Direito Civil Comentado
- Art. 533
- Da Troca
ou permuta – VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI
– Das Várias Espécies de Contrato
(art. 481 a 853) Capítulo II – Da Troca ou
permuta
- vargasdigitador.blogspot.com
Art. 533. Aplicam-se à troca as disposições
referentes à compra e venda, com as seguintes modificações:
I – salvo disposição em
contrário, cada um dos contratantes pagará por metade as despesas com o
instrumento da troca;
II – é anulável a troca de
valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem consentimento dos
outros descendentes e do cônjuge do alienante.
Para o magistério de Nelson
Rosenvald, a troca é o primeiro contrato de que se tem notícia. As antigas
civilizações permutavam mercadorias que lhes pertenciam em abundância por
outras que eram escassas. O escambo deixou de ser a regra quando surgiu a
moeda, determinando a gênese do contrato de compra e venda.
Assim, consiste a troca em
um contrato bilateral e oneroso, pelo qual as partes transferem,
reciprocamente, quaisquer objetos diversos do dinheiro. As coisas permutadas
podem ser heterogêneas: moveis por imóveis; uma universalidade por outra; coisa
atual por coisa futura; coisa certa por coisa aleatória, na existência ou na
quantidade. Enfim, inúmeras possibilidades.
Ambas as partes possuem
obrigações reciprocas, com sacrifícios e vantagens comuns. O objetivo da
aquisição e transferência de coisas equivalentes é o mesmo do da compra e
venda, diferenciando-se no que diz respeito à inexistência de um preço. Em
comum, pretende-se adquirir propriedade móvel ou imóvel, através da posterior
tradição ou registro do título.
A permuta não se converte em
compra e venda pelo fato de uma das partes complementar com dinheiro o bem que
concede em troca, a fim de alcançar equivalência no negócio jurídico. Ou seja,
se A entrega uma bicicleta e mais R$ 100,00 para B em troca de outra bicicleta
de valor superior e avaliada em R$ 500,00, vê-se que o fator predominante foi o
valor da coisa trocada, de R$ 400,00. O dinheiro entrou como torna ou
reposição. Porém, se a parcela em dinheiro fosse predominante, o contrato seria
de compra e venda.
A grande semelhança entre a
permuta e a compra e venda justifica a menção do caput do artigo acerca
da aplicação das disposições de uma a outra, com algumas modificações. Assim,
aplica-se a garantia pelos vícios redibitórios e evicção, com algumas
singularidades. No caso de vícios ocultos, a única opção do prejudicado será a
ação redibitória (rescisória), sendo impraticável o abatimento de um preço que não
existe (quanti minoris). Já na evicção, como em qualquer contrato
oneroso (CC 447), o prejudicado terá direito à restituição da coisa e não do
preço, que não existe. Porém, além da devolução do objeto, reclamará as
despesas de contratação e outras relativas às perdas e danos.
Antes de comentarmos os
incisos do art. 533, convém ressaltar a existência de outras distinções com a
compra e venda. Assim, a permuta entre cônjuges será admitida sobre todos os
bens particulares de cada um, excluindo-se todos aqueles que ingressem na
comunhão, pois não há sentido em permutar aquilo que já é de titularidade de
ambos. Exemplificando: haverá permuta na comunhão universal quanto aos bens
doados ou herdados por um dos cônjuges com cláusula de incomunicabilidade (CC 1.668).
a permuta entre bens imóveis cujo valor seja estimado em quantia superior à
estipulada no CC 108 será procedida pela solenidade da escritura pública. Já a
permuta de fração ideal de bem em coisa indivisível demandará a concessão de
direito de preferencia aos demais condôminos, respeitando-se os requisitos do
CC 504.
A ressalva do inciso I,
quanto à repartição proporcional de despesas com a troca entre os permutantes,
é de ordem dispositiva. É possível que as partes ajustem em contrário, determinando
que sobre um deles incida toda e qualquer despesa com a permuta. Aqui o
legislador diferenciou o tratamento daquele que é dado na compra a venda, pois
o CC 490 também disciplina supletivamente a matéria, mas de modo a distribuir
as despesas de escritura e registro (comprador) e as de tradição (vendedor).
Já o inciso II remete o
leitor ao nosso comentário ao CC 496, acerca da compra e venda de ascendentes a
descendentes, como forma de proteção da legítima dos herdeiros necessários.
Aqui, o consentimento dos outros descendentes e do cônjuge se prende à
desigualdade dos valores dos bens permutados (v.g., troca de um
apartamento do pai no valor de R$ 300.000,00 por uma tela pertencente ao filho
avaliada em R$ 30.000,00).
Se não houver disparidade de
valores, não se cogitará da invalidade do contrato. Entende-se o conceito
jurídico indeterminado “valores
desiguais” pela percepção do magistrado do que exceda o razoável, ao
proporcional, dentro de uma permuta entre pessoas com um vínculo afetivo
próximo. Afinal, dificilmente uma troca entre dois bens gera uma perfeita
equivalência valorativa entre os objetos do escambo.
A ausência de consentimento,
aliada à desproporção de valores, gera a anulabilidade do negócio jurídico, sujeita
ao exercício do direito potestativo em ação privativa dos aludidos interessados
no prazo decadencial bienal (CC 179). Superado o prazo fatal, a decadência será
reconhecida de ofício pelo magistrado, na dicção do CC 210.
O aludido prazo decadencial terá
como termo inicial a data da conclusão do negócio jurídico, a teor do CC 171.
Todavia, se houver prejuízo aos demais descendentes, em simetria ao ato de
doação, qualquer permuta cujos valores não mantenham reciprocidade será
passível de colação (CC 2.002) ao tempo da abertura da sucessão. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 588-589 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 26/09/2019. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Na visão de Ricardo Fiuza,
as despesas com o instrumento da troca são rateadas entre as partes, em face da
idêntica qualidade de permutantes dos contraentes, caso não haja disposição
contratual que estabeleça de modo diverso.
Com a mesma identidade do
disposto no CC 496, é anulável a troca de coisas de valores desiguais entre
ascendentes e descendentes, sem a permissão dos demais descendentes e~ do
cônjuge do permutante alienante. O consentimento é somente obrigatório, quando
as coisas em permuta não tiverem valor equivalente, ou mais precisamente,
quando t dó’ ascendente tiver valor superior, a caracterizar comprometimento
patrimonial.
A eventual desigualdade dos
bens pode implicar a completação em dinheiro, o que guarda mais similitude com
a compra e venda, e como tal será havida, em sua natureza jurídica, se o
complemento for maior que a coisa em permuta. Alguns entendem, todavia, a
reposição feita para efetivar a equivalência de valores, como mero elemento
acessório do contrato de permuta, sem descaracterizá-lo.
O
artigo utiliza o vocábulo “alienante”, o que enquadra a permuta entre os atos
de alienação do bem, resolvendo antiga controvérsia doutrinária. Logo, mesmo
que presente na permuta uma equivalência dos bens, em sendo um deles bem
imóvel, necessária será a outorga conjugal (uxória ou marital), nos termos do
inciso I do CC 1.647. de mais a mais, a permuta implica a translatividade
dominial, e porque aplicáveis à troca “as disposições referentes à compra e
venda”, embora com apenas duas modificações, enunciadas nos incisos, não se há
por cogitar poder ser dispensado o consentimento do cônjuge à hipótese da troca
de bens de valores iguais ou equivalentes envolvendo bens imóveis. É suficiente
lembrar aqui, a lição de R. Limongi França: “Na verdade não apenas essas as
modificações do estatuto da troca à face da compra e venda. Basta partirmos da
ideia, já acentuada, de que, de ambos os lados, se aliena e se adquire,
enquanto não compra e venda se distingue com clareza vendedor de comprador”.
Tenha-se em cotejo o exemplo de troca de terreno por área construída. (R.
Limongi França. Manual de direito civil, São Paulo, Revista dos
Tribunais, 1969, v. 4, t. II (p, 94) (Direito Civil -
doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 284 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 26/09/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Trilhando os ensinamentos de Marco Túlio de Carvalho
Rocha, troca, permuta ou escambo é o contrato pelo qual as partes se obrigam a
dar uma coisa por outra, que não seja dinheiro. Difere da compra e venda,
porquanto nesta a prestação de uma das partes consiste em dinheiro.
Para definir se um negócio é troca ou compra e venda
quando uma parte entrega à outra um bem e recebe outro bem mais determinada
quantia em dinheiro, há dois critérios que o intérprete pode escolher, conforme
a situação e atento ao interesse das partes: a) pelo critério objetivo deve-se
verificar qual dos bens corresponde à maior parte da contraprestação, a coisa
ou dinheiro. Assim, se pela alienação de um automóvel, uma parte recebe da
outra um automóvel avaliado em R$ 30.000,00 e R$ 20.000,00 em dinheiro, o
negócio é uma troca; se, ao contrário, a contraprestação for de um veículo de
R$ 20.000,00 mais R$ 30.000,00 em dinheiro, tem-se venda, segundo o critério
objetivo. Pelo critério subjetivo, o intérprete pode desconsiderar o peso de cada
componente da contraprestação. Assim, mesmo que esta seja composta de R$
30.000,00 em dinheiro mais um bem no valor de R$ 20.000,00 tiver visado
especificamente ao respectivo objeto e a quantia maior, de R$ 30.000,00 for
mera complementação do negócio.
A distinção é relevante conforme o artigo em comento,
porque, uma vez que o negócio seja caracterizado como troca as despesas da
contratação, salvo disposição contrária, são divididas entre as partes, i.é,
cada qual deve pagar a metade dos ônus de transferência dos bens alienados. Na
troca não prevalece o direito de preferência dado a terceiros.
O
inciso II do CC 533, bem examinado, não representa tratamento diferenciado da
troca em relação à compra e venda, uma vez que mesmo nesta, o preço justo, i.é,
a correspondência de valores entre a prestação e a contraprestação torna o
negócio realizado entre ascendente e descendente imune de questionamentos por
ausência de consentimento dos demais
descendentes. O cônjuge somente poderá questioná-lo se incidentes as regras
relativas à outorga conjugal previstas no CC 1.547. (Marco Túlio de
Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 26.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).