Direito Civil Comentado - Art. 1.311,
1.312, 1.313
Do Direito de Construir – VARGAS,
Paulo S. R. - Parte Especial –
Livro
III – Título III – Da
Propriedade (Art. 1.299 e 1.313) Capítulo V – Dos Direitos de Vizinhança – Seção VII - Do Direito de
Construir –
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Art. 1.311.
Não é permitida a execução de qualquer
obra ou serviço suscetível de provocar desmoronamento ou deslocação de terra ou
que comprometa a segurança do prédio vizinho, senão após haverem sido feitas as
obras acautelatórias.
Parágrafo único. O proprietário do prédio vizinho tem direito a ressarcimento pelos prejuízos que sofrer, não obstante haverem sido realizadas as obras acautelatórias.
Dando continuidade ao assunto em pauta a Revista Síntese – Do Direito Imobiliário, inovação trazida pelo Código Civil de 2002 pertinente ao direito de construir- da disciplina das águas, é aquela insculpida no CC 1.311, que dispõe ser proibida a execução de qualquer obra ou serviço suscetível de provocar desmoronamento ou deslocação de terra, ou que comprometa a segurança do prédio vizinho, senão após haverem sido feitas as obras acautelatórias. Estão compreendidas no dispositivo em apreço todas as atividades que danifiquem a estrutura do prédio, abalo no solo, infiltrações, além dos trabalhos que envolvam explosões violentas, trepidações perigosas ou quaisquer outras obras que possam prejudicar o prédio ou seus moradores.
Caso sejam feitas obras em desacordo com o CC 1.311, sem que tenham sido feitas as obras acautelatórias, o vizinho prejudicado pode se utilizar da nunciação de obra nova, a fim de embargá-la. Todavia, oportuno consignar que, mesmo sendo realizadas as obras acautelatórias, isso não impede que o vizinho, se houver dano, venha a pleitear indenização decorrente das construções suscetíveis de provocar desmoronamento, deslocação de terra ou que comprometa a segurança de seu prédio (parágrafo único do CC 1.311 do CC/2002). Cuida-se, aqui, de responsabilidade objetiva, assentada na relação entre fato e dano. Marco Aurélio S. Viana, a esse respeito, aduz que “o que temos é apenas a adoção da noção de risco, inerente a esse tipo de serviço. O direito de construir modernamente envolve riscos de natureza vária, em especial quando se desenvolve em centros urbanos. As obras ou serviços são desenvolvidos em lugar ocupado por casas e prédios. São grandes estruturas a reclamar fundações especiais, com remoção de grande volume de terra, pondo em risco as propriedades vizinhas, seja pelo risco de desmoronamento ou deslocamento de terra, seja pelo perigo que representam para a segurança do prédio vizinho e seu ocupante. Nessa linha, o diploma civil avançou de forma significativa”. (Revista Síntese – Do Direito Imobiliário – Ano VI, nº 32 – mar/abr., 2016, p. 51-2 site bdr.sintese.com, Assunto Especial - Doutrina acessado em 04/11/2020, artigo corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Com o empenho de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em estudo não tem
correspondente no Código Civil de 1916 e preencheu importante lacuna, atendendo
a frequentes situações das obras e construções de grande porte e as
interferências que provocam nos prédios vizinhos. O texto da lei confere exatas
balizas às restrições legais que se impõem ao construtor. O valor tutelado pela
lei é a segurança do prédio vizinho, em sentido amplo, com especial destaque,
em caráter exemplificativo, para o desmoronamento e o deslocamento de terras.
Alcança também trepidações que provoquem rachaduras, escavações ou aterros, que
de algum modo afetem a estabilidade e a solidez das construções próximas. Como
ensina Marco Aurélio S. Viana, “aqui entram todos os trabalhos que danifiquem a
estrutura do prédio, abalo no solo, infiltrações, envolvam explosões violentas,
trepidações perigosas, tido, enfim, que possa fisicamente o prédio, ou seus
moradores. A tutela é ampla” (Viana, Marco Aurélio S. In: Comentários ao Código
Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v.
XV I, p. 316). O conceito de segurança vai além do risco de ruína do prédio
vizinho, abrangendo, também, sua habitabilidade, como infiltrações e
rachaduras. De outro lado, não se tutelam, aqui, interesses diversos, como o
direito à vista, à insolação ou ao sossego, perdidos ou diminuídos em razão da
nova construção. Note-se que não se limita o preceito a prédios confinantes,
mas sim a vizinhos, vale dizer, até onde se propagam as interferências lesivas
de um imóvel sobre outro. Não exige o artigo que o dano se consume, mas, em vez
disso, subordina o início de construções potencialmente perigosas à prévia
realização de obras acautelatórias, sem o que pode o vizinho em risco
embargá-la. Caso o risco se consuma e se converta em dano, independentemente da
realização de medidas preventivas por parte do construtor, nasce o dever de
indenizar, independentemente de culpa, bastando ao lesado demonstrar o nexo
entre a construção e o dano. (Francisco Eduardo
Loureiro, apud Código Civil
Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord.
Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.316. Barueri, SP:
Manole, 2010. Acessado 04/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Segundo a Doutrina de Ricardo Fiuza, qualquer obra ou serviço que possa provocar desmoronamento ou deslocação de terra deve ser precedida de obras preventivas. Mesmo que sejam tomadas as cautelas devidas, o proprietário do prédio vizinho terá direito a indenização, se sofrer qualquer dano. O artigo desdobra, com melhor técnica, o disposto no art. 587 do Código Civil de 1916. A redação primitiva, alterada em boa hora pela Câmara, era enumerativa no caput do artigo e redundante no § 1º , excluído. Quanto ao então § 2º , a redação do projeto era também defeituosa, merecendo aperfeiçoamento. Além disso, o artigo referia-se a proprietário, quando a situação abrange qualquer vizinho e confinante, independentemente do título de ocupação do imóvel. Nos termos do texto do projeto, antes da alteração procedida pela emenda Morimoto, por exemplo, o inquilino não estaria abrangido pelas disposições em exame. Deve ser dado ao dispositivo em exame o mesmo tratamento doutrinário dispensado ao art. 587 do Código Civil de 1916. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 672-73, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 04/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No luzir de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, em defesa da segurança dos vizinhos, o Código não permite a execução de obras suscetíveis de provocar desmoronamento ou deslocação da terra, sem que anteriormente sejam feitas obras acautelatórias. Mesmo que sejam realizadas obras com o objetivo de evitar lesão ao imóvel vizinho, o construtor responderá objetivamente pelos prejuízos causados, uma vez que o legislador adotou a teoria do risco, sendo suficiente a comprovação do nexo causal entre a atividade de construção e os danos do imóvel vizinho. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 04.11.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.312. todo aquele que violar as proibições estabelecidas
nesta Seção é obrigado a demolir as construções feitas, respondendo por perdas
e danos.
O
comentário de Francisco Eduardo Loureiro aponta que o
artigo em exame corresponde ao art. 586 do Código Civil de 1916.
Recebeu, porém, maior alcance, abrangendo toda a seção que regula o direito de
construir. No dizer de Edson Luiz Fachin, o artigo traça “a imposição do dever
de desfazer o que não podia ser feito, mais reparar perdas e danos que sofrer o
vizinho” (Comentários ao CPC, coord. Antônio Junqueira de Azevedo. São Paulo,
Saraiva, 2003, v. XV, p. 161. Na nova versão 2015 do CPC, corresponde ao art.
1.046 – Grifo VD). Claro está que, em determinados casos (CC. 1.302), a
pretensão está sujeita a prazo decadencial, após o que se admite apenas que se
erga contramuro. A obrigação de fazer - demolir - é propter rem, de modo
que abrange não somente aqueles que pessoalmente violaram proibições do direito
de construir como também os que adquirirem o imóvel em situação irregular. Ao
lado da tutela específica, regulada na esfera processual pelo art. 461 do
Código de Processo Civil, admite-se formulação de pedido cominatório ou a
cumulação com perdas e danos (no CPC/2015, Seção IV – Do julgamento das ações
relativas às prestações de fazer, de não fazer e de entregar coisa, art. 497 e
parágrafo único (Grifo VD). A responsabilidade é objetiva, ou seja,
independe de culpa do construtor. Isso, porém, não exime o vizinho prejudicado
de demonstrar o prejuízo que lhe causa a construção, assim como o nexo causal.
Como alerta Fachin, nem sempre a demolição será a solução mais adequada para a
composição de interesses no caso concreto. A utilização de outros meios que
levem à restituição do equilíbrio rompido pela obra irregular sem demolição é
possível, desde que traduzam o mesmo resultado ao lesado (op. cit., p. 161).
Por uma simples razão não se aplicam aqui as regras relativas à indenização do
possuidor e do construtor de boa-fé por certas categorias de benfeitorias e
acessões feitas em prédio alheio: as construções no artigo em comento foram
feitas em prédio próprio, apenas em desrespeito às limitações do direito de
vizinhança, de modo que em nada acrescerão ao patrimônio do vizinho lesado que
justifique o pagamento das obras. (Francisco Eduardo
Loureiro, apud Código Civil
Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord.
Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.317. Barueri, SP:
Manole, 2010. Acessado 04/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).
Segundo
o histórico, este dispositivo não foi atingido por nenhuma espécie de
modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos
Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma
do projeto.
Sob o lecionar de Ricardo Fiuza em sua Doutrina, responde por perdas e danos, e será obrigado a demoli-la, quem construiu obra em desacordo com o estabelecido nessa seção. O artigo é idêntico ao art. 586 do Código Civil de 1916, que foi substituído pelos arts. 96 a 99 do Código de Águas (Dec. n. 24.643, de 10-7-1934), devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 673, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 04/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Seguindo as orientações da Revista Síntese – Do Direito Imobiliário – Ano VI, nº 32 – mar/abr. 2016, p. 51-2 site bdr.sintese.com, Assunto Especial – Doutrina. O princípio da reparação integral dos danos é prestigiado pelo CC 1.312 do Código Civil de 2002. Com efeito, prescreve esse último dispositivo legal que todo aquele que violar as proibições estabelecidas na seção do Código Civil de 2002 que versam o direito de construir é obrigado a demolir as construções feitas, respondendo por perdas e danos. Conquanto a literalidade do dispositivo em apreço faça menção apenas à ação demolitória, vimos que o proprietário vizinho pode lançar mão de outras medidas judiciais se houver violação dos direitos de vizinhança (aí incluídas também as disposições referente ao direito de construir). Assim, podem também ser utilizadas as medidas de tutela específica de fazer ou não fazer (art. 461 do CPC/1973, (no CPC/2015, Seção IV – Do julgamento das ações relativas às prestações de fazer, de não fazer e de entregar coisa, art. 497 e parágrafo único (Grifo VD), a ação de nunciação de obra nova (arts. 934 e seguintes do CPC/1973, sem correspondência no CPC/2015), a ação de dano infecto (arts. 1.280 e 1.281 do Código Civil de 2002), entre outras. Além de referidas medidas judiciais, o proprietário vizinho que vier a sofrer o dano poderá também pleitear cumulativamente perdas e danos, aí compreendidos os danos materiais (danos emergentes e lucros cessantes), os danos morais e os danos estéticos. (Revista Síntese – Do Direito Imobiliário – Ano VI, nº 32 – mar/abr. 2016, p. 52 site bdr.sintese.com, Assunto Especial - Doutrina acessado em 04/11/2020, artigo corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.313. O proprietário ou ocupante do imóvel é obrigado a tolerar que o vizinho entre no prédio, mediante prévio aviso, para:
I – dele temporariamente usar, quando indispensável à reparação, construção, reconstrução ou limpeza de sua casa ou muro divisório;
II
– apoderar-se
de coisas suas, inclusive animais que aí se encontrem casualmente.
§ 1º O disposto neste artigo aplica-se aos casos de limpeza ou reparação de esgotos, goteiras, aparelhos higiênicos, poços e nascentes e ao aparo de cerca viva.
§ 2º Na hipótese do inciso II, uma vez entregues as coisas buscadas pelo vizinho, poderá ser impedida a sua entrada no imóvel.
§
3º Se
do exercício do direito assegurado neste artigo provier dano, terá o
prejudicado direito a ressarcimento.
Na toada de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, em mais uma típica hipótese de limitação ao direito de propriedade, o legislador tratou da obrigação do proprietário ou ocupante de imóvel em autorizar o ingresso temporário do vizinho no prédio, para efetuar obras de construção ou reparação que beneficie o seu imóvel ou para apoderar-se de coisas suas. Na hipótese de recusa do proprietário, o vizinho poderá postular o ingresso no imóvel judicialmente. Por outro lado, se do exercício assegurado provier dano, o proprietário do imóvel terá direito a ressarcimento. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 04.11.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Em artigo sobre Assunto Especial – Doutrina, p. 53, a Revista Síntese – Do Direito Imobiliário – Ano VI, nº 32 – mar/abr., 2016, site bdr.sintese.com, aponta, o Código Civil de 2002 ainda traz algumas hipóteses em que o proprietário ou ocupante do imóvel é obrigado a tolerar a entrada de algumas pessoas que especifica. Nos termos do CC 1.313 “o proprietário ou ocupante do imóvel é obrigado a tolerar que o vizinho entre no prédio, mediante prévio aviso [...]”. Hely Lopes Meirelles, em obra clássica sobre o direito de construir, ao analisar o art. 587 do Código Civil pretérito (atual art. 1.313 do CC/2002), afirma que tal dispositivo consigna “séria restrição ao direito de propriedade, ao permitir que o vizinho utilize o prédio alheio no seu interesse. Mas a restrição se justifica plenamente como dever recíproco de vizinhança [...]”. Vale dizer, o proprietário ou ocupante do imóvel tem a sua propriedade temporariamente limitada em favor do vizinho nas hipóteses elencadas no CC 1.313 do Código Civil vigente. Isso porque a propriedade que sofre a restrição mantém, diante de uma razão material ou imaterial, um laço de afinidade com o prédio vizinho. O CC 1.313, em decorrência de realização de obras, prescreve que o proprietário ou ocupante é obrigado a tolerar que o vizinho adentre seu imóvel, desde que haja prévio aviso, nas seguintes hipóteses: a) se o vizinho, temporariamente, dele for usar, quando indispensável à reparação, construção, reconstrução ou limpeza de sua casa ou do muro divisório (CC 1.313, I e § 1º); b) para o vizinho se apoderar de coisas suas, inclusive animais que aí se encontrem casualmente (CC 1.313, II e § 2º). Caio Mário da Silva Pereira, a propósito, entendia que o dispositivo devia limitar-se a impor a tolerância tendo por medida evitar danos ou quando de outro modo não se possa obter o que necessita. Embora contenha o artigo o requisito da indispensabilidade, é preciso dosar a sua aplicação com o sossego e a tranquilidade de quem deva tolerar. Somente se admite a imissão em prédio alheio, conciliando-a com a escolha de horário, local e duração. Caso contrário, o preceito converte-se em fonte de litígio. (Revista Síntese – Do Direito Imobiliário – Ano VI, nº 32 – mar/abr. 2016, p. 53 site bdr.sintese.com, Assunto Especial - Doutrina acessado em 04/11/2020, artigo corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Complementando
o Capítulo V sob a égide de Francisco Eduardo
Loureiro, o artigo em estudo corresponde ao art. 587 do Código Civil de
1916. A redação foi aperfeiçoada, separando as diversas hipóteses contempladas
na lei em incisos distintos. Além disso, criou-se nova possibilidade de
ingresso no imóvel vizinho para buscar coisas, inclusive animais, que lá se
encontrem. O preceito foi corretamente estendido ao possuidor, a qualquer
título, ainda que não seja proprietário. Também o detentor, que representa
terceiro na posse, está adstrito a tolerar o ingresso do vizinho no prédio nas
hipóteses contempladas no artigo em exame. Fala a lei em “vizinho”, mas é óbvio
que o termo também abrange seus empregados e prepostos, que irão realizar a
construção ou a reparação, assim como os materiais a elas necessários. A regra
se aplica e tem especial utilidade no condomínio edilício para ingresso em
unidade autônoma de onde provêm vazamentos ou infiltrações. Embora o capítulo
específico não tenha previsão expressa, parece claro que a expressão “ imóveis
vizinhos” alcança o regime jurídico do condomínio especial. A restrição, o
dever de tolerar, tem fundamento na solidariedade e na função social da
propriedade. Não seria razoável que vizinho deixasse de construir ou de reparar
seu imóvel apenas porque não pode ingressar em prédio alheio. A ponderação
entre os valores em jogo justifica a restrição temporária para permitir a
exploração e a utilização da propriedade imobiliária. Note-se que a restrição é
sempre temporária e perdura somente enquanto estritamente necessária para a
realização das obras ou reparos. Cessada a causa prevista em lei, nasce
automaticamente o dever de se retirar do imóvel alheio e a permanência
configura turbação ou esbulho. Além disso, deve o vizinho beneficiário agir de
molde a provocar mínimo incômodo ao vizinho onerado. Exige a lei que o ingresso
se dê mediante prévio aviso. Há comunicação, não consenso. Em termos diversos,
não se exige a anuência do vizinho onerado, mas apenas sua prévia ciência, para
que possa preparar-se e tomar as providências necessárias a seu alcance para
evitar eventuais danos. Tomem-se como exemplo a remoção de veículos ou a
proteção de móveis e utensílios que se encontrem na proximidade da divisa onde
será feita a obra. A negativa injustificada abre ao vizinho prejudicado o
direito de reclamar o acesso forçado judicialmente, não se admitindo, todavia,
a autotutela, porque diverso é o caso em relação àquele previsto no § Iº do CC
1.210. Comporta o caso tutela específica, com as providências alvitradas no
art. 461 do Código de Processo Civil de 1973 (no CPC/2015, Seção IV – Do
julgamento das ações relativas às prestações de fazer, de não fazer e de
entregar coisa, art. 497 e parágrafo único (Grifo VD), sem prejuízo de
postulação de perdas e danos ou fixação de multa diária em razão da renitência
do vizinho em obedecer a restrição que lhe impõe a lei. Os dois incisos do
artigo em comento explicitam os casos em que se permite o ingresso no imóvel
vizinho: a) para reparação, reconstrução ou limpeza de sua casa ou muro
divisório, aí incluídos os casos de limpeza e reparação de esgotos, goteiras,
aparelho higiênico, poços, nascentes e aparo de cerca viva; b) apoderar-se de
coisas, inclusive animais, que se encontrem casualmente em prédio alheio, desde
que o vizinho não se disponha a buscá-los e entregá-los ao dono. Menciona a
lei, é certo, que o ingresso somente se admite quando indispensável para a
realização das obras ou reparos. A melhor leitura que se faz do termo “
indispensável” é semelhante à que se fez da passagem forçada de imóvel
encravado. O sacrifício pouco razoável, a excessiva oneração para que as obras
ou reparos se façam por local diverso justificam o acesso compulsório a prédio
alheio, em homenagem à ponderação dos valores em jogo e da função social da
propriedade. Finalmente, o § 3º dispõe que a contrapartida ao direito de
ingressar do imóvel vizinho é a obrigação de reparar eventuais danos a ele
causados. Mais uma vez, a responsabilidade é objetiva e os riscos são
deslocados para o beneficiário, de modo que não se cogita de conduta culposa. O
vizinho lesado prova apenas a ação, o dano e o nexo causal. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 1.318-19. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 04/11/2020. Revista e
atualizada nesta data por VD).