segunda-feira, 30 de março de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 884, 885, 886 Do Enriquecimento Sem Causa - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 884, 885, 886
Do Enriquecimento Sem Causa - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art. 233 ao 965) - Título VII – Dos Atos Unilaterais
(Art. 854 a 886) Capítulo IV – Do Enriquecimento Sem Causa
(Art. 884 a 886) – vargasdigitador.blogspot.com –

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restitui-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.

Seguindo Hamid Charaf Bdine Jr., no Direito Romano, o princípio que veda o enriquecimento sem causa já era conhecido e aplicado. Atualmente, várias ações têm o objetivo de evitar esse tipo de enriquecimento: a repetição de indébito, a de enriquecimento ilícito na cobrança do cheque prescrito, a de indenização etc. Todas elas pertencem ao gênero das ações in rem verso.

No Código Civil de 1916, eram exemplos dessas medidas o dispositivo que determinava a restituição do pagamento indevido, o que reconhecia o direito de ressarcimento das despesas de produção e custeio e das benfeitorias necessárias ao possuidor de má-fé, bem como aquela que reconhecia o direito à indenização do construtor de boa-fé em terreno alheio.

No Código Civil de 2002, foi dedicado um capítulo específico ao enriquecimento sem causa. O parágrafo único deste dispositivo acrescenta, no que se refere ao enriquecimento que tem por objeto coisa determinada, que “quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido”.

Os requisitos da ação de enriquecimento sem causa são: a) enriquecimento de alguém; b) empobrecimento correspondente de outrem; c) relação de causalidade entre ambos; d) ausência de causa jurídica; e) inexistência de ação específica (Gonçalves, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo, saraiva, 2004, v. III, p. 590).

O enriquecimento compreende não só o aumento patrimonial, mas também qualquer vantagem, como não suportar determinada despesa. Exemplo interessante da questão é fornecido por Silvio Rodrigues e tem origem na Corte de Cassação francesa: “Um negociante havia entregue ao arrendatário de uma propriedade agrícola adubos por este comprados. Rescindido o arrendamento, o negociante, que não conseguiu receber o preço da venda do arrendatário, que de resto se tornara insolvente, veio cobrá-lo do arrendante por meio da ação de in rem verso. Seu êxito na demanda é que valeu a consagração e do princípio do repúdio ao enriquecimento indevido, no Direito francês” (Direito civil. São Paulo, Saraiva, 2002, v. III, p. 422).

O empobrecimento pode consistir em uma redução de patrimônio ou em não perceber determinada verba que seria obtida em razão do serviço prestado ou da vantagem conseguida pela outra parte. Para Agostinho Alvim, esse requisito nem sempre é necessário (RT 259/3). Segundo o ilustre mestre, há hipóteses em que a ação é cabível mesmo sem o enriquecimento; por exemplo, quando uma pessoa informa ao herdeiro sua qualidade em determinada sucessão.

A relação de causalidade significa que o enriquecimento e o empobrecimento resultam de um só fato, atuando um como determinante da ocorrência do outro. Se os valores forem diversos, a indenização será fixada pela cifra menor. Assim, se a vantagem de quem enriquecer é de R$ 5.000,00, mas o empobrecimento correspondente é de R$ 3.000,00, esta última importância é que deverá ser paga pelo montante de seu prejuízo, seu interesse fundado na ausência de outros danos a reparar desaparecerá, de modo que não poderá receber além do que perdeu. Não é necessário que o empobrecimento seja causa eficiente do enriquecimento e vice-versa. Cuida-se de verificar se ambos têm origem no mesmo fato. Assim, o indivíduo trabalha sem remuneração e sofre um empobrecimento ao qual corresponde um enriquecimento do beneficiado. O serviço foi a causa de ambos os fatos.

A ausência de causa jurídica é o requisito mais importante para o reconhecimento do enriquecimento sem caus. Não haverá enriquecimento sem causa quando o fato estiver legitimado por um contrato ou outro motivo previsto em lei. Somente quando não houver nenhum destes dois fundamentos é que haverá ilicitude no locupletamento. (Hamid Charaf Bdine Jr., apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 902 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 30/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Com os aplausos de Ricardo Fiuza, o Código Civil de 2002 inova ao prever em seu texto a figura do enriquecimento sem causa. E louvável tal inserção, uma vez que se consolida na lei civil a matéria, não ficando ela sujeita às interpretações da jurisprudência.

Na clássica definição de Orlando Gomes: “Há o enriquecimento ilícito quando alguém, a expensas de outrem, obtém vantagem patrimonial sem causa, i.é, sem que a tal vantagem se funde em dispositivo de lei, ou em negócio jurídico anterior. São necessários os seguintes elementos: a) o enriquecimento de alguém; b) o empobrecimento de outrem; c) o nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento; e d) a falta de causa justa” (Obrigações, 3 ed., Rio de Janeiro, Forense, 1972, p. 289). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 456, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 30/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Conceituando Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, enriquecimento sem causa é o fato gerado pelo enriquecimento de alguém em razão do empobrecimento de outrem sem causa justificadora da atribuição patrimonial (titulus adquirendi). - Enriquecimento ilícito, enriquecimento injusto, enriquecimento injustificado, locupletamento à custa alheia, empobrecimento sem causa, são sinonímias.

Como natureza jurídica – Fato jurídico em sentido estrito originado por fatos e atos, lícitos e ilícitos.

Tem uma evolução histórica. O enriquecimento sem causa era previsto no Direito Romano, no Digesto: Iure naturae aequum est neminem cum alterius detrimento et iniuria fieri locupletiorem (“É justo, por direito natural, que ninguém se enriqueça em detrimento ou prejuízo de outrem”; D. 50.17.206).

A primeira teorização do instituto coube a Hugo Grotius, seguido por Wollf, que o consideraram um princípio de direito natural.

O Código Civil francês de 1804, o Código Civil português de 1867 e o Código Civil brasileiro de 1916 não disciplinaram o enriquecimento sem causa. O instituto era tido como vago e propiciador de incertezas jurídicas.

Três teorias buscam explicá-lo: a doutrina unitária (tradicional), que o define a partir de seus elementos: enriquecimento + empobrecimento + ausência de causa, a teoria da ilicitude e a teoria do conteúdo da destinação.

O instituto é tido como um princípio informador da ordem jurídica, fundado na equidade (aequitas) e a regra (cláusula geral) que o positiva (CC 884) como um “travão”, pois somente pode ser invocado subsidiariamente (CC 886). Como princípio, o enriquecimento sem causa é concretizado por muitos institutos. Impugnação pauliana (CC 165); invalidade do negócio jurídico (CC 182); cessão de crédito (CC 295 e 297); libera o devedor de pagar se seu crédito correspectivo se torna impossível (CC 477); obsta a devolução no mútulo a menor incapaz (CC 588); obriga o dono da obra a pagar acréscimos na empreitada (CC 619, parágrafo único); gestão de negócios (CC 868, parágrafo único; 869, 871 e 872); dá ao possuidor de boa-fé direito à indenização por benfeitorias (CC 1.219); avulsão (CC 1.251); acessões (CC 1.254 a 1259).

Das espécies: a) enriquecimento por prestação (impugnação de negócio jurídico). Exemplos: pagamento indevido (CC 876 a 883); pagamento de indenização de seguro de furto ou roubo seguido de retomada da posse da coisa pelo segurado (cessação da causa); cumprimento de prestação em contrato cuja contraprestação venha a se tornar impossível em razão de caso fortuito ou força maior (CC 393); b) enriquecimento por intervenção de terceiro ou do próprio enriquecido. Exemplos: devedor que paga a credor putativo (CC 309); alienação de imóvel a non domino (CC 879); frutos colhidos antecipadamente (CC 1.214, parágrafo único, 2ª parte); c) enriquecimento resultante de fenômeno natural. Exemplos: avulsão (CC 1.251); direito de o possuidor de boa-fé se ressarcir de gastos úteis (CC 1.214, parágrafo único, 1ª parte); animal que se alimenta de coisa alheia (CC 936) e d) por desconsideração de um patrimônio interposto. Exemplo: fraude contra credores.

Em suposta exceção, pode-se afirmar não haver enriquecimento sem causa no caso de usucapião; prescrição extintiva; obrigação natural. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 30.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.

Ora, Hamid Charaf Bdine Jr, de acordo com o disposto neste artigo, a restituição é devida não só quando não houver causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixar de existir. Assim, mesmo que, de início, o enriquecimento estivesse justificado, a partir do momento em que deixa de haver causa para sua permanência, a restituição será possível.

Giovanni Ettore Nanni, ao comentar o presente dispositivo, apresenta como exemplo o bem alheio cujo uso foi consentido por negócio jurídico regular que, após o período estabelecido, deixa de ter justa causa, gerando enriquecimento sem causa. (Enriquecimento sem causa. São Paulo, Saraiva, 2004, p. 264). Acrescenta, ainda, ocaso dos esponsais, observando que, ainda que não acolhidos no Direito brasileiro, geram efeitos jurídicos, inclusive o de postulação de perdas e danos (idem, ibidem). (Hamid Charaf Bdine Jr., apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 903 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 30/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, havendo o enriquecimento desmotivado, por não ter causa que o justifique, a devolução sempre é devida, inclusive se a causa deixou de existir. Artigo sem correspondente no Código Civil de 1916. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 457, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 30/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

De acordo com os estudos de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o adquirente de um bem pode vir a perdê-lo em razão de evicção. No momento em que realizou o pagamento do preço da aquisição, o negócio possuía causa, tanto que a propriedade lhe foi transmitida. Depois, quando o verdadeiro proprietário obtém a vitória na ação em que reivindica o bem, o adquirente perde a propriedade e o negócio que originariamente tinha causa de atribuição patrimonial a perde. O ganho preço recebido pelo alienante passa à condição de enriquecimento sem causa, uma vez que a transferência da propriedade ao adquirente não foi garantida a este. Portanto, conforme este exemplo, é possível que um negócio que, originariamente, possuía causa de atribuição patrimonial, venha a se tornar sem causa, dando ensejo à repetição do pagamento do preço. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 30.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido.

Finalizando com Hamid Charaf Bdine Jr., a ação fundada no enriquecimento sem causa só é cabível quando não houver ação específica, tendo em vista seu caráter subsidiário. Se o interessado deixa prescrever a ação específica, não poderá valer-se da ação de enriquecimento ilícito, ou todas as demais ações seriam absorvidas por ela. Vale dizer, aquele que dispunha de determinada ação específica para receber seu crédito e deixa sua pretensão prescrever não poderá invocar o enriquecimento injusto para postular indenização correspondente ao crédito prescrito. Se houver ação específica, esta é que deve ser utilizada.

Giovanni Ettore Nanni observa que “o conceito básico que predomina a respeito da subsidiariedade é que a ação de enriquecimento deve ser entendida como um remédio excepcional, cujo exercício é condicionado à inexistência de outra solução prevista na lei” (Enriquecimento sem causa. São Paulo, Saraiva, 2004, p. 268) e prossegue, anotando que “a verificação da subsidiariedade não deve ser feita abstratamente, a priori, mas analisada em concreto, conforme as particularidades da questão submetida a julgamento, em que se averiguará a possibilidade ou não da existência de outros meios disponíveis ao demandante para recompor a perda sofrida” (idem, p. 270). A rigor, como o insigne monografista pondera, o que se pretende é evitar que a ação de enriquecimento sem causa seja utilizada para viabilizar violação ou fraude à lei, possibilitando que se alcance por via oblíqua o que é vedado pela lei (idem, ibidem). Por outro lado, sempre que outra demanda for suficiente para restabelecer o equilíbrio da situação, não haverá necessidade da ação de enriquecimento sem causa, sob pena de ela ser admitida em praticamente todas as hipóteses de pedido condenatório, como verdadeira panaceia. Giovanni Ettore Nanni, porém, pondera que não se deve fazer uma análise meramente formal da subsidiariedade, devendo o intérprete admitir essa ação em todos os casos em que, mesmo concorrendo com outra ação, a demanda preencha os seus requisitos específicos (idem, p. 273). (Hamid Charaf Bdine Jr., apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 904 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 30/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para Fiuza, existindo na lei outros meios que sirvam para ressarcir o prejuízo sofrido pelo lesado, não há que se falar em restituição por enriquecimento. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 457, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 30/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No conceito de Guimarães e Mezzalira, o enriquecimento sem causa, como se viu nos comentários ao CC 884, tem natureza principiológica e, como princípio, encontra-se na base de inúmeros instituto jurídicos: impugnação pauliana, invalidade do negócio jurídico, liberação do devedor de pagar se seu crédito correspectivo se torna impossível...

A variedade é tão grande que a permissão de utilização livre do instituto poderia ocasionar a utilidade prática das regras que regulam todos os muitos institutos que têm o enriquecimento sem causa como base, com prejuízo para as nuances e condições específicas que cada qual prevê.

Desse modo, embora tenha entendido conveniente positivar o instituto que, por sua abrangência e generalidade, havia sido omitido no Código Civil de 1916, a lei em vigor estabelece que o mesmo somente pode ser aplicado se a lei não conferir outros meios ao lesado para este se ressarcir do prejuízo sofrido.

A impossibilidade de o interessado fazer uso de outro instituto jurídico pode advir da prescrição da pretensão relativa a ele. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 30.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 27 de março de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 882, 883 Do Pagamento Indevido - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 882, 883
Do Pagamento Indevido - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art. 233 ao 965) - Título VII – Dos Atos Unilaterais
(Art. 854 a 886) Capítulo III – Do Pagamento Indevido
– Seção III – (art. 876 a 883) – vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

Art. 882. Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível.

No pensar de Hamid Charaf Bdine Jr, o pagamento da dívida alcançada pela prescrição, ou juridicamente inexigível, é adimplida espontaneamente pelo devedor, que não pode invocar a prescrição ou a inexigibilidade para postular a repetição. Mas, se houver outra espécie de erro no pagamento, será possível repetir o adimplemento. Imagine-se que o erro resultou do fato de uma seguradora pagar indenização a um segurado, após o prazo prescricional, porque imaginava que ele havia sido vítima de um furto. Ao ser apurado o erro – o furto não ocorreu, e o equívoco da denúncia foi informado à seguradora em momento oportuno -, a seguradora poderia postular a repetição do indébito decorrente do erro cometido, porque seu pedido não estaria fundamentado no pagamento de dívida prescrita.

Conclui-se que o dispositivo veda a alegação de que a dívida estava prescrita ou que era juridicamente inexigível como causa da repetição, mas não exclui a repetição se o fundamento do devedor for o erro, ou seja, a alegação de que pagou o que era indevido – e o fato de ter ocorrido prescrição ou de a dívida não ser juridicamente exigível não significa que ela não era devida. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 899 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como Ricardo Fiuza trata em sua doutrina, este artigo, do pagamento de dívidas prescritas (aquelas que não cobradas em tempo hábil) e das oriundas de obrigação judicialmente inexigível, que é a obrigação natural, expressão usada no Código Civil de 1916. Segundo a definição de Clóvis Beviláqua: “Denominam-se obrigações naturais as que não conferem direito de exigir seu cumprimento, as desprovidas de ação, como: as prescritas, as de jogo e apostas, em geral, as que consistem no cumprimento de um dever moral (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, 9 ed. Rio de Janeiro 1953, v.4 p. 127). Assim, quem paga obrigação natural não pratica uma liberalidade, mas cumpre dever a que, em seu foro interior, se acha preso, portanto não tem o direito de repetir. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 456 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como lecionam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, não é pagamento indevido o que se faz para solver obrigação natural. São obrigações naturais as dívidas de jogo e de aposta, porque são judicialmente inexigíveis. A dívida prescrita no sistema do Código Civil de 2002 deixa de existir. Não é dívida, pois o Código determina que a prescrição extingue o direito e a pretensão que o resguarda. Embora alterados os efeitos da prescrição, a irrepetibilidade do pagamento da dívida prescrita é assegurada pelo dispositivo. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 883. Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei.

Parágrafo único. No caso deste artigo, o que se deu reverterá em favor de estabelecimento local de beneficência, a critério do juiz.

Lecionando Hamid Charaf Bdine Jr, caso o objeto da prestação não cumprida seja ilícito, imoral ou proibido por lei, a repetição é indevida, pois não se pode prestigiar a obrigação nula (CC 166), indesejada pelo legislador. Contudo, também não será adequado que aquele que recebeu algo para realizar uma dessas prestações fique com o bem, de modo que o legislador inovou ao determinar que o bem reverta em proveito de estabelecimento de beneficência.

Será necessário que aquele que deu alguma coisa postule a repetição e que o juiz identifique o fim ilícito no curso da demanda, de modo a acolher o pedido e condenar quem recebeu a entregar o bem ao estabelecimento. Mas também é possível que algum estabelecimento de beneficência postule a repetição, ou que o interesse público legitime o Ministério Público a fazê-lo. O princípio da socialidade do Código Civil autoriza esta interpretação: em nome do interesse social predominante, é de se alargar a interpretação do presente dispositivo para que seja possível admitir a legitimação extraordinária na hipótese, a fim de evitar que, mais do que o interesse particular, tutela interesse público.

Pela mesma razão, a natureza pública do texto legal autoriza que o juiz o aplique de ofício, sem que qualquer das partes o sugira ou mencione. A regra teria aplicação ao caso em que alguém entrega dinheiro para que uma pessoa com qualificação melhor preste concurso público em seu lugar. Ao ser identificado o crime e preso aquele que se faiz passar pelo candidato, este poderia pretender a repetição do indébito, na medida em que foi excluído do concurso – o objeto do contrato não lhe foi conferido, tendo havido, por isso, inadimplemento. O presente dispositivo, porém, veda essa devolução, ao estabelecer que a importância reverterá a um estabelecimento de beneficência. Com essa solução, evita-se que qualquer dos participantes da conduta permaneça com a quantia que se destinava a fim ilícito, imoral ou contrário à lei. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 900 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina de Ricardo Fiuza, o solvens não poderá pleitear a quantia que pagou indevidamente, quando fez o pagamento para obter fim ilícito ou proibido por lei (v.g., compra de substância entorpecente) ou ainda imoral (v.g., pornografia). É a aplicação do princípio nomo auditur turpidinem allegans, i.é, ninguém pode ser ouvido alegando sua própria torpeza. A quantia envolvida nesses negócios escusos será, a critério do juiz, doada a estabelecimentos beneficentes. – o caput deste dispositivo corresponde ao art. 971 do Código de 1916, devendo ser-lhe dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 456 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Enquanto para Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o pagamento da obrigação resultante de negócio inidôneo não permite a repetição. Assim, não pode requerer a repetição do indébito aquele que adquiriu bem mediante receptação, nem o usuário pode requerer a repetição do preço pago pela aquisição de droga ilícita junto ao traficante.

É significativo notar que a irrepetibilidade depende não da ilicitude do negócio em si, mas, nos termos do dispositivo, de o enriquecedor ter visado a um fim ilícito. Assim, é repetível o pagamento feito por bem furtado se o adquirente desconhecer a origem ilícita do bem. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 26 de março de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 879, 880, 881 - continua Do Pagamento Indevido - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 879, 880, 881 - continua
Do Pagamento Indevido - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art. 233 ao 965) - Título VII – Dos Atos Unilaterais
(Art. 854 a 886) Capítulo III – Do Pagamento Indevido
– Seção III – (art. 876 a 883) – vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

Art. 879. Se aquele que indevidamente recebeu um imóvel o tiver alienado em boa-fé, por título oneroso, responde somente pela quantia recebida; mas, se agiu de má-fé, além do valor do imóvel, responde por perdas e danos.

Parágrafo único. Se o imóvel foi alienado por título gratuito, ou se, alienado por título oneroso, o terceiro adquirente agiu de má-fé, cabe ao que pagou por erro o direito de reivindicação.

No ritmo de Hamid Charaf Bdine Jr o dispositivo contempla os casos em que o pagamento indevido compreende a transferência de um imóvel ao credor. Nesse caso, o imóvel pode ser transferido a terceiro por esse credor.

As soluções previstas neste artigo variam conforme o terceiro adquirente esteja ou não de boa-fé e segundo a transferência efetuada ao terceiro seja gratuita ou onerosa. As soluções serão as seguintes: a) alienação onerosa feita de boa-fé a terceiro igualmente de boa-fé. O credor que recebeu o imóvel indevidamente responde perante o devedor que pagou apenas pela quantia recebida do terceiro pela aquisição do imóvel. Não se cuida de determinar a restituição do valor do bem, pois o artigo refere-se expressamente à quantia recebida, que só pode ser aquela recebida pelo falso credor. Não se determina o pagamento do valor do próprio bem, pois, nesse caso, o credor de boa-fé poderia ser obrigado a restituir mais do que recebeu – i.é, o valor real do bem, e não aquilo que recebeu efetivamente; b) o credor age de má-fé ao transferir o imóvel recebido incorretamente a terceira pessoa. A segunda parte deste dispositivo impõe ao credor que recebe o imóvel e o aliena de má-fé a obrigação de indenizar perdas e danos – ou seja, o montante de seus prejuízos mais lucros cessantes. A má-fé tanto pode caracterizar-se em razão do fato de o credor ter conhecimento de que o pagamento era indevido, quanto do fato de o credor ter conhecimento de que o pagamento era indevido, quanto do fato de o credor ter efetuado a alienação com o propósito de não restituir o bem ao devedor que o entregou indevidamente, admitindo-se que só posteriormente tenha tomado conhecimento da intenção do devedor de sustentar que o pagamento era indevido, desconhecendo o fato até este momento. No caso de o credor que recebeu o indevido ter agido de má-fé, ele responde perante aquele que pagou pelo valor do imóvel – e não pelo valor recebido, como se verificaria na hipótese anterior – além das perdas e danos; c) o credor transfere o imóvel a terceiro gratuitamente ou a terceiro que adquire onerosamente, mas atuando de má-fé. Nessas hipóteses, segundo a regra do parágrafo único deste dispositivo, a reivindicação do imóvel a ser ajuizada pelo devedor que paga indevidamente poderá atingir o terceiro; no caso da alienação gratuita, porque a transferência do bem sem contraprestação justifica que o beneficiado ceda o bem ao titular que dele foi privado por erro; no que se refere ao terceiro que adquire de má-fé, porque o sistema do Código Civil não autoria que a má-fé seja prestigiada em detrimento de quem age de boa-fé. Também nos casos em que o credor não houver transferido o imóvel a terceiro, será possível que o devedor que o entregou em pagamento indevido tenha sucesso na reivindicação.

Em todos esses casos, cabe a quem pagou optar entre a reivindicação e o recebimento do valor. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 898 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 26/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No parecer de Ricardo Fiuza se quem recebeu indevidamente o prédio vier a vende-lo de boa-fé deverá devolver tão-somente o valor que valorar do valor do bem imóvel, deverá somar danos, se existentes. Se doado gratuitamente ou vendido a terceiro de má-fé, o que pagou por erro pode reivindicar o bem. Este artigo é correspondente ao art. 968 do Código Civil de 1916 e deve merecer o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 455 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 26/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No dizer Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, quando a obrigação consiste na transferência da propriedade de bem imóvel e o cumprimento dela é feito com erro, configurando pagamento indevido, o enriquecedor pode requerer a repetição do indébito. Embora o Código, neste capítulo, não seja expresso, se o enriquecido tiver recebido o bem de má-fé fica obrigado pelo pagamento de perdas e danos.

 

O dispositivo cuida da hipótese em que o bem já tiver sido alienado pelo enriquecido quando este for cobrado pelo enriquecedor. Neste caso, fica o enriquecido obrigado a pagar ao enriquecedor o que recebeu pela alienação. Por se tratar de dívida de valor, se o enriquecido agiu de boa-fé, a quantia original somente deve ser acrescida de correção monetária, pois não há previsão legal para a incidência de juros, exceto os juros moratórios relativos à legislação processual, que incidem após a citação. Se o enriquecido recebeu o imóvel de má-fé, i.é, ciente do erro cometido pelo alienante enriquecedor, fica obrigado a pagar-lhe também as perdas e danos que se apurarem.

 

O bem poderá ser reivindicado dos terceiros adquirentes em duas hipóteses: se o tiverem recebido a título gratuito ou se o tiverem recebido de má-fé. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 26.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 880. Fica isento de restituir pagamento indevido aquele que, recebendo-o como parte de dívida verdadeira, inutilizou o título, deixou prescrever a pretensão ou abriu mão das garantias que asseguravam seu direito; mas aquele que pagou dispõe de ação regressiva contra o verdadeiro devedor e seu fiador.

Segundo Hamid Charaf Bdine Jr, nas hipóteses referidas neste artigo, a repetição do indébito é afastada em razão de, por alguma razão, o pagamento indevido haver levado o credor, de boa-fé, a se desfazer de algum direito de que era titular verdadeiramente.

Assim, se a dívida realmente existente deixar de ser realizável em decorrência do pagamento indevido – o credor inutiliza o título, permite que ocorra a prescrição ou abre mão das garantias -, ficará o devedor impossibilitado de postular a repetição. Caberá a ele, porém, ajuizar ação regressiva em relação ao verdadeiro devedor e seu fiador.

É certo que a disposição em exame só incide se o credor agiu convencido de que recebia o que lhe era devido – vale dizer, de boa-fé -, pois, do contrário, se agiu maliciosamente, não pode ser dispensado da obrigação de restituir o recebimento do indébito. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 898 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 26/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como mostra a doutrina este artigo trata da hipótese do recebimento de boa-fé de quem não é o devedor, sendo a dívida verdadeira. O accipiens que, ao receber de boa-fé, inutiliza o título ou deixa prescrever a ação, ou ainda renuncia às garantias, não precisa restituir o pagamento. Quem pagou erroneamente – o solvens – terá ação regressiva contra o verdadeiro devedor e seu fiador. O dispositivo trata de mera repetição do art. 969 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria de redação devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 455 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 26/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Exemplificando Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, se A deve a B determinada quantia representada por título de crédito; se C efetua pagamento a B; se B recebe o pagamento de C na suposição de que se trata de pagamento da dívida de A; sem nessa suposição, B inutiliza o título que tinha contra A ou deixa prescrever a pretensão contra A ou abre mão de garantias que asseguravam o direito contra A; se o pagamento que C fez a B for indevido, B fica isento de restituir a C o que este pagou indevidamente.

Neste caso, ocorre uma sub-rogação legal de C nos direitos de B contra A. C poderá cobrar de A o que pagou indevidamente a B, salvo, obviamente, se tiver ocorrido a prescrição. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 26.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 881. Se o pagamento indevido tiver consistido no desempenho de obrigação de fazer ou para eximir-se da obrigação de não fazer, aquele que recebeu a prestação fica na obrigação de indenizar o que a cumpriu, na medida do lucro obtido.

 

Na toda de Bdine Jr, o pagamento não se aperfeiçoa apenas pela entrega de dinheiro ou bem, mas também pela entrega de uma prestação de fazer ou não fazer. Nessas hipóteses, também é possível verificar-se que a prestação não era devida, cabendo a repetição. Contudo, não será possível a restituição da mesma espécie de prestação recebida, de modo que o credor que recebeu o indevido indenizará aquele que deu cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

Essa indenização, porém, não será medida pela extensão dos prejuízos, mas pelo lucro obtido pelo credor. Assim, será identificado o valor da vantagem obtida pelo credor e este será o montante a indenizar ao devedor. pode ocorrer, portanto, que o prejuízo do devedor ultrapasse o valor repetido, caso o fazer ou não fazer seja inferior, não produza ao credor vantagem ao menos igual à de suas despesas. Nessa hipótese, deixará de haver enriquecimento injusto do credor, que restituirá ao devedor o enriquecimento obtido. No entanto, não estará o devedor integralmente ressarcido dos danos suportados. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 899 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 26/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para a doutrina de Fiuza, se o pagamento indevido abranger obrigação de fazer (obrigação positiva) ou obrigação de não fazer (obrigação negativa), quer sejam elas originadas de contrato ou de decisão judicial (preceito cominatório, CPC 814 a 823, (antigos arts. 632 a 645 do CPC/1973), o accipiens deve indenizar o solvens, independentemente de ter recebido de boa ou má-fé. A indenização terá como base o lucro obtido, pois se assim não fosse caracterizar-se-ia um enriquecimento sem causa. Não havendo lucro do recebedor, não há que se falar em indenização, uma vez que o locupletamento não ocorreria. Esse artigo não tem dispositivo correspondente no Código Civil de 1916. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 455 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 26/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No parecer de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a repetição do indébito somente é possível nas obrigações de dar. Nas obrigações de fazer e nas de não fazer, o enriquecedor somente pode pleitear indenização. O cerne do dispositivo é a quantificação do valor da indenização: deve levar em conta o proveito obtido pelo enriquecido. Proveito que é lucro no sentido mais amplo. Assim, o fato de o enriquecedor ter despendido esforços em prol do enriquecido não significa que este deva indenizar-lhe, uma vez que tais esforços podem não resultar em ganhos efetivos para ele. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 26.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 25 de março de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 876, 877, 878 - continua Do Pagamento Indevido - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 876, 877, 878 - continua
 Do Pagamento Indevido - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art. 233 ao 965) - Título VII – Dos Atos Unilaterais
(Art. 854 a 886) Capítulo III – Do Pagamento Indevido
– Seção III – (art. 876 a 883) – vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.

Medindo com a régua de Hamid Charaf Bdine Jr, o valor recebido por quem não é credor deve ser restituído, sob pena de enriquecimento injustificado. Do mesmo modo, se o recebimento se verifica sob condição – i.é, dependendo de fato futuro e incerto -, caso o evento condicionante não se verifique, o pagamento efetuado deixa de ser devido, de modo que deve ser restituído (CC 125).

Carlos Roberto Gonçalves, ao comentar o presente dispositivo, anota: “Nessa matéria vigora o tradicional princípio de que todo enriquecimento sem causa jurídica e que acarrete como consequência o empobrecimento de outrem induz obrigação de restituir em favor de quem se prejudica com o pagamento” (Direito civil brasileiro. São Paulo, Saraiva, 2004, v. III, p. 580).

Trata-se de uma modalidade de enriquecimento sem causa, tratado especificamente a partir do CC 884. Newton de Lucca registra que os requisitos para a configuração do pagamento indevido são os seguintes: “a) animus solvendi, ou seja, a intenção de pagar; b) inexistência do débito ou pagamento endereçado àquele que não seja o credor” (Comentários ao novo Código Civil, Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. XII, P. 79). (Hamid Charaf Bdine Jr., apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 893 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 25/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No dizer de Ricardo Fiuza, pagamento indevido é aquele feito voluntariamente, e por erro, sobre débito inexistente. Quem recebe pagamento indevido (accipiens) deve devolvê-lo, sob pena de locupletamento. Essa regra também se aplica na hipótese de pagamento de dívida condicional sem que tenha sido cumprida a condição. Em se tratando de pagamento de tributos indevidos, a regra a ser aplicada é a mesma (v. art. 165 do CTN). O instrumento hábil para o recebimento do valor pago indevidamente, não sendo a restituição voluntária ou administrativa, é a ação de repetição do indébito.

Esse artigo repete o de n. 964 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria de redação, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. Sobre a matéria, vide Carlos Alberto Dabus Maluf. Pagamento indevido e enriquecimento sem causa. Revista da Faculdade de Direito da USP, v. 93, p. 115, 1998, e Pressupostos do pagamento indevido, RF, 257/379. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 454 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 25/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Conforme Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o pagamento indevido é a principal espécie de enriquecimento sem causa (CC 884 a 886).

O pagamento indevido é o realizado por erro de quem supõe a existência de obrigação inexistente. O pagamento é indevido nos seguintes casos: a) Desacordo sobre a causa (ex.: alguém paga empréstimo sem perceber que a prestação que h avia recebido lhe havia sido paga a título de doação); b) ilicitude (ex.: pagamento realizado por absolutamente incapaz ou contra proibição legal relativa à forma ou o fundo do direito); c) Pagamento anterior à realização da condição suspensiva.

O pagamento anterior ao vencimento do termo não é indevido nem pode ser repetido, porque a obrigação sujeita a atermo existe desde o momento em que contraída (CC 131). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 25.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 877. Àquele que voluntariamente pagou o indevido incumbe a prova de não tê-lo feito por erro.

No dizer de Hamid Charaf Bdine Jr, para que o valor recebido indevidamente seja restituído, aquele que efetuou o pagamento deverá comprovar que o fez por erro. A demonstração de que o pagamento foi feito por equívoco acarretará a conclusão de que não foi espontâneo, consciente e intencional. Vale dizer: foi feito apesar da consciência de que o valor não era devido. Pois, se o valor não era conscientemente devido e o pagamento se fez mesmo assim, não há oportunidade de repetição, na medida em que se equipara a uma liberalidade ou renúncia de direito.

Como se verifica, o Código Civil adotou a teoria subjetiva, tornando indispensável a demonstração do erro. Contudo, se não houve erro, a repetição pode encontrar fundamento no enriquecimento sem causa (CC 884 a 886).

O ônus da prova do erro, segundo o presente dispositivo, é daquele que efetuou o pagamento. Acrescente-se, com amparo na lição de Newton de Lucca, que, caso o pagamento tenha se verificado involuntariamente – por coação, exemplificativamente -, não será o caso de incidência do presente dispositivo, mas de defeito do negócio jurídico (CC 171, II), suscetível de anulação (Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. XII, p. 83).

O art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, estabelece a obrigação de o fornecedor restituir em dobro ao consumidor aquilo que este pagou indevidamente, com correção monetária e juros de mora, salvo engano justificável. A disposição tem natureza distinta do pagamento indevido contemplado no Código Civil, pois não exige o erro do consumidor, limitando-se a estipular uma única hipótese de exclusão de responsabilidade do fornecedor: o engano justificável. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 895 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 25/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No pensar de Ricardo Fiuza, para se receber a restituição do pagamento feito indevidamente é necessário que este tenha sido feito por erro. O ônus da prova do erro incumbe a quem fez o pagamento indevido voluntariamente (solvens).

Este dispositivo repete o art. 965 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria de redação, devendo a ele ser dispensado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 454 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 25/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na pauta de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, como espécie de enriquecimento sem causa, o pagamento indevido exige que haja o enriquecimento de uma pessoa, o prejuízo de outra pessoa e o nexo causal entre o enriquecimento  de uma e o prejuízo da outra.

Para que seja indevido o pagamento é necessária a ausência de íntima justificação para o fenômeno (atribuição patrimonial defectiva de causa).

Não é necessária a capacidade para o enriquecido e para o enriquecedor, por se tratar de fato jurídico em sentido estrito.

Se o enriquecedor for capaz e o enriquecimento decorrer de ato seu, é necessário que tenha agido por erro.

A jurisprudência exclui o direito à repetição se o pagamento visar ao cumprimento de prestação de cunho alimentar, se o enriquecido o tiver recebido de boa-fé, com base nos princípios da segurança jurídica e da confiança (ex.: pensão alimentícia, vencimentos de servidor público, pensões e benefícios de aposentadoria). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 25.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 878. Aos frutos, acessões, benfeitorias e deteriorações sobrevindas à coisa dada em pagamento indevido, aplica-se o disposto neste Código sobre o possuidor de boa-fé, conforme o caso.

No entender de Hamid Charaf Bdine Jr, a coisa dada em pagamento indevido fica em poder daquele que a recebeu sem ter direito ao bem. Esse falso credor pode ter agido de boa-fé ou de má-fé e poderá ter percebido frutos do bem ou ter incorporado acessões a ele. Pode ser, ainda, que o bem recebido tenha se deteriorado.

Caso o credor tenha agido de boa-fé, a hipótese se regerá pelo disposto no CC 1.214 e seu parágrafo único, CC 1.217 e CC 1.219. Se tiver agido de má-fé, a questão rege-se pelo disposto no CC 1.214, parágrafo único, CC 1.216, CC 1.218 e CC 1.220. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 897 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 25/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

A doutrina mostra que, aquele que recebeu o pagamento indevido de boa-fé (accipiens   de boa-fé) deverá devolver a coisa recebida indevidamente, mas terá direito de conservar os frutos percebidos e de ser indenizado relativamente às benfeitorias úteis e necessárias. Quanto às voluptuárias, poderá levanta-las, desde que não altere a substância da coisa. O accipiens de má-fé deverá devolver tudo que recebeu, juntamente com seus frutos, não tendo direito a indenização por benfeitorias úteis e necessárias, não podendo, ainda, levantar as voluptuárias. De resto devem ser aplicadas as regras dos possuidor de boa-fé e do possuidor de má-fé (v. CC 1.214 a 1.220). O artigo é mera repetição do art. 966 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria de redação, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 455 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 25/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD.

No parecer de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o possuidor é de boa-fé ou de má-fé conforme ignore ou não o vício ou obstáculo que impede a aquisição da coisa (CC 1.201).

O dispositivo manda aplicar esse critério à coisa que é indevidamente entregue ao enriquecido para o cumprimento de obrigação, relativamente a seus frutos, acessões, benfeitorias e deteriorações. Ou seja, se o enriquecido recebe a coisa com o conhecimento de que ela lhe está sendo entregue por erro, será possuidor de má-fé e responderá por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde momento em que se constituiu de má-fé, conforme o CC 1.216, responde pela perda ou deterioração da coisa, ainda que acidentais, salvo se provar que de igual modo se teriam dado, estando ela na posse do enriquecedor (CC 1.218) e somente pode cobrar ressarcimento pelas benfeitorias necessárias (CC 1.220). o enriquecido de boa-fé é também possuidor de boa-fé e, por isso, não responde pela perda ou deterioração da coisa a que não der causa (CC 1.217), tem direito aos frutos percebidos (CC 1.214) e tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis (CC 1.219). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 25.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).