segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.254, 1.255, 1.256 - continua Da Avulsão, Do Álveo Abandonado, Das Construções e Plantações - VARGAS, Paulo S. R

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.254, 1.255, 1.256 - continua

Da Avulsão, Do Álveo Abandonado, Das Construções e Plantações 

- VARGAS, Paulo S. R. - Parte Especial - Livro IIITítulo III – Da Propriedade (Art. 1.248 ao 1.259) Capítulo II – Da Aquisição da Propriedade Imóvel

Seção III – Da Aquisição por Acessão – Subseções III, IV e V

digitadorvargas@outlook.comvargasdigitador.blogspot.com

 

Art. 1.254. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno próprio com sementes, plantas ou materiais alheios, adquire a propriedade destes; mas fica obrigado a pagar-lhes o valor, além de responder por perdas e danos, se agiu de má-fé.

 

Na visão de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo cm exame nada inovou, em substância, o que continha o art. 546 do Código Civil de 1916. Trata da hipótese do dono do solo plantar ou edificar em terreno próprio, mas utilizando-se de materiais ou plantas alheias. A solução adotada pelo legislador está na aquisição, pelo dono do solo, da propriedade da construção e da plantação, atendendo o princípio superfícies solo cedit e na impossibilidade de se devolver os materiais ou plantas alheios sem fratura ou dano. De outro lado, o proprietário do solo, e agora também das acessões a ele incorporadas, indeniza o valor dos materiais e plantas alheios, para evitar o enriquecimento sem causa. O valor a ser indenizado, segundo Carvalho Santos, é o que os materiais e sementes tinham quando passaram a ser propriedade do dono do solo, ou seja, o momento no qual foram plantados ou empregados na construção, devidamente atualizados, para evitar a depreciação da moeda (Carvalho Santos, J. M. de. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. V II, p. 404). Não se indeniza, portanto, o valor da obra concluída, nem o da plantação em fase de colheita, mas apenas o que perdeu efetivamente o ex-dono dos materiais e sementes, sem incluir a mais valia que acrescentaram ao dono do solo. É irrelevante, de outro lado, se a construção foi demolida, ou se a plantação se perdeu, pois o risco da perda ou deterioração é do dono da acessão (res perit domino). Se o dono do solo agir de má-fé, pagará também as perdas e danos causados ao dono dos materiais e sementes, cabendo a este último, porém, o ônus de provar os danos emergentes e os lucros cessantes decorrentes do ato ilícito. Finalmente, não mais persiste acesa discussão na doutrina, sobre casos em que ao dono dos materiais era admitida a reivindicação, em vez de singela indenização. Tomem-se como exemplo os casos das sementes e materiais ainda não incorporados ao solo, ou das coisas consideradas imóveis por acessão intelectual, como espelhos, quadros, eletrodomésticos e outros bens móveis intencionalmente destinados à exploração, aformoseamento ou comodidade de um prédio. A figura das pertenças, expressa no art. 93 do Código Civil de 2002, de um lado cria uma unidade econômico-social com a coisa a que elas servem, mas, de outro, garante a possibilidade de destaque do bem principal, podendo ser objeto de relações jurídicas próprias. Parece claro, portanto, que as pertenças, antigas acessões intelectuais, podem ser reivindicadas por seus proprietários, não se incorporando ao prédio, nem constituindo acessões. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.253. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 05/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Não acrescenta em nada a doutrina de Fiuza, além do que foi dito acima: Neste artigo está prevista a indenização por perdas e danos na hipótese de o construtor ou plantador ter agido de má-fé. É este dispositivo único ao art. 546 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 647-48, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 05/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Nas palavras de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, se o dono do imóvel constrói ou planta com sementes ou material de terceiros, tornar-se-á o dono destas construções ou plantações, com base no preceito de que aquilo que adere ao solo a ele fica incorporado. Se estiver de má-fé, terá de ressarcir o valor, além de eventuais perdas e danos (CC 1.254). Se ambas as partes estiverem de má-fé, o proprietário terá de ressarcir apenas os gastos com a acessão, sem perdas e danos (CC 1.256). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 05.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

A propósito, atente-se para o artigo de Bruno Oliva intitulada “Da perda de uma chance” ainda a espera de uma previsão legal, publicada no site Jusbrasil.com.br. junho/2020. Segundo o autor, a aplicação da Teoria da Perda de uma Chance no Brasil encontra, há anos, respaldo na doutrina e jurisprudência. A indenização desta espécie de dano na responsabilidade civil é autônoma e independente às existentes, quais sejam: material, moral e estético. Sua aplicação não é unânime, mas acontecerá o mesmo quando havia a divergência entre dano material e dano moral, e posteriormente entre o dano moral e dano estético. Isto porque, como o legislador não atuou para elaboração de uma lei criando a perda de uma chance, o Superior Tribunal de Justiça, assim como quando editou as Súmulas 37 e 387, também poderá criar, no ordenamento jurídico, a aplicação destes institutos.

 

Muito embora inexista, na legislação pátria, previsão legal específica que conceitue a perda de uma chance, esta novel espécie de dano da responsabilização civil tem sido aplicada no Judiciário brasileiro há quase duas décadas. Surgido na França (final do século XIX), foi posteriormente aplicado, no século passado (início do século XX), na Itália, Inglaterra, EUA, assim como em outros países. No Brasil, aplicado desde o ano de 2005 (início do século XXI), possui como fundamentação legal a aplicação, por analogia, de garantias fundamentais e princípios gerais presentes tanto na Constituição Federal de 1998 quanto no Código Civil de 2002. Sendo considerada uma quarta espécie de dano passível de reparação, após o surgimento do dano material, moral e estético, constata-se, numa evolução histórica, a mesmíssima discussão de antigamente entre a autonomia e independência do dano material com o dano moral, sendo pacificada no ano de 1992 com a edição da Súmula 37 do STJ, assim como entre o dano moral e dano estético, sendo resolvida com a edição, em 2009, da Súmula 387 do STJ.

 A teoria da perda de uma chance foi desenvolvida na França (la perte d'une chance), com posterior aplicação na Inglaterra (loss-ofachance), visando indenizar o evento danoso acarretado pela perda de uma chance de obter um proveito determinado ou ainda de evitar uma perda.

 O precedente mais antigo do mundo, no direito francês, foi o caso apreciado pela Corte de Cassação, em 17 de julho de 1889, que concedeu indenização à perda provocada pela conduta negligente de um oficial ministerial, que impediu o prosseguimento do procedimento e, consequentemente, a possibilidade de ganhar o processo.

Em seguida, um caso inglês de 1911, conhecido como Chaplin V. Hicks, a vítima estava entre as cinquenta finalistas de um concurso de beleza e teve sua chance interrompida, uma vez que o infrator a impediu de participar da última etapa do concurso. Em razão disso, entendeu-se que a vítima teria 25% de chances de ser a vencedora. Como houve divergências sobre esse caso inglês, a perda de uma chance foi objeto de estudo e análise na Itália, na década de 1940, quando Giovani Pacchioni tratou do assunto na obra “Diritto Civile Italiano”, reportando-se aos casos trazidos pelas doutrinas francesa e inglesa.


Por se tratar de uma espécie nova de dano no Direito Brasileiro sua identificação, caracterização e conceituação ainda não estão consagradas na legislação pátria. Considerado por muitos doutrinadores como “leading case no Direito Brasileiro, o julgamento de 08/11/2005, do Recurso Especial nº 788.549/BA, relatado pelo Ministro do STJ Fernando Gonçalves, aplicou-se a teoria da perda de uma chance no caso do "Show do Milhão". Segue o aresto:

 

“Recurso Especial. Indenização. Impropriedade De Pergunta Formulada Em Programa De Televisão. Perda Da Oportunidade. 1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido.” Neste caso específico, a vítima alegou que a última pergunta do programa foi erroneamente formulada, por isso, perdera a chance de obter o prêmio máximo do jogo, ou seja, um milhão de reais. Isto porque, na última etapa do programa, realizou-se à vítima a pergunta sobre o percentual do território brasileiro que a Constituição Federal reconhecia aos índios, tendo como alternativas: 22%, 2%, 4% ou 10%. Sem saber responder à esta indagação, a vítima desistiu e, assim, recebeu R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), conforme regra do programa. No entanto, como a vítima posteriormente verificou que nenhuma das alternativas encontrava respaldo na Constituição Federal de 1988, ajuizou ação pleiteando o valor integral do prêmio em razão da questão mal formulada, ou seja, R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Na primeira instância, a teoria da perda de uma chance foi acolhida, integralmente no valor pleiteado. Após análise do recurso de apelação, o Tribunal de Justiça da Bahia negou provimento ao recurso do infrator, mantendo a sentença. No Superior Tribunal de Justiça, houve provimento em parte do recurso especial interposto pelo infrator, não para afastar a perda de uma chance, mas para reduzir a indenização para R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais), que representava a probabilidade que a vítima possuía, ou seja, percentual de 25% que representam as quatro perguntas. Entretanto, a despeito de acertadamente ficar reconhecida a teoria da perda de uma chance, entende-se que, “data maxima venia”, seu desfecho no Superior Tribunal de Justiça não ocorreu de modo adequado, pois, ao indenizar a vítima com apenas 25% do valor máximo, considerar-se-ia que uma entre as quatro alternativas estivesse correta, porém, não é isso, na medida em que, se todas as alternativas formuladas no programa estavam incorretas, a reparação deveria ser mantida na integralidade, seja para reparar adequadamente a vítima, seja para aplicar o critério de desestímulo (pedagógico) ao infrator!

 

Fundamentação Legal - Nas palavras do ilustre Professor Flávio Tartuce: “A responsabilidade civil surge em face do descumprimento obrigacional, pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou por deixar determinada pessoa de observar um preceito normativo que regula a vida.” Assim acrescenta Gustavo Tepedino: “A ideia de responsabilidade civil relacionava-se, tradicionalmente, com o princípio elementar de que o dano injusto, ou seja, o dano causado pelo descumprimento de dever jurídico deve ser reparado.”

 

Pois bem. A responsabilidade civil consiste na obrigação legal de que cada um tem de reparar o prejuízo causado em decorrência de seu ato (comissivo ou omissivo) perante terceiros, sujeitando-se ao pagamento de uma compensação pecuniária.

 

Na hierarquia das leis (artigo 59 da Constituição Federal) encontra-se em primeiro lugar a Constituição Federal, de maneira que por esta começará a análise da perda de uma chance. Dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, consoante consagra a Constituição Federal de 1988, está o de construir uma sociedade livre, “justa” e solidária, conforme artigo , inciso I. Diante dessa necessidade trazida pela Lei Maior de conceder à sociedade brasileira a proteção dos seus direitos com o respeito às garantias individuais, principalmente, com “dignidade à pessoa humana”, conforme previsto no artigo 1º, inciso III, é que algumas interpretações no Direito Brasileiro estão sendo aclaradas com o passar do tempo.

Consoante o exposto, dispõe Sérgio Savi: “Se a Constituição Federal estabelece que a reparação deve ser justa, eficaz e, portanto, plena, não há como se negar a necessidade de indenização dos casos em que alguém perde uma chance ou oportunidade em razão de ato de outrem. Negar a indenização nestes casos equivaleria a infringência dos postulados do pós-positivismo como a hermenêutica principiológica, a força normativa da Constituição Federal e a necessidade de releitura dos institutos tradicionais de Direito Civil à luz da tábua axiológica constitucional.”

 

No mesmo sentido, as palavras certeiras de Rafael Peteffi da Silva: “o novo paradigma solidarista, fundado na dignidade da pessoa humana, modificou o eixo da responsabilidade civil, que passou a não considerar como seu principal desiderato a condenação de um agente culpado, mas a reparação da vítima prejudicada. Essa nova perspectiva correspondente à aspiração da sociedade atual no sentido de que a reparação proporcionada às pessoas seja a mais abrangente possível.” Percebe-se, assim, que Constituição da República de 1988 promoveu uma verdadeira criação dogmática, influenciando, sobremaneira, a formulação dos institutos do Direito Civil.

 

Apesar da ausência de expressa disposição legal sobre a perda de uma chance, a Constituição Federal, nos artigos , inciso III, inciso I e também o 5º, incisos V e X, consagra ao Direito da Responsabilidade Civil situações merecedoras da tutela do Estado, principalmente no reconhecimento de novos institutos jurídicos. Sem perder de vista que “o estudo da matéria contribui para melhor compreensão da extensão dos danos, bem como de suas espécies de aplicação e ampla a margem de satisfazer pretensões de maneira mais completa, minimizando danos”, a perda de uma chance é tão relevante quanto às demais e, por isso, merece ampla reparação.

 

Diante disso, como Código Civil de 2002 utilizou-se de um conceito amplo de dano (cláusula aberta) não impedindo, nem restringindo, que ocorram interpretações extensivas na responsabilidade civil, a perda de uma chance também é derivada do “caput” do artigo 927 do Código Civil de 2002, consagrando que “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”, presumindo-se, portanto, que “todo” e “qualquer” tipo de dano mereça a devida reparação.

 

Ao contrário do preceito acima que não aponta para qual o dano abarcado (considera-se, assim, o dano material, moral, estético e perda da chance), o disposto no artigo 186 do Código Civil de 2002 apenas ressalta que existe violação ao direito ainda que o dano seja exclusivamente moral, senão vejamos in verbis: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

 

Na toada da incidência do Código Civil de 2002 para fundamentação legal da perda de uma chance, o Ministro do STJ Ricardo Villas Boas Cueva, em 20/08/2019, ponderou no Recurso Especial nº 1.757.936/SP que “a reparação dos danos pela perda de uma chance encontra fundamento nos artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002, que estabelecem, respectivamente, uma cláusula geral de responsabilidade civil, utilizando um conceito amplo de dano, e o dever de reparar como consequência da prática de ato ilícito. Assim, ao adotar essa técnica legislativa, os danos passíveis de reparação não são apenas aqueles enumerados pelo legislador, a exemplo dos incisos I e II do artigo 948 do CC/2002, podendo abranger também a chance perdida, desde que estejam comprovados a prática do ato lesivo e o nexo causal entre a conduta do ofensor e a perda da chance.”

 

E com base no critério da extensão do dano prevista no artigo 944 do Código Civil de 2002 no sentido de que “A indenização mede-se pela extensão do dano”, inexiste qualquer óbice legal para a apuração, mensuração e arbitramento da indenização pela perda de uma chance. Nessa toada, explica Sérgio Savi que “o princípio da reparação integral dos danos, consagrado no artigo 944 do CC/2002, reforça a necessidade de reparação pelas chances perdidas, pois tem por objetivo proteger a vítima, colocando-a na mesma posição em que ela estaria caso não tivesse sofrido o dano considerado injusto pelo ordenamento jurídico.”

 

Entrementes, imperioso mencionar que a V Jornada de Direito Civil, realizada em maio de 2.002, com a coordenadoria do Ministro aposentado do STJ, Ruy Rosado de Aguiar, editou o Enunciado 444, de autoria de Rafael Peteffi da Silva, com a seguinte redação: “A responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza jurídica de dano patrimonial. A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos.” Na justificativa para elaboração do Enunciado 444 da V Jornada de Direito Civil estão as seguintes considerações:

 

“Há consenso, entre as publicações que se aprofundam sobre o tema, que a chance perdida pode apresentar natureza jurídica de dano extrapatrimonial ou de dano patrimonial, conforme as circunstâncias do caso concreto. Essas publicações demoram-se em afastar a equivocada noção de chance perdida como subespécie de dano moral, uma vez que a teoria da perda de uma chance pode albergar danos de natureza patrimonial como de natureza extrapatrimonial. Nesse sentido, exemplificativamente, Sergio Savi, de onde se extrai a seguinte passagem, fundamentada na doutrina francesa, inglesa e norte-americana [...] se a perda da vantagem esperada representa um dano moral, a perda das chances também será um prejuízo extrapatrimonial, o mesmo acontecendo com o dano material, se este for a categoria na qual se encaixe o prejuízo derradeiro. Na jurisprudência brasileira, apesar de muitas decisões cometerem o equívoco de considerar a chance perdida como uma categoria de natureza exclusivamente extrapatrimonial, recentes julgados admitem a sua dupla natureza jurídica. Algumas das últimas decisões do STJ são expressas em afirmar a cambiante natureza jurídica da chance perdida, dependendo das circunstâncias do caso concreto.”

 

Em conclusão, está descrito que “A proposição ora apresentada tem por finalidade incorporar no ordenamento jurídico nacional a teoria da perda de uma chance, já pacificamente aceita na doutrina e na jurisprudência.” No projeto de lei enviado ao Congresso Nacional para aprovação da perda de uma chance possui a seguinte proposta de alteração ao Código Civil de 2002: “Art. 1º: Acrescente-se ao art. 927 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, os seguintes parágrafos, renumerando-se os demais: ‘Art. 927............................................ § 2º A responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais. § 3º A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos.’” Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.”

 

Em linhas gerais, constata-se que a perda de uma chance, num futuro próximo, será agregada ao ordenamento jurídico pátrio como, por exemplo, ocorreu com o dano estético, que tornou-se autônomo e independente pelo Judiciário brasileiro após a edição, em 01/09/2009, da Súmula 387 do STJ, prevendo que “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral.”

 

Acresce-se que, antes mesmo da polêmica de parte da doutrina e da jurisprudência em relação à independência e autonomia dos danos estético e moral (Súmula 387 do STJ), havia também debates sobre o mesmo critério entre os danos moral e material, ocorrendo sua pacificação somente com a publicação, em 17/03/1992, da Súmula 37 do STJ, estabelecendo que “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.”

 

Portanto, muito embora ainda inexista qualquer previsão legal específica para conceituar a perda de uma chance, sua aplicação no Direito Brasileiro, que data desde 2005, acredita-se que não tardará até que ganhe abrigo na legislação pátria, seja por meio de lei, seja pela edição de Súmula no Superior Tribunal de Justiça, como ocorreram com as Súmulas 37 e 387 do STJ.

 

Na hierarquia das leis (artigo 59 da Constituição Federal) encontra-se em primeiro lugar a Constituição Federal, de maneira que por esta começará a análise da perda de uma chance. Dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, consoante consagra a Constituição Federal de 1988, está o de construir uma sociedade livre, “justa” e solidária, conforme artigo , inciso I. (Bruno Oliva intitulada “Da perda de uma chance” ainda a espera de uma previsão legal, publicada no site Jusbrasil.com.br. junho/2020, Acessado em 05/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização.

 

Parágrafo único. Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver acordo.

 

No iluminar de Francisco Eduardo Loureiro o artigo em exame, especialmente seu parágrafo único, introduz relevante novidade em nosso ordenamento jurídico, consagrando exceção ao princípio superfícies solo cedit. Trata-se, sem dúvida, da mais importante alteração introduzida no capítulo das acessões, como adiante veremos. O caput do artigo trata do caso daquele que edifica ou planta em terreno alheio, com materiais ou sementes próprias. Hipótese diversa, portanto, da estudada no CC 1.254, no qual havia construção feita em terreno próprio, mas com materiais ou sementes alheios. Traça o legislador a regra geral de o construtor ou plantador perder o que plantou ou construiu a favor do proprietário do solo, mas ter direito à indenização, se agiu de boa-fé. Visa a reparação a evitar o enriquecimento sem causa do proprietário do solo, que terá incorporadas as acessões, em desfavor do construtor ou plantador, que as perderá. É intuitivo que para construir ou plantar em terreno alheio deve-se ter a posse do prédio. O preceito alcança todas as classificações da posse, desde que cumpra o requisito da boa-fé subjetiva, entendida como ignorância ou desconhecimento do vício que a afeta. Assim, terá direito à indenização o possuidor direto, com posse ad interdicta ou ad usucapionem, e até mesmo o possuidor com posse injusta, desde que desconheça o vício.

 

Não diz a lei, mas por analogia se aplicam as regras relativas à indenização das benfeitorias úteis, de modo que, além da indenização, terá o construtor ou plantador de boa-fé direito de retenção, permanecendo com a coisa até o recebimento do crédito, consoante tranquilo entendimento dos nossos tribunais. Nesse sentido o Enunciado n. 81 do Conselho de Estudos Judiciários do Superior Tribunal de Justiça, do seguinte teor: “O direito de retenção previsto no CC 1.219 do Código Civil, decorrente da realização de benfeitorias necessárias e úteis, também se aplica às acessões (construções e plantações), nas mesmas circunstâncias”. No que se refere à oportunidade e modo de exercício do direito de retenção, se remete o leitor ao comentário ao CC 1.219 do Código Civil, que aqui se aplica.

 

Diz a parte final do caput do CC 1.255 que o construtor e plantador de boa-fé terão direito à indenização pelas acessões perdidas para o dono do solo, mas não quantifica seu valor. Aplica-se o disposto na parte final do CC 1.222, que assegura ao possuidor de boa-fé a indenização pelo “ valor atual”. Repete-se o que foi dito no comentário àquele artigo. Indeniza-se o valor das acessões, no estado em que se encontram, no momento da devolução do prédio. Leva-se em conta, portanto, o desgaste e a depreciação da acessão, assim como o decréscimo de sua utilidade, para aferir seu valor atual, pouco importando se o possuidor gastou mais ou menos para fazê-las. A regra tem lógica: de um lado, não deve o dono do solo pagar mais do que recebeu; de outro lado, porém, se o custo para fazer a benfeitoria ou acessão foi inferior a seu valor atual, é justo receber o construtor/plantador de boa-fé a diferença, pois corresponde àquilo que enriqueceu o dono do solo. É relevante saber o exato momento em que cessou a boa-fé do construtor/plantador, marco divisor do direito à percepção de indenização das acessões erigidas até aquela data. Não é relevante o fato da acessão ser regular ou irregular, na esfera administrativa. Ainda que não aprovada por autoridade administrativa, tem a construção valor, embora sofra alguma depreciação. Assim, ainda que o art. 34, parágrafo único, da Lei n. 6.766/89, reze que nos contratos de compromisso de compra e venda de imóveis loteados não serão indenizadas as benfeitorias (caso se estenda o preceito às acessões), mesmo feitas em desconformidade com o contrato ou com a lei, não significa que obras não aprovadas sejam perdidas sem qualquer indenização.

 

O construtor/plantador de má-fé, além de perder a construção ou plantação a favor do dono do solo, não tem direito à indenização. Embora não repita o atual CC 1.255 o contido na parte final do art. 547 do revogado Código Civil, está claro que também responde por eventuais perdas e danos, além de ser obrigado a repor o prédio no estado anterior, se assim desejar o dono do solo, em vez de se apropriar da construção ou plantação.

 

A principal novidade do preceito se encontra no parágrafo único do CC 1.255, que inverte um paradigma milenar, de o solo ser o principal e a construção/plantação o acessório. Atende a regra à cláusula geral da função social da propriedade, conferindo ao construtor/plantador de boa-fé, que deu destinação econômica e social ao prédio, sobre ele consolidar a propriedade, indenizando o dono do solo, que permaneceu inerte, não utilizando o que era seu. O direito assegurado ao construtor/plantador está subordinado a dois requisitos cumulativos: a boa-fé e o valor consideravelmente superior da construção/plantação, em relação ao solo.

 

Na expressão de Nelson Rosenvald, trata-se de acessão inversa, na qual a construção ou plantação são os bens principais e o solo é acessório (Direitos reais, teoria e questões, 2. ed. Niterói, Impetus, 2003, p. 93). O critério é econômico e exige que o valor da acessão supere consideravelmente o valor do terreno. Usou o legislador propositalmente termo indeterminado - consideravelmente - conferindo maior poder ao juiz, para, no caso concreto, aferir a disparidade de valores entre o solo e a acessão. Deve-se levar em conta, dentro do parâmetro econômico primário fixado pelo legislador, a natureza da utilização do imóvel, a relevância dos investimentos e a função social que o construtor/plantador deu ao prédio.

 

Na falta de consenso entre as partes, será fixada a indenização pelo juiz, levando em conta, como é óbvio, o valor do solo sem as acessões erigidas por terceiro de boa-fé. O direito potestativo do construtor/plantador pode ser agitado em ação própria ou como exceção em demanda reivindicatória ou possessória. Contra o pagamento do valor fixado judicialmente, será o imóvel transferido ao construtor/plantador, servindo a sentença como título derivado para o registro imobiliário. Cuida-se de mais uma modalidade de alienação compulsória do proprietário que deixou de dar função social à propriedade, ao possuidor que a deu, tal como previsto no CC 1.228, § 4º, do Código Civil de 2002.

 

Embora não preveja a lei, também o proprietário do solo, onde foi construída a acessão inversa de boa-fé, tem o direito de postular a aquisição compulsória do terreno pelo construtor ou plantador. Basta lembrar a hipótese do valor das acessões de boa-fé, com direito de retenção, superar em muito o valor do terreno, e o proprietário não dispuser de recursos para a indenização. Parece sensato que para resolver o impasse, em vez de indenizar as acessões, prefira perder o terreno e receber o seu valor correspondente em dinheiro. A figura da acessão inversa se aplica exclusivamente à propriedade privada, pois a propriedade pública, para efeito de alienação, deve ser previamente desafetada. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.262-63. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 05/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Sob o enfoque do Deputado Ricardo Fiuza, em sua Doutrina, o caput do artigo é mera repetição do Art. 547 do Código Civil de 1916, contudo o seu parágrafo único traz inovação, permitindo que aquele que construiu de boa-fé no terreno de outrem adquira sua propriedade, desde que pague indenização ao proprietário, cujo valor será fixado judicialmente ou por acordo. O legislador, com esta regra, quis evitar o enriquecimento sem justa causa do possuidor (nesse sentido v. artigo de Carlos Alberto Dabus Maluf intitulado Benfeitoria não se confunde com acessão, O Estado de S. Paulo, de 18-1-1991, e RT, 692/201).

 

Estende-se o comentário de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, que, se o dono de sementes ou materiais planta ou constrói em terreno alheio, perderá estas em proveito do dono do imóvel. Se estiver de boa-fé, terá direito ao ressarcimento. Nesta última hipótese, caso o valor das plantações ou construções exceda consideravelmente o valor do imóvel, estando de boa-fé, adquirirá o dono dos materiais a propriedade do solo.

 

O parágrafo único do CC 1.255 inova ao traduzir uma verdadeira inversão, no sentido de que o solo deixa de ser o principal e passa a ser acessório (Mário, 2004, p. 133). Destarte, se não houver acordo entre as partes, o juiz fixará o pagamento da indenização corresponde ao imóvel, outorgando, posteriormente, sua propriedade ao dono das plantações ou construções realizadas. Trata-se, como visto, de uma modalidade de desapropriação judicial que exige: a) a valorização das construções ou plantações em patamares superiores ao do imóvel; b) a comprovação de boa-fé do dono das plantações ou construções. O juiz tem ampla discricionariedade para analisar, com base em dados técnicos, os bens em questão. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 05.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.256. Se de ambas as partes houver má-fé, adquirirá o proprietário as sementes, plantas e construções, devendo ressarcir o valor das acessões.

 

Parágrafo único. Presume-se má-fé no proprietário, quando o trabalho de construção, ou lavoura, se fez em sua presença e sem impugnação sua.

 

Recordando com Francisco Eduardo Loureiro o Código Civil de 1916 tinha regra similar no art. 548. Foi a redação do preceito aperfeiçoada, substituindo-se o termo “valor das benfeitorias” por “valor das acessões”, eliminando qualquer dúvida a respeito do objeto da indenização. O artigo anterior disciplinou hipóteses nas quais o dono do solo está de boa-fé, variando apenas a boa-fé ou a má-fé do construtor/plantador. Agora trata o legislador do caso em que tanto o construtor/plantador como o dono do solo estão de má-fé, de modo que não há razão para tutelar o interesse de qualquer deles, em detrimento do outro. A solução dada foi a do dono do solo se apropriar das acessões, que se incorporam ao prédio, mas em contrapartida indenizar o seu valor ao construtor/plantador, evitando, assim, o enriquecimento sem causa de qualquer das partes. No que se refere ao valor da indenização, aplica-se por analogia o disposto na parte final do CC 1.222 do Código Civil de 2002: a indenização se faz pelo valor atual da acessão, evitando vantagem a qualquer das partes maliciosas. O parágrafo único do artigo em exame trata da presunção de má-fé do proprietário do solo, quando a construção ou plantação se fez em sua presença e sem impugnação. Na lição de Carvalho Santos, “ não precisa o construtor ou o plantador provar a má-fé do dominus soli, bastando que ele prove: a) que o proprietário estivera presente ao serviço de plantação ou construção; b) que a ele não fez oposição” (Carvalho Santos, J. M. de. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. V II, p. 422). Nada impede, porém, que o construtor/plantador faça a seu cargo prova por outros meios de que o dono do solo tinha ciência do levantamento das acessões e a elas não se opôs, apesar de não se achar presente. A presunção de má-fé que emana da presença do dono do solo é relativa e pode ser elidida por circunstâncias e provas em sentido contrário, como, por exemplo, convenção entre as partes de que as acessões não seriam indenizadas, ou de que o seu custo já se achava embutido na equação econômica do contrato. Finalmente, a presunção de má-fé do dono do solo presente exige também o requisito da falta de impugnação, pois, se reclamou, o risco passa a ser inteiramente do construtor/plantador. A impugnação pode ser judicial ou extrajudicial, comprovável por documentos, notificações ou testemunhas. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.257-58. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 05/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Em síntese, a redação de Ricardo Fiuza, cuida o artigo da hipótese de ter ocorrido má-fé tanto por parte do causotor ou plantador como por parte do proprietário, presumindo-se a má-fé deste se a construção ou lavoura se deu em sua presença, sem oposição. É idêntico ao art. 548 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário.

 

Escreve Alexandre Ferreira, em 21/10/2003, no site www.direitonet.com.br, Estudos sobre as diversas formas de aquisição da propriedade móvel, como acessão e usucapião. Adquire-se a propriedade de forma originária e derivada:

Originária – Quando desvinculada de qualquer relação com titular anterior, não existindo relação jurídica de transmissão. A maioria da doutrina, entende também como originária a aquisição por usucapião e acessão natural, formas de aquisição que vistas adiante. Derivada – Ocorre quando há relação jurídica com o antecessor. Existe transmissão da propriedade de um sujeito a outro. A regra fundamental dessa modalidade é que ninguém pode transferir mais direitos do que tem “ nemo plus iuris ad alium transferre potest, quam ipse haberet” . Existe transmissão derivada tanto por inter vivos como mortis causa, Nesta última, o fato da morte faz com que o patrimônio do falecido transfira-se a herdeiros. (Princípio da Saisine).

 

Da Aquisição por registro do título: Elencada nos CC 1.245, 1.246 e 1.247 a aquisição da propriedade imóvel pelo registro do título é a transferência entre vivos da propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis competente. Enquanto não se registrar o título, que deve ser público, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel. O registro torna-se eficaz no momento da apresentação do título ao oficial do registro e assim que este prenotar no protocolo que é a chave do registro geral. O CC 1.247, traz a possibilidade de cancelamento de registro caso este não exprima a verdade. Cancelado o registro cabe ação de reivindicação de imóvel independente de boa fé ou justo título. (Direito de Sequela). Devem ser igualmente registradas as sentenças proferidas em ações divisórias, inventários, partilhas, as sentenças que adjucarem bens de raiz em pagamentos de dividas de herança, as sentenças de separação, nulidade e anulação de casamento quando houver imóveis na partilha e sentença proferia em ação de usucapião bem como qualquer sentença, transitada em julgado, que transmita, total ou parcialmente a propriedade de um bem imóvel. Como já foram vistos nos artigos comentados anteriormente.

 

Se o semeador, plantador ou construtor agiu de má fé, poderá ser constrangido a repor as coisas no estado em que se estavam e a pagar pelos prejuízos, No entanto se ambos estão de má fé o CC 1256 determina que o proprietário adquira os acréscimos e pague o valor das acessões. Presume-se a má fé do proprietário quando este sabia do trabalho de construção ou lavoura e não o impugnou. Locupletando-se a custa de outrem, este adquirirá a propriedade da acessão mas ficará com encargo de indeniza-la ao construtor ou plantador. (Alexandre Ferreira, em 21/10/2003, no site www.direitonet.com.br, Estudos sobre as diversas formas de aquisição da propriedade móvel, Acessado em 05/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.251, 1.252, 1.253 - continua Da Avulsão, Do Álveo Abandonado, Das Construções e Plantações - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.251, 1.252, 1.253 - continua

Da Avulsão, Do Álveo Abandonado, Das Construções e Plantações 

- VARGAS, Paulo S. R. - Parte Especial - Livro IIITítulo III – Da Propriedade

(Art. 1.248 ao 1.259) Capítulo II – Da Aquisição da Propriedade Imóvel

Seção III – Da Aquisição por Acessão – Subseções III, IV e V

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Art. 1.251. Quando, por força natural violenta, uma porção de terra se destacar de um prédio e se juntar a outro, o dono deste adquirirá a propriedade do acréscimo, se indenizar o dono do primeiro ou, sem indenização, se, em um ano, ninguém houver reclamado.

 

Parágrafo único. Recusando-se ao pagamento de indenização , o dono do prédio a que se juntou a porção de terra deverá aquiescer a que se remova a parte acrescida.

 

Muito embora na página de Francisco Eduardo Loureiro, é citada a lição de Nelson Rosenvald, avulsão “ é o desprendimento, por força natural, violenta a abrupta, de uma porção de terra que vai se juntar ao terreno de outro proprietário, ocorrendo a consolidação de duas coisas em uma” (Direitos reais, teoria e questões, 2. ed. Niterói, Impetus, 2003, p. 90). O Código Civil de 2002 disciplina de modo claro o direito potestativo do proprietário do prédio acrescido, de optar entre indenizar o proprietário do prédio desfalcado, ou aquiescer que se remova a porção acrescida. A obrigação de indenizar visa a evitar o enriquecimento sem causa do proprietário do prédio beneficiado, às custas do desfalque de prédio alheio. O proprietário do prédio desfalcado pode apenas pleitear indenização no prazo decadencial de um ano, e apenas no caso de recusa do beneficiado nasce a prerrogativa de pedir a remoção da porção acrescida, retornando as partes ao estado anterior. Decorrido o prazo decadencial sem manifestação do prejudicado, a porção de terra se incorpora definitivamente no prédio acrescido, sem qualquer indenização. Não disciplina a lei hipótese inversa da avulsão causar danos ao prédio acrescido. Não havendo ato imputável ao dono do prédio desfalcado, nenhuma indenização será devida a tal título. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.250. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 02/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

A doutrina coerente de Ricardo Fiuza, mostra que Avulsão é o desprendimento de urna porção de terra por força natural violenta. É diferente da aluvião, que pode ser definida como o acréscimo lento e insensível. Ocorrendo a avulsão, com o desprendimento da porção de terreno e sua juntada a outro, se o proprietário do segundo, que veio a adquirir o bloco arrancado do primeiro, indenizá-lo, ou se, no prazo de um ano, este não reclamar, o proprietário do segundo adquirirá a propriedade desse bloco de terreno por acessão. Se não indenizar, a acessão será considerada como não efetuada, e o dono que adquiriu a porção do terreno deverá concordar que essa terra seja removida. O dispositivo é idêntico aos arts. 541 a 543 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 646-47, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 02/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Nas palavras de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, Avulsão diz respeito ao procedimento natural considerado violento e abrupto, de onde uma porção de terra se descola de uma propriedade e adere à outra, contrariamente ao aluvião, que é um processo vagaroso e imperceptível de acessão. Tal se dá quando uma parte de terra se desloca, por conta de chuvas fortes e torrenciais, passando a integrar a propriedade de terceiro, por acessão. É assim, uma forma de aquisição imobiliária causada pela incorporação de porções de terra.

 

Diferentemente de aluvião, a avulsão prevê a obrigação do proprietário beneficiado pela acessão em indenizar aquele que perdeu a porção de terras, tendo este, entretanto, o prazo de um ano para pleiteá-la, sob pena de decadência, conforme o CC 1.521 do Código Civil. Caso haja recusa do primeiro em indenizar, por qualquer motivo, deverá o beneficiado pela acessão concordar que seja removida a parte de terra acrescida, sob pena de enriquecimento indevido, tal é a dicção do parágrafo único do dispositivo acima citado. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 02.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.252. Subseção IV – Do álveo abandonado. O álveo abandonado de corrente pertence aos proprietários ribeirinhos das duas margens, sem que tenham indenização os donos dos terrenos por onde as águas abrirem novo curso, entendendo-se que os prédios marginais se estendem até o meio do álveo.

 

Diz Francisco Eduardo Loureiro que álveo é a superfície que as águas cobrem sem transbordar para o solo natural e ordinariamente enxuto (art. 9º do Código de Águas - Decreto n. 24.643/34). Segue a propriedade do álveo a natureza das águas, públicas ou particulares. Torna-se abandonado quando a corrente seca ou se desvia por fenômeno natural. Disciplina o artigo em exame dois efeitos da mudança do leito das correntes: a quem pertence o álveo abandonado e se o proprietário por onde passa o novo curso do rio faz jus à indenização. O álveo abandonado pertence aos proprietários ribeirinhos das duas margens, até o seu eixo médio e na proporção das testadas dos respectivos prédios. Aplica-se o que foi dito no comentário ao CC 1.249, sobre a formação de ilhas. Note-se que não faz o CC 1.252 qualquer distinção entre correntes públicas ou particulares; ao contrário, o art. 26 do Código de Águas explicita que o álveo abandonado de corrente pública pertence aos proprietários ribeirinhos das duas margens. Tratando-se de águas públicas, público será o novo álveo, sem qualquer indenização aos proprietários particulares, mas, em compensação, perde o Poder Público o antigo álveo para os proprietários ribeirinhos. Os proprietários dos terrenos por onde as águas abrirem novo curso, por seu turno, não fazem jus a qualquer indenização, por se tratar de fato natural não imputável a terceiros. Diferente, todavia, é a solução se a mudança de curso da corrente decorreu de obra de utilidade pública, caso no qual, nos termos do art. 27 do Código de Águas, o prédio ocupado pelo novo álveo deve ser indenizado; mas, em contrapartida, o álveo abandonado passa a pertencer ao expropriante. Nesse sentido decidiu recentemente o Superior Tribunal de Justiça que “ no caso de mudança de corrente pública pela força das águas ou da natureza, o álveo abandonado é regido pelo art. 26 do Código de Águas. Mas, no caso de mudança da corrente pública por obra do homem, o leito velho, ou álveo abandonado, pertence ao órgão público. Atribui-se a propriedade do leito velho à entidade que, autorizada por lei, abriu o rio para um leito novo. Em tal caso de desvio artificial do leito, a acessão independe de prévio pagamento de indenização. Não é premissa dessa aquisição que o Poder Público indenize previamente o proprietário do novo álveo” (STJ, REsp n. 20.762/SP, rel. Min. Nilson Naves). (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.250-51. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 02/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Diferentemente do anterior comentário de Francisco Eduardo Loureiro, acima, a doutrina de Ricardo Fiuza, deixa de citar o artigo 26 e 27 do Código de águas, e atem-se ao Álveo definido pelo art. 90 do Código de Águas — Decreto o. 24.643/ 34: “a superfície que as águas cobrem sem transbordar para o solo natural e ordinariamente enxuto”. O dispositivo é idêntico ao Art. 544 do Código Civil de 1916. devendo a ele ser dispensado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 646-47, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 02/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Código de Águas - Decreto 24643/34 | Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934, modificado em Brasília, 10 de abril de 1995; 174º da Independência e 107º da República, pelo então presidente FERNANDO HENRIQUE CARDOSO e seu vice José Serra. Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 11.4.1995 LIVRO I - Águas em geral e sua propriedade - TÍTULO I - Águas, álveo e margens - CAPITULO I - ÁGUAS PÚBLICAS:

 

Art. 26. O álveo abandonado da corrente pública pertence aos proprietários ribeirinhos das duas margens, sem que tenham direito a indenização alguma os donos dos terrenos por onde as águas abrigarem novo curso. Ver tópico (243 documentos).

 

Parágrafo único. Retornando o rio ao seu antigo leito, o abandonado volta aos seus antigos donos, salvo a hipótese do artigo seguinte, a não ser que esses donos indenizem ao Estado. Ver tópico (13 documentos).

 

Art. 27. Se a mudança da corrente se fez por utilidade pública, o prédio ocupado pelo novo álveo deve ser indenizado, e o álveo abandonado passa a pertencer ao expropriante para que se compense da despesa feita. Ver tópico (235 documentos).

 

Art. 28. As disposições deste capítulo são também aplicáveis aos canais, lagos ou lagoas, nos casos semelhantes que ali ocorram, salvo a hipótese do art. 539 do Código Civil. (Disposições buscadas junto ao site Jusbrasil.com.br, para complementação ao disposto no comentário do art. 1.252, à Doutrina de Ricardo Fiuza. Acessado em 02/10/2020 por VD) (Grifo Nosso).

 

No saber de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, ocorre o abandono de álveo quando uma corrente de águas, de forma natural, altera seu curso e abandona aquele leito, passando a correr sobre outra superfície de terras, tornando o leito anterior seco. Os proprietários do álveo abandonado adquirem, assim, a propriedade da terra seca, procedendo-se à sua divisão de acordo com a metade do álveo, destinada para cada um dos proprietários ribeirinhos.

 

Ainda que se verifique inundação sobre outras porções de terra, os proprietários do álveo abandonado não são obrigados a indenizar aqueles donos do novo leito, em razão de aquisição por força da natureza, e não da atividade humana. Se a corrente retornar seu curso anterior, a situação jurídica se estabelece como antes ocorria, segundo o art. 26, parágrafo único, do Código de Águas. Não ocorrerá acessão se o leito do rio for desviado por atividade humana, e não por força da natureza. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 02.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.253. Subseção V – Das Construções e Plantações – toda construção ou plantação existente em um terreno presume-se feita pelo proprietário e à sua custa, até que se prove o contrário.

 

Acompanhando Francisco Eduardo Loureiro, a subseção em estudo trata da acessão de móvel a imóvel, abrangendo acréscimos naturais ou decorrentes de obra humana. Alude o preceito a construção ou plantação, que são acessões, não se confundindo com benfeitorias. Benfeitorias são obras ou despesas feitas na coisa, com o propósito de conservá-la, embelezá-la ou melhorá-la. São os acréscimos sobrevindos ao bem em virtude de esforço humano. Já as acessões, ora estudadas, são obras novas, criam coisas distintas que aderem ao bem anteriormente existente. A regra maior que rege a matéria é a propriedade do solo compreender a da superfície e as das coisas que a ela acedem - superfícies solo cedit. Cria o preceito em estudo duas presunções: as construções e plantações terem sido feitas pelo dono do solo, e construídas e plantadas às custas do dono do solo. As presunções são relativas - juris tantum - e seguem regra de senso comum, de normalmente o proprietário construir e plantar no que é seu e às próprias expensas. Basta, assim, ao dono do solo, fazer prova da propriedade, para presumir a origem das acessões. Cabe ao adversário destruir a presunção, por qualquer meio de prova, documental ou testemunhal.

 

Na lição de Clóvis, “para que alguém possa alegar direito sobre o que se encontre edificado ou plantado em terreno alheio, há de exigir título hábil” (Beviláqua, Clóvis. Direito das coisas. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. I, p. 148). A demonstração da existência de uma razão jurídica, de um título que justifique a posse sobre coisa alheia, constitui valioso meio de prova da origem das acessões. Mesmo sem título, pode o possuidor usar de qualquer outro meio para demonstrar que edificou ou plantou em terreno alheio. Note-se que não basta demonstrar quem fez a acessão, mas também quem arcou com seu custo, para pleitear eventual indenização em face do dono do solo. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.252. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 02/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Segundo a Doutrina de Ricardo Fiuza, Está embutida neste artigo a aplicação de dois princípios: ‘a coisa acessória segue a principal” e ‘a propriedade do solo compreende a da superfície” (superfícies solo cedit). O dispositivo é idêntico ao Art. 545 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 647, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 02/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Abrilhantando o comentário sobre o artigo, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, consideram-se construções as edificações levantadas num determinado terreno, sendo que estas são tidas como presumidamente feitas pelo próprio dono do imóvel, às suas custas, nos termos do CC 1.253. A mesma regra se aplica às plantações existentes no terreno. Entretanto, tal presunção é relativa, eis que admite prova em contrário. Esta forma de acessão é também conhecida como acessão de móvel a imóvel. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 02.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.248, 1.249, 1.250 Da Aquisição por Acessão, Das ilhas, Da Aluvião - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.248, 1.249, 1.250

Da Aquisição por Acessão, Das ilhas, Da Aluvião  - VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro IIITítulo III – Da Propriedade

(Art. 1.248 ao 1.252) Capítulo II – Da Aquisição da Propriedade Imóvel

Seção III – Da Aquisição por Acessão – Subseções I e II

digitadorvargas@outlook.comvargasdigitador.blogspot.com

 

Art. 1.248. A acessão pode dar-se:

 

I – por formação de ilhas;

II – por aluvião;

III – por avulsão;

IV – por abandono de álveo;

V – por plantações ou construções.

 

Segundo a doutrina de Ricardo Fiuza, Acessão é modo originário de aquisição da propriedade, em razão do qual tudo que se incorpora a um bem fica pertencendo a seu proprietário. Esse instituto é proveniente do direito romano, acessio cedit principal. É esta regra idêntica ao art. 536 do Código Civil de 1916, devendo a ela ser dado o mesmo tratamento doutrinário. Subseção 1 Das ilhas (*) Houve aqui o acréscimo, como subdivisão da Seção RI do Capítulo II do Título RI, de subseções: Subseção 1— Das ilhas; Subseção II — Da aluvião; Subseção III — Da avulsão; Subseção IV — Do álveo abandonado; Subseção V — Das construções e plantações. A emenda, justificou-se o Senador Josaphat Marinho. “antes das expressões ‘Das ilhas’, ‘Da aluvião’, ‘Da avulsão’, ‘Do álveo abandonado’ e ‘Das construções e plantações’, encimando-as, acrescenta a indicação das respectivas subseções para resguardar a unidade de estilo do Projeto, como se vê, a exemplo, no trato do penhor rural (CC 1.436 e seguintes)”. O Deputado Batochio, relator parcial no período final de tramitação, conquanto considerasse formalmente correta a emenda, opinou pela sua rejeição, por considerar desnecessária a alteração. A posição da relatoria geral foi no sentido da aceitação da emenda, acompanhando, nesse particular, o próprio raciocínio da ilustrada relatoria geral no Senado. Com efeito, se era formalmente benéfica, e nada alterava quanto ao mérito; merecia acolhida. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 645, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 01/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Segundo orientação de Francisco Eduardo Loureiro, na precisa lição de Clóvis Bevilaqua, “acessão é modo originário de adquirir, em virtude do qual fica pertencendo ao proprietário tudo quanto se une ou se incorpora ao seu bem” (Direito das coisas. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. I, p. 142). O terceiro e último modo de aquisição da propriedade imóvel previsto no Código Civil é reflexo do princípio maior de que o acessório segue o principal. A coisa que adere ao solo e dele não pode ser retirada sem dano ou fratura, incorpora-se e passa a pertencer ao dono do prédio, evitando, assim, a criação de desconfortável situação de condomínio. A questão maior é determinar o acessório e o principal, matéria que ganhou relevo no Código Civil de 2002 como adiante veremos, no comentário ao CC 1.255. Na lição de Serpa Lopes, são requisitos para configuração da acessão: a união entre duas coisas corpóreas distintas; uma das duas coisas ser mais importante do que a outra, utilizando-se o critério econômico; as coisas se encontrarem unidas por um laço material, uma incorporação, por força natural ou do homem; as duas coisas pertencerem a proprietários diversos (Curso de direito civil, 4. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, v. V I, p. 488). Pode a acessão dar-se por fato natural, quando provém exclusivamente da natureza, ou artificial, quando provém de esforço do homem, com ou sem concurso da natureza. Pode, ainda, dar-se pela união de imóvel a imóvel, ou de móvel a imóvel. O artigo em exame elenca as cinco modalidades de aquisição por acessão, destacando sua natureza originária, que não deriva de negócio jurídico causai com o ex proprietário, mas de fato jurídico, ou comportamento ao qual a lei empresta efeitos de aquisição da propriedade. Disso decorre que a aquisição da coisa por acessão independe de seu ingresso no registro imobiliário, que tem efeito apenas publicitário e regularizatório, como se dá, por exemplo, com a averbação de construções. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.255. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 01/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

No respeitável conhecimento dos autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, Acessão significa o acréscimo de algo sobre o bem imóvel por razões naturais ou humanas, ou seja, é a incorporação de um bem por outro, seja por fenômenos da natureza, como o desvio de um rio, seja pela atuação do individuo, como uma construção. O Código Civil enumera as hipóteses de acessão, como causa de aquisição da propriedade, em seu CC 1.248, a saber: a) por formação de ilhas; b) por aluvião; c) por avulsão; d) por abandono de álveo; e) por plantações ou construções. Nos próximos artigos será discriminado cada item (Grifo VD). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 01.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.249. As ilhas que se formarem em correntes comuns ou particulares pertencem aos proprietários ribeirinhos fronteiros observadas as regras seguintes:


I – as que se formarem no meio do rio consideram-se acréscimos sobrevindos aos terrenos ribeirinhos fronteiras de ambas às margens, na proporção de suas testadas, até a linha que dividir o álveo em duas partes iguais;

 

II – as que se formarem entre a referida linha e uma das margens consideram-se acréscimos aos terrenos ribeirinhos fronteiras desse mesmo lado;

 

III – as se formarem pelo desdobramento de um novo braço do rio continuam a pertencer aos proprietários dos terrenos à custa dos quais se constituíram.

 

Na visão de Ricardo Fiuza, em sua doutrina, o direito às ilhas que se formam no meio do rio ou pelo desdobramento de um novo braço teve seu desenvolvimento nas Institutas de Justiniano (2.1, 22). Aliás, essa matéria já havida sido cuidada pela jurisprudência clássica romana, como se vê em muitos textos do Digesto, entre eles o de Pompônio (41, 1; 30, 2). Os incisos I, II e III deste artigo tratam da formação de ilhas nos leitos dos rios particulares ou não navegáveis, que diferem dos rios públicos, que são os rios navegáveis. Formando-se a ilha no meio do rio, deve ela ser distribuída entre os terrenos ribeirinhos, na proporção de suas testadas, dividindo-se o álveo em duas partes. Na hipótese de a ilha surgir entre a linha central do rio e uma de suas margens, será considerada como acréscimo dos terrenos ribeirinhos fronteiriços, do mesmo lado. Da formação dessa ilha não se aproveitam os proprietários dos terrenos situados no outro lado. Ocorrendo a abertura de um braço do rio na terra, a ilha que daí resultar continuará a ser do proprietário do terreno onde ela se constituiu. • O artigo é idêntico ao art. 537 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 645-46, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 01/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Seguindo os ensinamentos de Francisco Eduardo Loureiro, dispõe o art. 20, III, da Constituição Federal, que são bens da União os lagos, rios e quaisquer correntes de água que banhem mais de um estado, sirvam de limite com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais. O art. 26 da Carta Política, por seu turno, reza que são bens dos Estados Federados as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, bem como as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União. Vê-se, portanto, a restrita aplicação do artigo em exame, uma vez que a Constituição Federal não mais contempla, ao contrário do que ocorria com o Decreto n. 24.643/34 - Código de Águas -, correntes navegáveis públicas e não navegáveis particulares. Como agora públicas são as correntes, públicas serão as ilhas fluviais que nela se formarem. A única exceção se encontra no inciso III, ou seja, as ilhas que se formarem pelo desdobramento de um novo braço de rio, às custas de terras particulares, continuam a pertencer aos proprietários originários. Abstraindo a natureza pública das correntes fluviais, pode-se interpretar o preceito sobre novas ilhas, na leitura estrita do Código Civil, de acordo com a precisa lição de Caio Mário da Silva Pereira: “as que se formarem no meio do rio distribuem-se na proporção das testadas dos terrenos ribeirinhos, até a linha que dividir o álveo em duas partes iguais; as que se formarem entre a linha mediana e uma das margens, consideram-se acréscimos dos terrenos ribeirinhos fronteiros desse mesmo lado e, obviamente, nada lucram os proprietários situados do lado oposto” (Instituições de direito civil, 18. ed. Rio de Janeiro, Forense, v. IV, p. 128). (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.246-47 Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 01/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

No entender de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, formação de ilhas são porções de terra que podem surgir em leitos de rios ou córregos, que pertencerão ao titular do domínio de onde passam as águas, bastando, pois, que se identifique o dono do bem onde passa a corrente aquática. O CC 1.249 em comento, determina os critérios legais para aferição da propriedade das ilhas surgidas em leitos de rios particulares, traçando-se uma linha divisória sobre o álveo (a superfície dos rios que as águas cobrem), dividindo-o em duas partes iguais, pertencendo cada parte a um proprietário ribeirinho. Assim, a ilha formada pertencerá ao proprietário de acordo com a sua meação estipulada sobre o álveo. Se a ilha se situar nas duas meações, a partilha se fará proporcionalmente. De igual forma, o Código das águas – Decreto n. 24.643/1934 – trata da matéria em toda sua complexidade. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 01.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.250. Subseção II – Da Aluvião – Os acréscimos formados, sucessiva e imperceptivelmente, por depósitos e aterros naturais ao longo das margens das correntes, ou pelo desvio das águas destas, pertencem aos donos dos terrenos marginais, sem indenização.

 

Parágrafo único. O terreno aluvial, que se formar em frente de prédios de proprietários diferentes, dividir-se-á entre eles, na proporção da testada de cada um sobre a antiga margem.

 

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, Aluvião diz respeito ao acréscimo contínuo e imperceptível oriundo do depósito de porções de terras de outra propriedade, causado, em geral, por desvios de águas. Trata-se de um movimento lento e não perceptível, passando estas porções a integrar o patrimônio do imóvel acrescido não gerando qualquer direito indenizatório àquele tido como prejudicado, por conta da ação exclusiva da natureza.

 

Os acréscimos artificiais não são considerados aluviões, como aqueles aterros feitos pelo indivíduo como acréscimos à propriedade, eis que o Código Civil trata, por seu CC 1.250, de uma modalidade natural de aquisição, sem interferência humana. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 01.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No parecer de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame deu definição e contornos mais precisos à figura da aluvião, que nada mais é do que “todo o acréscimo, sucessivo e imperceptível de terras que o rio anexa naturalmente às suas margens” (Carvalho Santos , J. M. de. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. V II, p. 366). Equipara-se ao acréscimo gradativo de sedimentos a aluvião imprópria, consistente no desvio natural das águas dos rios, descobrindo terrenos abandonados. Exige o preceito que o acréscimo seja lento, paulatino e que ocorra de modo natural ao longo das correntes. Não constituem aluvião, por consequência, os aterros artificiais, feitos pela mão do homem, que conforma de modo proposital os contornos de sua propriedade. Não veda o Código Civil de 2002, como fazia o art. 539 do Código Civil de 1916, a aluvião por retração das águas dormentes de tanques e lagos, que alguns autores denominam de imprópria. O atual diploma é omisso a respeito, aplicando-se, por consequência, o disposto no art. 16 do Código de Águas, que admite como aluvião “a parte do álveo que se descobrir pelo afastamento das águas”. Note-se que o art. 16, § 1º, do Código de Águas (Decreto n. 24.643/34), em exata consonância com os arts. 20 e 26 da Constituição Federal, reza que os “acréscimos por aluvião, ou artificialmente, se produzirem nas águas públicas ou particulares, são públicos dominiais, se não estiverem destinados ao uso comum, ou se por algum título legítimo não forem do domínio particular”. O que foi dito no comentário ao artigo anterior sobre a formação de ilhas serve para a aluvião, que somente será modo de aquisição da propriedade particular caso se admitam correntes particulares. Admitindo-se a aluvião como modo de aquisição da propriedade particular, aproveita aos proprietários dos terrenos ribeirinhos, na proporção das respectivas testadas de seus prédios, sem obrigação de indenizar quem quer que seja. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.249. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 01/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Para o entendimento de Ricardo Fiuza e sua doutrina, esse fenômeno da natureza já era conceituado nas Institutas de Justiniano como o acrescentamento insensível que o rio anexa às terras, tão vagarosamente que seria impossível, em dado momento, apreciar a quantidade acrescida. Ocorrendo a aluvião entre imóveis de donos diferentes, o terreno aluvial será proporcionalmente dividido entre eles. O artigo é idêntico aos arts. 538 e 540 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 646, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 01/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).