quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 630, 631, 632 - Continua - Do Depósito Voluntário- VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 630, 631, 632 - Continua
- Do Depósito Voluntário- VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo IX – Do Depósito -
(art. 627 a 652) Seção I – Do Depósito voluntário –
vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 630. Se o depósito se entregou fechado, colado, selado ou lacrado, nesse mesmo estado se manterá.

Na lógica apontada por Nelson Rosenvald, se a obrigação principal do depositário se traduz na restituição da coisa em perfeito estado de conservação, preservando-se exatamente as condições que ela possuía ao tempo da tradição, é elementar que, quando da entrega de objeto fechado, colado, lacrado ou selado, retorne ele intacto ao poder do depositante.

Portanto, salvo autorização expressa do depositante, caberá ao depositário completo respeito ao dever de sigilo, responsabilizando-se civilmente pela inexecução do dever de abstenção pelo simples fato de abrir a caixa ou lacre em que estava depositado o objeto, independentemente de qualquer avaria ou dano que concretamente a coisa tenha sofrido.

O sigilo, ou segredo, situa-se em uma esfera menor que a da própria intimidade e compreende a prerrogativa de manter indevassadas as comunicações da pessoa. São diversos os aspectos da vida pessoa, familiar ou profissional da pessoa em que não se deseja intrusão por parte de terceiros (privacy ou right to be alone). Assim, o desrespeito ao direito fundamental à inviolabilidade da intimidade e da vida privada (CF, 5º, X), também direito da personalidade do depositante (CC 21), só será facultado caso o dano seja justificado pela tutela do próprio depositário ou da ordem pública (v.g., dúvida séria sobre a segurança ou salubridade do bem depositado). Enfim, cuida-se de hipóteses de ponderação de direitos fundamentais, resolvidos à luz do princípio da proporcionalidade. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 660 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como aponta Ricardo Fiuza em sua doutrina, das obrigações de guarda, conservação e posterior restituição da coisa depositada intacta resulta o comando do CC 630.

Assim, salvo autorização expressa do depositante, se o depósito se entregou fechado, colado, selado ou lacrado, deve o depositário “respeitar o segredo da coisa sob sua guarda” (Maria Helena Diniz, curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, 16. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, v. 3, p. 296) e “ter não só a delicadeza moral, como a obrigação jurídica, de conservá-lo nesse estado” (Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil: direito das obrigações, 4. ed., São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2., p. 234), sob pena de presunção de culpa do depositário e consequente responsabilidade deste por eventuais perdas e danos.

Cabe lembrar, ademais, que devidamente autorizado pelo depositante, poderá o depositário abrir o depósito que lhe foi entregue fechado. Entretanto, ainda assim, estará ele obrigado a guardar segredo da coisa, exceto em caso de ato ilícito. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 338 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Concluindo com Marco Túlio de Carvalho Rocha, o depositário obriga-se a devolver ao depositante a coisa no estado em que a recebeu. Se a coisa estiver lacrada, deve devolvê-la lacrada, salvo a ocorrência de caso fortuito ou força maior, como a determinação do Poder Público para que a embalagem seja aberta. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 27.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 631. Salvo disposição em contrário, a restituição da coisa deve dar-se no lugar em que tiver de ser guardada. As despesas de restituição correm por conta do depositante.

Segundo leciona Nelson Rosenvald, a norma trata de dois temas ligados à restituição do bem: o local da devolução e a titularidade das despesas decorrentes da entrega da coisa. A matéria não era versada no CC de 1916, daí a oportunidade de o legislador se manifestar.

Em regra, o local do pagamento será o domicílio do devedor, ou seja, as obrigações são quesíveis (CC 327). Excepciona-se a regra geral quando as partes convencionarem diversamente, ajustando obrigações portáveis, ou quando a própria lei ou as circunstâncias firmarem a necessidade do pagamento em local diverso ao domicílio do devedor.

Em razão da própria natureza da obrigação do depositário de guardar a coisa com toda a diligência e cuidado – e, de modo geral, graciosamente -, seria exagerado também impor a ele a obrigação de transportar o bem a qualquer outro local, até mesmo a seu próprio domicílio, pois não é necessário que o local do depósito coincida com o local em que o depositário estabeleça a sua vida ou os seus negócios.

Portanto, mesmo tratando-se da restituição e bens móveis, o legislador cuidou de disciplinar a matéria de forma semelhante ao que é preconizado para as obrigações de pagamento envolvendo bens imóveis (CC 328), prevalecendo o local em que a coisa está situada.

No que tange às despesas provenientes da restituição da coisa, serão elas debitadas ao depositante. Aqui também se preserva o princípio do equilíbrio ou justiça contratual, haja vista que o negócio jurídico foi realizado objetivando precipuamente a satisfação do credor, não sendo razoável ampliar os sacrifícios do depositário a ponto de ele ter de responder pelo transporte e perfeito acondicionamento da coisa móvel.

Caso o credor se recuse a receber a coisa no lugar em que está depositada, ou então se negue a pagar os custos de restituição, a fim de se exonerar de eventual responsabilidade pela mora, incumbirá ao depositário a promoção da consignação em pagamento, nas formas dos incisos I e II do CC 335. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 660-661 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Uma das obrigações do depositário, conforme aponta Fiuza, é a de restituir a coisa depositada assim que reclamada pelo depositante. O codificador de 1916 silenciou quanto ao local onde a coisa deveria ser restituída. A doutrina, entretanto, já consagrou que a coisa deverá ser devolvida no local combinado ou, na falta de estipulação, entretanto, já consagrou que a coisa deverá ser devolvida no local combinado ou, na falta de estipulação, no lugar do depósito. O CC/2002 corrige a omissão com o presente artigo, pelo qual se determina que a restituição da coisa, salvo disposição em contrário, deverá se dar no local em que tiver de ser guardada.

Por fim, acrescenta o novel dispositivo que as despesas provenientes da restituição da coisa deverão correr por conta do depositante. Isto porque o contrato de depósito é negócio feito no interesse exclusivo do depositante, sendo, portanto, inadmissível exigir-se que o depositário arque com as despesas provenientes da restituição do objeto. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 338 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em regra, conclui Marco Túlio de Carvalho Rocha, o depósito é feito e devolvido no mesmo lugar. Se houver determinação para que seja a coisa transportada a outro lugar para a entrega, as despesas de transporte correm por conta do depositante, salvo estipulação em sentido contrário. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 27.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 632. Se a coisa houver sido depositada no interesse de terceiro, e o depositário tiver sido cientificado deste fato pelo depositante, não poderá ele exonerar-se restituindo a coisa a este, sem consentimento daquele.

Na cartilha de Nelson Rosenvald, a exemplo do que ocorre com a estipulação em favor de terceiros (CC 436 e 438), é facultado ao depositante efetuar a entrega da coisa ao depositário no interesse de terceiros e não em proveito próprio. Temos aqui uma espécie de derrogação do princípio da relatividade contratual, pois o depositário assumirá obrigações perante uma pessoa que não integrou a relação negocial. A hipótese será vista com nitidez nos casos em que o depositante se apresenta como um administrador de bens alheios, cientificando o depositário da sua condição.

A norma é clara ao impor ao depositário a obrigação de obter o consentimento do terceiro, mesmo quando pretenda restituir o bem ao depositante. A falta de autorização impõe a obrigação do depositário de indenizar o terceiro. a não ser que o depositante se reserve o direito potestativo de substituí-lo, independentemente de sua anuência ou do depositário (CC 438). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 661 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Atenção à observação aplicada na doutrina de Ricardo Fiuza ‘na obrigatoriedade de o depositário restituir a coisa depositada sofre as restrições elencadas pelo CC 633, (sombreado pelo art. 1.216 do CC de 1916), quando excetuam-se o embargo judicial do bem, a constrição judicial sobre a coisa e a suspeita motivada de o bem depositado ter sido obtido por meio criminoso, e, ainda a do CC 644 (motivado no art. 1.279 do CC de 1916), correspondente ao direito de retenção do depósito’. Ressalvadas essas hipóteses para a recusa do depositário em restituir a coisa sob depósito, e assente a obrigação de restituir como regra, caso haja, porém, da restituição condicionada. Tal ocorre quando o depósito é feito no interesse de terceiro. tenha-se o exemplo clássico de o depositante ser procurador ou administrador dos bens e interesse de terceiros, procedendo, nessa qualidade, o depósito do bem. E certo, ademais, que assumindo o depositário as obrigações concernentes à natureza do contrato, e baste ciente do interesse de terceiro (podendo ser este proprietário ou não do bem), não poderá exonerar-se da obrigação de restituir sem que, previamente, aquele a cujo favor operou-se o depósito preste a sua devida e necessária anuência.

A única hipótese de exonerar-se o depositário da obrigação sem o consentimento do terceiro interessado encontra-se prevista no CC 635, fazendo-se mister, porém, haja “boa razão para romper o contrato, tal como a ocorrência de fato que obrigue o depositário a viajar ou que, de qualquer maneira, torne impossível ou penosa a guarda da coisa” (Silvio rodrigues, Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 27. ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3, p. 261) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 339 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Ratificando com Marco Túlio de Carvalho Rocha, há situações em que o principal interessado no depósito da coisa é terceiro e não o próprio depositante. Isto ocorre, por exemplo, quando o depósito da coisa é exigido por terceiro como garantia de uma obrigação. A coisa depositada é, por exemplo, caucionada se o depositário tiver conhecimento de que o depósito é feito no interesse de terceiro, não pode devolver a coisa ao próprio depositante sem a autorização do terceiro interessado, sob pena de responder por eventual prejuízo que este vier a sofrer em razão do ato. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 27.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 627, 628, 629 - Continua - Do Depósito Voluntário- VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 627, 628, 629 - Continua
- Do Depósito Voluntário- VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo IX – Do Depósito -
(art. 627 a 652) Seção I – Do Depósito voluntário –
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Art. 627. Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel para guardar, até que o depositante o reclame.

Como esclarece Nelson Rosenvald, o depósito é o negócio jurídico bilateral pelo qual uma pessoa (depositante) entrega à outra (depositário) coisa móvel infungível, a fim de que esta possa guarda-la e restituí-la quando solicitado. Destarte, temos uma obrigação de custódia da coisa, de natureza temporária.

O dispositivo em exame retrata o contrato de depósito convencional, ou voluntário. O verbo guardar é a marca dessa relação jurídica. O depositário recebe o bem móvel para satisfazer o interesse precípuo do depositante, na conservação da coisa até o momento da restituição. De modo diverso, nos contratos de locação e comodato, a guarda apenas é pressuposto para que os seus titulares possam usar e fruir o bem contratado, faculdades essas que são vedadas ao depositário, exceto sob autorização do depositante, na forma do CC 640.

Contudo, apesar de certa variação doutrinária, consideramos o depositário como possuidor direto do bem móvel – e não mero detentor -, na medida em que o desdobramento da posse requer uma relação jurídica de direito real ou obrigacional, como no depósito. O depositário não mantém a coisa consigo a título de permissão ou detenção (CC 1.208), tampouco é subordinado do depositante (CC 1.198). O fato de não usar ou fruir a coisa, porém apenas conservá-la, não afasta a prática de atos possessórios, pois, sendo o possuidor aquele que exercita de fato algum dos poderes do proprietário (CC 1.196), a sua condição de possuidor será captada pela possibilidade de manejar ações possessórias na defesa da coisa em face de esbulhos, turbações ou ameaças.

Aliás, o depósito voluntário é relação intuitu personae, pois o dever de guarda é atribuído a alguém, em regra, em razão de uma especial confiança quanto aos atos conservatórios da coisa. Portanto, o possuidor direto poderá determinar que a guarda imediata fique a cargo de detentores (v.g., funcionários), mas não poderá transferir a posse a terceiros, exceto com a autorização do depositante.

O contrato de depósito convencional recai somente em bens móveis corpóreos e infungíveis, que não podem ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade (CC 85). Tratando-se de coisas fungíveis, estaremos diante do depósito irregular, que será disciplinado na forma do mútuo (CC 645). Não se entende a razão pela qual o legislador vedou o depósito de bens imóveis, até mesmo pela prática habitual do juiz de nomear depositário para os bens de raiz que servem de objeto a qualquer execução (CPC/1973, art. 659, § 5º, correspondendo no CPC/2015, ao art. 845), a quem incumbirá a conservação de bens penhorados, arrestados, sequestrados ou arrecadados.

O depósito voluntário é contrato real, eis que só se aperfeiçoa com a entrega da coisa. Cuida-se a tradição de pressuposto de existência, assim como o observado para os contratos de comodato e mútuo. Como consequência, será contrato em regra unilateral, já que a única obrigação será do depositário, qual seja, conservar e restituir. Acidentalmente, converter-se-á em contrato bilateral, ocorrendo as hipóteses do CC 643. Em princípio é contrato gratuito, mas poderá resultar oneroso (CC 628) com a atribuição de contraprestação ao depositante, como se percebe das necessidades do tráfego jurídico (v.g., depósito de pertences em casa noturna). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 657-658 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 26/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como explica Ricardo Fiuza em sua doutrina, o depósito pode ser conceituado como o contrato pelo qual uma determinada pessoa, denominada depositário, recebido de uma outra, depositante, um certo objeto móvel para guardar gratuita e temporariamente e, quando reclamado, restituí-lo ao depositante, como deflui da lição de Ad Peneira de Queiroz (Direito civil: direito das obrigações, Goiânia, Editora Jurídica IEPC, 1999, p. 160).

Convém lembrar, ainda, a clássica definição: “É negócio feito no interesse do depositante e, com efeito, surge no campo do direito como um favor prestado a um amigo (um office d’ami), para quem, com zelo, se guarda um objeto por ele entregue” (Silvio Rodrigues, Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 27. ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3, p. 256).

As suas principais características estão presentes na reportada definição; assim, o depósito é contrato unilateral, gratuito, real, intuitu personae, não solene e temporário. Silvio Rodrigues, Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 27. ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3; Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, 16.e d., São Paulo, Saraiva, 2001; Arnoldo Wald, Curso de direito civil brasileiro; obrigações e contratos, 14. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000; Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, 10. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1996, v. 3; José Lopes de Oliveira, Contratos, Recife, Livrotécnica, 1978; Ari Peneira de Queiroz, Direito civil; direito das obrigações, Goiânia, Editora Jurídica IEPC, 1999. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 336 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 26/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como especifica Marco Túlio de Carvalho Rocha, o depósito é o contrato mediante o qual uma pessoa (depositário) recebe de outra (depositante) um objeto móvel, e compromete-se a guarda-lo até que esta o reclame.

É contrato real, de duração e intuitu personae. É unilateral quando gratuito e bilateral se oneroso (a gratuidade é presumida: CC 628).

O depositante não precisa ser proprietário da coisa, basta que detenha a posse. O depositário tem que ser capaz. Se se tornar incapaz no curso do contrato, seu representante diligenciará para devolver a coisa (CC 641). (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 26.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 628. O contrato de depósito é gratuito, exceto se houver convenção em contrário, se resultante de atividade negocial ou se o depositário o praticar por profissão.

Parágrafo único. Se o depósito for oneroso e a retribuição do depositário não constar de lei, nem resultar de ajuste, será determinada pelos usos do lugar, e, na falta destes, por arbitramento.

Conforme já observado pelo mestre Nelson Rosenvald, em regra o contrato de depósito será marcado pela gratuidade. O contrato gratuito ou benéfico é aquele em que não há prestações recíprocas, pois, a vantagem do depositante não implica correspondente sacrifício, nada devendo ao depositário. Normalmente, será aquele favor de um amigo a outro, que lhe impõe zelo e cuidado na conservação de um bem, sem que peça nada em retribuição.

Contudo, em duas hipóteses o contato será oneroso. Primeiro, quando houver cláusula contratual fixando retribuição pecuniária para o depósito. Assim, haverá uma imediata conexão entre prestação e contraprestação.

Outrossim, a exigência de uma remuneração resulta da própria natureza do negócio jurídico. Essa inovação do Código Civil nada mais é que um retrato da sociedade contemporânea, na qual frequentemente o depósito aparece associado ao fornecimento de produtos e serviços (v.g., estacionamento em shopping, guarda de objetos em cofres de hotéis), sendo usual que dessas atividades, normalmente desenvolvidas por empresários, possam os depositários extrair vantagens econômicas.

Com a unificação das obrigações civis e empresariais no Código Civil de 2002, o legislador traz para o direito civil a natureza essencialmente remuneratória do depósito mercantil, sendo certo que no comércio qualquer atividade se torne objeto de remuneração, já que as trocas econômicas são a essência das relações contratuais.

O parágrafo único do CC 628 adere à diretriz da operabilidade, que permite que nos negócios jurídicos em que não se tenha determinado a remuneração (v.g., contrato verbal) possa o magistrado buscar os usos do local em que se contratou para definir o pagamento. Assim, no depósito de animais para rodeios no município de Barretos (SP), não será tarefa árdua ao magistrado a investigação dos padrões negociais para os aludidos contratos. Caso os usos do lugar não sejam identificados, ou mesmo não existam, o magistrado poderá arbitrar com base na sua percepção equitativa a respeito do que mais se aproximaria de um “preço justo” para aquela situação. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 658-659 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 26/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo a doutrina de Ricardo Fiuza, como sublinha o dispositivo em comento, o depósito voluntário é naturalmente gratuito, permitindo-se, porém, haja convenção no sentido de se estipular uma gratificação ao depositário, sem que tal ajuste deturpe a natureza do contrato.

A graciosidade é característica própria do contrato de depósito civil. O depósito mercantil, por sua vez, possui natureza essencialmente remuneratória. É o que exalta a doutrina: “No comércio, presume-se, pode o pagamento de comissão ao depositário, ainda quando não estipulada” (Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil; direito das obrigações, 4.ed., São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2, p. 229-30). Assim, prevê o CC/2002 que o contrato de depósito é gratuito, exceto (...) se resultava de atividade negocial – como a guarda de dinheiro em banco – ou se o depositário o praticar por profissão – como a guarda de mercadorias em estabelecimentos especializados, ou em caso de convenção expressa em contrário. São as exceções previstas em lei à gratuidade, em regra, do contrato de depósito.

O parágrafo único estabelece, outrossim, que, em caso de depósito onerosa, desde que a retribuição do depositário não conste de lei nem de convenção ajustada entre as partes, essa retribuição será determinada n pelos usos do lugar, que se baseiam “na prática longamente observada determinadas relações (...) a praxe aceita unanimemente” (José ÁWSWéI, Novo dicionário jurídico brasileiro) 1984, p. 390, e, em sua falta, por arbitramento, que é estimativa feita por pessoa escolhida pelas partes para atribuir e fixar o valor pecuniário da retribuição cabível. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 337 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 26/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como mostra os ensinamentos de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo estabelece duas presunções relativas a respeito do contrato de depósito. A primeira, genérica, no sentido de presumi-lo gratuito; a segunda, que estabelece exceção à primeira, de que o contrato é oneroso se o depositário realizá-lo como parte de suas profissionais ou se relacionado a atividade negocial.

Uma vez que tais presunções são relativas, se o contrato for expresso quanto ao caráter gratuito ou oneroso do depósito vale o que estiver estipulado. A presunção relativa por desempenho de atividade em caráter profissional é razoavelmente clara: se alguém deixa seu veículo num estacionamento, deve pagar o respectivo preço, ainda que, ao deixar o veículo, não tenha procurado se inteirar do preço cobrado. A presunção de onerosidade quando se tratar de atividade negocial é menos clara. Ocorre, por exemplo, se um fornecedor de bebidas entrega um freezer a um revendedor. A presunção é de onerosidade; a gratuidade deve estar expressa no contrato. Já nos casos em que a onerosidade é presumida, cabe arbitramento judicial do preço, na falta de estipulação expressa. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 26.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 629. O depositário é obrigado a ter na guarda e conservação da coisa depositada o cuidado e diligência que costuma com o que lhe pertence, bem como a restituí-la, com todos os frutos e acrescidos, quando o exija o depositante.

Conforme comentário de Nelson Rosenvald, cuidando-se o depósito de um contrato de duração, no qual a execução jamais será concomitante à contratação, todo o empenho do depositário será dirigido à guarda responsável da coisa. Atuará ele como bônus pater famílias, vale dizer como o protótipo de diligência exigido do cidadão médio, atento e dotado de ordinária inteligência, a fim de restituir a coisa infungível ao depositante.

Apesar de o Código se referir ao cuidado e diligência “que costuma com o que lhe pertence”, devemos perceber que, na hipótese de o depositário ser uma pessoa negligente e desidiosa, não poderá se servir de tais defeitos como padrão de conduta habitual para justificar a deterioração ou perda da coisa. Temos aqui parâmetros objetivos de comportamento leal e correto na custódia e conservação da coisa, conforme induz o princípio da boa-fé objetiva.

A redação do artigo afasta a incidência da regra geral do CC 392. Se em princípio aquele que não é favorecido pelo contrato gratuito só responderá por dolo, o mesmo não ocorre no contrato de depósito. Em outras palavras, mesmo que A faça um favor a B em guardar os seus objetos temporariamente, assumirá total responsabilidade pela sua destruição, mesmo diante de culpa levíssima, sendo a exclusão do dever de indenizar apenas factível em casos de força maior devidamente provados (CC 642).

A segunda parte da norma se refere à obrigação de restituir a coisa móvel quando o exija o depositante. Conforme a lição da Toeira Geral do Direito das Obrigações, “se a obrigação for de restituir coisa certa, e essa, sem culpa do devedor, se perder antes da tradição, sofrerá o credor a perda, e a obrigação se resolverá [...]” (CC 238).

Aliás, não sendo o contrato fixado com termo, aplica-se o princípio da satisfação imediata (CC 331), sendo lícito ao credor exigir imediatamente a coisa, sendo possível a constituição do devedor em mora caso se recuse a restituir o bem após o transcurso de prazo razoável assinalado em interpelação (CC 397, parágrafo único). Não poderá o devedor (depositário) unilateralmente deliberar pela restituição da coisa antes do término do prazo contratual. Aqui se aplica a parte final do CC 133, pela qual o prazo não se presumirá em proveito do devedor, quando as circunstâncias do contrato apontem no sentido de ter ele sido estabelecido em benefício do credor, como é o caso do depósito.

A recusa injustificada à obrigação de restituir enseja ao depositante o ajuizamento de ação de reintegração de posse em razão do esbulho decorrente da conversão da posse justa em precária (CC 1.200). Sendo o contrato escrito e com prova literal, será lícito o manejo da ação de depósito, como forma de o depositante exigir a restituição da coisa, satisfazendo a sua pretensão resultante da violação do direito subjetivo (CPC/1973, art. 901, sem correspondente no CPC/2015). Infere-se do exposto que não é da essência do contrato de depósito que assuma a forma escrita, sendo suficiente a tradição do bem. Porém, a ausência do instrumento subtrai ao credor a via do procedimento especial do depósito (CPC/1973, art. 902, com correspondência no CPC/2015, art. 311 e parágrafo único). Ou seja, o contrato escrito é solenidade ad probationem e não ad substantiam.

Por fim, a norma requer que a restituição da coisa se faça acompanhada de seus frutos e acrescidos. Vale dizer, em sentido amplo: os frutos naturais, industriais e civis, além dos produtos obtidos no período de depósito, serão restituídos ao depositante. Isso decorre da ordem natural de tal negócio jurídico. Se o depositário apenas guarda a coisa, sendo-lhe vedada a sua exploração econômica, todos os acréscimos econômicos que dela resultarem serão devolvidos conjuntamente ao bem principal. Exemplificando: no depósito de uma vaca campeã, já prenhe ao tempo da tradição, serão restituídos os bezerros. Idêntico dispositivo se aplica nos contratos de penhor, nos quais o credor pignoratício apenas detém a custódia da coisa, como depositário (CC 1.435, I e IV). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 659-660 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 26/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em sua justificativa, Ricardo Fiuza diz do dispositivo em comento extraírem-se as três obrigações fundamentais do depositário: a) guardar a coisa, o que é inerente e essência do contrato de depósito; b) conservá-la da mesma forma com que atua na preservação das suas coisas próprias; c) restituí-la assim que reclamada pelo depositante.

A lei, tutelando a pessoa do depositante contra eventual depositário infiel, impõe o presente preceito, através do qual sujeita o depositário a proceder na conformidade das expectativas daquele, expressando, afinal, a obrigatoriedade da restituição da coisa depositada e na forma em que se encontrava quando da celebração do contrato ou do seu equivalente. Assim, “se a coisa depositada perece ou se deteriora por dolo ou culpa do depositário, a este cabe a responsabilidade. Na hipótese, entretanto, de a perda ou deterioração advir de força maior ou caso fortuito, não mais lhe cabe o dever de reparar, pois aqui aplica-se a regra res perit domino, já conhecida, e o depositante é o dono da coisa” (Silvio Rodrigues, Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 22. ed., São Paulo, Saraiva, 1994, v. 3, p. 264).

Jurisprudência: 1. “É vedada a prisão civil do devedor fiduciante em ação de busca e apreensão contra si proposta, porquanto não equiparável a depositário infiel. Precedentes (STJ, 3’ 1., AGREsp 330.207-PR, rel. Mm. Fátima Nancy Andrighi. DJ de 5-11-2001); 2. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 337 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 26/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em sua exposição, afirma Marco Túlio de Carvalho Rocha ser ao depositário, imposta diligência ordinária na guarda da coisa depositada. Não é obrigado a realizar diligências especiais. Se o depósito se faz a céu aberto, disto tendo ciência o depositante, não lhe é exigível a guarda da coisa em recinto fechado.

A restituição da coisa deve ser feita tão logo a exija o depositante, mesmo que o contrato tenha sido firmado por prazo determinado, exceto se o depositário tiver o direito de retenção a que se refere o CC 644. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 26.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 625, 626 - Da Empreitada - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 625, 626
- Da Empreitada - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo VIII – Da Empreitada -
(art. 610 a 626) - vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 625. Poderá o empreiteiro suspender a obra:

I – por culpa do dono, ou por motivo de força maior;

II – quando, no decorrer dos serviços, se manifestarem dificuldades imprevisíveis de execução, resultantes de causas geológicas ou hídricas, ou outras semelhantes, de modo que torne a empreitada excessivamente onerosa, e o dono da obra se opuser ao reajuste do preço inerente ao projeto por ele elaborado, observados os preços;

III – se as modificações exigidas pelo dono da obra, por seu vulto e natureza, forem desproporcionais ao projeto aprovado, ainda que o dono se disponha a arcar com o acréscimo de preço.

Conduzidos por Nelson Rosenvald, aprende-se que nesse momento há uma complementação do dispositivo precedente, agora com menção às hipóteses em que o empreiteiro possui justa causa para suspender a empreitada, sendo exonerado de qualquer pretensão indenizatória por parte do dono da obra.

a)           Culpa do dono ou motivo de força maior – a culpa do proprietário é aferida em várias circunstâncias que demonstram a sua desídia na cooperação com o empreiteiro. Basta pensar na recusa de fornecimento de materiais ao empreiteiro, na empreitada de labor (CC 610), ou então na recusa injustificada ao pagamento, na empreitada por medição (CC 614), neste último caso aplicando aplicando-se a exceção de contrato não cumprido (CC 476). Força maior ou fortuito são termos utilizados de forma indiscriminada pelo CC 393, parágrafo único, ambos representando situações em que um fato externo à conduta das partes, de caráter inevitável, inviabiliza o cumprimento da obrigação. Seria o caso de uma enchente que causa o rompimento de parte do terreno ou uma epidemia que coloca em isolamento o local em que se realiza a obra.

b)        Também é justificável a suspensão das atividades quando dificuldades técnicas de caráter imprevisível tornam a obra extremamente onerosa para o seu executor. Aqui a prova pericial será decisiva em juízo.

c)            Por fim, se o dono da obra sugerir modificações excessivas no projeto aprovado, mesmo que exista autorização do projetista e disposição do proprietário em arcar com o sobrepreço, não se submeterá a tanto o empreiteiro, pois a sua manifestação de vontade se restringe à execução do projeto originário, sendo defeso a qualquer um a imposição unilateral de modificações que eliminem a própria causa do negócio jurídico.

As causas suspensivas alinhavadas no CC 625 não são numerus clausus, nada impedindo que outros sérios e ponderados motivos justifiquem a paralisação. Outrossim, caso o fato que gerou a suspensão seja incontornável e não se afigure possibilidade de prosseguimento da obra, caberá a resolução do contrato por inadimplemento, com possibilidade de imposição de perdas e danos em algumas hipóteses (v.g., culpa do dono, exigência de modificações desproporcionais). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 655-656 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 25/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na visão de Ricardo Fiuza, o dispositivo envolve os casos da rescisão motivada ou justa do contrato de empreitada, por parte do empreiteiro, que nas situações nele previstas isenta-se da responsabilidade de responder por perdas e danos. O empreiteiro poderá dar por findo o contrato pelas razões enumeradas nos incisos, não incidindo em qualquer culpa pela frustração da empreitada.

Assim ocorrerá: a) por culpa exclusiva do comitente; b) por motivo de força maior; c) pelo advento da onerosidade excessiva, decorrente de dificuldades imprevisíveis de execução da empreitada que resultem de causas geológicas, hídricas ou outras a elas assemelhadas, quando o dono da obra resistir ao reequilíbrio contratual, não aceitando, nesse, fim, o reajuste pactuado; d) quando as alterações ao plano original da obra, exigidas pelo comitente, por seu vulto e natureza, forem àquele desproporcionais, ainda que com a exigência pretenda o dono da obra arcar com o acréscimo de preço. * Pelas mesmas razões anteditas (CC 623 e 624), aqui não se trata de suspender, mas de rescindir. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 335 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 25/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Para o entendimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo especifica circunstâncias que permitem ao empreiteiro resilir ou resolver o contrato. A resolução contratual por descumprimento de uma das partes, como prevê o inciso I, é típica de todo contrato bilateral.

A rescisão contratual é sempre possível, em negócios bilaterais, por superveniência de caso fortuito ou força maior que impossibilite ou torne excessivamente onerosa a execução. Desta hipótese cuidam os incisos I e II, com a ressalva de que o dono da obra pode evitar a resolução por onerosidade excessiva mediante o reajuste do preço.

Finalmente, a hipótese do inciso III é, igualmente, de descumprimento contratual, configurado pelo intuito do dono da obra de pretender a alteração do objeto do contrato. Ainda que o dono da obra ofereça aumento do preço, o empreiteiro não estará obrigado a aceitar, salvo nas hipóteses legais previstas no CC 621. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 25.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 626. Não se extingue o contrato de empreitada pela morte de qualquer das partes, salvo se ajustado em consideração às qualidades pessoais do empreiteiro.

O derradeiro artigo deste capítulo, na visão de Nelson Rosenvald, trata de algo que está na origem do contrato de empreitada. A fungibilidade desse negócio jurídico, afastando-se em regra o seu cunho intuitu personae.

O dono da obra deseja o resultado da atividade, quer que a obrigação de fazer seja alcançada com a maior qualidade. Para alcançar o desiderato do contrato, será possível a substituição do empreiteiro por um terceiro (subempreitada ou cessão do contrato) e, em caso de óbito, através dos sucessores ou de um cessionário de direitos hereditários. A outro giro, a morte do dono da obra não prejudicará a realização do negócio jurídico, assumindo o espólio a posição jurídico-econômica do de cujus, devendo remunerar o empreiteiro nas bases fixadas, dentro das forças da herança.

Mas a parte final do dispositivo ressalta que em certos contratos de empreitada é possível inferir a natureza personalíssima, o que acarretará a extinção da relação jurídica por resolução em caso de morte – ou incapacidade – de qualquer das partes. Seria o caso da encomenda de uma obra a um famoso escritor ou da confecção de um vestido a um renomado estilista.

Sendo o empreiteiro pessoa jurídica, naturalmente não se aplica o artigo lembre-se de que a sua falência não implica necessariamente o término da relação contratual, pois o administrador judicial avaliará o interesse da massa da manutenção da empreitada (art. 21 da Lei n. 11.101/2005). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 656 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 25/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Visando a finalização da obra, Ricardo Fiuza esclarece que, sabido que a lei dispõe acerca dos casos de extinção do contrato, figurando como ordinário e comum o que decorre da conclusão da obra, a norma acentua não ocorrer a extinção da empreitada pelo evento morte de qualquer das partes, quando não for o contrato celebrado intuitu personae. Assim, se na formação do contrato não se levou em conta as qualidades pessoais do empreiteiro, os seus sucessores darão continuidade à execução da obra. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 335 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 25/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Concluindo com Marco Túlio de Carvalho Rocha, por ser, em regra, impessoal, a empreitada não exige a capacidade das partes e não se extingue pela morte ou pela incapacidade superveniente dos contratantes, podendo prosseguir em relação aos sucessores, salvo quando contrata tendo-se em vista as qualidades pessoais do empreiteiro. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 25.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 622, 623, 624 - continua - Da Empreitada - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 622, 623, 624 - continua
- Da Empreitada - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo VIII – Da Empreitada -
(art. 610 a 626) - vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 622. Se a execução da obra for confiada a terceiros, a responsabilidade do autor do projeto respectivo, desde que não assuma a direção ou fiscalização daquela, ficará limitada aos danos resultantes de defeitos previstos no art. 618 e seu parágrafo único.

Tomando a lição do mestre Nelson Rosenvald, o artigo se refere à subempreitada. Ao contrário da prestação de serviço, a empreitada em regra não é intuitu personae, consoante se extrai do CC 626. Portanto, é aceitável a conduta do empreiteiro que transfere a um terceiro as suas obrigações, chamado de subempreiteiro.

Apenas não se poderá confiar a obra a terceiro quando expressamente houver cláusula proibitiva, o que realça a natureza personalíssima da empreitada. Mesmo diante de tal cláusula, nada impedirá a subempreitada parcial, que é algo normal e corriqueiro em tais relações jurídicas. Basta atentar para a situação do empreiteiro engenheiro que transfere a execução dos serviços hidráulico e elétrico para técnicos ou empresa especializadas.

Quando se forma esse subcontrato, surge uma segunda relação contratual derivada da primitiva, na qual o subempreiteiro (terceiro) se obriga perante o empreiteiro e este mantém a empreitada com o dono da obra.

O terceiro que recebe a empreitada será o responsável pelo prazo de garantia noticiado no CC 618 e seu parágrafo único, como todas as consequências já mencionadas. Porém, se também assumir a direção e fiscalização da obra, terá idêntica responsabilidade que o empreiteiro. Apesar de não haver relação material entre o dono da obra e o subempreiteiro, poderá aquele lhe responsabilizar pelos danos causados em sede de responsabilidade extracontratual, sem se olvidar de que, em se tratando de relação de consumo, todos os fornecedores respondem solidariamente ao consumidor em razão de defeitos do produto ou serviço que lhe acarretem prejuízos (CDC, 7º, parágrafo único).

Por fim, não se confunda a subempreitada com a cessão do contrato. Aqui, o cedente transfere a sua posição contratual completa (ativa e passiva) para o cessionário (terceiro), com o consentimento do cedido (dono da obra), sendo certo que o cedente se retira por completo da relação jurídica a partir desse momento, não mais respondendo ao dono da obra. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 654 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, a norma regula e distingue as responsabilidades de cada interveniente no plano e execução da obra: o projetista, o empreiteiro de materiais e o de execução, tendo consonância com o disposto no CC 610, § 2º. A responsabilidade do autor do projeto, no que lhe compete, limita-se aos danos resultantes dos defeitos previstos no CC 618, pois responde pela qualidade, solidez e segurança do trabalho elaborado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 334 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 22/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha a execução da obra depende da preexistência de um projeto que deve obedecer. Projeto e execução correspondem a trabalhos distintos que, comumente, são confiados a profissionais distintos. O responsável pelo projeto responde pelos vícios derivados do projeto e o executor pelos vícios resultantes da execução. Quem se obriga a fiscalizar a execução responde pelos defeitos relativos à execução. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 22.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 623. Mesmo após iniciada a construção, pode o dono da obra suspendê-la, desde que pague ao empreiteiro as despesas e lucros relativos aos serviços já feitos, mais indenização razoável, calculada em função do que ele teria ganho, se concluída a obra.

Vemos com Nelson Rosenvald, que, caso o dono da obra decida desconstituir o negócio jurídico mediante a resilição unilateral do contrato (CC 473), deverá o empreiteiro se submeter ao exercício do direito potestativo. Nada obstante, em razão dos investimentos realizados na obra e daquilo que razoavelmente auferiria com o seu trabalho, será indenizado pelos danos emergentes e lucros cessantes, na dicção do CC 402.

Note-se que os lucros cessantes não poderão aqui abranger as oportunidades perdidas pelo empreiteiro no sentido de realizar outros contratos naquele período, pois a norma restringe os lucros frustrados “em função do que teria ganho, se concluída a obra”.

O legislador se equivocou ao se referir à suspensão da obra como fato gerador da indenização, pois a mera paralisação temporária não induziria à ressalva do final do texto, “se concluída a obra”. Isso significa que a paralisação foi definitiva e o negócio jurídico não pode alcançar o seu término. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 654 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Veremos na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza que, a execução da obra, frustrada pelo dono da obra, assegura ao empreiteiro haver as despesas e a remuneração proporcional aos serviços realizados. Acresce ao fato o dever de indenizar. O mestre Clóvis Beviláqua acentua: “A rescisão da empreitada pelo dono da obra lhe acarreta, em regra, a obrigação de indenizar o empreiteiro das despesas, do trabalho feito e dos lucros que poderia ter, se concluída a obra” (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1917, p. 431).

Não mais são referidas as justas causas do rol do art. 1.229 do CC de 1916, que, em geral, não guardam identidade com a empreitada e pareciam indicar uma adequação ao sistema ali indicado. A ratio legis preponderante é clara, demonstrando depender a rescisão unilateral do contrato, pelo dono da obra, do pagamento das despesas e do serviço, além da indenização compatível ao que o empreiteiro deixou, razoavelmente, de receber, se prosseguisse com a empreitada avençada.

Pondera observar o emprego incorreto do vocábulo “suspensão”, inserido na norma, a sugerir paralisação episódica da obra, como se esta pudesse ter seguimento futuro. O seu sentido dúbio merece correção. Suspensão é um adiamento da execução, ou execução protraída no tempo, diferindo o término da obra, por retardo ditado na iniciativa do comitente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 334 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 22/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

De acordo com o princípio da obrigatoriedade do contrato, como ensina Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dono da obra deveria ficar obrigado custear sua execução até que viesse a ser concluída, salvo disposição contratual em sentido contrário. O dispositivo, no entanto, levando em consideração as dificuldades inerentes a obras de grande porte, permite ao dono da obra resilir o contrato a qualquer tempo. Se exercer o direito de resilição, o dono da obra fica obrigado a pagar ao empreiteiro todas as despesas já realizadas mais o lucro total que este perceberia se a obra tivesse sido concluída. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 22.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 624. Suspensa a execução da empreitada sem justa causa, responde o empreiteiro por perdas e danos.

Em comentário otimista, Nelson Rosenvald ratifica, já nesse comentário, parece-nos que a suspensão da execução da empreitada é a situação apropriada e condiz com a conclusão do texto. Em outras palavras, a simples paralisação temporária das obras, sem justa causa por parte do empreiteiro, pode propiciar prejuízos efetivos ao dono da obra.

Caso os danos emergentes e lucros cessantes derivados da suspensão dos trabalhos sejam demonstrados, surge o dever de indenizar, pois em sede de responsabilidade civil a simples culpa não é bastante para a produção do dever de indenizar, sendo fundamental a perquirição da extensão do dano (CC 944).

É evidente que, quanto maior o tempo de injustificada paralisação, maiores serão os prejuízos do dono da obra. Imagine a construção de uma casa: elevam-se os preços dos materiais; nascem despesas de conservação; perdem-se materiais estocados, sem se olvidar dos negócios jurídicos que o proprietário deixa de praticar em razão da impossibilidade de oferecer a mercadoria acabada a um cliente. Ao contrário do artigo precedente, aqui não se limita a pretensão às perdas e danos, podendo o dono da obra pleitear com amplitude tudo aquilo que esteja no desdobramento razoável e provável dos fatos caso não houvesse a suspensão da obra. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 655 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Dando voz a Ricardo Fiuza, o presente dispositivo também trata da rescisão unilateral da empreitada, agora por parte do empreiteiro. Pressupõe os casos de rescisão injusta. Desse modo, o desfazimento do vínculo obrigacional impõe ao empreiteiro desistente a obrigação de responder por perdas e danos decorrentes da rescisão. Necessário observar, contudo, o que esclarece, com precisão o Prof. Agostinho Alvim: “o primeiro requisito do dever de indenizar é o dano. (...) Ainda mesmo que haja violação de um dever jurídico e que tenha existido culpa e até mesmo dolo por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, uma vez que não se tenha verificado prejuízo. Esta regra decorre dos princípios, pois a responsabilidade independentemente de dano redundaria em mera punição do devedor, com invasão da esfera do direito penal” (lia inexecução das obrigações e suas consequências. São Paulo. Saraiva, 1949, p. 162). Com efeito, o título indenizatório, abrangendo o dano emergente e os lucros cessantes, haverá de ser constituído pelo pressuposto necessário e imprescindível da demonstração do dano (RT. 557/133).

Repetem-se as considerações feitas ao artigo anterior quanto à impropriedade de “suspensão”, na hipótese aqui cogitada, pois representa, a rigor, rescisão unilateral da empreitada por parte do empreiteiro. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 335 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 22/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entendimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o empreiteiro é obrigado a executar o serviço para o qual foi contratado. Se descumprir essa obrigação, fica obrigado a indenizar o dono da obra por todos os prejuízos que este vier a sofrer com a inexecução. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 22.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).