terça-feira, 18 de outubro de 2022

Comentários ao Código Penal – Art. 8º Pena Cumprida no Estrangeiro – VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com –

 

Comentários ao Código Penal – Art. 8º
Pena Cumprida no Estrangeiro
– VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Geral – Título I – Da Aplicação da Lei Penal

Pena Cumprida no Estrangeiro

Art. 8ª. A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas. (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/711984.).

 

Segundo apreciação de Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao art. 8º do CP, p. 23: O Princípio do bis in idem, pela regra contida no art. 8* do Código

Penal, evita-se que o agente seja punido duplamente pelo mesmo fato.

 

Conforme esclarece Guilherme de Souza Nucci, "caso a pena cumprida no exterior seja idêntica à que for aplicada no Brasil (exemplo: pena privativa de liberdade no exterior e pena privativa de liberdade no Brasil), será feita a compensação; caso a pena cumprida no exterior seja diversa da que for aplicada no Brasil (exemplo: multa no exterior e privativa de liberdade no Brasil), a pena a ser fixada pelo juiz brasileiro há de ser atenuada”. (NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado, p. 83.).

 

Não existe qualquer óbice legal para a eventual duplicidade de julgamento pelas autoridades judiciárias brasileira e paraguaia, tendo em vista a regra constante do art. 8º do Código Penal (STJ, HC 41892/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 53T., DJ 22/8/2005, p. 319). (Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao art. 8º do CP, p. 23. Ed.Impetus.com.br, acessado em 18/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Em artigo intitulado “Pena cumprida no estrangeiro: eficácia, prazos, frações da pena e o conflito aparente de normas”, de Isis Virgínia e Ivan Nunes Machado, publicado no site Jus.com.br em 13-04-2015, comentários ao art. 8º do CP, os autores, em interessante crítica, fazem uma explanação sobre a pena cumprida no estrangeiro, a extraterritorialidade condicionada e incondicionada, os tipos de penas idênticas e diversas, a eficácia de frações da pena e o conflito aparente de normas.

 

O art. 8° do CP trata de pena cumprida no estrangeiro, assim este artigo existe para evitar a dupla punição do agente, fala que o mesmo deve ser punido tanto fora quanto aqui pelo mesmo fato. No direito conhecemos este fato pelo termo “ne bis in idem” (que proíbe uma dupla punição). Estamos vendo nesse artigo a extraterritorialidade que está no art. 7° do CP, e esta estão divididas em duas formas distintas: condicionada e incondicionada.

 

Na pena condicionada quando a pena foi cumprida no estrangeiro o Brasil não terá mais interesse em punir o agente, já o art. 8º do CP vai trabalhar com a vertente incondicionada, pois nesta observa-se dois tipos de penas que são as idênticas e as diversas. Nas idênticas é quando é o mesmo crime, as penas foram aplicadas da mesma forma, haverá uma compensação que é quando será computada uma pena já cumprida lá fora nas penas que ainda faltam a ser cumpridas aqui no Brasil e quando a pena for diversa ela será atenuada na medida em que for possível.

 

O conflito aparente de normas, nada mais é que duas ou mais normas penais que apresentam ser aplicáveis ao mesmo caso de modo divergente, ainda que uma delas prevaleça sobre a outra. Assim sendo, o embate é somente fictício, por isto chama-se aparente e pode ser resolvido através dos critérios para tais problemas.

 

O princípio da especialidade que está consagrado na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Neste princípio a norma especial prevalece em relação à norma geral. Já o princípio da subsidiariedade ocorre quando há um tipo penal maior e quando este não for aplicável ou não for possível a sua aplicação, aplica-se um tipo penal menor, subsidiário. Na subsidiariedade tácita, é aquela em que ocorrem apenas as análises do tipo penal e na expressa, é quando alguns tipos penais tornam expressa menção, a sua aplicação subsidiária.

 

Tem-se ainda o Princípio da Consunção ou Absorção, neste haverá absorção do crime meio pró-crime-fim, como exemplo praticar lesão corporal com intuito de praticar homicídio. E por último, finalizando, tem o Princípio da Alternatividade, que é aplicado quando a norma dispuser de várias formas de realização do delito de forma que caso o agente for praticar um ou mais atos do delito e desde que exista o nexo causal entre as condutas, configurará apenas a incidência de um crime.

 

A pena cumprida no estrangeiro em alguns casos concretos causa muita polêmica, como no caso que intrigou algumas pessoas no Brasil e no mundo do brasileiro Marco Archer que cumpriu sua pena por tráfico de drogas na Indonésia e mesmo com pedidos de clemência para que ele cumprisse sua pena aqui no Brasil, o presidente de lá negou e no início deste ano o brasileiro foi executado através de fuzilamento já que na Indonésia o tráfico de drogas tem como sanção a pena de morte.

 

O interessante é que o mesmo governo da Indonésia que pune os traficantes de drogas com pena de morte e nega os pedidos de clemência para os estrangeiros que lá foram presos, está pedindo clemência para uma mulher indonésia condenada à morte por homicídio na Arábia Saudita. Ainda há muito que se pesquisar. Os defensores dos Direitos Humanos estão caindo em campo para ver essas questões de pena de morte de estrangeiros, pois na Indonésia mesmo ainda há vários presos no corredor da morte por tráfico de drogas. (Isis Virgínia e Ivan Nunes Machado, em artigo intitulado “Pena cumprida no estrangeiro: eficácia, prazos, frações da pena e o conflito aparente de normas”, publicado no site Jus.com.br em 13-04-2015, comentários ao art. 8º do CP, acessado em 18/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No comentário de Flávio Olímpio de Azevedo, Comentários ao art. 8º do Código Penal, publicado no site Direito.com, esta é outra norma que consagra o princípio do “bis in idem”, ou seja, dupla punição pelo cometimento do mesmo crime”.

 

“Duas hipóteses são previstas: a diversidade qualitativa e da diversidade quantitativa das penas aplicadas. Se a divergência for de natureza qualitativa, a atenuação se faz imperiosa, ficando o quantum da pena a critério do magistrado. Se a divergência for meramente quantitativa o magistrado deverá deduzir, da pena a ser aplicada, aquela já cumprida. Ou idêntica ou inferior à pena que iria ser aplicada, nenhuma pena restará ser cumprida”. (Curso Completo de Direito Penal, Paulo José Costa, p. 22).

 

Nota: O Decreto número 5.919 de 3-10-2006: Promulga a Convenção Interamericana sobre o Cumprimento de Sentenças Penais no Exterior, concluída em Manágua, em 9-6-1993, com reserva à primeira parte do parágrafo 2º do art. VII, relativa à redução dos períodos de prisão ou de cumprimento alternativo da pena. (Flávio Olímpio de Azevedo, Formado em Direito pela FMU em 1973. Comentários ao art. 7º do Código Penal, publicado no site Direito.com, acessado em 18/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Direito Civil Comentado - Art. 737, 738, 739 - DO TRANSPORTE DE PESSOAS - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 737, 738, 739 
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Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

 (art. 481 a 853) Capítulo XIV – Do Transporte – Seção II

Do Transporte de Pessoas - (art. 734 a 742)

 

Art. 737. O transportador está sujeito aos horários e itinerários previstos, sob pena de responder por perdas e danos, salvo motivo de força maior.

 

No compasso de Claudio Luiz Bueno de Godoy, a regra em comento nada mais significa senão a obrigação que tem o transportador de cumprir sua prestação, tal como convencionada. Ou seja, incumbe-lhe atender, no deslocamento que propicia ao passageiro, o exato horário previamente estabelecido e, também, o itinerário antecipadamente informado. Isso implica, ao revés, em que, havido atraso ou alteração de trajeto, responde o transportador pelos prejuízos decorrentes, ressalva a prova de que ocorrida força maior.

 

Veja-se, quanto ao atraso, e conforme já acentuado nos comentários ao CC 732, a qe ora se remete, que, já não fosse a força revogadora da superveniência do Código de Defesa do consumidor, lei posterior subjetivamente especial, a previsão dos arts. 230 e 231 do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n. 7.565/86) acerca do transporte nacional efetuado pelo meio aéreo, ao fixar limite mínimo para que o atraso de voo pudesse ensejar indenização, ostenta-se visivelmente incompatível com a disposição do CC 737, ora em comento.

 

É bom não olvidar que, no CC 732, o atual Código estabeleceu a primazia de seus preceitos em relação a dispositivos da lei especial que com ele se mostrassem, como no caso, incompatíveis. Na melhor das hipóteses, também como já se disse nos comentários do CC 732, o limite mínimo de quatro horas de atraso, determinado no Código de Aeronáutica, apenas pode ser admitido, em interpretação sistemática e harmonizadora como Código Civil de 2002, se compreendido como uma hipótese em que a indenização se paga de forma automática, só pelo fato do retardo, sem qualquer excludente, porém com possibilidade de tarifação ou limitação do quantum indenizatório. Mas sempre sem prejuízo de se poder provar dano maior, evidente que com o ônus a tanto atinente, assim correndo-se o risco de nada se conseguir provar.

 

O atraso pode provocar danos materiais e, muito frequentemente, pode provocar também danos morais. A essa verificação importará a aferição das circunstâncias do caso concreto, a extensão e condições do atraso e do passageiro durante sua permanência, valendo diferenciar, a propósito, o que seja mero e pequeno incômodo, contingência própria da vida de relações, do que signifique verdadeiro abalo psíquico, frustração grave de justa expectativa do contratante, real afronta a direito da personalidade.

 

Da mesma forma, a mudança do itinerário pode, conforme a hipótese fática, induzir dano ao passageiro, material e/ou moral, de possível cumulação, valendo não olvidar o padrão de transparência que a boa-fé objetiva impõe nas relações contratuais, particularmente caracterizadas pela adesão, como via de regra se dá nos transportes, assim sobressaindo a necessidade de detida informação sobre as condições do deslocamento, aí incluindo-se o itinerário a ser percorrido, até para possibilitar a mais livre escolha do passageiro diante das opções que existem para o deslocamento pretendido.

 

Ocorrência lamentavelmente comum que se tem dado, sobretudo no transporte aéreo, é o chamado overbooking, resultado da venda de bilhetes em número superior ao de assentos, como forma de prevenção contra desistências, que, se não sucedem, levam à necessidade de recolocação de alguns passageiros em voos não raro com horários e percursos diversos, por exemplo, com conexões que a contratação original não envolvia. Evidente que o caso é de indenização pelos prejuízos causados, não excluída ou afastada pela ocasional autorização administrativa dos órgãos reguladores.

 

A responsabilidade pelos danos decorrentes de atraso e mudança de itinerário, de acordo com a lei, somente se elide pela ocorrência de força maior. A respeito das excludentes no contrato de transporte, remete-se ao exame já detidamente efetuado nos comentários ao CC 734 e 735, apenas reiterando, quanto à força maior e caso fortuito, conforme já acentuado no comentário ao CC 734, que eles devem ser externos para afastar a responsabilidade objetiva do transportador, e que isso não ocorre quando se trata de defeitos mecânicos do veículo de transporte. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 760 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 20/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Enquanto para Fiuza o transportador tem de cumprir os itinerários e obedecer aos horários previstos no contrato ou regulamentos é salvo motivo de força maior, responder pelos danos que decorrerem de atrasos ou mudanças de percurso. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 390 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na esteira de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a jurisprudência divide-se quanto à necessidade prova de danos pelo consumidor quando há descumprimento de horário pelo transportador. Admite-se que o dano moral é damnun in re ipsa, pois sua configuração não depende de prova exaustiva; pode ser presumida a partir de certas condutas). Nesse sentido: REsp n. 659.760-MG, Rel. Min. Aldir Passarinho Jr., j. 4.04.2006.

 

O simples atraso no voo, de per si, já caracteriza a prestação de serviço como inadequada, posto que o contrato de transporte é de resultado, sendo irrelevante a demonstração dos danos suportados pelos passageiros em razão de seus próprios interesses, origina-se a responsabilidade civil da companhia aérea em indenizar o incômodo causado ao seu passageiro. A obrigação de indenizar das companhias aéreas é objetiva, pois se trata de companhia concessionária de serviço público de transporte aéreo (§ 6º, art. 37, CF), tanto no que tange aos danos patrimoniais, quanto aos danos morais (...). Apelação parcialmente provida. Decisão: Conhecer. Dar parcial provimento. Unânime” (Apelação Cível, n. 2000015000380 APC/DF, 3ª Turma Cível do TJDFT, Rel. Campos Amaral, j. 10.04.2000, p. DJU 17.05.00, p. 30). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 20.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 738. A pessoa transportada deve sujeitar-se às normas estabelecidas pelo transportador, constantes no bilhete ou afixadas à vista dos usuários, abstendo-se de quaisquer atos que causem incômodo ou prejuízo aos passageiros, danifiquem o veículo, ou dificultem ou impeçam a execução normal do serviço.

 

Parágrafo único. Se o prejuízo sofrido pela pessoa transportada for atribuível à transgressão de normas e instruções regulamentares, o juiz reduzirá equitativamente a indenização, na medida em que a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano.

 

Na esteira de Claudio Luiz Bueno de Godoy, por sua natureza bilateral, o contrato de transporte, uma vez aperfeiçoado, enseja obrigações a ambas as partes. Pois, das obrigações básicas do passageiro, a par do pagamento do preço do bilhete, cuida o artigo em comento. Conforme seus termos, o passageiro é obrigado, durante o transporte, a atender as instruções legais, administrativas e regulamentares que visam a garantir a segurança do deslocamento e a tranquilidade dos demais passageiros. Assim, deve-se abster o passageiro da prática de qualquer ato que, como genericamente está na lei, dificulte ou impeça o normal deslocamento, a regular prestação do serviço de transporte. Apenas que, quanto a específicas instruções para determinada forma de transporte, devem ser objeto de regular informação ao passageiro, corolário do dever de transparência que a boa-fé objetiva exige venha a permear as relações contratuais (CC 422). Repete-se, de maneira genérica é dever do transportado não agir de modo a perturbar os outros passageiros e a prejudicar o normal transcurso do transporte.

 

Aliás, a propósito, vale não olvidar previsão da lei especial de regulação do transporte aéreo, compatível com o novo Código Civil e por isso com plena aplicabilidade, dispondo sobre verdadeiro poder de polícia ao comandante da aeronave (arts. 165 e ss. da Lei. n. 7.565/86), podendo mesmo ordenar o desembarque de passageiro de qualquer forma inconveniente, porquanto infringente das obrigações mencionadas anteriormente. Aliás, a mesma prerrogativa é reconhecida por Sílvio de Salvo Venosa a qualquer preposto do transportador que seja responsável pelo deslocamento, sempre a bem da segurança do serviço, afinal um dos deveres de quem o presta (Direito civil, 3.ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. III, p. 490).

 

Por fim, o parágrafo único do dispositivo em comento trata da indenização dos danos sofridos pelo passageiro e/ou pela bagagem durante o transporte, mas para cuja eclosão tenha este contribuído. Ou seja, cuida-se da culpa concorrente da vítima, que deve levar à proporcionalização da indenização. Tem-se causa de redução da indenização de responsabilidade objetiva do transportador. E aqui impende repetida menção à questão da concorrência normativa da legislação consumerista, que não faz qualquer remissão à culpa concorrente, mas apenas à culpa exclusiva da vítima como excludente da responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços (art. 14).

 

Porém, consoante já se vinha entendendo, mesmo sob a égide do Código de Defesa do Consumidor, a redução da indenização imposta pela concorrência da culpa da vítima constitui medida de prestígio à própria boa-fé objetiva, que inúmeros deveres anexos ou laterais impõe ao fornecedor. Ou seja, de ambos os contratantes, mesmo nas relações intrinsecamente desiguais, se exige padrão de comportamento solidário e leal que, a rigor, decorre mesmo de imperativo constitucional (CF 3º, I). Significa dizer que não seria leal, solidário, equitativo que a vítima se beneficiasse de uma indenização completa quando, mesmo objetiva a responsabilidade do outro contratante, tivesse contribuído, com sua conduta culposa, para a ocorrência dos danos que veio a sofrer. Por isso, a previsão de culpa concorrente no CC/2002, a rigor, não se mostra verdadeiramente incompatível com o Código de Defesa do Consumidor. Além disso, no parágrafo em comento, essa concorrência de culpa acaba ostentando plena coincidência com a regra geral a respeito editada no capítulo da responsabilidade civil (CC 945 e seu comentário).

 

Por fim, duas últimas ressalvas. Primeiro, a de que, hoje, seja conforme o parágrafo presente, seja de acordo com o CC 945, quando se alude à redução equitativa da indenização, concorrendo culpa da vítima, não se reparte necessariamente em porções iguais o valor da reparação, mas sim proporcionalizado de acordo com o grau de contribuição da vítima para o prejuízo experimentado. Segundo a de que, havida exclusiva culpa da vítima, causa única do dano ocorrido, não haverá indenização a ser paga pelo transportador, já que quebrado o correspondente nexo de causalidade daquele prejuízo com o serviço do transporte. E, malgrado ausente expressa a alusão do CC/2002 à culpa exclusiva enquanto causa excludente, ao contrário do que está no CDC 14, § 3º, II, sua incidência se deduz mesmo da previsão de que a concorrência de culpa da vítima reduz a indenização. Por isso, sua culpa exclusiva afasta, de todo, a indenização, a propósito, remete-se ao que já expendido nos comentários ao CC 734. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 761-762 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 20/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Segundo Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, uma das situações que importam a quebra do nexo causal é o fato da vítima, i.é, quando a própria vítima desatende ao dever de cuidado e auxilia de algum modo na ocorrência do dano.

 

Avisos e instruções do transportador reforçam o dever de cuidado dos passageiros e, segundo critério de razoabilidade, podem ser cobrados dos mesmos, com a finalidade de imputar-lhes parte da responsabilidade na causação de dano e até mesmo para isentar o transportador.

 

O artigo 742 confere ao transportador o direito de retenção sobre a bagagem do passageiro, para a garantia de eventuais créditos que tenha contra ele. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 20.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 739. O transportador não pode recusar passageiros, salvo os casos previstos nos regulamentos, ou se as condições de higiene ou de saúde do interessado o justificarem.

 

Sob o prisma de Claudio Luiz Bueno de Godoy, em primeiro lugar, há serviços de transporte que, mesmo entregues à execução dos particulares por concessão, permissão ou autorização, são públicos e essenciais, assim de prestação continuada e que, portanto, não podem ser recusados. Veja-se, a propósito, o já expendido no comentário ao CC 731, bastando lembrar, como exemplo, o transporte coletivo municipal, tal como está no CF 30, V, que, ademais, deve ser combinado com o CDC 22.

 

Mas, de maneira geral, colocando-se o transportador em estado de oferta pública e permanente, obriga-se à contratação perante um público indistinto de usuários, desde que paguem o bilhete e se mantenham adequados às condições gerais que permitam a escorreita prestação do serviço, de forma segura e sem perturbar os demais passageiros, assim, antes de mais nada, conforme as circunstâncias já mencionadas no artigo anterior, e por isso, exemplificativamente, sendo recusável o embarque de passageiro menor desacompanhado ou não autorizado, na forma e quando o exija a Lei n. 8.069/90 (ECA).

 

Porém, mais ainda, salienta o artigo agora em comento que o transporte poderá ser igualmente recusado se o passageiro, além de não atender às instruções legais ou regulamentares, apresentar-se ao transporte em condições de saúde e higiene que potencialmente afetem ou prejudiquem os demais passageiros. Nesse pondo, de novo incide a concorrência normativa do Código de Defesa do Consumidor, que autoriza a recusa do fornecimento do serviço, no art. 49, II, em conformidade com os usos e costumes. É o que se entende também aplicável de maneira geral ao transporte, porquanto na senda de sua principiologia e posto não se trata, na hipótese fática, de relação de consumo. Pense-se no exemplo do passageiro que não se ostente convenientemente trajado, o que se deve aferir in rebus, conforme a época e o lugar do transporte.

 

Por fim, mas não em diferente sentido, mesmo causas inespecíficas no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor, desde que consonantes com a finalidade de preservar, de maneira geral, a regular prestação do serviço de transporte, devem ser admitidas como fonte de recusa do passageiro. Assim, qualquer hipótese de risco à segurança, não só à saúde alheia ou aos bons costumes. Pense-se, como exemplo, em pessoa que queira embarcar acompanhado de animal perigoso. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 762 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 20/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na linha da doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, em princípio, não se admite a recusa de contratar por parte do transportador, a não ser nos casos previstos nos regulamentos, ou se as condições de higiene ou de saúde do interessado o justificarem. Imagine-se o caso de o passageiro se apresentar exalando mau cheiro extremo, incomodando e perturbando os demais passageiros, ou com saúde tão debilitada que só devesse ser transportado em ambulância.

 

Embora este artigo não mencione expressamente, devem ser incluídas outras situações, como a do passageiro que se encontra em trajes menores, indecentemente, ou o que está completamente embriagado ou drogado, ou que porta, na cintura, ostensivamente, arma branca ou de fogo. Isto para não falar em viajante que forçou a entrada em ônibus interurbano, na rodovia Transamazônica, trazendo uma serpente enrolada no braço, alegando que a cobra venenosa era seu animal de estimação, e tinha de viajar em sua companhia. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 390 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na toada de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o transporte de passageiros é, ordinariamente, atividade que conforma relação de consumo. O Código de Defesa do Consumidor veda a discriminação de consumidores e a recusa de atendimento às suas demandas, na medida da possibilidade do fornecedor (CDC 39, II).

 

O dispositivo em questão concretiza a regra geral relativamente ao contrato de transporte. Em regra, não pode o transportador recusar passageiros. Somente poderá fazê-lo diante de circunstâncias graves que ponham em risco o próprio transporte e os demais passageiros. A menção às condições de higiene e de saúde do interessado no dispositivo é meramente exemplificativa. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 20.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Comentários ao Código Penal – Art. 7º Extraterritorialidade – VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com – Whatsapp: +55 22 98829-9130

 

Comentários ao Código Penal – Art. 7º
Extraterritorialidade – VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Geral – Título I – Da Aplicação da Lei Penal

 

Extraterritorialidade

Art. 7ª. Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:

I - os crimes:

 

a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984).

b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; (Incluído pela Lei na 7.209, de 11/7/1984).

c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; (Incluído pela Lei na 7.209, de 11/7/1984).

d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; (Incluído pela Lei na 7.209, de 11/7/1984).

 

II - os crimes:(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984).

 

a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;

(Incluído pela Lei na 7.209, de 11/7/1984).

b) praticados por brasileiro; (Incluído pela Lei na 7.209, de 11/7/1984).

c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. (Incluído pela Lei na 7.209, de 11/7/1984).

 

§ 1º Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro. (Incluído pela Lei na 7.209, de11/7/1984).

 

§ 2º Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984).

 

a) entrar o agente no território nacional; (Incluído pela Lei 7.209, de 11/7/1984).

b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; (Incluído pela Lei na 7.209, de 11/7/1984).

c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; (Incluído pela Lei na 7.209, de 11/7/1984).

d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; (Incluído pela Lei na 7.209, de 11/7/1984.).

e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. (Incluído pela Lei na 7.209, de 11/7/1984).

 

§ 3º A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior: (Incluído pela Lei na 7.209, de 11/7/1984).

 

a) não foi pedida ou foi negada a extradição; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984);

b) houve requisição do Ministro da Justiça. (Incluído pela Lei na 7.209, de 11/7/1984).

 

Merece bastante atenção as apreciações de Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao art. 7º do CP, p.21-22, porque ela se apresenta eivada de exemplos:

 

Competência da Justiça brasileira - Os crimes em análise teriam sido cometidos por brasileiro, juntamente com uruguaios, na cidade de Rivera – República Oriental do Uruguai, que faz fronteira com o Brasil. Aplica-se a extraterritorialidade prevista no art. 7º, inciso II, alínea b, e § 2º, alínea a, do Código Penal, se o crime foi praticado por brasileiro no estrangeiro e, posteriormente, o agente ingressou em território nacional (STJ, CC 104342/SP, Terceira Seção; Relª. Minª. Laurita Hilário Vaz, DJe 26/8/2009).

 

O crime cometido, no estrangeiro, contra brasileiro ou por brasileiro, é da competência da Justiça brasileira e, nesta, da Justiça Federal, a teor da norma inserida no inciso IV do art. 109 da Constituição Federal, por força dos princípios da personalidade e da defesa que, ao lado do princípio da justiça universal, informam a extraterritorialidade da lei penal brasileira (Código Penal, art. 7º, inciso II, alínea b, e § 3º) e são, ultima ratio, expressões da necessidade do Estado de proteger e tutelar, de modo especial, certos bens e interesses. O atendimento dessa necessidade é, precisamente, o que produz o interesse da União, em detrimento do qual o crime cometido, no estrangeiro, contra ou por brasileiro é também praticado.

 

Por igual, compete à Justiça Federal julgar os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente (Constituição Federal, art. 109, inciso V) (STJ, HC 18307/MT, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6ª T., DJ 10/3/2003, p. 313).

 

Aeronaves - Compete à Justiça Federal processar e julgar a prática, em tese, de crimes ocorridos a bordo de aeronaves. Inteligência do art. 109, inciso IX, da Constituição Federal (STJ, HC 50450/MS, Rel. Min. Gilson Dipp, 5a T., DJ 5/2/2007, p. 270).

 

Extradição - Súmula n* 421 do STF. Não impede a extradição a circunstância de ser o extraditado casado com brasileira ou ter filho brasileiro - O postulado da dupla tipicidade - por constituir requisito essencial ao atendimento do pedido de extradição - impõe que o ilícito penal atribuído ao extraditando seja juridicamente qualificado como crime tanto no Brasil quanto no Estado requerente, sendo irrelevante, para esse específico efeito, a eventual variação terminológica registrada nas leis penais em confronto.

 

Os fatos ilícitos atribuídos ao extraditando - delitos de estelionato e crime falimentar-constituem, em tese, infrações penais, quer à luz da legislação penal do Estado requerente, quer em face do que prescreve o ordenamento positivo brasileiro (CP, art. 371 e Decreto-lei 1^7.661/45, art. 189,1), o que satisfez a exigência legal da dupla incriminação ou da dupla tipicidade, contemplada no Estatuto do Estrangeiro (art. 77,11) e no tratado de extradição

Brasil/EUA (STF, Ext. 112l/EUA, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ, 25/6/2010).

 

Inexistência de elementos, nos autos, que permitam a conclusão de que o extraditando é vítima de perseguição política pelo governo do Estado requerente.

 

A existência de filho brasileiro, ainda que dependente da economia paterna, não impede a concessão da extradição.

 

Precedentes. Pedido extradicional deferido sob a condição de que o Estado requerente assuma, em caráter formal, o compromisso de comutar eventual pena de morte ou de prisão perpétua em pena de prisão com prazo máximo de 30 anos. Precedente: Ext. 855, Rel. Min. Celso de Mello (STF, Ext. 984/EUA. Rel. Min. Carlos Britio, Tribunal Pleno, j. 13/9/2006, DJ 17/13/2006 PP- 00048).

 

O postulado da dupla tipicidade – por constituir requisito essencial ao atendimento do pedido de extradição - impõe que o ilícito penal atribuído ao extraditando seja juridicamente qualificado como crime tanto no Brasil quanto no Estado requerente. O que realmente importa, na aferição do postulado da dupla tipicidade, é a presença dos elementos estruturantes do tipo penal (essentialia delicti), tais como definidos nos preceitos primários de incriminação constantes da legislação brasileira e vigentes no ordenamento positivo do Estado requerente, independentemente da designação formal por eles atribuída aos fatos delituosos (STF, Ext. 953/RFA, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ 11/11/2005, p. 6).

 

Extinção da punibilidade - Não se concederá a extradição, quando estiver extinta, em decorrência de qualquer causa legal, a punibilidade do extraditando, notadamente verificando-se a consumação da prescrição penal, seja nos termos da lei brasileira, seja segundo o ordenamento positivo do Estado requerente. A satisfação da exigência concernente à dupla punibilidade constituí requisito essencial ao deferimento do pedido extradicional. Observância, na espécie, do postulado da dupla punibilidade (STF, Ext. 953/RFA, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ 11/11/2005, p. 6).

 

Cidadão naturalizado - O Pleno concluiu o julgamento da Questão de Ordem na Extradição nº 1.010-7, sob a relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, assentando a impossibilidade de extraditar-se cidadão naturalizado quando a legislação do país requerente não permite a reciprocidade (STF, Ext. 170.924/2006, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 27/11/2006, p. 39).

 

Conflito de competência - A divulgação, pela internet, de técnicas de cultivo de planta destinada à preparação de substância entorpecente não atrai, por si só, a competência federal. Ainda que se trate, no caso, de hospedeiro estrangeiro, a ação de incitar desenvolveu-se no território nacional, daí não se justificando a aplicação dos incisos IV e V do art. 109 da Constituição. Caso, pois, de competência estadual (STJ, CC 62949/PR, Rel. Min. Nilson Naves, 3ª Seção, DJ 26/2/2007, p. 549). (Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao art. 7º do CP, p.21-22. Ed.Impetus.com.br, acessado em 17/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Exemplificando o artigo em comento, buscou-se o artigo de Ronair Ferreira de Oliveira, intitulado: “Extraterritorialidade da aplicação da lei penal brasileira e o caso Neymar”, publicado no site conjur.com.br em 12-06-2019, comentários ao art. 7º do CP:


Na última semana repercutiu na mídia nacional e internacional a notícia de suposta prática de estupro envolvendo Neymar. O fato teria ocorrido em Paris e a vítima, brasileira, registrou boletim de ocorrência em São Paulo. (.nytimes.com/2019/06/01/sports/neymar-accused-rape-brazil.html?searchResultPosition=1). Consoante se verifica das notícias veiculadas em diversos veículos de comunicação, as investigações são conduzidas pela Polícia Civil de São Paulo.

Diante disso, surgem algumas indagações sobre a competência para apurar os fatos, uma vez que, como dito, ocorreram no estrangeiro e as investigações são conduzidas por autoridades brasileiras.

Embora a regra seja a aplicação da lei brasileira aos crimes praticados no território nacional, o legislador elegeu situações de maior reprovabilidade, em que, para evitar impunidade, se admite a intervenção da legislação pátria nos crimes praticados em outro território. (cf. Reale Júnior, Miguel (org.) et al. Código penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 33).

As hipóteses de aplicação da extraterritorialidade da lei penal constituem exceção ao princípio da territorialidade e autorizam a aplicação de nossa legislação às infrações penais cometidas além de nossas fronteiras. A extraterritorialidade pode ser incondicionada ou condicionada, de acordo com o artigo 7º do Código Penal. (Veja: Souza, Luciano Anderson de. Direito penal: volume 1, parte geral. São Paulo: Thmson Reuters Brasil, 2019, p. 150.

As hipóteses do inciso I do artigo 7º do Código Penal são de tamanha relevância que, com fundamento nos princípios da defesa e da universalidade, aplica-se a lei brasileira sem qualquer condicionante, porquanto os interesses maiores da nação impõem que a legislação pátria incida em determinados fatos ocorridos fora do Brasil. (v. Souza, Luciano Anderson de. Direito penal: volume 1, parte geral. São Paulo: Thmson Reuters Brasil, 2019, pp. 150/151).

São exemplos dessa relevância os crimes praticados contra a vida ou a liberdade do presidente da República e contra o patrimônio da União, dos estados ou dos municípios, diante da importância dos bens jurídicos tutelados.

O artigo 7º, inciso II, do CP elenca os casos de extraterritorialidade condicionada. De acordo com a alínea b de referido inciso, ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro, os crimes praticados por brasileiros. Aplica-se aqui o princípio da personalidade (ou nacionalidade), que permite submeter à lei brasileira os fatos puníveis praticados no estrangeiro por autor brasileiro (forma ativa) ou contra vítima brasileira (forma passiva). (cf. Santos, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral. Florianópolis: Empório do Direito, 2017, p. 43).

Entretanto, para que a lei brasileira possa incidir em fatos praticados por brasileiro no estrangeiro, necessário o concurso das seguintes condições, de acordo com o artigo 7º, parágrafo 2º, do Código Penal: a) entrar o agente no território nacional; b) ser fato punível também no país em que foi praticado; c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.

No caso envolvendo Neymar, as condições objetivas de punibilidade estão presentes e, destarte, não há qualquer óbice para que as investigações sejam conduzidas por autoridades brasileiras.

O ingresso do agente no território nacional é condição de procedibilidade, sem a qual não se pode dar início ao processo penal, mas não é óbice para investigação. (SOUZA, Luciano Anderson de. Direito penal: volume 1, parte geral. São Paulo: Thmson Reuters Brasil, 2019, p. 152). Todavia Neymar se encontra no Brasil e, inclusive, irá prestar esclarecimentos sobre os fatos, segundo veiculado pela mídia ao reproduzir declarações de sua advogada-(uol.com.br/futebol/ultimas-notícias/2019/06/05/advogada-diz-que-neymar-ira-depor-em-sao-paulo-mas-semdatadefinida.htm).

O fato é punível também no país em que foi praticado e o crime está incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza extradição, de acordo com os artigos 81 e seguintes da Lei 13.445/2017, que trata do tema. Não há absolvição e tampouco perdão ou extinção da punibilidade no estrangeiro.

O Código de Processo Penal, em seu artigo 88, estabelece que o local competente para persecução penal nos crimes praticados fora do território brasileiro será o juízo da capital do estado onde houver por último residido o acusado. Se este nunca tiver residido no Brasil, será competente o juízo da capital da República.

Como o último domicílio de Neymar no Brasil foi na cidade de Santos, a capital de São Paulo é o local competente para prosseguimento do caso.

Portanto, diante das circunstâncias do caso concreto, o Código Penal e o Código de Processo Penal autorizam que as investigações sejam realizadas na capital de São Paulo, uma vez que estão satisfeitas todas as condições do artigo 7º, parágrafo 2º, do Código Penal. (Ronair Ferreira de Oliveira, em artigo intitulado “Extraterritorialidade da aplicação da lei penal brasileira e o caso Neymar”, publicado no site conjur.com.br em 12-06-2019, comentários ao art. 7º do CP, acessado em 17/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Complementando o assunto, contudo sem esgotar o tema, Flávio Olímpio de Azevedo, Comentários ao art. 7º do Código Penal, publicado no site Direito.com leciona: O legislador elegeu situações especiais de grande reprobabilidade, extrapolando a regra geral a possibilidade de o Estado Brasileiro aplicar a nossa lei penal de um crime cometido fora do território nacional. (Artigo 88 do CPP: “No processo por crimes praticados fora do território brasileiro, será competente o juízo da Capital do Estado onde houver por último residido o acusado. Se este nunca tiver residido no Brasil, será competente o juízo da Capital da República”.

 

A menes leges do princípio da extraterritorialidade esboçado pelo artigo 7º, CP, da defesa ou proteção da nacionalidade brasileira bem jurídico lesado no exterior. O princípio da justiça universal que visa punir os crimes de alcance internacional.

 

No inciso I, alínea a, e proteção da vida ou a liberdade do Presidente da República; maior autoridade do país; Chefe do Estado e Governo e Chefe das Forças Armadas. A norma é válida mesmo no estrangeiro, pois quando o Presidente é atingido, a soberania nacional é violada; pelo bem maior, integralidade do Presidente.

 

Inciso I, “b”. O legislador adotou o princípio de defesa do patrimônio nacional, aplicando a legislação brasileira que incidirá sobre os crimes praticados contra ativos públicos brasileiros da União, Distrito federal, Estado, Municípios e empresas estatais.

 

No item “c”. Contempla a tutela da lei penal brasileira os crimes cometidos contra Administração pública por agente a serviço da mesma no exterior.

 

Genocídio – alínea “d” – é aplicável a lei penal brasileira quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil praticar o crime de genocídio no exterior com aplicação do princípio da justiça universal contra caráter supranacional. Reconhecida por convenções internacionais.

 

O crime de genocídio é tipificado na Lei 2889/56 que no seu artigo primeiro o define: “Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal”.

 

O inciso II “a” – novamente o legislador para evitar a impunidade declinou aplicação da Lei brasileira que por tratado ou convenção se obrigou reprimir dentro do princípio da justiça universal o sujeito ativo será punido em qualquer território em face de gravidade do crime que afronta os direitos humanos básicos, por exemplo, o crime de tortura.

 

O inciso II “b” – é contemplado o princípio da extraterritorialidade: aplica-se à nacionalidade do agente não considerando o local do crime, evitando que um brasileiro cometa um crime no exterior e buscando proteger a impunidade adentra em território brasileiro.

 

Inciso II, “c” – Aplica-se aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações brasileiras o princípio da representação ou de bandeira, sendo a competência da Justiça Federal, processar e julgar o crime nos termos do artigo 109, inciso IX da Constituição Federal.

 

Dentro do princípio do non bis in idem o agente que responde por dois processos, um no exterior e outro no Brasil, a pena cumprida no exterior atenua a imposta no Brasil, nos termos do artigo 8º, do Código Penal.

 

As ocorrências do inciso II são extraterritorialidade condicionada: depende das condições enumeradas nas alíneas deste parágrafo.

 

Entrar o agente no território nacional: de forma legal ou ilegal, o agente no território nacional a fim de gerar interesse ´punitivo.

 

Ser o fato punível também no país em que foi praticado: a dupla tipicidade o crime cometido necessita ser infração penal nos dois países. No Brasil e no Estado onde foi cometido o delito.

 

Estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição: Conceito de extradição: “Trata-se de um instrumento de cooperação internacional na repressão à criminalidade por meio do qual um Estado entrega a outro, pessoa acusada ou condenada, para que seja julgada ou submetida à execução da pena (Código Penal Comentado. Guilherme de Souza Nucci. Ed. RT, p. 95, 7ª edição).

 

A Constituição Federal veda a extradição de brasileiro nato em nenhuma situação (art. 5º, LI).

 

Nesse mesmo inciso é vedada a extradição do brasileiro naturalizado. Há exceção para duas hipóteses: quando o crime for praticado antes da naturalização ou comprovada a participação do tráfico ilícito de entorpecentes dos e drogas afins, na forma da lei.

 

Não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena: Esse inciso consagra o princípio do bis in idem do Direito Penal, que ninguém deverá ser punido duas vezes pelo mesmo fato.

 

Não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estiver extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável: É inaplicável à Lei brasileira, que o agente tenha recebido o perdão no país que cometeu o crime ou extinta a punibilidade, seguindo o princípio, nessa alínea da lei mais favorável.

 

Para aplicação da Lei brasileira é necessário o conjunto de condições enumeradas nos incisos a e b do 3º parágrafo do artigo em comento, não tenha sido pedida ou negada à extradição. E ausência de requisição pelo Ministro da Justiça. (Flávio Olímpio de Azevedo, Formado em Direito pela FMU em 1973. Comentários ao art. 7º do Código Penal, publicado no site Direito.com, acessado em 17/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).