quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 533 - Da Troca ou permuta – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 533
- Da Troca ou permuta – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo II – Da Troca ou permuta
- vargasdigitador.blogspot.com

Art. 533. Aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda, com as seguintes modificações:

I – salvo disposição em contrário, cada um dos contratantes pagará por metade as despesas com o instrumento da troca;

II – é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem consentimento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante.

Para o magistério de Nelson Rosenvald, a troca é o primeiro contrato de que se tem notícia. As antigas civilizações permutavam mercadorias que lhes pertenciam em abundância por outras que eram escassas. O escambo deixou de ser a regra quando surgiu a moeda, determinando a gênese do contrato de compra e venda.

Assim, consiste a troca em um contrato bilateral e oneroso, pelo qual as partes transferem, reciprocamente, quaisquer objetos diversos do dinheiro. As coisas permutadas podem ser heterogêneas: moveis por imóveis; uma universalidade por outra; coisa atual por coisa futura; coisa certa por coisa aleatória, na existência ou na quantidade. Enfim, inúmeras possibilidades.

Ambas as partes possuem obrigações reciprocas, com sacrifícios e vantagens comuns. O objetivo da aquisição e transferência de coisas equivalentes é o mesmo do da compra e venda, diferenciando-se no que diz respeito à inexistência de um preço. Em comum, pretende-se adquirir propriedade móvel ou imóvel, através da posterior tradição ou registro do título.

A permuta não se converte em compra e venda pelo fato de uma das partes complementar com dinheiro o bem que concede em troca, a fim de alcançar equivalência no negócio jurídico. Ou seja, se A entrega uma bicicleta e mais R$ 100,00 para B em troca de outra bicicleta de valor superior e avaliada em R$ 500,00, vê-se que o fator predominante foi o valor da coisa trocada, de R$ 400,00. O dinheiro entrou como torna ou reposição. Porém, se a parcela em dinheiro fosse predominante, o contrato seria de compra e venda.

A grande semelhança entre a permuta e a compra e venda justifica a menção do caput do artigo acerca da aplicação das disposições de uma a outra, com algumas modificações. Assim, aplica-se a garantia pelos vícios redibitórios e evicção, com algumas singularidades. No caso de vícios ocultos, a única opção do prejudicado será a ação redibitória (rescisória), sendo impraticável o abatimento de um preço que não existe (quanti minoris). Já na evicção, como em qualquer contrato oneroso (CC 447), o prejudicado terá direito à restituição da coisa e não do preço, que não existe. Porém, além da devolução do objeto, reclamará as despesas de contratação e outras relativas às perdas e danos.

Antes de comentarmos os incisos do art. 533, convém ressaltar a existência de outras distinções com a compra e venda. Assim, a permuta entre cônjuges será admitida sobre todos os bens particulares de cada um, excluindo-se todos aqueles que ingressem na comunhão, pois não há sentido em permutar aquilo que já é de titularidade de ambos. Exemplificando: haverá permuta na comunhão universal quanto aos bens doados ou herdados por um dos cônjuges com cláusula de incomunicabilidade (CC 1.668). a permuta entre bens imóveis cujo valor seja estimado em quantia superior à estipulada no CC 108 será procedida pela solenidade da escritura pública. Já a permuta de fração ideal de bem em coisa indivisível demandará a concessão de direito de preferencia aos demais condôminos, respeitando-se os requisitos do CC 504.

A ressalva do inciso I, quanto à repartição proporcional de despesas com a troca entre os permutantes, é de ordem dispositiva. É possível que as partes ajustem em contrário, determinando que sobre um deles incida toda e qualquer despesa com a permuta. Aqui o legislador diferenciou o tratamento daquele que é dado na compra a venda, pois o CC 490 também disciplina supletivamente a matéria, mas de modo a distribuir as despesas de escritura e registro (comprador) e as de tradição (vendedor).

Já o inciso II remete o leitor ao nosso comentário ao CC 496, acerca da compra e venda de ascendentes a descendentes, como forma de proteção da legítima dos herdeiros necessários. Aqui, o consentimento dos outros descendentes e do cônjuge se prende à desigualdade dos valores dos bens permutados (v.g., troca de um apartamento do pai no valor de R$ 300.000,00 por uma tela pertencente ao filho avaliada em R$ 30.000,00).

Se não houver disparidade de valores, não se cogitará da invalidade do contrato. Entende-se o conceito jurídico indeterminado  “valores desiguais” pela percepção do magistrado do que exceda o razoável, ao proporcional, dentro de uma permuta entre pessoas com um vínculo afetivo próximo. Afinal, dificilmente uma troca entre dois bens gera uma perfeita equivalência valorativa entre os objetos do escambo.

A ausência de consentimento, aliada à desproporção de valores, gera a anulabilidade do negócio jurídico, sujeita ao exercício do direito potestativo em ação privativa dos aludidos interessados no prazo decadencial bienal (CC 179). Superado o prazo fatal, a decadência será reconhecida de ofício pelo magistrado, na dicção do CC 210.

O aludido prazo decadencial terá como termo inicial a data da conclusão do negócio jurídico, a teor do CC 171. Todavia, se houver prejuízo aos demais descendentes, em simetria ao ato de doação, qualquer permuta cujos valores não mantenham reciprocidade será passível de colação (CC 2.002) ao tempo da abertura da sucessão. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 588-589 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 26/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na visão de Ricardo Fiuza, as despesas com o instrumento da troca são rateadas entre as partes, em face da idêntica qualidade de permutantes dos contraentes, caso não haja disposição contratual que estabeleça de modo diverso.

Com a mesma identidade do disposto no CC 496, é anulável a troca de coisas de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem a permissão dos demais descendentes e~ do cônjuge do permutante alienante. O consentimento é somente obrigatório, quando as coisas em permuta não tiverem valor equivalente, ou mais precisamente, quando t dó’ ascendente tiver valor superior, a caracterizar comprometimento patrimonial.

A eventual desigualdade dos bens pode implicar a completação em dinheiro, o que guarda mais similitude com a compra e venda, e como tal será havida, em sua natureza jurídica, se o complemento for maior que a coisa em permuta. Alguns entendem, todavia, a reposição feita para efetivar a equivalência de valores, como mero elemento acessório do contrato de permuta, sem descaracterizá-lo.

O artigo utiliza o vocábulo “alienante”, o que enquadra a permuta entre os atos de alienação do bem, resolvendo antiga controvérsia doutrinária. Logo, mesmo que presente na permuta uma equivalência dos bens, em sendo um deles bem imóvel, necessária será a outorga conjugal (uxória ou marital), nos termos do inciso I do CC 1.647. de mais a mais, a permuta implica a translatividade dominial, e porque aplicáveis à troca “as disposições referentes à compra e venda”, embora com apenas duas modificações, enunciadas nos incisos, não se há por cogitar poder ser dispensado o consentimento do cônjuge à hipótese da troca de bens de valores iguais ou equivalentes envolvendo bens imóveis. É suficiente lembrar aqui, a lição de R. Limongi França: “Na verdade não apenas essas as modificações do estatuto da troca à face da compra e venda. Basta partirmos da ideia, já acentuada, de que, de ambos os lados, se aliena e se adquire, enquanto não compra e venda se distingue com clareza vendedor de comprador”. Tenha-se em cotejo o exemplo de troca de terreno por área construída. (R. Limongi França. Manual de direito civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1969, v. 4, t. II (p, 94) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 284 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 26/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Trilhando os ensinamentos de Marco Túlio de Carvalho Rocha, troca, permuta ou escambo é o contrato pelo qual as partes se obrigam a dar uma coisa por outra, que não seja dinheiro. Difere da compra e venda, porquanto nesta a prestação de uma das partes consiste em dinheiro.

Para definir se um negócio é troca ou compra e venda quando uma parte entrega à outra um bem e recebe outro bem mais determinada quantia em dinheiro, há dois critérios que o intérprete pode escolher, conforme a situação e atento ao interesse das partes: a) pelo critério objetivo deve-se verificar qual dos bens corresponde à maior parte da contraprestação, a coisa ou dinheiro. Assim, se pela alienação de um automóvel, uma parte recebe da outra um automóvel avaliado em R$ 30.000,00 e R$ 20.000,00 em dinheiro, o negócio é uma troca; se, ao contrário, a contraprestação for de um veículo de R$ 20.000,00 mais R$ 30.000,00 em dinheiro, tem-se venda, segundo o critério objetivo. Pelo critério subjetivo, o intérprete pode desconsiderar o peso de cada componente da contraprestação. Assim, mesmo que esta seja composta de R$ 30.000,00 em dinheiro mais um bem no valor de R$ 20.000,00 tiver visado especificamente ao respectivo objeto e a quantia maior, de R$ 30.000,00 for mera complementação do negócio.

A distinção é relevante conforme o artigo em comento, porque, uma vez que o negócio seja caracterizado como troca as despesas da contratação, salvo disposição contrária, são divididas entre as partes, i.é, cada qual deve pagar a metade dos ônus de transferência dos bens alienados. Na troca não prevalece o direito de preferência dado a terceiros.

O inciso II do CC 533, bem examinado, não representa tratamento diferenciado da troca em relação à compra e venda, uma vez que mesmo nesta, o preço justo, i.é, a correspondência de valores entre a prestação e a contraprestação torna o negócio realizado entre ascendente e descendente imune de questionamentos por ausência de  consentimento dos demais descendentes. O cônjuge somente poderá questioná-lo se incidentes as regras relativas à outorga conjugal previstas no CC 1.547. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 26.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 529, 530, 531, 532 - Da Venda Sobre Documentos – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 529, 530, 531, 532
- Da Venda Sobre Documentos
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção II – Das Cláusulas Especiais à Compra e Venda –
Subseção V – Da Venda Sobre Documentos
 - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 529. Na venda sobre documentos, a tradição da coisa é substituída pela entrega do seu título representativo e dos outros documentos exigidos pelo contrato ou, no silencia deste, pelos usos.

Parágrafo único. Achando-se a documentação em ordem, não pode o comprador recusar o pagamento, a pretexto de defeito de qualidade ou do estado da coisa vendida, salvo se o defeito já houver sido comprovado.

No ritmo de Nelson Rosenvald, a venda sobre documentos, também chamada de venda contra documentos, é uma espécie de tradição simbólica (v.g., entrega de chaves a venda do apartamento). Com efeito, substitui-se a entrega do objeto pela tradição de documentos que representem a coisa.

Pelo fato de o vendedor cumprir a obrigação com a entrega da documentação representativa da mercadoria, já poderia exigir do comprador o pagamento. Cuida-se de modalidade de compra e venda que não estava elencada no Código de 1916, pelo simples fato de estar associada a uma fase mais recente de celeridade na circulação de créditos, sobretudo em sede de relações internacionais, as mercadorias são transportadas entre Estados diversos, submetendo-se a leis uniformes, contratos de adesão e formulários com terminologia própria (como as cláusulas CIF e FOB). O desenvolvimento do contrato demanda não só a expedição de documentação como a emissão de guias e vistos de autoridades. Não se olvide da realização de um contrato de câmbio, além do recolhimento de tributos e emolumentos, promovendo-se assim o embarque e transporte das mercadorias.

Como explica o parágrafo único, se o comprador verificar a exatidão dos documentos, presume-se a adequação entre a descrição dos objetos e as suas reais características. O cuidado com a correção da documentação se explica pela considerável redução da abrangência da teoria dos vícios redibitórios, sendo em regra inviável a discussão sobre a qualidade da coisa, exceto no tocante a vícios aparentes, ostensivos. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 586 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na trilha de Ricardo Fiuza, também cláusula especial, a venda sobre documentos, de intenso uso na vida hodierna, tem seu relevo jurídico adotado pelo CC/2002, coerente com a modernidade e, no particular, com a globalização da economia. Essa modalidade contratual é indispensável em consecução eficiente de negócios com o comércio exterior Munir Karam aponta sua importância fundamental: “O vendedor se libera da obrigação de entregar a coisa, remetendo ao comprador o título representativo da mercadoria e dos outros elementos exigidos pelo contrato (duplicata etc.). (...) Quanto à recusa, a pretexto de defeito de qualidade ou do estado da coisa vendida, lembra o eminente magistrado possuir o Código Civil italiano dispositivo ‘pelo qual o prazo para denúncia de vício ou defeito aparente de qualidade decorre do dia do recebimento’ (Art. 1.511)” (Munir Karam. O processo de codificação do direito civil – inovações da parte geral e do livro das obrigações, RT, São Paulo, Revista dos Tribunais, 757/11-28, nov.1998. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 282 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Seguindo na trilha de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o contrato de compra e venda de coisa móvel visa à transferência da propriedade mediante a entrega da posse da coisa vendida. A cláusula especial da venda sobre documentos visa a modificar esse efeito tradicional do contrato. Ela determina que a tradição possa se dar fictamente mediante a entrega de documento que represente a coisa. O dispositivo esclarece que a cláusula pode ser expressa ou tácita, uma vez que decorra dos usos e costumes comerciais. São exemplos de venda sobre documentos a venda da coisa transportada ou depositada mediante a transferência da “nota de conhecimento de transporte” ou da “nota de conhecimento de depósito”, que transportadores e armazéns gerais estão legalmente habilitados a expedir.

Uma vez que o documento representa a coisa vendida, não pode o comprador recusar o pagamento do preço mediante a alegação de descumprimento da obrigação contratual pelo vendedor por defeito ou desconformidade da coisa vendida apenas à vista dos documentos que a representam a menos que o defeito ou desconformidade encontrem-se provados. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 24.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 530. Não havendo estipulação em contrário, o pagamento deve ser efetuado na data e no lugar da entrega dos documentos.

Na sobriedade de Nelson Rosenvald, quando estudamos a teoria do pagamento no direito das obrigações, aprendemos que a regra geral torna as dívidas quesíveis, ou seja, o pagamento se realiza no domicilio do devedor (CC 347). Contudo, a regra é derrogada quando as partes convencionam diversamente (dívidas portáveis), ou quando as circunstâncias do caso e a própria lei indicarem outro local de adimplemento.

Na espécie, a lei concebe uma regra supletiva acerca do local do pagamento, como aquele em que são entregues os documentos. Segue a norma do art. 9º da LICC, que estabelece o locus regis actum. Porém, a regra é suprível desde que as partes estabeleçam local diverso, como o domicilio de qualquer uma das partes.

Mas não é isso. A mesma regra também estabelece como tempo de pagamento aquele que coincida com a entrega dos documentos. Por isso é adequada a denominação de venda contra documentos. Mas também se cuida de norma dispositiva, pois é lícito que as partes convencionem outro momento para o pagamento. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 586 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Perseguindo a doutrina de Ricardo Fiuza, o tempo e o local de pagamento são os previstos em lei, caso não determinados no contrato, reportando-se ao evento da entrega dos documentos para o cumprimento da obrigação primacial do comprador.

A venda sobre documentos tem sua vocação para operar com o comércio exterior. Assim, não poderia ser de outro modo, segundo o art. 99, caput, da Lei de Introdução ao Código Civil. A regra tocus regit actum, de direito material, aponta a aplicação da lei do lugar em que a obrigação se constituiu. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 282 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Confrontando Marco Túlio de Carvalho Rocha, na compra e venda, a menos que haja estipulação em sentido diverso, o preço deve ser pago imediatamente, no momento da entrega da coisa. Uma vez que na venda sobre documentos a entrega destes representa a entrega da coisa, nesse mesmo momento e local deve ocorrer o pagamento do preço. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 24.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 531. Se entre os documentos entregues ao comprador figurar apólice de seguro que cubra os riscos do transporte, correm estes à conta do comprador, salvo se, ao ser concluído o contrato, tivesse o vendedor ciência da perda ou avaria da coisa.

Espancando o comentário de Nelson Rosenvald, em princípio, na compra e venda os riscos pela perda ou destruição da coisa pertencem ao vendedor, antes da tradição (CC 492). Mesmo tendo havido a entrega dos documentos, o vendedor só se escusa de responsabilidade quando a coisa for entregue ao comprador. Nos contratos de venda internacionais, há um necessário intercambio com contratos de transporte e seguro. Assim, se houver apólice de seguro, o risco recairá sobre o comprador, devendo arcar com o pagamento do prêmio, como interessado imediato nas mercadorias e beneficiário do seguro (sub-rogação) em caso de sinistro.

Contudo, os riscos incidirão sobre o vendedor se agiu de má-fé quando já conhecia a perda ou avaria da coisa. É uma aplicação da regra de ouro do tu quoque, pois quem viola uma norma não pode por ela ser beneficiado. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 586-587 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Desliza-se na Doutrina apresentada por Fiuza, quando somente subsistirá a obrigação ao alienante se, ao tempo da conclusão do contrato, este tinha ciência da perda ou avaria da coisa, prevalecendo o princípio da boa-fé em favor do adquirente. Caso incluída no documentário apólice de seguro em cobertura dos riscos do transporte, libera-se o vendedor, correndo os riscos à conta do comprador. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 282 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na interpretação de Marco Túlio de Carvalho Rocha, uma vez entregue o documento representativo da coisa, opera-se a tradição ficta, o comprador adquire a propriedade e, segundo a regra res perit domino¸ ele terá de arcar com os prejuízos resultantes da perda da coisa por caso fortuito ou por força maior a partir desse momento. A primeira parte do dispositivo é, em razão disso, redundante, pois mesmo que não haja contrato de seguro de transporte os riscos correm por conta do comprador a partir da tradição ficta, salvo se o vendedor tivesse ciência da perda ou avaria da coisa, conforme a parte final do dispositivo. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 24.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 532. Estipulado o pagamento por intermédio de estabelecimento bancário, caberá a este efetuá-lo contra a entrega dos documentos, sem obrigação de verificar a coisa vendida, pela qual não responde.

Parágrafo único. Nesse caso, somente após a recusa do estabelecimento bancário a efetuar o pagamento, poderá o vendedor pretende-lo, diretamente do comprador.

Acompanhando a lucidez de Nelson Rosenvald, o pagamento através de estabelecimento bancário é uma constante em matéria de contatos internacionais de compra e venda. A instituição financeira intermedeia o negócio jurídico e realiza o pagamento contra a entrega da documentação. O contrato de crédito documentário é um pacto acessório à compra e venda por documentos. Vale dizer que a tarefa do banco é verificar a regularidade da documentação que lhe foi confiada pelo vendedor para, em seguida, pagar o preço, pois o comprador confiará na exatidão dos papéis.

Aliás, o contrato de crédito documentário é definido como o acordo pela qual o banco (nomeado emissor), a requerimento e de conformidade com as instruções do seu cliente (ordenante), compromete-se a efetuar o pagamento a um terceiro (beneficiário) contra a entrega de documentos representativos das mercadorias objeto da operação concluída entre eles.

Todavia, não incumbe ao banco examinar ou mesmo garantir a qualidade das mercadorias, pois sua responsabilidade perante o comprador se limita à autenticação da correção da documentação, na qualidade de mero intermediário que garantirá o bom termo da negociação.

Ocasionalmente, se o banco se negar a efetuar o pagamento, independentemente da motivação, poderá o vendedor se dirigir diretamente ao comprador. Claro que essa exigência só vingará após a tradição e aprovação da documentação. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 587 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Existe um histórico acompanhando a doutrina de Ricardo Fiuza, onde, originalmente, este era o texto apresentado para o dispositivo tanto no anteprojeto como no projeto proposto pela Câmara: “Estipulado o pagamento por intermédio de banco, caberá a este efetuá-lo contra a entrega dos documentos, sem obrigação de verificar a cosa vendida, pela qual não responde. Parágrafo único. Nesse caso, somente após a recusa do banco a efetuar o pagamento, poderá o vendedor pretende-lo, diretamente do comprador?”. A partir das modificações implementadas pelo eminente Senador Josaphat Marinho, passou a apresentar a atual composição. Com o mister de tornar o texto mais abrangente, a emenda apenas substituiu a palavra banco pela expressão “estabelecimento bancário”. Efetivamente, como bem justificou o Senador Josaphat Marinho, “o vocábulo ‘banco’ tem significado limitado em face das leis. Mais prudente é usar a expressão mais ampla  “estabelecimento bancário, abrangente de situações como a da Caixa Econômica”. Pelas mesmas razões e acordes, também, com o relatório parcial do ilustre Deputado Arruda, foi acolhida a emenda.

Seguindo a doutrina, a operação cogitada pela norma, típica de contrato internacional, tem um fim específico: contra a entrega do documentário da venda das mercadorias, o estabelecimento bancário efetua o pagamento, sem verificar a coisa vendida ou por ela responder. Como a tradição da coisa é substituída pela entrega de seu título representativo, é nele que se funda a obrigação do pagamento. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 283 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na balada de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo confirma a regra do parágrafo único do artigo 529: o pagamento não pode ser recusado por defeito ou desconformidade da coisa vendida. O parágrafo único é, igualmente, redundante, pois qualquer que seja a forma de pagamento estabelecida no contrato deve ser observada. O vendedor não pode ser obrigado a buscar o pagamento por outro meio diferente daquele estipulado, configurando-se o descumprimento contratual a recusa do estabelecimento bancário a pagar o preço se esse meio tiver sido o estabelecido. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 24.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


terça-feira, 24 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 527, 528 - Da Venda com Reserva de Domínio – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 527, 528
- Da Venda com Reserva de Domínio
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção II – Das Cláusulas Especiais à Compra e Venda –
Subseção IV – Da Venda com Reserva de Domínio
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Art. 527. Na segunda hipótese do artigo antecedente, é facultado ao vendedor reter as prestações pagas até o necessário pra cobrir a depreciação da coisa, as despesas feitas e o mais que de direito lhe for devido. O excedente será devolvido ao comprador; e o que faltar lhe será cobrado, tudo a forma da lei processual.

Aprendendo com Nelson Rosenvald, caso o vendedor delibere pela restituição do bem com a extinção da relação contratual, deverá se socorrer do Judiciário, pois a norma não permite a autoexecutoriedade nessa hipótese ao contrário do que preconiza o CC 249, parágrafo único, para as obrigações de fazer.

Admite-se a retenção de valores pagos pelo comprador, desde que suficientes para compensar o vendedor da depreciação do valor do bem restituído, acrescido das despesas enfrentadas para a recuperação do objeto, além de outros valores sugeridos pelo contrato como penalidades para o inadimplemento (v.g., cláusula penal).

Certamente, se houver valorização da coisa no período que se seguiu à tradição, tais acréscimos serão necessariamente compensados dos demais valores a que faz jus o vendedor. Após determinar todo o quantum a que correspondem os referidos valores, o magistrado precisará aquilo que será restituído ao comprador. Mas, se nada houver a restituir e os prejuízos excederem as prestações retidas, o restante do saldo devedor será obtido pela via da cobrança, variando a ação conforme a natureza do título do vendedor.

O art. 1.071 do CPC/1973, sem correspondência no CPC/2015, determina em seus quatro parágrafos o procedimento para a recuperação da coisa vendida. Nas relações de consumo, haverá o cuidado de afastar cláusulas de decaimento, que determinem a perda total das prestações pagas (CDC, 53).

Outrossim, pelo fato de a cláusula de reserva de domínio não ser impeditiva da venda da coisa pelo comprador a um terceiro, em caso de inadimplemento poderá o vendedor se voltar contra este através da ação de recuperação da coisa, diante da publicidade e oponibilidade do registro a terceiros. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 584 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

 Segundo o histórico, o presente dispositivo foi objeto de emenda por parte da Câmara dos Deputados no período inicial de tramitação do projeto. Emenda do Deputado Fernando Cunha, propondo a substituição do verbo “poderá” pela expressão “é facultado”, deu ao dispositivo a redação atual. Não há artigo correspondente no Código Civil de 1916.

Na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o dispositivo invoca a aplicação da parte final do art. 524 – correto o comprador responder pelos riscos da coisa a partir de quando lhe foi entregue. Desse modo, comprovado o desprezo da coisa, com a diminuição progressiva do seu valor, o vendedor pode usar da faculdade de reter as prestações pagas, para efeito de acerto de contas, incluindo as despesas judiciais e extrajudiciais efetuadas e o mais que de direito lhe for devido.

O acertamento é judicial, dele cuidando o § 3º do art. 1.071 do CPC/1973, que não tem correspondência no CPC/2015. Vale observar que deferida a apreensão da coisa sob reserva de domínio essa será submetida à vistoria, com arbitramento do seu valor (art. 1.071, § 1º). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 281 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a venda com reserva de domínio foi criada para favorecer a venda de bens de consumo duráveis e, portanto, nasceu no âmbito das relações de consumo nas quais prevalece o princípio da proteção do consumidor, como parte hipossuficiente da relação jurídica. Desta necessidade de proteção ao consumidor advém a regulamentação legal dos pagamentos e das restituições que devem ser feitas em caso de descumprimento e de resolução do contrato.

O dispositivo veda ao fornecedor apropriar-se dos valores pagos pelo consumidor que ultrapassarem o prejuízo sofrido por aquele, considerada a depreciação da coisa, as despesas feitas, inclusive as de publicidade, multa contratual limitada ao máximo permitido em relações de consumo, ônus sucumbenciais e demais despesas de cobrança, juros e correção monetária.

O fornecedor é obrigado a devolver o saldo e se este for negativo pode cobrar o consumidor a diferença. O comprador que tiver pago mais de 40% do preço, quando citado para a ação em que se requer a resolução contratual, pode requerer a purga da mora no prazo de 30 dias. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 24.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 528. Se o vendedor receber o pagamento à vista, ou, posteriormente, mediante financiamento de instituição do mercado de capitais, a esta caberá exercer os direitos e ações decorrentes do contrato, a benefício de qualquer outro. A operação financeira e a respectiva ciência do comprador constarão do registro do contrato.

Na esteira de Nelson Rosenvald, objetivando a expansão de reserva de domínio, a norma em comento admite a intervenção de uma instituição financeira, que adiantará o pagamento integral ao vendedor. Portanto, formam-se duas relações jurídicas concomitantes: entre vendedor e comprador; entre vendedor e instituição financeira. Esta se subrogará na posição do vendedor, a fim de cobrar as prestações do comprador, na forma do CC 347, I. Vale dizer, as garantias e os privilégios do vendedor serão transferidos à instituição financeira para que possa reaver os valores que adiantou àquele.

Note-se que o vendedor mantém a posição de proprietário sob condição suspensiva, não sendo a titularidade transferida à instituição financeira. Caso isso ocorresse, seria desvirtuada a natureza dessa modalidade de compra e venda, que se converteria em uma propriedade fiduciária, de natureza resolúvel.

Na parte final do dispositivo, alerta-se sobre a necessidade de cientificação por escrito do comprador como requisito de eficácia da sub-rogação contra ele, além da indispensável menção à operação com a instituição financeira no cartório de títulos e documentos, ou no certificado de registro do veículo. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 585 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Atente-se para o histórico do dispositivo em tela que não estava presente da redação do anteprojeto e foi acrescentado por emenda da Câmara dos Deputados no período inicial de tramitação do projeto. O responsável pela inclusão desse artigo foi o Deputado Tancredo Neves, que assim a justificou: “Para facilitar os negócios a prazo de bens duráveis, a chamada legislação financeira perfilhou a alienação fiduciária em garantia, cuja prática trouxe tais distorções, que hoje o bom senso está a indicar a sua substituição pela venda com reserva de domínio, adaptada ao mercado de capitais. Bem andou o projeto do Código Civil ao incluir em seu sistema a venda com reserva de domínio, conforme os bem-elaborados artigos 519 a 525. Resta apenas torna-la propícia ao mercado de capitais, em termos que facilitem os financiamentos regulares, para uma sadia circulação econômica dos bens de consumo duráveis. Ora, mantida a unidade negocial da venda, serão evitadas as distorções da alienação fiduciária em garantia, as suas onerosas complicações e ainda os problemas fiscais que a sua natureza pode acarretar.

Por outro lado, assegurado ao financiador o exercício eficaz do direito e ação para o resgate do financiamento, sem envolve-lo na transmissão de destino dos bens objeto da venda condicionada, as operações de crédito poderão desenvolver-se normalmente, com bom atendimento do vendedor e do comprador e sem prejuízo da instituição financeira. E o que a emenda ora apresentada visa atender, valorizando a venda com reserva de domínio, já consagrada por uma experiencia de quase quarenta anos e que bem retrata a imaginação jurídica nacional”. Não há artigo correspondente no Código de 1916.

Quanto à doutrina exposta por Ricardo Fiuza, a norma introduzida tem o escopo de garantia ao agente financiador, que fica investido na qualidade e direitos do vendedor. Faz-se ancorada no objetivo de melhor regular a evolução jurídico-comercial e em desembaraço da dinâmica dos negócios do mundo moderno. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 281 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.0’12, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Estendendo-se sobre o dispositivo Marco Túlio de Carvalho Rocha, a venda com reserva de domínio somente é possível em contrato nos quais o preço é pago em parcelas. Atentaria contra a lógica permitir ao vendedor reter o domínio da coisa móvel mesmo tendo recebido todo o preço e transmitido a posse do bem ao comprador. Faltaria causa. A compra e venda com reserva de domínio faz-se, ordinariamente, sem a intervenção de instituição financeira: é o próprio vendedor que arca com o ônus de receber o preço da coisa de forma parcelada.

Ao prever o “pagamento à vista”, o dispositivo não se refere à hipótese de o pagamento ser feito diretamente pelo consumidor, mas por instituição financeira. A rigor, o dispositivo apenas explicita que o contrato de compra e venda com reserva de domínio pode ser cedido pelo vendedor a outra instituição que venha a se sub-rogar   nos direitos daquele, mediante o pagamento das obrigações a cargo do consumidor que passa a ser devedor desta. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 24.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 524, 525, 526, continua - Da Venda com Reserva de Domínio – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 524, 525, 526, continua
- Da Venda com Reserva de Domínio
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção II – Das Cláusulas Especiais à Compra e Venda –
Subseção IV – Da Venda com Reserva de Domínio
 - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 524. A transferência de propriedade ao comprador dá-se no momento em que o preço esteja integralmente pago. Todavia, pelos riscos da coisa responde o comprador, a partir de quando lhe foi entregue.

Seguindo os ensinamentos de Nelson Rosenvald, o adimplemento é o marco para a passagem da propriedade do vendedor ao comprador. Com a entrega da última prestação, transfere-se ope legis o domínio, que antes era reservado ao vendedor. Cancela-se o registro no cartório de títulos e documentos ou no órgão de trânsito à vista do instrumento de quitação.

A condição suspensiva do pagamento não impede, todavia, que desde o tempo da contratação ocorra a tradição, eis que o comprador receberá a posse direta da coisa. Com a tradição, também se transferem os riscos da coisa ao comprador, mesmo ainda não sendo o proprietário, i.é, aplica-se o CC 492 mesmo quando da tradição não decorra a aquisição do direito real sobre coisa móvel, excepcionando-se o princípio res perito domino, tradicionalmente aplicável às obrigações de dar coisa certa (CC 237). A regra se justifica pelo fato de o comprador possuir a coisa sob a condição do pagamento, daí a necessidade de preservação da integridade e do valor do objeto, sob pena de a garantia do vendedor ser inócua

Enfim, a assunção dos riscos pela perda ou deterioração da coisa pelo comprador implica o fato de manter a obrigação de pagar a integralidade do preço mesmo que a coisa se perca na fase da execução do contrato.

O dispositivo em comento se refere à transferência dos riscos materiais do objeto, alusivos à sua configuração física. Nada obstante, a eventual discussão sobre a perda jurídica do bem ficará a cargo do vendedor, não podendo o comprador ser onerado pelos riscos da evicção da coisa que não lhe pertence. Caso a titularidade seja reclamada pelo terceiro, caberá ao comprador pleitear a devolução dos valores pagos ao vendedor.

Outrossim, na hipótese de alienação irregular da coisa pelo comprador, a defesa da propriedade pelo vendedor se efetivará mediante oposição de embargos de terceiros, à luz do CPC/1973 art. 1.046, correspondendo ao art. 674 no CPC/2015 – no Capítulo VII – Dos Embargos de Terceiro. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 582- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o adquirente da coisa vendida com reserva de domínio tem a posse precária, diante da condição suspensiva do contrato, vindo somente a ter a propriedade do bem com o preço quitado, ou seja, a transferência condiciona-se ao adimplemento integral das prestações por parte do comprador. Pago o preço, obriga-se o vendedor a transferir o domínio, que se achava reservado em garantia do referido pagamento. No interregno, responde o devedor pelos riscos da coisa, a partir de sua posse, certo que, tendo-a precária à obrigação de protege-la e trata-la como se sua fosse. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 280 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo entendimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, desde o momento em que o vendedor esteja entre a coisa e o comprador, e até o pagamento integral do preço, este é mero possuidor. Salvo disposição expressa, não é depositário. O comprador, em razão da posse direta sobre o bem, suporta os riscos do caso fortuito e da força maior. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 23.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 525. O vendedor somente poderá executar a cláusula de reserva de domínio após constituir o comprador em mora, mediante protesto do título ou interpelação judicial.

No diapasão de Nelson Rosenvald, tradicionalmente, nos contratos celebrados com termo, o devedor se submete à mora ex re, i.é, a mora é automática pelo simples risco do inadimplemento da obrigação na data avençada. Contudo, em determinadas hipóteses estabelecidas pelo legislador, a constituição em mora do devedor será fundamental para a obtenção de finalidades materiais e processuais pelo comprador. É o caso do contrato de alienação fiduciária, pois, segundo o art. 3º do Decreto-lei n. 911/69, a comprovação da mora é pressuposto ao ajuizamento da ação de busca e apreensão do bem.

Para a execução da cláusula de reserva de domínio, a constituição do devedor em mora é imprescindível. Perceba-se que a finalidade da norma não foi converter a mora ex re em ex persona, pois as consequências pecuniárias listadas no CC 395 são imediatas para o comprador em atraso (v.g., juros de mora), mas garantir que as pretensões exercitadas contra este sejam devidamente comprovadas pelo vendedor em seus fundamentos.

Nesse ponto contatamos sensível evolução do ordenamento, comparativamente ao antes sugerido pelo CPC/1973, art. 1.071, sem correspondência no CPC/2015. O legislador de 1973 enfatizou que somente o protesto do título executivo seria capaz de comprovar a mora. Agora, o legislador de 2002 inova substancialmente ao permitir, ao lado do protesto, a opção pela interpelação judicial, mesmo já sendo possuidor de título executivo.

Todavia, pela insegurança e precariedade do meio empregado, a interpelação extrajudicial (carta remetida pelo cartório de títulos e documentos) aqui não é permitida, em sentido contrário ao preconizado pelo parágrafo único do CC 397. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 583 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Acompanhando doutrina exposta por Ricardo Fiuza, as notificações extrajudiciais de nem sempre proporcionam certeza de uma efetiva realização. Na prática, não vêm dando resultado algum, senão confusão, discussões, para, afinal, serem desprezadas nos julgados. Com os meios de comunicação ainda precários, as notificações epistolares não trazem plena certeza de seus objetivos. Por outro lado, se a lei permite a interpelação judicial aos casos de contrato em que não se vinculem títulos cambiais, e protesto quando hajam tais títulos, logo prevê ambos os casos, sem necessidade de interpelação extrajudicial, hoje obsoleta. Trata-se de mora e esta caracteriza-se, sempre, pelo protesto, interpelação e citação.

Nesse sentido, a jurisprudência sedimenta: “I – A mora do comprador de bem com reserva de domínio prova-se com o protesto do título lavrado pelo oficial do cartório competente, inexistindo exigência de que do protesto haja sido intimado pessoalmente o devedor” STJ, 3’ T., REsp 147.584-RS, rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ de 3-5-1999) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 280 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Acompanhando o mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha, em geral, a simples transposição do termo é suficiente para constituir o devedor em mora, com todas as consequências dela provenientes. No caso da venda com reserva de domínio, excepcionalmente, o legislador exige a interpelação prévia do comprador, antes de o vendedor executar a cláusula de reserva de domínio, i.é, antes de o vendedor ajuizar ação de busca e apreensão do bem vendido. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 23.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 526. Verificada a mora do comprador, poderá o vendedor mover contra ele a competente ação de cobrança das prestações vencidas e vincendas e o mais que lhe for devido; ou poderá recuperar a posse da coisa vendida.

Acompanhando o ensinamento de Nelson Rosenvald, o ordenamento concedeu duas vias alternativas ao exercício da pretensão de direito material do vendedor cujo direito subjetivo à prestação é resistido pelo comprador.

Constituído o comprador em mora, poderá o vendedor exercer a ação de cobrança sobre as prestações vencidas e vincendas. O art. 1.070 do CPC/1973, sem correspondência no CPC/2015, já fazia referência a ela, sendo possível o ajuizamento da ação executiva (por quantia certa art. 646 do CPC/1973, este sim com correspondência no CPC/2015, art. 824 com a seguinte redação: “A execução por quantia certa realiza-se pela expropriação de bens do executado, ressalvadas as execuções especiais.”, se o crédito for representado por título executivo judicial.

O inadimplemento provocará o vencimento antecipado do débito, sendo lícito exigir do comprador o saldo devedor em aberto, além das despesas e prestações vincendas, para fins de cancelamento da reserva de domínio e consolidação da propriedade com o comprador que purgue a mora e integralize o valor do bem. Ou seja, a mora sanciona o comprador com a perda do benefício do prazo (CC 133).

Contudo, como titular de um direito potestativo, poderá o vendedor optar pela desconstituição do negócio jurídico por meio da recuperação da coisa vendida. Será impraticável a cumulação sucessiva de pedidos, diante da evidente incompatibilidade. Porém, é lícita a cumulação subsidiária na qual o pedido principal seja, o de cobrança das prestações e, na impossibilidade, o de recuperação da coisa. Ou seja, primeiro o vendedor demanda pela tutela específica da obrigação de dar quantia certa e, frustrado o intento, promove a resolução contratual pelo inadimplemento com a devolução da coisa. Certamente, a inversão da ordem de pedidos é incompatível com o intuito da postulação primária de recuperação da coisa, pois já anuncia o credor a inutilidade da prestação em decorrência da mora, pelo inadimplemento absoluto (Parágrafo único do CC 395). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 583 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo a Doutrina de Fiuza, o vendedor tem a faculdade de optar, uma vez verificada a mora do comprador, entre reclamar seu crédito (art. 1.070 do CPC/1973, sem correspondência no CPC/2015) ou recuperar a posse da coisa vendida, mediante apreensão liminar (CPC/1973, art. 1.071, sem correspondência no CPC/2015). O CPC de 1973 não repetiu a norma inserida no estatuto processual de 1939 (art. 343, caput, permissiva do vencimento antecipado da dívida, exigindo-se, a tanto, dispor o contrato a respeito. O CC agora autoriza, expressamente, a cobrança das prestações vincendas, pelo que se deve entender desnecessária cláusula contratual conferindo a possibilidade de ser cobrada a totalidade da dívida. É faculdade do credor arregimentar as prestações vencidas e impagas e as demais, vincendas, para a ação que lhe cabe.

Na alienação com reserva de domínio, é incabível a ação de depósito prevista no CPC/1973, art. 901, (“É invalida cláusula contratual que, em caso de mora, transforma a compra e venda em depósito” (JTARS, 83/298). sem correspondência no CPC/2015. Esta ação tem por fim exigir a restituição da coisa depositada. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 01.10.1973). Por igual: “Nas vendas a crédito com reserva de domínio, o credor não tem ação de depósito contra o devedor” (JTACSP-RJ, 121/100). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 280 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Marco Túlio de Carvalho Rocha, em caso de não pagamento das parcelas do preço o vendedor pode, alternativamente: a) comprar as prestações vencidas e vincendas (via ação de execução, se as prestações estiverem representadas por título executivo); b) pedir a restituição da coisa vendida, com a apreensão e depósito da mesma ((CPC/1973, art. 1.071, sem correspondência no CPC/2015). Neste caso, uma vez reintegrado na posse da coisa, pode reter dos valores pagos o suficiente para cobrir a depreciação da coisa, as despesas, e o mais que lhe for devido (juros, multa, correção monetária, despesas judiciais, honorários advocatícios etc.). A resolução implica o vencimento antecipado da dívida (CC 527). O comprador que tiver pago mais de 40% do preço, quando citado, poderá requerer a purga da mora no prazo de 30 dias (CPC/1973, art. 1.071, § 2º, sem correspondência no CPC/2015). (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 23.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).