quarta-feira, 29 de abril de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 944, 945, 946 - continua Da Indenização - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 944, 945, 946 - continua
Da Indenização - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art. 233 ao 965) - Título IX – Da Responsabilidade Civil
(Art. 944 a 954) Capítulo II – Da Indenização
– vargasdigitador.blogspot.com

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.

Como sugere Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o artigo representa importante inovação no sistema da responsabilidade civil, muito embora não no seu caput, que continua a acentuar a indiferença do grau de culpa para a fixação da indenização cuja função é recompor a lesão sofrida pela vítima, na extensão do prejuízo que lhe foi causado, com as observações, a que se remete, contidas no comentário ao CC 947. Mas justamente esse princípio da indiferença do grau de culpa, estabelecido desde a Lei Aquília (Lex Aquilia et levíssima culpa venit), é que agora passa a encontrar mitigação, contida no parágrafo único, aproximando, inclusive, o sistema civil do penal, em que o grau de culpa influencia a dosagem da pena.

Pois a partir do CC/2002, e malgrado não como regra geral, mas sim excepcionalmente, a indenização poderá ser reduzida por consequência de uma conduta havida com grau mínimo de culpa, todavia desproporcional ao prejuízo por ela provocado. A inspiração do preceito é, de novo aqui, e ainda como expressão do princípio da eticidade, elemento axiológico muito caro à nova normatização, que pretende, no caso, corrigir situações em que uma culpa mínima possa, pela extensão do dano, acarretar ao ofensor o mesmo infortúnio de que padece a vítima. Ou seja, quer-se evitar, com o dispositivo, como salienta Silvio Rodrigues, que haja apenas uma transferência da desgraça de um para o outro, como quando, no seu exemplo, alguém, no vigésimo antar de um edifício, distraidamente encosta na vidraça que se desprende e mata um pai de família que transitava pela rua, circunstância em que, com indenização medida pela extensão do dano, uma inadvertência mínima pode trazer a ruína do ofensor, assim apenas transmitindo-se-lhe a desgraça das vítimas reflexamente atingidas com o falecimento (Direito civil, 19 ed. São Paulo, Saraiva, 2002, v. IV, p. 188).

Se é assim, desde logo se afasta a incidência do parágrafo quando não haja um dano desproporcional a uma culpa que ademais não seja leve ou levíssima, apreciada conforme as condições pessoais do ofensor, muito embora sem simplesmente olvidar o exame de qual a diligencia média que o caso requeria, nem as circunstâncias objetivas de local, tempo e época do evento. Cumpridos esses pressupostos, considera-se com ressalva que adiante se fará, que seja imperativa a redução equitativa da indenização, ao menos no sentido de que não contida na simples discricionariedade do juiz. E isso a despeito da utilização no, no preceito, do verbo poder, mas a rigor erigindo-se verdadeiro direito subjetivo do lesante. Por outra, quer-se dizer que não se permite ao juiz, se preenchidos os requisitos legais, indeferir a redução frise-se, apenas com base na suposição de que ela encerre uma pura faculdade, uma potestade.

Na fixação de quanto se reduzirá a indenização, omisso o CC/2002, determina, por exemplo, o Código Civil português, que contém semelhante regra (art. 494) que se atente ao grau de culpabilidade do agente, à situação econômica das partes e às demais circunstâncias do caso. Se é assim, impende indagar se, diante da situação financeira do ofensor, em especial, pode-se negar a redução. Imagine-se lesante abastado, para quem o pagamento da indenização medida pela extensão do dano nenhum risco de ruína ou de desgraça representa. Em casos tais, deve-se indenizar completamente a vítima ou apenas efetuar menor redução do montante da indenização? Na primeira hipótese, estar-se-ia desigualando o lesante abastado daquele carente? Mas alguma diferenciação não se faz, de toda sorte, quando se vai medir, ao menos, a extensão da redução da indenização? Tem-se aqui, embora discutível a matéria, que se o princípio é o da integral reparação da vítima e se a sua exceção se inspira na intenção de evitar que se transfira a desgraça de um a outro, então se a situação pessoal do ofensor lhe permite, sem maior risco, pagar integralmente a indenização, esta deverá ser a solução.

Afinal, não parece ser justo e equitativo que alguém que causa prejuízo a outrem não o indenize completamente, sem maior risco, pagar integralmente a indenização, esta deverá ser a solução.

Afinal, não parece ser justo e equitativo que alguém que causa prejuízo a outrem não o indenize completamente se, assim fazendo, não corre nenhum risco de ruína, mesmo tendo agido com grau mínimo de culpa. Veja-se a propósito que o Código Civil argentino (art. 1.069) e o Código Suíço das Obrigações (art. 44, § 2º), sintomaticamente, ordenam que atente o juiz, na redução equitativa, à situação econômica do lesante. Isso tudo apesar de não se entrever nenhuma inconstitucionalidade na previsão da redução que se ostentasse por conta do disposto no art. 5º, V e X, da CF/1988, contemplativo do princípio da indenização ilimitada, sempre à consideração de que a fixação equitativa da indenização, com seus requisitos específicos, e dado o espírito que anima, encerra imperativo de justiça (equilíbrio) e solidarismo também constitucionalmente impostos às relações entre as pessoas (art. 3º, I). Mas não é menos certo que, se o sistema se volta à reparação completa, a mitigação no dispositivo contida deve ser interpretada de maneira restritiva, por isso, aí sim, permitindo-se ao juiz que negue a redução equitativa quando, mesmo diante de grau mínimo de culpa com que se portou, possa o ofensor indenizar a vítima por completo, sem nenhum risco maior a seu patrimônio ou, antes, à mantença de seu padrão de vida digno.

Outro problema que a norma suscita está, como se tem sustentado, na sua inaplicabilidade aos casos de fixação de dano moral, porquanto despido de natureza ressarcitória ou reparatória. Com efeito, o dano que se prefere denominar extrapatrimonial consubstancia vulneração a direitos da personalidade e reclama fixação indenizatória que represente uma compensação à vítima, da mesma maneira que, simultaneamente, deve representar um desestímulo ao ofensor, ainda que, no caso concreto, se pondere o grau de culpabilidade do agente, se afinal não se arbitra o quantum indenizatório pela extensão de um prejuízo que não é materialmente mensurável. É, de resto, o quanto se pretende inserir no CC/2002, acaso aprovado o Projeto de Lei n. 276/2007 de reforma, para o fim de constar § 2º no dispositivo presente, assentando aqueles parâmetros de fixação da indenização moral, sempre arbitrada pelo juiz e, nunca, a priori, por limites, faixas ou mesmo quantias determinadas que a lei pretenda impor, aqui sim, de forma insustentável, diante da irrestrição contida na Lei Maior, conforme alhures já se defendeu, de forma mais minudente (ver Godoy, Cláudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade. São Paulo, Atlas, 2001, p. 118-20).

Por fim, tratando-se a regra do parágrafo único, ora em comento, como de interpretação restritiva, tal qual se viu, e contemplativa de redução em caso de culpa mínima do agente, nega-se sua aplicação às hipóteses de responsabilidade objetiva, porquanto independente de culpa, tal como se levou a enunciado na Jornada de Direito Civil, realizada no Superior Tribunal de Justiça em 11 de setembro de 2002 (Enunciado n. 46). Em sentido contrário, portanto defendendo a redução mesmo em casos de responsabilidade objetiva, ver: Coelho, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, v. 2. São Paulo, Saraiva, 2004, p. 401). (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 952-53 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 29/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como explica a doutrina de Ricardo Fiuza, segundo o Código Civil de 1916, adotava-se a teoria da extensão do dano, como critério para a fixação da indenização cabível em caso de prejuízo material. Assim, o quantum indenizatório independia da existência de dolo, vontade deliberada de causar o prejuízo, ou de culpa no sentido estrito, que, por sua vez, divide-se em grave — na qual o agente, embora sem a vontade deliberada de causar o dano, atuou como se o tivesse desejado —, leve — ausência de diligência média, observada por um homem normal em sua conduta — e levíssima — falta de diligência, tomada acima do padrão médio do ser humano (v. Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade Civil Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro. 7 ed. São Paulo. Saraiva. 1999. v. 7. p. 35; Rui Stoco, Responsabilidade civil e este artigo, em seu parágrafo único, adota a teoria da gradação da culpa, a influenciar o quantum indenizatório, mas somente possibilita sua diminuição diante de desproporção entre a gravidade da culpa e o dano.

O dispositivo é, no entanto, insuficiente, já que seu caput se adapta somente ao dano material e não está adequado ao dano moral.

O critério para a fixação do dano material é o cálculo de tudo aquilo que o lesado deixou de lucrar e do que efetivamente perdeu. Já que o evento danoso interrompe a sucessão nonnal dos fatos, a reparação de danos deve provocar um novo estado de coisas que se aproxime tanto quanto possível da situação frustrada, ou seja, daquela situação que, segundo a experiência humana, em caráter imaginário, seria a existente se não tivesse ocorrido o dano (v. José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 6. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1979, v. 2, p. 407).

Vê-se, assim, que o critério da extensão do dano aplica-se perfeitamente à reparação do dano material — que tem caráter ressarcitório.

No entanto, na reparação do dano moral não há ressarcimento, já que é praticamente impossível restaurar o bem lesado, que, via de regra, tem caráter imaterial. O dano moral resulta, na maior parte das vezes, da violação a um direito da personalidade: vida, integridade física, honra, liberdade etc. (v. Carlos Alberto Bittar, Os direitos da personalidade, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense Universitária; Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, 3. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 57-65; Yussef Said Cahali, Dano moral, 2. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 42; Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reparação civil na separação e no divórcio, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 148 e 149). Por conseguinte, não basta estipular que a reparação mede-se pela extensão do dano.  

Os dois critérios que devem ser utilizados para a fixação do dano moral são a compensação ao lesado e o desestímulo ao lesante. Insere-se nesse contexto fatores subjetivos e objetivos, relacionados às pessoas envolvidas, como a análise do grau da culpa do lesante, de eventual participação do lesado no evento danoso, da situação econômica das partes e da proporcionalidade ao proveito obtido como ilícito (v. Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, cit., p. 221).  

Em suma, a reparação do dano moral deve ter em vista possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória e, de outro lado, exercer função de desestímulo a novas  práticas lesivas, de modo a “inibir comportamentos antissociais do lesante, ou de qualquer outro membro da sociedade”, traduzindo-se em “montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo” (cf. Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, cit., p. 247 e 233; v., também, Yussef Said Cahali, Dano moral, cit., p. 33-42; e Antonio Jeová Santos, Dano moral indenizável, 3. ed., São Paulo, 2001, p. 174-84; v. acórdãos em JTJ, 199/59; RT, 742/320).

Ao juiz devem ser conferidos amplos poderes, tanto na definição da forma como da extensão da reparação cabível, mas certos parâmetros devem servir-lhe de norte firme e seguro, sendo estabelecidos em lei, inclusive para que se evite, definitivamente, o estabelecimento de indenizações simbólicas, que nada compensam à vítima e somente servem de estimulo ao agressor.

Note-se que os critérios sugeridos têm caráter genérico e abrangente, a serem aplicados conforme as circunstâncias do caso concreto, a exemplo do Código Civil português (arts. 494 e 496) e do Código Civil italiano (arts. 2.056, 2.057, 2.058, 2.059, 1.223, 1.226 e 1.227).  

Assim, os critérios taxativos que ainda existem em leis específicas devem vigorar somente nos casos nelas regulados, como ocorre na Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/67, arts. 51 e 52). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 485-86, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como parâmetro de fixação da indenização, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo consagra a regra de que a indenização mede-se pela extensão do dano. Ou seja, não pode a indenização ser fixada em montante inferior à diminuição patrimonial sofrida pelo ofendido sob pena de deixar parte do dano sofrido sem a respectiva reparação, mas também não pode superar esse limite a ponto de transformar-se em meio de enriquecimento sem causa. Nesse sentido, são valiosos os ensinamentos de Caio Mário da Silva Pereira: “É também princípio capital, em termo de liquidação das obrigações, que não pode ela transformar-se em motivo de enriquecimento. Apura-se o quantitativo do ressarcimento inspirado no critério de evitar o dano (de damno vitando), não porém para proporcionar à vítima um lucro (de lucro capiendo). Ontologicamente subordina-se ao fundamento de restabelecer o equilíbrio rompido, e destina-se a evitar o prejuízo. Há de cobrir a totalidade do prejuízo, porém, limita-se a ele (Karl Larenz, Oblicaciones, vol. I, p. 194; de page, traité, vol. II, n. 1.092)” (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, vol III, 11ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 314).

Da Redução equitativa da indenização em razão do grau de culpa do agressor, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, esclarece haver casos em que mesmo inequivocamente caracterizado o dever de indenizar, a correspondente indenização que deveria ser fixada venha a se mostrar desproporcional ao grau de culpa do agressor, hipótese em que não deixaria de haver uma certa dose de injustiça em relação ao agressor. Neste caso, poderá o juiz equitativamente reduzir o montante da indenização. Ao dizer que poderá haver uma redução equitativa da indenização, o legislador expressamente liberou o julgador de aplicar a regra do caput de que a indenização se mede pela extensão do dano. Silvio de Salvo Venosa afirma que equidade “não é só o abrandamento de uma norma em um caso concreto, como também sentimento que brota no âmago do julgador”. (Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil: parte geral, 8ª ed. São Paulo, Atlas, 2008, p. 25. No mesmo sentido: Maria Helena Diniz, Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. São Paulo, Saraiva, 2001, p. 132).

Selma Ferreira Lemes esclarece que a equidade tem vários significados, dentre os quais a “atenuação, modificação efetuado no Direito, na lei, em consideração às circunstâncias particulares; moderação, razoabilidade na aplicação do Direito” (Selma Maria Ferreira Lemes. A arbitragem e a Decisão por Equidade no Direito Brasileiro e Comparado, in: Arbitragem Estudos em Homenagem ao Prof. Guido Fernando da Silva Soares, In memorian. São Paulo, Atlas, 2007, p. 193), ou, até mesmo, uma “maneira de solucionar o litígio fora das regras do Direito, seguindo critérios, tais como a razão, a utilidade, o amor à paz, a moral etc.” (Selma Maria Ferreira Lemes. A arbitragem... op. cit., p. 193.).

Nas palavras de Carlos Alberto Carmona, “quando se recorre ao juízo de equidade, tem-se em conta esta exigência, e habilita-se o juiz a superar a barreira da lei escrita, a criar uma norma que seja adequada à particularidade do caso a resolver” (Carlos Alberto Carmona. Arbitragem e Processo... op. cit., p. 66 (grifou-se e destacou-se). E arremata concluindo que “quando autorizado a julgar por equidade, o julgador pode com largueza eleger as situações em que a norma não merece mais aplicação, ou porque a situação não foi prevista pelo legislador, ou porque a norma envelheceu e não acompanhou a realidade, ou porque a aplicação da norma causará injusto desequilíbrio entre as partes” (Arbitragem e Processo: Um comentário à Lei n. 9.307/96, 3ª ed., São Paulo, Atlas, 2009, p. 65.).

Objetivamente, portanto, a regra de que a indenização se mede pela extensão do dano não comporta exceções. Há apenas situações de manifesta desproporcionalidade em que o julgador está autorizado a não aplicar essa regra, estando liberado para fixar a indenização em patamares inferiores ao dano causado. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 29.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.

No lecionar de Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o preceito traz, para o texto positivo do CC/2002, a consagração, há muito presente na jurisprudência, da concorrência de culpas, aliás a revelar que o grau de culpa do ofensor não foi sempre indiferente à fixação da indenização civil. No caso, tem-se o evento danoso resultante de conduta culposa de ambas as partes nele envolvidas. Lesante e lesado o são reciprocamente, de modo que as indenizações por eles devidas haverão de ser fixadas com a consideração do grau de culpa com que concorreram ao fato. E isso sem que a repartição se faça necessariamente em partes iguais, ao argumento de que, se a indenização se mede, como regra, pela extensão do dano, assim, havendo culpas comuns, só restaria reduzir a indenização pela metade. Há que ver que, também no preceito em comento, a ideia foi de atuação da equidade como fundamento de fixação de uma indenização que deve tomar em conta, no fundo, o grau de causalidade, ou seja, o grau de cooperação de cada qual das partes à eclosão do evento danoso. E esse grau de cooperação pode ser diferente, maior ou menor, para cada uma das partes, justamente, como imperativo de equidade, o que o juiz deve avaliar. Por isso é que se pode proporcionalizar a indenização devida a cada um dos lesados de forma desigual.

Algum conflito se põe acerca da aplicação da regra aos casos de responsabilidade sem culpa. Mas não se há de negá-la se, como se disse, a questão toda envolve o nexo de causalidade subjacente ao evento. Envolve, mais, inclusive um padrão de conduta leal e solidária que a boa-fé objetiva impõe, de resto também como revelação da eticidade. Afinal, não seria leal imaginar que alguém que houvesse agido com culpa, malgrado não exclusiva, para a eclosão do evento, pudesse se ver ressarcido integralmente, sem nenhuma redução, em nome de uma responsabilidade objetiva da outra parte. Na justa observação de João Calvão da Silva (Responsabilidade civil do produtor. Coimbra, Almedina, 1999, p. 733-4), admitir que alguém pudesse reclamar indenização cabal, integral, mesmo havendo contribuído para o evento lesivo, seria um verdadeiro venire contra factum proprium que, na sua função de limitação de direitos, a boa-fé objetiva repudia. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 953-54 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 29/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Lecionando sua doutrina, para Ricardo Fiuza, a concorrência de culpas do agente causador do dano e da vítima, que, segundo este artigo, deve ser levada em conta na fixação da indenização, não era prevista no Código Civil de 1916, mas já estava consagrada na doutrina e na jurisprudência brasileiras. Assim, outras formas de expressão do direito já mencionavam que, “se houver concorrência de culpas, do autor do dano e da vítima, a indenização deve ser reduzida” (cf. Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil, 7ª ed. São Paulo, Saraiva, 1971, v. 5, p. 414; v. Rui Stoco, Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial, 4ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 68 e 69); “Se a vítima não age com a cautela necessária para atravessar a rua em local apropriado, vindo a ser atropelada, justificável a redução proporcional do valor indenizatório, em razão da culpa concorrente” (Ri’, 609/112); “A partilha dos prejuízos, que se impõe nos casos de concorrência de culpas, deve guardar proporção ao grau de culpa, com que cada protagonista concorreu para o evento. Reconhecida a igualdade na proporcionalidade das culpas dos agentes, deve cada parte responder pela metade dos prejuízos causados à outra, e a partilha dos prejuízos não se faz através de vera compensação dos danos, que podem ser diversos e desproporcionais” (Ri’, 588/188); “Lendo ambas as partes concorrido para o evento danoso, a responsabilidade deve ser dividida” (Ri’, 567/104); “A culpa concorrente não altera a natureza da indenização, mas apenas restringe parcialmente a responsabilidade (Ri’, 599/260).

Muito embora vários julgados sigam o critério da partilha dos prejuízos em partes iguais (Ri’, 564/146. 575/136, 582/94, 585/127), bem estabeleceu este artigo que na fixação da indenização será levada em consideração a existência de culpas concorrentes, sob o critério da gravidade da culpa da vítima em comparação com a culpa do agente causador do dano, cabendo, portanto, ao juiz, na verificação do caso concreto, estimar o valor da indenização segundo o grau da participação culposa da vítima. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 488-89, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Referindo-se à redução da indenização diante da culpa concorrente da vítima, para Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, não é só o grau de culpa do ofensor que poderá servir de parâmetro para a redução do montante da dívida. Caso a vítima tenha concorrido para o evento danoso, deverá a indenização ser proporcionalmente reduzida em razão do grau de culpa da vítima. Uma vez reconhecida essa hipótese de culpa concorrente da vítima, não haverá liberdade para o julgador livremente optar por reduzir ou por não reduzir o montante da indenização como lhe seria permitido em um juízo de equidade. Havendo culpa concorrente da vítima, divisão da indenização é impositiva. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 29.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 946. Se a obrigação for indeterminada, e não houver na lei ou no contrato disposição fixando a indenização devida pelo inadimplente, apurar-se-á o valor das perdas e danos na forma que a lei processual determinar.

No luzir de Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o dispositivo, na verdade, redigido de forma mais genérica, pretende substituir as previsões do antigo art. 1.535, que constavam no CC/1916, do título destinado ao regramento geral da liquidação das obrigações. E o faz prevendo que, se indeterminada a extensão da obrigação, deva se dar sua prévia liquidação, nos termos contidos na lei processual, especificamente nos arts. 509 e seguintes do CPC/2015 (com redação dada pela Lei n. 11.232/2005). Isso, portanto, sempre que já não haja prévia determinação do quantum indenizatório pelas próprias partes, como se dá quando fixam cláusula penal compensatória – e aí com a ressalva que agora contém o CC 416, parágrafo único, parte final, a cujo comentário se remete o leitor -, ou quando a lei já não prefixe indenizações a forfait, presumindo o dano, como no caso da cobrança indevida de dívidas, e para quem aí entreveja um importe satisfativo e não uma verdadeira pena privada (ver comentários aos CC 939 a 941, supra). (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 954 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 29/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na balada da Ricardo Fiuza, Líquida é a obrigação certa quanto à sua existência e determinada quanto a seu objeto, de modo que, se tiver valor indeterminado, deverá ser apurada na conformidade da lei processual, que fixa as formas de liquidação da sentença ou da convenção entre as partes (este texto estava baseado no CPC/1973, arts. 475-A e ss, com correspondência no CPC/2015, CPC 509 e ss. Incluído pela Lei 11.232 de 22.12.2005. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 489, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Lecionando Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a extensão da obrigação pode ser estipulada contratualmente, por meio de valor indicado em cláusula penal ilustrativamente, ou ainda na lei, tal qual se dá, por exemplo, nas hipóteses de cobrança indevida de dívida (CC 939 e 940).

Nas hipóteses em que nem o contrato nem a lei estipularem o quantum deverá ser pago a título de indenização, o importe deverá ser apurado ou durante a fase de instrução processual ou na fase de liquidação de sentença (este texto estava baseado no CPC/1973, arts. 475-A e ss, Revogados, com correspondência no CPC/2015, arts. 509 e ss. Incluído pela Lei 11.232 de 22.12.2005, nota VD).

terça-feira, 28 de abril de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 942, 943 Da Obrigação de Indenizar - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 942, 943
Da Obrigação de Indenizar - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art. 233 ao 965) - Título IX – Da Responsabilidade Civil
(Art. 927 a 943) Capítulo I – Da Obrigação de Indenizar
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Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as pessoas designadas no CC 932.

No lecionar de Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o dispositivo, que em sua essência coincide com aquele que o precedeu, na legislação de 1916, consagra a regra da responsabilidade patrimonial do obrigado a reparar um dano causado. Ou seja, tem-se uma obrigação nascida da prática do ilícito, que impõe uma prestação, no caso ressarcitória, a que é subjacente, como sempre, nas obrigações perfeitas, a garantia patrimonial do devedor, ressalvada a garantia pessoa que há nas dívidas alimentares e resultantes da infidelidade do depósito.

E, acrescente-se, havendo mais de um causador do dano a ser reparado, erige-se entre eles uma responsabilidade solidária, de tal arte que todos se vinculam à integralidade da prestação ressarcitória, podendo por ela ser exigidos untos ou separadamente, à escolha da vítima.

Também assim sucede nos casos de responsabilidade indireta, ou seja, por fato de terceiro, tal como previsto no CC 932, o que se explicita no parágrafo da norma em comento, apenas, em relação ao art. 1.518, de CC/1916, ajustando-se a denominação dos coautores. Bem de ver, todavia, que nessa coautoria deve incluir-se também o partícipe do direito penal, não havendo, para a responsabilização civil, de proceder à distinção respectiva que há no direito penal. Para fins civis, responde solidariamente quem tenha, de forma eficiente, concorrido à causação do dano, portanto cuja conduta se integre no nexo causal, posto que plúrimo.

Vale também anotar que a alusão, na cabeça do artigo, à responsabilidade de quem seja o autor da ofensa ou da violação a um direito deveria ser adequada à nova redação do CC 186, que, diversamente do anterior art. 159 do CC/1916, não mais se utiliza da alternativa mas, ao revés, define o ilícito como a ação ou omissão voluntária, negligente ou imprudente, que viola direito e causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, razão, até, de não mais colocar em alternância a violação do direito e o prejuízo daí decorrente, mas a propósito remetendo-se ao comentário do preceito do CC 186.

Acentue-se, por fim, a contradição de fato existente entre a determinação do parágrafo único do preceito – que, por não ressalvar a hipótese, pode ser considerada também alusiva a uma responsabilidade solidária existente entre os pais e seus filhos, pelos atos por estes praticados, assim como do tutor e curador com relação aos atos do pupilo e curatelado – e a previsão da responsabilidade subsidiária dos incapazes, contida no CC 928. Isso, se pretende corrigir no Projeto de Lei n. 276/2007, de alteração do CC/2002, mas afirmando-se uma responsabilidade não mais subsidiária, e sim solidária do incapaz, embora ressalvando-se que sempre de forma equitativa e sem prejuízo de seus alimentos, e dos de seus dependentes, conforme já examinado no comentário ao CC 928, a que ora se remete o leitor. Decerto todavia que, enquanto não aprovada modificação desse teor, a compreensão do parágrafo único do artigo em comento deverá ficar adstrita aos casos em que, como sustentam Carlos Alberto Menezes Direito e Sérgio Cavalieri Filho, a responsabilidade indireta não exclua a direta, como na hipótese do empregador e do empregado, mas não dos pais, tutores e curadores e de seus filhos, tutelados e curatelados, em que, ao revés, a responsabilidade indireta dos primeiros é substitutiva e exclusiva, portanto afastando a responsabilidade dos autores diretos e, por conseguinte, afastando qualquer solidariedade de que se pudesse cogitar (Comentários ao novo Código Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. XIII, p. 315-6). (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 948-49 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 28/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em sua doutrina Ricardo Fiuza aponta este artigo regulando a responsabilidade patrimonial, pela qual os bens do responsável pela violação respondem pela reparação do dano acarretado ao ofendido. Em princípio, a responsabilidade é individual, mas há casos de responsabilidade indireta, em que a pessoa responde por ato de terceiro (CC 932, I a V), estabelecendo este artigo que se aplica o princípio da solidariedade, sendo tanto o agente causado do dano como o seu responsável obrigados pela reparação integral do dano. O mesmo princípio da solidariedade aplica-se diante do concurso de agentes na prática do ilícito, ou seja, quando duas ou mais pessoas violam direito alheio e causam-lhe dano (v. Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade civil, 2 ed. São Paulo, Saraiva, 1984, p. 165).

Sugestão legislativa: o art. 928, como antes visto, estabelece uma hierarquização na responsabilidade patrimonial em casos de danos ocasionados por incapaz, ao estabelecer que “o incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiveram obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes”. Esta regra conflita com o presente artigo e, por isso, na nota ao CC 928 propusemos ao Deputado Ricardo Fiuza sua substituição por outra norma. No entanto, o disposto no parágrafo único do CC 928 deve ser aproveitado no que se refere à preservação dos meios necessários à subsistência do incapaz, deslocando-o para um parágrafo a constar deste CC 942, com a redação a seguir sugerida.

Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor; todos responderão solidariamente pela reparação.

§ 1º São solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as pessoas designadas no CC 932.

§ 2º O incapaz responderá pela indenização, preservando-se os meios indispensáveis à sua subsistência.

(Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 485/486, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 28/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Falando de Responsabilidade Patrimonial, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apontam o dispositivo consagrar a regra da responsabilidade do patrimônio do agressor pela reparação dos danos causados. É esse, portanto, o fundamento legal que permite ao estado juiz coercitivamente expropriar o patrimônio do devedor para solver as dívidas que ele voluntariamente não adimpliu. Não são todos os bens do devedor, porém, que respondem por suas dívidas. A legislação processual cuida das exceções a essa regra ao dispor sobre os bens impenhoráveis (CPC art. 833). Além dos casos da responsabilidade indireta disciplinada pelo CC 932, há outros casos ainda em que os bens de terceiros que não tenham concorrido para a ofensa ou a violação do direito podem ser utilizados para reparação do dano (CPC art. 790). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 28.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Art. 943. O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança.

Sob o prisma de Cláudio Luiz Bueno De Godoy, a regra, em verdade, apenas consagra o princípio geral, primeiro, de que os direitos e ações de uma pessoa se transmitem aos herdeiros por ocasião de sua morte. Assim, tocam aos herdeiros, desde o instante do falecimento do autor da herança, não só indenização já fixada em favor do falecido como mesmo a ação tendente a postulá-la. De outra parte, e inversamente, também as obrigações passivas do de cujus se transmitem, o que o preceito igualmente assenta, mas aqui com a ressalva de que, sempre, na força da herança. A bem dizer, a segunda parte da norma em comento deve sem encarada de forma sistemática, sensível à concorrência dos CC 1.792, segundo o qual o herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança (herda, destarte, intra vires hereditatis), e, CC 1.997, que faz da massa transmitida o objeto da garantia do pagamento das dívidas do falecido (CPC, art. 796).

A supressão da ressalva final do antigo art. 1.526 do CC/1916, acerca da exclusão da regra da transmissão nos casos previstos na lei, não altera o sentido da norma nem a torna infensa ao influxo das regras gerais de instransmissibilidade, como no caso das obrigações personalíssimas ou na sucessão a título singular, malgrado não no legado, dado que os bens que são dele objeto não se furtam à garantia que o espólio encerra, na ordem de preferência do CC 1.967 (ver Almeida, José Luiz Gavião de. Código Civil comentado, coord. Álvaro Vilaça Azevedo. São Paulo, Atlas, 2003, v. XVIII, p. 81).

A grande controvérsia, todavia, que sempre gravitou em torno da regra da transmissibilidade da obrigação de reparar está na sua eventual pertinência ao prejuízo moral que se tenha causado ao autor da herança, sendo comum argumentar-se que os herdeiros apenas poderiam dar continuidade a uma ação de indenização dessa espécie já iniciada pela vítima, antes de sua morte. Ou, por outra, aos herdeiros não caberia a iniciativa de demanda na qual se postulasse indenização por agravo a direitos da personalidade afinal extintos com a morte de quem não ajuizou, antes, aquela ação.

A rigor, porém, não há que confundir a intransmissibilidade de direitos da personalidade de quem já morreu, por isso que personalíssimos, com a transmissão do direito à indenização por sua ofensa, sucedida antes da morte do ofendido. Portanto, também nesses casos deve-se aplicar a regra do dispositivo presente. E, mais, hoje em dia vem se discutindo se não há, verdadeiramente, uma projeção dos direitos da personalidade para depois da morte, corolário da admissão de que fundados em valor social básico e perene, como é a dignidade da pessoa humana, assim suscitando proteção, inclusive mercê de indenização moral, mesmo diante de ofensas post mortem, como está por exemplo, no Código Civil português, no art. 70, n. 1, e, ao que se entende, igualmente se contém no CC 12 brasileiro, particularmente em seu parágrafo único, mas a cujo comentário se remete o leitor. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 950-51 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 28/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo o histórico apresentado por Ricardo Fiuza, o dispositivo em tela não foi modificado no Senado Federal e na Câmara dos Deputados no período final de tramitar do projeto. A redação atual e a mesma do projeto. Corresponde ao art. 1.526 do Código Civil anterior, sendo que no dispositivo em análise não foram excetuados os casos de exclusão da transmissibilidade por sucessão.

Em sua Doutrina, na redação de Ricardo Fiuza, a obrigação de exigir a reparação e de prestá-la transmite-se por sucessão causa mortis, mas é limitada, quanto à responsabilidade do sucessor, às forças da herança.

Assim, este dispositivo deve ser interpretado com atenção às restrições constantes das outras regras deste Código Civil: “art. 1.792. O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe a prova do excesso, salvo se houver inventário, que o escuse, demonstrando o valor dos bens herdados”, e “Art. 1997”. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube”. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 486, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 28/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na redação de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, transmissibilidade do dever de indenizar, o dispositivo consagra a regra de que os bens e direitos da pessoa se transmitem aos seus herdeiros com sua morte.

Diferentemente das penas e sanções de caráter punitivo, que não podem ultrapassar a pessoa do agressor, a reparação civil transmite-se como todos os demais bens e direitos, inclusive o dever de indenizar oriundo da ofensa a direito da personalidade (CC 12, parágrafo único). Nesse sentido: “O direito de exigir reparação a que se refere o CC 943 abrange inclusive os danos morais, ainda que a ação não tenha sido iniciada pela vítima” (Enunciado 454 da V Jornada de Direito Civil). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 28.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 939, 940, 941 - continua - Da Obrigação de Indenizar - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 939, 940, 941 - continua
Da Obrigação de Indenizar - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art. 233 ao 965) - Título IX – Da Responsabilidade Civil
(Art. 927 a 954) Capítulo I – Da Obrigação de Indenizar
– vargasdigitador.blogspot.com

Art. 939. O credor que demandar o devedor antes de vencida a dívida, fora dos casos em que a lei o permita, ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dobro.

Sem novidade, como aponta Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o preceito é exata repetição do art. 1530 do Código anterior e tenciona responsabilizar quem se arvore à cobrança de débito antes de vencimento, a não ser que amparado em uma das hipóteses do CC 333, que autorizam seja cobrada a dívida antes de vencido o prazo para tanto estipulado. O dispositivo pressupõe que a cobrança, para ensejar as consequências nele previstas, tenha sido já levada a uma demanda judicial. Tanto é assim que, de um lado, uma das sanções é a devolução em dobro das custas do processo e, de outro, o CC 941, a seguir examinado. Dispõe sobre isentar-se o credor das penalidades de desistir da ação antes da contestação.

Se se cuida de cobrança extrajudicial, a hipótese deve ser subsumida à regra geral da responsabilidade por danos que sejam comprovados, como o moral ou material, decorrentes de restrição de acesso ao crédito, por exemplo, ou, se for o caso, tendo havido pagamento de dívida de consumo, ao preceito do art. 42, parágrafo único, do CDC.

No sistema do Código Civil, sempre se entendeu, majoritariamente, que a cobrança prematura, para justificar as sanções aplicáveis, deveria provir de conduta maliciosa, sob pena de inibir o ajuizamento de demandas. Melhor, porém, é a orientação da legislação do consumidor, que exime da penalidade o credor apenas quando ele demonstre que a cobrança derivou de cobrança justificável, quer dizer, aquele que, a despeito de todas as cautelas razoáveis exercidas, acabou por se manifestar (cf. Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin, Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do prometo, 7 ed. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2001, p. 349). Aliás, já na vigência do CC/1916, Aguiar Dias sustentava que o autor de cobrança de dívida não vencida, e também de dívida já paga, o objeto do artigo seguinte, deveria responder não só por dolo mas já, e ao menos, por mera culpa, vida de regra por imprudência, inclusive presumida, malgrado de forma relativa, permitindo-se-lhe demonstrar erro escusável (Da responsabilidade civil, 4 ed. Rio de Janeiro, 1960, v. II, p. 518). Também Caio Mário defendia, já antes do Código Civil de 2002, tratar-se de caso de ato ilícito indenizável por culpa presumida do credor, no mínimo, porque ele sabe ou deveria saber qual a data de vencimento da obrigação (Responsabilidade civil, 9 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 175).

Ou seja, a tendência é, segundo se crê, a extensão à responsabilidade de que ora se agita da mesma sistemática do CDC 42, parágrafo único, dando-se a sanção como regra, apenas se permitindo ao agente a demonstração de engano justificável na cobrança indevida e, mais, objetivamente apurada. A proposito, vale até não olvidar que a própria tese sobre o exercício abusivo de direitos se expressou objetiva, no CC/2002, nessa senda remetendo-se ao comentário ao CC 187. Tem-se no caso, afinal, a fata de dever de cuidado de quem cobra, corolário do princípio da boa-fé objetiva, em sua função supletiva, de seu turno, de revelação da eticidade, um dos três princípios cardeais da nova legislação, ao lado da operabilidade e socialidade. Ao assunto se tornará no comentário no artigo subsequente. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 945-946 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em sua Doutrina, Ricardo Fiuza aponta este dispositivo, bem como os CC 944 e o 941, como formas de liquidação do dano acarretado por cobrança indevida, que é havido como ato ilícito. Segundo tais dispositivos presume-se a culpa do agente na prática desse ilícito, cuja indenização é preestabelecida. Há expressiva jurisprudência pela qual a vítima deve provar a malícia ou dolo do autor da ação, sob pena de não serem aplicadas as sanções nestes dispositivos cominadas. Argumenta que a aplicação pura e simples de tais dispositivos criaria graves entraves ao direito de acionar, pelo receio dos litigantes quanto à aplicação das penalidades deles constantes (STJ, 3’ T., Recurso Especial n. 184822/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 14.10.1999; 3’ T., Recurso Especial n. 171393/SP/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 14.10.1999; STJ, Recurso Especial n. 99683/SP, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 25.11.1997). Críticas severas são realizadas a esse pensamento jurisprudencial, baseadas nos princípios que norteiam a responsabilidade civil, na qual seus pressupostos são tanto o dolo quanto a culpa em sentido estrito: negligência, imperícia e imprudência, de modo que sem sentido estabelecer uma exceção a tais princípios, impondo-se à vítima a difícil prova da intenção do autor da ação (dentre os defensores da aplicação do dispositivo sem a necessidade de demonstração do dolo, v. José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 6 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1979, v. I, p. 96-104). Como ato ilícito praticado, a responsabilidade civil pela cobrança indevida recebe nestes dispositivos uma prefixação do valor da indenização. No entanto, acórdão em Ri’, 138/184 chegou a decidir que não há impedimento à cumulação da aplicação dessas penas com a condenação em indenização por perdas e danos, já que elas independem da verificação do prejuízo. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 484, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em respeito a Responsabilidade por dívida não vencida, afirmam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira que, fora dos casos expressamente admitidos (CC 333, CC 1,425, CC 1.465 e demais hipóteses específicas), não pode o credor demandar por dívida ainda não vencida. Caso o credor faça tal indevida cobrança, deverá esperar o tempo que faltava para o vencimento, período em que serão descontados os juros correspondentes. Nesta hipótese, deverá o credor pagar em dobro as custas da respectiva ação de cobrança. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.

Como leciona Cláudio Luiz Bueno De Godoy, de igual fundamento, punitivo, sancionatório (cf. Azevedo, Antônio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social” O Código Civil e sua interdisciplinaridade, Coords. José Geraldo Brito Filomeno; Luiz Guilherme da Costa Wagner Júnior e Renato Afonso Gonçalves, Belo Horizonte, Del Rey, 2004, p. 372), àquele que anima o dispositivo antecedente, este artigo do CC/2002, na mesma esteira do que já previa o Código anterior, em seu art. 1.531, e com idêntica redação, responsabilizou quem demande por dívida já paga ou peça mais que o devido, determinando que, no primeiro caso, pague em dobro ao devedor o que haja cobrado e, no segundo, pague o equivalente à exigência indevida, salvo se prescrito seu direito.

Da mesma forma como se afirmou no comentário ao artigo precedente, é preciso, para que incida a pena, que tenha havido cobrança judicial, ao revés do que prevê o art. 42, parágrafo único, da Lei n. 8.078/90, aplicável para quando se cuide de dívida de consumo.

Para a responsabilização presente, havia sido sumulado, ainda sob a égide do CC/1916, o entendimento de que a sanção somente pudesse ser exigida quando a cobrança indevida ou excessiva dimanasse de má-fé do credor (Súmula n. 159 do STF), orientação a que não se acede, reiterando-se, como já dito em comentário ao CC 939, que melhor se considera que incida a penalidade por princípio, ressalvando-se ao credor apenas a demonstração de que foram tomadas todas as medidas razoáveis esperadas para evitar a ocorrência, mesmo assim consumada. Veja-se, a proposito, a observação de Caio Mário de que já o anterior art. 1.531 parecia haver abraçado a teoria objetiva (Responsabilidade civil, 9 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 176), na verdade, segundo o mesmo autor, abrandando-se esse rigor na hermenêutica dada à exacerbação da penalidade, mas valendo a advertência de Aguiar Dias de que, no caso concreto, se exagerada a pena, deveria caber ao juiz sua redução por equidade, para a hipótese concreta (Da responsabilidade civil, 4 ed. Rio de Janeiro, forense, 1960, v. II, p. 521).

Na verdade, de novo como se disse no comentário ao artigo precedente, deve-se considerar que, a exemplo do CDC 42, parágrafo único, a sanção somente seja infirmada pela demonstração de que a cobrança excessiva decorreu de erro justificável, objetivamente aferido, como se perquire, de resto, a questão do exercício abusivo de direitos (CC 187). Afinal, tanto quando no Código de Defesa do Consumidor, posto que lá se o aprecie considerando a desigualdade entre as partes, e à luz do intuito protetivo da parte vulnerável, há nas relações entre iguais também um dever de cuidado, corolário mesmo do solidarismo que deve presidir a relação entre as pessoas. Saliente-se que a incidência da sanção independe de qualquer verificação de efetivo prejuízo ao devedor, sendo costume asseverar haver no caso uma indenização fixada a priori, com presunção de um dever de segurança para com o demandado, quando, a bem dizer, se crê dispor o Código Civil, aqui, tanto quanto no dispositivo precedente, sobre uma verdadeira pena civil, como já acentuava Clóvis Bevilaqua, a propósito do Código Civil de 1916 (Código Civil comentado, 4 ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 312), e como Aguiar Dias lembra provir mesmo das Ordenações, fonte da norma (op. cit., n. 847, p. 515).

Aliás, tanto é assim que, ao ver de Pontes de Miranda, não se veda ao prejudicado pela cobrança indevida postular indenização suplementar ao que, na sua expressão, é uma pena privada, com presunção de culpa (Tratado de direito privado, 3 ed. Rio de Janeiro, Borsoi, 1972, t. LIV, § 5.534, p. 47). É certo que essa conceituação pode sofrer abalo se se considerar, como está no artigo seguinte, que a indenização se postulará se a penalidade não se aplicar em virtude da desistência da ação de cobrança indevida, daí se podendo inferir a intenção de o legislador tratar de uma indenização a forfait no dispositivo presente e no antecedente. De qualquer forma, no comentário ao artigo seguinte se tornará ao assunto.

A cobrança da sanção, entendia-se, não se podia dar nos próprios autos da demanda indevida, senão por meio de reconvenção, facultando-se sua exigência, ainda, por ação própria. Mais recentemente, conforme item a seguir, relativo à jurisprudência, vem-se admitindo a tanto idôneo qualquer meio processual, mesmo a defesa. Nem se reputa que sua higidez se infirme pela eventual aplicação das penalidades da litigância de má-fé, prevista nos CPC/2015, 80 e 81, dada a órbita diversa de subsunção de ambas as normas (cf. Diniz, Maria Helena. “Análise Hermenêutica do art. 1.531 do CC/1916 e dos arts. 16 a 18 do CPC/1973”. In: Jurisprudência brasileira 147/13). (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 947- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Publicado por Vitor Guglinski no site Jusbrasil em 2.015, acessado em 22.04.2020 por VD, “Conforme posicionamento consolidado na 4ª Turma do STJ, para que se reclame a restituição em dobro da quantia paga, disciplinado pelo CC 940, exige-se que o devedor indevidamente cobrado já tenha quitado a dívida, e que, além disso, haja má-fé do credor. Ademais, o acórdão cujos comentários seguem adiante reafirma a desnecessidade de reconvenção ou propositura de ação própria para que a parte lesada seja favorecida pelo instituto”.

Conforme se depreende da leitura da regra, duas são as situações possíveis: (i) o credor pretende receber dívida já paga, hipótese em que responderá pagando ao devedor o dobro do que lhe houver cobrado e (ii) o credor pretende receber mais do que lhe é devido, caso em que responderá pagando ao devedor o excesso cobrado.

O primeiro ponto a ser estudado, conforme destacado, é a judicialidade da cobrança. O dispositivo utiliza o vocábulo demandar, significando que o credor deve, necessariamente, movimentar a máquina judiciária, articulando tal pretensão, i.é, deve provocar o Estado-Juiz, de modo a ter satisfeito seu suposto crédito.

Deve-se tomar cuidado para não confundir a sanção imposta pelo Código Civil com aquela prevista no CDC 42, parágrafo único, tema sobre o qual Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin possui didática lição, a qual transcreve-se: “A sanção do art. 42, parágrafo único, dirige-se tão somente àquelas cobranças que não têm o múnus do juiz a presidi-las. Daí que, em sendo proposta ação visando a cobrança do devido, mesmo que se trate de dívida de consumo, não mais é aplicável o citado dispositivo, mas, sim, não custa repetir, o Código Civil.

No sistema do Código Civil, a sanção só tem lugar quando a cobrança é judicial, ou seja, pune-se aquele que movimenta a máquina judiciária injustificadamente” (In Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 395).

O segundo ponto diz respeito à existência de dívida já paga, o que faz presumir a conduta maliciosa do credor, ou seja, sua má-fé. Sobre isso, é pertinente observar que desenvolvemos nossas relações jurídicas. Sendo assim, em regra, a boa-fé nas relações jurídicas. Sendo assim, em regra, a boa-fé é que se presume, salvo naqueles casos em que a própria lei diz, expressamente, que presume-se de má-fé quem age de determinada maneira. Nos dizeres de Adroaldo Leão, “não pode a parte ou seu procurador invocar a tutela jurisdicional para prejudicar outrem ou desvirtuar a finalidade do seu direito. O abuso existe, mesmo não tendo havido dano à parte contrária” (Leão, Adroaldo. O Litigante de Má-fé. 2ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1986, p. 11).

A presunção de má-fé que gravita em torno da regra do CC 940 é uma exceção. E ainda, uma presunção que está ínsita no dispositivo, não constando expressamente do texto legal. O credor, mesmo sabendo que o débito fora devidamente quitado pelo devedor, ainda assim movimenta o Judiciário em busca de pretensão ilegítima. A esse respeito, cabe destacar o teor da súmula n. 159 do STF, prevendo que “a cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art. 1.531 do Código Civil” (atual CC 940).

No tocante à necessidade de reconvenção, a própria 4ª T. do STJ já assinalou no sentido de sua desnecessidade, por ocasião do julgamento do REsp n. 229.259/SP, em que pese a maioria da doutrina possuir entendimento contrário, consoante informa Flávio Tartuce (Direito Civil v. 2: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil, 7 ed. São Paulo, Método, 2012. P. 535). (Vitor Guglinski no site Jusbrasil em 2.015, acessado em 22.04.2020 por VD).

Em relação cobrança indevida do credor, apontam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, buscando coibir o abuso no exercício do direito de cobrança, o legislador explicitou que aquele que cobrar por dívida já paga, no todo ou parte ou ainda cobrar mais do que lhe for devido deverá ser apenado na exata medida da cobrança indevida. Assim, se já tiver recebido alguma quantia indevida deverá pagar ao devedor o dobro do que houver cobrado (a restituição do indevido, além da pena correspondente à cobrança indevida). Por outro lado, se valor algum houver sido pago, caberá apenas pagar a pena relativa a uma vez o montante indevidamente exigido, sem que restituição alguma seja necessária.

Considerando que nada há de abusivo na cobrança de dívidas prescritas – tanto que sequer é possível qualquer restituição decorrente do pagamento de dívidas prescritas – o legislador expressamente ressalvou essa situação, afastando a incidência da multa. Não é, porém, toda e qualquer cobrança que dará ensejo à aplicação da pena prevista neste artigo. Além da cobrança superior ao devido (elemento objetivo) é necessário ainda que o credor tenha agido com dolo (elemento subjetivo). O Código Civil de 1916 tinha disposição semelhante (art. 1.531), cuja interpretação levou o Col. Supremo Tribunal Federal a edita uma súmula nesse sentido “Cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art. 1.531 do Código Civil” (STF, súmula 159). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 941. As penas previstas nos CC 939 e 940 não aplicarão quando o autor desistir da ação antes de contestada a lide, salvo ao réu o direito de haver indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido.

Segundo parecer de Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o preceito repete, na primeira parte, o art. 1.532 do Código anterior, eximindo o autor da cobrança antecipada e da cobrança indevida das penalidades respectivas se este desistir da ação antes da contestação, de maneira geral sustentando-se que, com isso, demonstra sua boa-fé, seu arrependimento ou que laborava em erro de que se apercebeu. Reitera-se, todavia, o entendimento, já externado nos comentários aos artigos precedentes, de que, a despeito da relevante posição em contrário, até mesmo sumulada, as sanções lá previstas não têm sua aplicação subordinada à demonstração da malícia, considerando-se, a afastar a incidência do que é verdadeira pena privada, que, havida a desistência, não se levou a pretensão indevida a processo cuja relação se tenha completado, com citação e presença do réu no feito.

De toda sorte, a inovação está na segunda parte do dispositivo em comento, que ressalva a possibilidade de o demandado, mesmo havida a desistência da ação, postular indenização por danos que demonstrar haver sofrido. Mas, resta indagar se, mesmo inocorrida a desistência da ação de cobrança indevida, não poderia o demandado, ainda assim, pleitear perdas e danos. Isso porquanto, a uma interpretação literal do dispositivo, acorre a ideia de que a indenização somente seja devida se não couber a incidência da sanção dos CC 939 e 940, pela desistência da demanda.

Porém, se se defende, como examinado no comentário aos CC 939 e 940, que as quantias neles previstas encerrem verdadeira pena privada, então por consequência a indenização, com diversa finalidade, poderia ser sempre cumulada, tal qual, de resto, ocorre com a litigância de má-fé, no sistema processual civil (CPC 81, caput e § 3º de 2015), revertendo multa e indenização em favor do demandante inocente. Pois a situação é a mesma com as sanções em comento, ao que se crê, salvo quanto à maior extensão da pena civil em relação à processual. Mas aí caberia a redução equitativa de que se deve cogitar de resto bem ao sabor da eticidade que, no Código Civil de 2002, se revela muito claramente com a constante remissão à equidade, em especial na responsabilidade civil, e conforme já defendia Aguiar Dias, como salientado no comentário ao artigo anterior, a que se remete o leitor, e em que também se colaciona a posição de Pontes de Miranda, igualmente no sentido da possibilidade da cumulação da pena e da indenização.

Mas, se se quer que tenham as importâncias do CC 939 e, sobretudo, do CC 940, natureza satisfativa ou compensatória, consubstanciando verdadeira indenização a forfait, ao menos será de admitir que o prejudicado, provando prejuízo maior a este presumido, postule a diferença. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 947-48- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em histórico, acoplado à doutrina de Ricardo Fiuza, o dispositivo em tela não foi atingido por qualquer espécie de modificação no Senado Federal e na Câmara dos Deputados no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.532 do Código anterior, com pequena melhoria de redação.

Na Doutrina, aponta-se para nota ao CC 939, como se repete: Em sua Doutrina, Ricardo Fiuza aponta este dispositivo, bem como os CC 944 e o 941, como formas de liquidação do dano acarretado por cobrança indevida, que é havido como ato ilícito. Segundo tais dispositivos presume-se a culpa do agente na prática desse ilícito, cuja indenização é preestabelecida. Há expressiva jurisprudência pela qual a vítima deve provar a malícia ou dolo do autor da ação, sob pena de não serem aplicadas as sanções nestes dispositivos cominadas. Argumenta que a aplicação pura e simples de tais dispositivos criaria graves entraves ao direito de acionar, pelo receio dos litigantes quanto à aplicação das penalidades deles constantes (STJ, 3’ T., Recurso Especial n. 184822/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 14.10.1999; 3’ T., Recurso Especial n. 171393/SP/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 14.10.1999; STJ, Recurso Especial n. 99683/SP, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 25.11.1997). Críticas severas são realizadas a esse pensamento jurisprudencial, baseadas nos princípios que norteiam a responsabilidade civil, na qual seus pressupostos são tanto o dolo quanto a culpa em sentido estrito: negligência, imperícia e imprudência, de modo que sem sentido estabelecer uma exceção a tais princípios, impondo-se à vítima a difícil prova da intenção do autor da ação (dentre os defensores da aplicação do dispositivo sem a necessidade de demonstração do dolo, v. José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 6 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1979, v. I, p. 96-104). Como ato ilícito praticado, a responsabilidade civil pela cobrança indevida recebe nestes dispositivos uma prefixação do valor da indenização. No entanto, acórdão em Ri’, 138/184 chegou a decidir que não há impedimento à cumulação da aplicação dessas penas com a condenação em indenização por perdas e danos, já que elas independem da verificação do prejuízo.” (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 484, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como explanam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, do afastamento das penas previstas nos CC 939 e 940 em caso de desistência da ação antes da contestação. Fundado na premissa de que o credor que desiste da ação antes da contestação reconheceu o próprio erro com a cobrança indevida, evidenciando não ter agido com dolo ou má-fé, o legislador expressamente afastou a incidência das penas previstas nos CC 939 e 940 nesta hipótese. Trata-se, como é evidente, de uma presunção legal da ausência de dolo ou má-fé, o que impede a aplicação das penas civis.

Da cumulação das penas previstas nos artigos supra citados, CC 939 e 940, com perdas e danos, diante da natureza punitiva (e não reparatória), a aplicação das penas civis previstas nestes casos, não dependem de prova do prejuízo. O contrário ocorre com a reparação dos prejuízos sofridos pelo devedor injustamente demandado, em que a prova do dano é essencial para que surja o dever de reparar. Diante ainda da diferente natureza das penas previstas nos artigos em epígrafe, e da reparação civil, é plenamente possível ainda a cumulação dessas verbas. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 936, 937, 938 - continua Da Obrigação de Indenizar - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 936, 937, 938 - continua
Da Obrigação de Indenizar - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art. 233 ao 965) - Título IX – Da Responsabilidade Civil
(Art. 927 a 954) Capítulo I – Da Obrigação de Indenizar
– vargasdigitador.blogspot.com

Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.

Segundo parecer de Cláudio Luiz Bueno De Godoy, no dispositivo em comento o Código Civil de 2002 contempla a hipótese que hoje é expressamente de responsabilidade sem culpa, pelo fato da coisa, no caso o animal que provoca dano ao dono ou detentor imputável. Bem de ver, todavia, que o Código Civil persistiu na consagração de hipóteses específicas de responsabilidade pelo fato da coisa, furtando-se ao estabelecimento de uma regra geral a propósito, como há, por exemplo, no Código francês (art. 1.384, I, parte final), o que seria de grande valia para o enfrentamento de casos frequentes, como o são os de acidente de automóveis.

De toda sorte, explicita o preceito que o dono ou detentor do animal responde pelos danos por ele provocados, salvo se provar ocorrência de culpa da vítima ou de força maior, demonstração de que o Código Civil, malgrado não o tenha feito de forma sistemática, reconheceu a existência de excludentes mesmo à responsabilidade sem culpa. Quanto à culpa da vítima, deve ela ser exclusiva para afastar a responsabilidade do dono ou detentor (sobre a culpa concorrente, ver comentário ao CC 945). No que toca à força maior, fato necessário e inevitável (CC 393, parágrafo único), móvel da quebra do nexo causal, por identidade de motivos e consequências, deve-se considerar aí abarcado o caso fortuito, sempre, porém, quando estranho à atividade ou vontade do dono ou detentor, ou estranho, enfim, ao risco que há na guarde de animais (fortuito externo), como pode ser o roubo, mas não o rompimento de cerca, por exemplo.

Tais excludentes, de alguma forma, já estavam contidas nos incisos II a IV do art. 1.527 do CC/1916. O problema estava, a rigor, em seu inciso I, que possibilitava ao dono ou detentor se eximir quando provasse que guardava e vigiava o animal com cuidado preciso. Tratava-se de caso, verdadeiramente, de responsabilidade dos pais, cabia a prova da vigilância precisa. É o que não se repete e faz a diferença na nova redação do preceito. Admitida a teoria do risco, não mais há lugar para o dono ou detentor provar que cuidava do animal. De mais a mais, como já se entendia à luz de uma interpretação evoluída do art. 1.527, se o dano ocorreu, e não por fortuito ou culpa da vítima, foi mesmo porque o dono ou detentor não vigiava o animal com cuidado preciso.

A responsabilidade, no caso, é de quem detém o poder de direção sobre o animal, em regra do proprietário, mesmo que alguém por ele o faça, como seu empregado ou preposto, o que, então, não modifica sua responsabilidade. Maior dificuldade haverá quando a guarda for entregue a terceiro que tenha exclusivo poder de direção, sem ordens diretas do proprietário, como o locatário, comodatário ou depositário, por isso a quem, exclusivamente, para Caio Mário da Silva Pereira (Responsabilidade civil, 9 ed. Rio de Janeiro, forense, 1999, p. 110), deve-se imputar a responsabilidade pela reparação. A orientação, porém, parece confrontar com a tese firmada na Súmula n. 492 do STF, por alguns discutida (ver crítica de Venosa, Sílvio de Salvo. Direito civil, 3 ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. IV, p. 69-70), mas que responsabiliza solidariamente a locadora de veículos com o locatário, por danos provocados em acidentes. Responsabilidade solidária pode haver, aí sim, sem nenhuma dúvida, da concessionaria que explora estradas ou rodovias e por isso deve cuidar delas, garantindo que não as invadam animais cuja presença ponha em risco os transeuntes. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 941-42 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entender de Ricardo Fiuza, trata-se de típica responsabilidade indireta, com presunção da culpa do dono ou detentor do animal, presunção juris tantum por admitir prova em contrário, referente à culpa da vítima e à força maior. A força maior é excludente da responsabilidade, prevista no CC 393 deste Código, como o “fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”, sem que seja realizada distinção do caso fortuito neste dispositivo; a principal característica dessa excludente da responsabilidade é a inevitabilidade do evento. Muito debatida foi essa espécie de responsabilidade civil, que em princípio deve caber àquele que causa o dano; mas, no caso, é exatamente a pessoa que concorre para o dano, porque não cuidou, como devia, do animal que lhe pertence. Essa é a chamada culpa in custodiendo, modalidade da culpa ira vigilando, que se presume, já que a pessoa descuida do animal que tem sob sua guarda, ou seja, não o vigia com o devido cuidado. Importa verificar a guarda ou poder de direção ou comando, de modo que são responsáveis pelo animal tanto seu dono como seu detentor. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 483, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Os autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, falam da responsabilidade objetiva pelo fato da coisa. Haverá responsabilidade do dono ou detentor do animal pelos danos que ele causar. Aqui, apesar de o legislador não ter afirmado que o dono ou detentor do animal responde independentemente de culpa, não há dúvidas da natureza objetiva de sua responsabilidade. Isso porque, o legislador explicitamente afirmou que apenas não haverá responsabilização se o dono ou detentor do animal provar culpa da vítima ou força maior. Ou seja, apenas não haverá responsabilidade se o dono do animal provar a quebra do nexo de causalidade entre o dano causado e o fato do animal. Ao não admitir que a responsabilidade seja afastada por força de qualquer excludente de culpabilidade, o legislador indiretamente deixou explícito que a prova da culpa é irrelevante para a responsabilização do dono ou detentor do animal. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 24.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 937. O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta.

No entender de Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o dispositivo repete integralmente a redação do art. 1.528 do CC/1916, instituindo mais um caso de responsabilidade pelo fato da coisa, agora inanimada, mas deixando de explicitá-la como objetiva, tal qual fez no artigo antecedente. Trata o preceito em comento, na verdade, da responsabilidade por dano infecto, que, porém, já naquela anterior Código Civil, se entendia independente de culpa ou, ao menos, indutiva de uma presunção de culpa, posto que relativa.

A hipótese, já na anterior legislação, aludia ao dano provocado pela ruína de prédio, frise-se, decorrente da falta de reparos cuja necessidade fosse manifesta, assenta-se, contudo, como o fez a jurisprudência, o argumento sempre levantado de que, se ruína houve, e não proveniente de fortuito ou culpa da vítima, decerto então o foi porque havia reparos cuja necessidade era manifesta. Mais ou menos, a rigor, o que se dava com o cuidado preciso na guarda de animal, todavia o que o atual Código ajustou, sem fazê-lo, lamentavelmente, com o dano infecto e a exigência de reparos de necessidade manifesta. De toda sorte, impende prestigiar solução que já se preconizava na direção da responsabilidade sem culpa, oriunda do dever de segurança afeto ao dono do prédio e à construção, tanto mais pelo risco especial de que esta se reveste.

Acrescente-se que a responsabilidade é solidária do dono do edifício e do construtor, além de atinente à ruína total ou parcial, como se deve compreender o desprendimento de partes do prédio, como a queda de marquise, telhas e semelhantes. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 944 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Vê-se na doutrina de Ricardo Fiuza, o dono do edifício ou da obra em construção é responsável pelos danos resultantes de sua ruína, desde que proveniente de manifesta falta de reparos, mas disporá de ação de regresso contra o empreiteiro para dele haver a indenização paga aos atingidos pelos efeitos danosos daquela ruína, conforme o CC 618: “Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo”, devendo ser citado o parágrafo único deste dispositivo, pelo qual: “Decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito”. Há corwute de pensamento segundo a qual a responsabilidade até o momento da entrega do edifício é do construtor, salvo prova da culpa por parte do proprietário, e existe outra pela qual a responsabilidade do proprietário existe em qualquer caso em razão de sua culpa ira elegendo (v. José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 6 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1979, v. 1, p. 363/7). Entendemos que, em razão deste artigo, a responsabilidade do dono ou proprietário do edifício, esteja ou não em construção, sempre existe, podendo alcançar também o construtor ou empreiteiro, na conformidade do CC 618. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 483, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Da responsabilidade pela ruína de edifício, conforme Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dono do edifício é responsável pela sua solidez e segurança, respondendo pelos danos causados que resultarem de sua ruína, total ou parcial, desde que a ruína tenha sido causa por falta de reparos cuja necessidade fosse manifesta. Note-se, que o legislador apenas afirmou que haverá responsabilidade caso a ruína tenha decorrido de ausência de reparos cuja necessidade fosse manifesta. Os reparos cuja necessidade não possa ser percebida por um leigo não darão ensejo a responsabilidade, uma vez que não é razoável exigir do proprietário conhecimentos técnicos específicos que permitam constatar a necessidade de reparos que não sejam evidentes e manifestos. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 24.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido.

Na conta de Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o preceito cuida dos effusis et dejectis, ação originária do direito romano e cabível para a reparação de danos provocados pelo que caísse ou fosse arremessado do interior de uma habitação. Tem-se aí, já mesmo de acordo com o que se vinha entendendo acerca de igual previsão do CC/1916, responsabilidade sem culpa, pelo mesmo fundamento do preceito anterior, qual seja o dever de segurança que deve permear a guarda do que guarnece uma habitação. Impende somente observar que, agora, o nexo de imputação da responsabilidade não está na propriedade da coisa, mas especificamente na sua guarda, pelo que se responsabiliza quem habita o prédio.

Da redação do anterior art. 1.529 apenas se substituiu a expressão casa por prédio, mais consentânea com a diversidade de construções hoje habitadas e donde podem provir coisas caídas ou arremessadas. Mas a dúvida persiste, o que o atual CC não se deu a solucionar, com relação aos condomínios edilícios, em que algo pode cair ou ser arremessado sem que se identifique de qual unidade autônoma. Se já se defendeu que cada unidade autônoma deve ser considerada casa, ou hoje prédio, na dicção da lei, porque é objeto de propriedade exclusiva, assim respondendo seu respectivo morador, vale lembrar que a própria actio de effusis et dejectis, na sua origem, previa a responsabilidade solidária quando fossem vários os moradores da casa, com regresso contra o causador direto. Daí se defender que, no caso dos condomínios em edifícios, haja a responsabilização, quando não identificada a unidade de onde caíram ou foram arremessadas coisas, de todos os possíveis envolvidos, portanto todos os moradores, abraçada a tese da causalidade alternativa, e posto que assegurado posterior e eventual regresso.

É certo todavia que a jurisprudência, atenta à necessidade de reparação integral da vítima e preocupada com a dificuldade na identificação de todos os moradores, vem mesmo responsabilizando, nos casos mencionados, o próprio condomínio, a que se entrevê afeto, e portanto estendendo o fundamento do nexo de imputação, o dever de cuidado para que eventos como o ora em comento não aconteçam. Entende-se, porém, que devam ainda ser ressalvadas aquelas hipóteses em que a coisa caída ou arremessada não poderia, fisicamente, tê-lo sido de alguma ou algumas unidades. Pense-se em um prédio com unidades de frente e fundos, sendo que algum transeunte vem a ser atingido enquanto caminha pela calçada da fachada do edifício, de forma que seria impossível que viesse das unidades dos fundos coisa caída ou arremessada a ponto de provocar o dano. Em hipótese como essa, e sempre desde que não identificada a unidade de onde tenha caído a coisa, quando responde o respectivo morador, considera-se que deva se limitar a responsabilização respectiva aos moradores ou, como vêm decidindo os tribunais, aos condôminos das unidades, na hipótese figurada, de frente.

Por fim, cabe ainda anotar que, assentada a responsabilidade da guarda da coisa, ela se estende a qualquer habitante do prédio ou casa, portanto independentemente de qual seja o título da ocupação, eis que a qualquer deles, pelo fato em si de residir no local, cabe o dever de velar pelo que guarneça o local. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 945 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entender de Ricardo Fiuza, a responsabilidade por fato das coisas é também indireta e funda-se no princípio da guarda, de poder efetivo sobre a coisa no momento do evento danoso. Desse modo, a determinação do guardião é fundamental nesta espécie de responsabilidade civil (v. Caio Mário da Silva Pereira. Responsabilidade civil, 9 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 101-7). Presume-se ser o proprietário do prédio o guardião da coisa, mas a vítima nem sempre pode voltar-se contra o proprietário. Assim, se a guarda foi transferida pela locação, pelo comodato ou pelo depósito, transfere-se a responsabilidade para o locatário, o comodatário ou depositário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 484, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No raciocínio de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, diz-se da responsabilidade objetiva pela queda de coisas: Aquele que habitar prédio ou parte dele é responsável pelos danos provenientes de coisas caírem ou forem lançadas. Tal responsabilidade é objetiva e fundada na simples regra de que ninguém pode deliberadamente colocar em risco a segurança da coletividade.

Quanto à Responsabilidade do condomínio, não sendo possível identificar precisamente de onde partiu a coisa que caiu e causou um dano, a responsabilidade deve recair sobre o condomínio. Nesse sentido: “Na impossibilidade de identificar o causador, o condomínio responde pelos danos resultantes de objetos lançados sobre prédio vizinho". (STJ, 3ª T., REsp n. 246.830-SP, j. 22.2.05, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU 14.3.05). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 24.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).