/1973, 890, § 1º, com correspondência no CPC/2015, art. 539, § 1º.

Já o parágrafo único disserta sobre o óbvio. Se a recusa do comprador em receber é justificada, pelo fato de a quantia oferecida não exaurir suas despesas – inserindo-se aquelas elencadas na parte final do art. 505 -, o vendedor somente poderá adjudicar a coisa quando complementar o preço, seguindo os trâmites do CPC/1973, 899, com correspondência no CPC/2015, art. 545. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 570 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 13/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o depósito judicial, com efeito de pagamento, das quantias da devolução do preço pago, acrescido das despesas, é o procedimento do vendedor para reaver o imóvel vendido, se o comprador se recusar receber as quantias a que faz jus, para o efeito de ser exercido o direito de resgate da coisa.

A disposição do parágrafo único merece revisão, para ajustá-la aos termos da hipótese do depósito carecedor de integralidade suficiente. Ao empregar a expressão “até e enquanto não for integralmente pago para o comprador”, no sentido de obstar a restituição do imóvel ao vendedor resgatador, o texto culmina por não considerar prazo assinado e peremptório para a faculdade da complementação do depósito, quando arguida a insuficiência, e mais ainda, o fato juridicamente relevante de, não completado o depósito, a não-integralidade conduzir à improcedência do pedido originado no direito de retrato. Ora, em casos que tais, haverá um limite temporal para a oblação real, com a conclusão inarredável de implicar o deposito incompleto e não integralizado, no prazo, a falta de êxito da pretensão, devendo aplicar-se supletivamente a regra do caput do art. 899 do CPC/1973, com correspondência no CPC/2015, art. 545.

Assim, se o resgatante não aproveita o benefício processual da complementação do depósito, deixando de fazê-lo e certo que depositou quantia inferior ao quantum, a insuficiência dou a não-complementação retira-lhe o pressuposto necessário ao exercício do resgate, qual seja, o depósito correspondente à devolução do preço recebido com reembolso das despesas do comprador (CC 505). De sorte que caducará o direito de reaver o bem. Nesse sentido, pontifica a jurisprudência: “Direito civil. Preferência. Condomínio. Direitos hereditários. Cessão. Depósito não corrigido. Oferta insuficiente. Exigência do CC 139, desatendida. Recurso desprovido. Inacolhe-se a adjudicação, fundada em direito de preferência, quando a oferta não se faz atualizada pela correção monetária, restando desatendida a norma do CC 1.139, sequer se valendo o condômino da complementação a que alude o art. 899 do CPC/1973 vide correspondência no CPC/2015, art. 545.” (STJ, 4’ I., REsp 5.430-MO, rel. Miii. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 4-11-1991).

Parágrafo único. Verificada a insuficiência do depósito judicial, a não integralização do valor, no prazo de dez dias, acarreta a improcedência do pedido importando ao vendedor a perda do seu direito de resgate. (Aderbal da Cunha Gonçalves. Da propriedade resolúvel, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1979) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 270 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 13/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na revisão de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a cláusula de retrovenda equivale a uma promessa de compra e venda feita pelo adquirente ao antigo proprietário do imóvel. Tal como o promissário comprador, o titular do direito de retrovenda faz jus à adjudicação compulsória do imóvel uma vez que tenha pago ao comprador o preço acertado. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 13.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 507. O direito de retrato, que é cessível e transmissível a herdeiros e legatários, poderá ser exercido contra o terceiro adquirente.

Na visão de Nelson Rosenvald, o dispositivo em comento possui grande abrangência, pois relata a eficácia real da retrovenda, tanto em nível de sucessão inter vivos como em causa mortis, seja pelo ângulo do vendedor, seja pelo do comprador.

Quanto à titularidade para o exercício do direito potestativo, observa-se não se tratar de direito personalíssimo, sendo objeto de cessão a terceiros por negócio jurídico gratuito ou oneroso, além de transmissível aos herdeiros e legatários em razão de sucessão legítima ou testamentária.

Aliás, tratando-se o sucessor de absolutamente incapaz, suspende-se a contagem do prazo decadencial, como expressamente veicula o CC 208 – ao fazer remissão ao CC 198, I.

Mais importante. Pelo fato de a compra e venda ser registrada no ofício imobiliário, qualquer adquirente do imóvel se sujeitará à eventual e futura adjudicação do bem por parte do vendedor ou sucessores, no prazo decadencial legal ou convencional.

O registro provoca o direito de sequela contra quem quer que esteja na posição de proprietário. Certamente o proprietário não poderá alegar a boa-fé subjetiva, pois o registro acarreta a indispensável publicidade do ato. Daí, quando ocorrer a resolução da propriedade, a retrovenda operará efeitos ex tunc, desconstituindo-se todos os direitos reais concedidos no período (CC 1.359).

Apesar da existência de dissidio doutrinário, não consideramos a retrovenda como direito real. Trata-se de mero direito obrigacional, que gera uma obrigação ao proprietário de restituir, caso provocado o direito potestativo de retratação. Os direitos reais no Código Civil de 2002 são aqueles taxativamente elencados no art. 1.225. Em verdade, o pacto adjeto de retrovenda produz um direito obrigacional com eficácia real, assim como o direito de preferência em favor do locatário que averba o contrato de locação no registro imobiliário, tornando a prelação oponível em face de eventuais adquirentes (art. 33 da Lei n. 8.245/91). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 571 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 13/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina apresentada, a ulterior alienação da coisa retrovendida por parte do comprador não inibe o primitivo vendedor, em cujo favor se opera o direito de retrato, de exercitá-lo, dentro do prazo decadencial, promovendo a ação cabível contra o terceiro adquirente. Isso decorre da existência da propriedade resolúvel, cujo conceito nos é oferecido por Aderbal da Cunha Gonçalves, fixada pela “possibilidade de uma predeterminação de revogabilidade, independente da vontade de seu atual titular”, ou ainda, “quando adquirida em virtude de um título sujeito à resolução”. A alienação feita a terceiros adquirentes será resolvida pelo exercício do direito de resgate, ainda que eles não conheçam a cláusula de retrato. Esse direito do vendedor, clausulado no negócio jurídico, torna-se transmissível, podendo ser cedido ou transmitido a herdeiros e legatários. Aderbal da Cunha Gonçalves, Da propriedade resolúvel, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1979 (p.67-8) Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, 16. cd. São Paulo, Saraiva, 2001, v. 3 (p. 176-8).
Sob o prisma de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo assegura aos sucessores a título universal do antigo proprietário o direito que a cláusula de retrovenda assegura a este. Por exclusão, o direito à reaquisição do imóvel não pode ser cedido a terceiros a título singular.

De outro lado, a cláusula de retrovenda possui eficácia erga omnes e, por isso, vincula terceiros que venha a adquirir o imóvel. Frise-se: a cláusula de retrovenda não impede a alienação do imóvel pelo adquirente, mas, por instituir propriedade resolúvel, direito real, tem eficácia perante terceiros. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 13.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Art. 508. Se a duas ou mais pessoas couber o direito de retrato sobre o mesmo imóvel, e só uma o exercer, poderá o comprador intimar as outras para nele acordarem, prevalecendo o pacto em favor de quem haja efetuado o depósito, contanto que seja integral.

Na esteira de Nelson Rosenvald, o Código Civil adotou aqui posição oposta à da legislação revogada. Entendia-se anteriormente que, se a compra e venda com cláusula de retrovenda fosse pactuada por vendedores condôminos e apenas um deles tivesse interesse em readquirir a coisa posteriormente, caducaria o direito de todos (art. 1.143, § 1º, do CC/1916).

A solução era equivocada, pois não se pode conceber um direito potestativo pela “metade”, ou seja, que dependa da atuação de um terceiro para a sua efetivação, uma vez que deixaria de ter essa característica e se tornaria um direito subjetivo como outro qualquer, em que se pede uma conduta de outrem.

Assim, foi feliz técnico o legislador ao preconizar que, por medida de cautela, poderá o comprador convocar os demais condôminos quando apenas um deles exercer o direito de retrato. A retrovenda prevalecerá em favor daquele condômino que efetue o deposito integral, i. é, pague o preço acrescido das despesas do comprador. Contudo, não sendo realizado o pagamento integral por nenhum dos condôminos, caducará o direito comum ao resgate.

O condomínio poderá também surgir quando o vendedor for apenas um proprietário, que venha a falecer ao curso do prazo de recompra ou que tenha cedido o direito de retratação a duas ou mais pessoas, como permite o CC 507. Caso todos os vendedores concordem na divisão do preço, a retrovenda acarretará o nascimento de um condomínio, seja o bem divisível, seja indivisível. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 571-572 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 13/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Há um histórico. “Se duas ou mais pessoas tiverem direito ao retrato sobre o mesmo imóvel, e só uma o exercer, poderá o comprador intimar as outras para nele acordarem, prevalecendo o pacto em favor de quem haja efetuado o depósito, contanto que seja integral”. Esta era a redação original do dispositivo no anteprojeto. Com as alterações empreendidas pelo iminente Senador Josaphat Marinho temos a composição atual. Melhorar a linguagem do texto, tal foi a justificativa apresentado pelo Senado, tratando-se aqui, mais uma vez, de mero aperfeiçoamento redacional, dispensando-se maiores considerações. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 272 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 13/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo Marco Túlio de Carvalho Rocha o dispositivo cuida de cláusula de retrovenda instituída em favor de alienantes condôminos. Neste caso, o direito de retrato pode ser exercido por apenas um ou por alguns dos condôminos, desde que paguem o valor integral avençado. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 13.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 502, 503, 504 - Da compra e Venda - Disposições Gerais – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 502, 503, 504
- Da compra e Venda - Disposições Gerais –
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção I – Disposições Gerais –
vargasdigitador.blogspot.com

Art. 502. O vendedor, salvo convecção em contrário, responde por todos os débitos que gravem a coisa até o momento da tradição.

Para Nelson Rosenvald o dispositivo é um consectário lógico da própria posição dos contratantes diante da compra e venda: antes da tradição ou do registro a propriedade é do vendedor; após, transfere-se ao comprador (CC 1.245 e 1267). Assim, é natural que todos os débitos que onerem os bens moveis e imóveis sejam de exclusiva responsabilidade do seu titular. Nada obstante, a ressalva do caput indica que os contraentes podem dispor da norma, convencionando uma forma diversa de distribuição dos débitos, capaz de melhor atender aos seus interesses particulares.

Existe uma categoria que não se enquadra perfeitamente entre os direitos reais e os direitos obrigacionais. São as obrigações propter rem ou obrigações mistas. Como diz a própria denominação, são obrigações que recaem sobre uma pessoa pelo fato de ser titular de um direito real, sendo transferidas imediatamente a quem quer que lhes suceda nessa posição. Daí também serem conhecidas como obrigações ambulatórias. Adimplir o imposto predial urbano, imposto territorial rural, imposto de propriedade de veículos e o condomínio do prédio é uma obrigação que recai sobre o titular da propriedade. Todavia, em caso de tradição do bem móvel ou registro do bem imóvel, eventuais débitos anteriores recairão sobre o novo proprietário, pois as ditas obrigações incidem sobre a coisa em si e não sobre as pessoas que contraíram os débitos. Certamente haverá o direito de regresso perante o alienante sobre os valores relativos ao período anterior à tradição.

Aliás, a nosso viso, caso o comprador entre na posse efetiva do imóvel e esse fato seja de conhecimento dos demais condôminos, assumirá os débitos condominiais mesmo que não tenha efetivado o registro. Não seria justo manter a responsabilidade do vendedor – que já transferiu todas as faculdades da propriedade ao comprador – simplesmente em razão da recusa do comprador de se desincumbir do ônus do registro. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 566 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 11/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Sob o viso de Fiuza, o dispositivo torna indene o comprador quanto aos débitos que gravem a coisa, antes de recebe-la. Dissipa controvérsias jurisprudenciais, a exemplo da que admite obrigação ao promitente-comprador de imóvel no tocante às despesas condominiais preexistentes à tradição. A responsabilidade somente lhe será atribuída havendo cláusula contratual adversa. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 269, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 11/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No enfoque de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo sobre a responsabilidade dos contratantes pelo pagamento de dívidas relativas ao bem e tomada do momento da tradição como aquele que encerra a responsabilidade do vendedor é que determina o início da responsabilidade do comprador.

O referido dispositivo não tem eficácia perante terceiros, em razão do princípio da relatividade do contrato. Em razão disso, o comprador pode vir a ser cobrado por dívidas propter rem, i. é, aquelas que acompanham a coisa e que obrigam o adquirente, tais como os débitos condominiais e as dívidas tributárias relativas ao bem. Do mesmo modo, o imóvel continua a garantir dívidas que o gravem como garantia real. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 11.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 503. Nas coisas vendidas conjuntamente, o defeito oculto de uma nãoautoriza a rejeição de todas.

A expressão “coisas vendidas conjuntamente”, sob o viso de Nelson Rosenvald, pode ser entendida de duas formas: isoladamente ou em conexão com o restante da norma. Vista isoladamente, traduziria a impossibilidade de aplicação do modelo do vício redibitório para qualquer situação em que uma pessoa compra vários bens conjuntamente quando singularmente poderiam ser adquiridos de forma separada. Assim, se alguém compra trinta garrafas de vinho e uma delas é visivelmente impropria para o consumo, somente aquela será rejeitada e não as demais.

A interpretação não é equivocada, até mesmo pelo fato de o vício não desvalorizar ou inutilizar os demais objetos que foram adquiridos na mesma ocasião. Contudo, parece-nos que o legislador quis se referir aos bens alienados em conjunto como universalidades.

A universalidade do direito é o complexo de relações jurídicas de uma pessoa, dotado de valor econômico (CC. 91), como a cessão de herança (CC 1.793). já a universalidade de fato é um conjunto de bens homogêneos e indivisíveis pela sua própria natureza econômica (CC. 258). Seria o caso da aquisição de um rebanho ou de uma biblioteca.

Em todos esses casos, a causa da compra e venda está ligada ao conjunto de bens e não individualmente a cada um dos objetos que compõem o acervo. A aquisição conjunta da universalidade não se deu acidentalmente, mas é a própria razão determinante do negócio jurídico, que provavelmente não se realizaria caso os objetos fossem fracionados.

Essa interpretação se coaduna com a vedação da parte final do dispositivo à reclamação pelos vícios redibitórios. Com efeito, o vendedor garantirá a existência da universalidade, mas não a qualidade jurídica ou material de cada um dos objetos que integram o conjunto, inexistindo garantia contra a evicção ou vícios redibitórios.

Contudo, se os bens defeituosos se avultam ou se o vício de um deles provoca efetivamente uma depreciação significativa do conjunto, entendemos que poderá o comprador rescindir o negócio jurídico com base na ação redibitória ou postular o abatimento do preço (ação quanti minoris) sob pena de lesão ao princípio da proporcionalidade. de fato, sendo a razão da compra a própria importância do conjunto, caso os vícios se mostrem substanciais, toda a finalidade do negócio será desvirtuada. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 567 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 11/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na posição apresentada por Ricardo Fiuza, o dispositivo complementa os preceitos do CC 441 e seguintes. O vício redibitório nas coisas vendidas em conjunto não autoriza a rejeição de todas, se apenas uma apresenta o defeito oculto, em se tratando de coisa singular e individualmente considerada. Mas se o defeito de uma comprometer o complexo das coisas que formem um todo incindível, pela interdependência entre elas (v.g., uma obra com sua unidade ideológica em vários tornos, um par de sapatos), o vendedor responderá integralmente pelo vício. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 269, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 11/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No dizer de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo cuida das vendas conjuntas, i. é, quando o objeto da venda é composto de uma multiplicidade de bens com individualidade própria. Exemplo: vários animais, produtos agrícolas, ou bens industriais. Assim, o fato de haver uma laranja estragada na venda de uma dúzia não justifica a rejeição das 11 restantes que não apresentem defeito. O comprador tem direito à resolução contratual ou ao abatimento do preço proporcionalmente ao valor do bem defeituoso em relação ao todo.

Solução diversa impõe-se no caso de vendas coletivas, que ocorrem quando as coisas vendidas constituem um todo. Exemplos: parelha de cavalos, junta de bois, par de botinas (Beviláqua, Código Civil, v. 4, p. 315). Desse modo, a falta de uma única peça de um jogo de jantar para muitas pessoas autoriza o pedido de resolução contratual, pois o defeito de uma prejudica todo o conjunto. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 11.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de centro e oitenta dias, sob pena de decadência.

Parágrafo único. Sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver benfeitorias de maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior. Se as partes forem iguais, haverão a parte vendida aos comproprietários, que a quiserem, depositando previamente o preço.

No entendimento de Nelson Rosenvald, qualquer condômino pode alienar a sua parte ideal da propriedade, tendo em vista a sua condição de exclusiva titularidade de uma fração ideal da coisa, que lhe permite agir soberanamente. Mesmo nos bens indivisíveis, essa faculdade de disposição é preservada, eis que a propriedade sobre uma parte abstrata concede ao titular o poder de exercer todas as prerrogativas compatíveis com a indivisão, apenas com a inerente limitação quanto à posse, uso e gozo da coisa (CC 1.314, parágrafo único).

Todavia, ao conceder aos demais condôminos o direito de preferencia para o ato da venda da fração ideal, o legislador pretendeu conciliar os objetivos particulares do vendedor com os da comunidade de coproprietários. Certamente será mais cômodo manter a propriedade entre os titulares originários, evitando desentendimentos com a entrada de um estranho no grupo. Os consortes serão interpelados para o exercício da preferência.

Entretanto, vulnerado o direito de preferência, adiante da imediata alienação do bem ao terceiro adquirente, sobejará aos condôminos prejudicados o exercício do direito potestativo à adjudicação da fração alienada, sendo suficiente o depósito do valor correspondente ao preço da venda, no prazo decadencial de cento e oitenta dias. Nesse prazo a propriedade adquirida pelo terceiro terá natureza resolúvel, pois estará sujeita à atuação dos demais condôminos (CC 1.359).

Caso dois ou mais condôminos ofereçam o preço ajustado, prevalecerá a aquisição em favor daquele que preencher os requisitos sucessivos descritos no parágrafo único do artigo. Caso nenhum dos licitantes possua vantagens sobre os outros, a solução do legislador será a aquisição equitativa por todos os interessados qe realizarem o depósito, provocando a ampliação do condomínio.

O CPC/1973, art. 1.112, V, correspondendo hoje ao art. 725 no CPC/2015, regula a ação do condômino que deseja vender a sua fração ideal facultando o exercício, antes da venda, do direito de preferência. Nesse procedimento especial de jurisdição voluntária, as mesmas regras quanto ao exercício da preferência são respeitadas (CPC/1973, art. 1.118, sem correspondente no CPC/2015).

Considerando a natureza da herança de bem indivisível (CC 1.791, parágrafo único), o Código Civil de 2002 dirimiu antiga controvérsia e se posicionou abertamente pela necessidade de concessão de direito de preferência ao coerdeiro em caso de cessão de direitos hereditários, com fixação de prazo decadencial de cento e oitenta dias para o exercício do direito potestativo à desconstituição do negócio jurídico (CC 1.794 e 1795).

Por fim, insta acentuar que o Código nada especifica sobre a espécie de invalidade do ato resultante da alienação do imóvel a terceiro sem a observância do direito de preferência. A nosso aviso, cuida-se de anulabilidade, pois o negócio jurídico será objeto de ação desconstitutiva, de iniciativa exclusiva dos demais condôminos, com fixação de prazo decadencial sob pena de sanação do vício.

Contudo, há aqueles que defendem a existência de um tertium genus, intermediário entre a nulidade e anulabilidade, que seria a nulidade relativa. Com base na antiga lição de Gondim Filho, defende-se que seria ela uma infração à norma de ordem cogente, em relação à qual só estariam legitimadas para atacar o ato determinadas pessoas indicadas pela norma, em prazo decadencial fixado em lei. A lição se adaptaria à hipótese em apreço, pois temos uma norma cogente de caráter impositivo ao proprietário, que adota a expressão “não pode”. Seria algo distinto da anulabilidade, que não se refere a normas imperativas, mas somente àquelas de natureza dispositiva.

Apesar de estarmos diante de uma norma imperativa – pois o proprietário deverá seguir a exigência do legislador -, penso que não há a menor necessidade de recorrer a uma nova espécie de invalidade para qualificar situações que não se adaptem totalmente aos quadros teóricos da nulidade e da anulabilidade. Ora, utilize-se a nomenclatura nulidade relativa ou anulabilidade e as consequências serão as mesmas e sempre distintas daquelas atribuíveis à nulidade. Por isso, adotando a diretriz da operabilidade, tão cara a Miguel Reale, só haverá necessidade de construção de teorias e contribuições doutrinárias que possuam efetividade e vigor para a solução das demandas reais da sociedade. Qualquer raciocínio que se mantenha no plano das abstrações não poderá ser referendado pelo sistema. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 568 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 12/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No discorrer de Ricardo Fiuza, a regra atenta ao condomínio pro indiviso, assegura ao condômino o direito de preferência à aquisição de parte da coisa indivisível. Condomínio pro indiviso é aquele onde a coisa pertencente a mais de uma pessoa, por indivisão de direito, não é suscetível de divisão cômoda, por indivisão de fato, tendo cada condômino direito ideal e idêntico sobre a coisa, no seu todo e em cada parte. O condômino preterido em seu direito (~ P) exercerá ação de preferência ou de preempção, com depósito de valor do preço, no prazo decadencial, para anular a alienação a terceiro e alcançar a coisa para si. Resolve-se a concorrência condominial de interesses em favor do condômino que tiver benfeitorias de maior valor ou, inexistindo as daquele com maior quinhão. Possuindo os condôminos interessados quinhões iguais, todos haverão a parte vendida, depositando o valor correspondente ao preço. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 269, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 12/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Estudando com Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo cuida do direito de preferência do condômino na venda da fração ideal de condomínio comum ou ordinário. O referido direito de preferência não se aplica ao condomínio especial, extraordinário ou edilício. O direito de preferência do condômino somente existe na venda, não se aplica à doação nem à troca, sendo este um dos principais aspectos que justificam a distinção entre venda e troca.

O vendedor deve notificar os demais condôminos antes da venda a terceiro para que exerçam o direito de preferência. A notificação deve conter todos os dados do negócio, o preço e a forma de pagamento. A lei não demarca prazo para a resposta do condômino notificado. Deve lhe ser assegurado prazo razoável. Para imóveis, é costume o prazo de 30 dias. O prazo de 180 dias para o requerimento de adjudicação da fração pelo condômino preterido ou não notificado conta-se da data do negócio. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 12.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).