quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Comentários ao Código Penal – Art. 22 Coação Irresistível e Obediência Hierárquica VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com –

 

Comentários ao Código Penal – Art. 22

Coação Irresistível e Obediência Hierárquica

VARGAS, Paulo S. R.

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Parte Geral –Título II - Do Crime

 

Coação irresistível e obediência hierárquica (Redação dada pela Lei na 7,209, de 11/7/1984.)

 

Art. 22. Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem. (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984).

 

Em suas apreciações, Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários à “Coação Irresistível e Obediência Hierárquica” – Art. 22 do CP, p. 67-69, fala da culpabilidade e dos elementos da culpabilidade na concepção finalista, da exigibilidade de conduta diversa, da coculpabilidade, da exigibilidade de conduta diversa e o tribunal do júri, coação irresistível e da resistível, como da estrita obediência à ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, bem como da Hierarquia, como segue:

 

Culpabilidade -  É o juízo de reprovação pessoal que se realiza sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente. Nas lições de Welzel, “culpabilidade é a ‘reprovabilidade’ da configuração da vontade. Toda culpabilidade é, segundo isso, ‘culpabilidade de vontade'. Somente aquilo a respeito do qual o homem pode algo voluntariamente lhe pode ser reprovado como culpabilidade". (WELZEL, Hans. Derecho penal alemán, p. 167). Na definição de Cury Urzúa, “a culpabilidade é reprovabilidade do fato típico e antijurídico, fundada em que seu autor o executou, não obstante que na situação concreta podia submeter-se às determinações e proibições do direito”. (CURY UR2ÚA, Enrique. Derecho penal - Parte general, t. II, p. 7).

 

Elementos da culpabilidade na concepção finalista - Nos moldes da concepção trazida pelo finalismo de Welzel, a culpabilidade é composta pelos seguintes elementos normativos: a) imputabilidade; b) potencial consciência sobre a ilicitude do fato; c) exigibilidade de conduta diversa.

 

Exigibilidade de conduta diversa - Diz respeito à possibilidade que tinha o agente de, no momento da ação ou da omissão, agir de acordo com o direito, considerando-se a sua particular condição de pessoa humana. Cury Urzúa define a exigibilidade como a “possibilidade, determinada pelo ordenamento jurídico, de atuar de uma forma distinta e melhor do que aquela a que o sujeito se decidiu”.  (CURY URZÚA, Enrique. Derecho penal - Parte general, t. II, p. 76).

 

Coculpabilidade - Partindo do pressuposto de que, em algumas infrações penais, o agente, excluído socialmente, poderia ter sido premido à prática de crimes, a teoria da coculpabilidade pro- põe, basicamente, duas alternativas, a saber: a) nas situações extremas, conduziria à absolvição, a exemplo do que ocorre quando um casal de mendigos tem relação sexual embaixo de um viaduto, fato que, em uma situação de normalidade, possibilitaria a sua condenação pela prática do delito tipificado no art. 233 do Código Penal; b) poderá ser aplicada a circunstância atenuante genérica prevista pelo art. 66 do Código Penal.

 

Cristiano Rodrigues, com o brilhantismo que lhe é peculiar, defende a possibilidade de ser arguida a inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal a fim de possibilitar a absolvição do agente, levando-se em consideração a teoria da coculpabilidade, dizendo que: “somente através da ampliação do conceito de exigibilidade de conduta diversa em face da normalidade das circunstâncias concretas, e de uma aceitação mais ampla da inexigibilidade como causa de esculpação (mesmo sem expressa previsão legal), tornar-se-á possível instrumentalizar, materializar e aplicar a Teoria da Coculpabilidade em nosso ordenamento jurídico, passo fundamental na direção de um Direito Penal garantista, humano e mais isonômico”, (RODRIGUES, Cristiano. Temas controvertidos de direito penal, p. 252).

 

Exigibilidade de conduta diversa e o tribunal do júri - O art. 482 do Código de Processo Penal, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei nº 11.689, de 9 de junho de 2008, em nossa opinião, eliminou a dúvida que existia no que dizia respeito à possibilidade de se arguir, em Plenário do Júri, a inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade. Isso porque as partes poderão alegar os fatos que conduzirão a essa conclusão, ou seja, de que o acusado, nas circunstâncias em que se encontrava, não podia ter agido de forma diferente. Dessa forma, os jurados, se forem convencidos pelos argumentos expendidos pelas partes, deverão responder afirmativamente ao quesito legal, constante do § 2ª do mencionado art. 483 do estatuto processual, assim redigido: O jurado absolve o acusado? Como destaca Paulo Rangei, “com a nova quesitação não importa qual seja a tese da defesa, i.é, se legítima defesa, inexigibilidade de conduta diversa ou coação moral irresistível, v.g., pois a pergunta é uma só: O jurado absolve o acusado? Se os jurados absolverem o réu, não se saberá qual foi a tese acatada, se houver mais de uma”. (RANGEL, Paulo. Direito processual penal, p. 619).

 

Exigibilidade de conduta diversa e o tribunal do júri - O art. 482 do Código de Processo Penal, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei nº 11.689, de 9 de junho de 2008, em nossa opinião, eliminou a dúvida que existia no que dizia respeito à possibilidade de se arguir, em Plenário do Júri, a inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade. Isso porque as partes poderão alegar os fatos que conduzirão a essa conclusão, ou seja, de que o acusado, nas circunstâncias em que se encontrava, não podia ter agido de forma diferente. Dessa forma, os jurados, se forem convencidos pelos argumentos expendidos pelas partes, deverão responder afirmativamente ao quesito legal, constante do § 2ª do mencionado art. 483 do estatuto processual, assim redigido: O jurado absolve o acusado?

 

Como destaca Paulo Rangel, “com a nova quesitação não importa qual seja a tese da defesa, i.é, se legítima defesa, inexigibilidade de conduta diversa ou coação moral irresistível, ad esempio, pois a pergunta é uma só: O jurado absolve o acusado? Se os jurados absolverem o réu, não se saberá qual foi a tese acatada, se houver mais de uma”. (RANGEL, Paulo. Direito processual penal, p. 619).

 

Coação irresistível - Inicialmente, devemos ressaltar que a coação mencionada no citado art. 22 é aquela de natureza moral (vis compulsiva), e não física (vis absoluta). Isso porque a coação física afasta a própria conduta do agente, por ausência de dolo ou culpa. No caso de coação moral irresistível; o coagido pratica geralmente, um fato típico e antijurídico. O injusto penal por ele cometido é que não lhe poderá ser imputado, pois, em virtude da coação a que foi submetido, não se lhe podia exigir uma conduta conforme o direito.

 

A coação irresistível deve ser compridamente demonstrada por quem a alega, sob pena de ser criada uma infalível válvula de escape e uma garantia de impunidade para todos os réus: bastaria que dissessem terem sido coagidos, para conseguirem absolvição (TJMG, AC 1.0024.03.022840-7/001 Rel. Des. Eduardo Brum, DJ l2/8/2006).

 

Para que a coação seja caracterizada como ‘irresistível’, necessário que esta seja atuai, eminente, inevitável, insuperável, inelutável, uma força de que o coacto não pode se subtrair, tudo sugerindo situação a qual ele não se pode opor, recusar-se ou fazer face, mas tão somente sucumbir, ante o decreto do inexorável (STJ, REsp. 534889/SC, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, 5ª T., DJ 9/12/2003, p. 330).

 

Coação resistível - Nos casos de coação resistível, embora o fato seja considerado típico, ilícito e culpável, poderá ser aplicada ao agente a circunstância atenuante prevista no art. 65, III, “c”, primeira parte, do Código Penal.

 

Estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico - A estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico afasta a culpabilidade do agente em virtude de não lhe ser exigível, nessas condições, um comportamento conforme o direito. Para que possa ser beneficiado com essa causa legal de exclusão da culpabilidade, é preciso, nos termos do art. 22, a presença de vários requisitos, a saber: a) que a ordem seja proferida por superior hierárquico; b) que essa ordem não seja manifestamente ilegal; c) que o cumpridor da ordem se atenha aos limites da ordem.

 

Hierarquia - Hierarquia é relação de Direito Público. Para que a máquina administrativa possa funcionar com eficiência, é preciso que exista uma escala hierárquica entre aqueles que detêm o poder de mando e seus subordinados. Nesse sentido, Frederico Marques, quando aduz que para que se possa falar em obediência hierárquica é preciso que “exista dependência funcional do executor da ordem dentro do serviço público, em relação a quem lhe ordenou a prática do ato delituoso”. (MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal, v. ll, p. 310). Isso quer dizer que não há relação hierárquica entre particulares, como no caso do gerente de uma agência bancária e seus subordinados, bem como tal relação inexiste nas hipóteses de temor reverenciai entre pais e filhos ou mesmo entre líderes religiosos e seus fiéis.

 

Objeção de consciência - Existem determinadas situações que fazem com que algumas pessoas se recusem, terminantemente, a cumprir as determinações legais em virtude de sua consciência. Muitas vezes, preferem a morte a aviltar suas convicções pessoais. Isso, de forma simplificada, é o que a doutrina reconhece como objeção de consciência.

 

Bruno Heringer Júnior, dissertando sobre o tema, esclarece, com perfeição, que “a particularidade da escusa de consciência reside na irresistibilidade, para o agente individual, dos imperativos morais que segue, o que pode provocar situações de conflito verdadeiramente existenciais, não lhe deixando margem de ação lícita, senão ao custo de significativo comprometimento de sua personalidade”. (MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal, v. ll, p. 310).

 

Cuidando a respeito do tema, determina o inciso VIII do art. 5º da Constituição Federal que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei. (Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários à “Coação Irresistível e Obediência Hierárquica ” – Art. 22 do CP, p. 67-69. Editora Impetus.com.br, acessado em 02/11/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Segundo apreciação do autor Victor Augusto em artigo intitulado “Coação irresistível e obediência hierárquica”, comentários ao art. 22 do CP, ele diz:

 

O presente artigo trata da coação moral irresistível e da obediência hierárquica, duas causas que excluem a culpabilidade do agente e, portanto, o crime no que lhe diz respeito. Mais especificamente, são hipóteses legais de inexigibilidade de conduta diversa.

 

A exigibilidade de conduta diversa é um requisito ínsito à culpabilidade. Só se pode considerar alguém culpável por certo fato se a pessoa envolvida tivesse oportunidade de agir de forma diversa, forma esta lícita e compatível com o ordenamento jurídico.

 

No Direito Penal, a coação pode ser moral (vis compulsivavis conditionalis, vis animo illata) ou física (vis absolutavis atrox, vis corpori illata).


Coagir (do latim coagere) é constranger alguém, por meios físicos ou morais, a um facere ou non facere. HUNGRIA; FRAGOSO, 1978, P. 255.

coação física é aquela em que o indivíduo é despido de qualquer vontade e é forçado, por meio físico, a envolver-se no ato criminoso. O indivíduo é mero instrumento do crime, um paciente que sequer possui, tecnicamente, uma conduta ou nexo causal com o resultado. Nesses casos, sequer há um ato voluntário, sendo atípico o fato em relação a este sujeito.

A coação física irresistível pode ser exemplificada: um indivíduo muito forte força os dedos de outro no gatilho de uma arma; ou, quem sabe, empurra-o para que esbarre em um terceiro que está na beira de um prédio etc.

Já a coação moral irresistível é a que deixa o agente-vítima à mercê da vontade de um terceiro por temor de algum mal que este possa produzir. O agente tem controle de suas ações (e age dolosamente), mas esse controle é viciado pelo temor diante da séria ameaça sofrida. Nessa hipótese, o coagido não responde pelo crime, mas sim o coator, autor mediato do delito.

O caso mais icônico da coação moral envolve o gerente de banco cuja família foi sequestrada. Ele é obrigado, pelos sequestradores, a extraviar uma quantia dos cofres, sob pena de seus familiares serem executados. Como não se poderia exigir outra conduta do gerente, este não poderá ser punido pelo fato.

Se a coação moral for resistível (por exemplo, o bandido ameaça a quebra de um bem de pequeno valor, caso o agente não pratique o crime) e o agente decidir acatar, este será punido normalmente, pois seria exigível conduta diversa. A seu favor, entretanto, incide uma atenuante genérica:

Art. 65 – São circunstâncias que sempre atenuam a pena:

III – ter o agente: c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima; (Código Penal).

No que diz respeito à obediência hierárquica, determina o Código que a ordem não pode ser manifestamente ilegal. Adimplido este requisito, o agente não responde, apenas seu superior hierárquico. Caso contrário, poderá se beneficiar da circunstância do art. 65, III, “c”, do Código.

De modo geral, a doutrina aponta apenas a hierarquia legal, pública, como aquela passível de permitir a aplicação da excludente. (Victor Augusto em artigo intitulado “Coação irresistível e obediência hierárquica”, comentários ao art. 22 do CP, no site Index Jurídico, em 22 de janeiro de 2019, acessado em 02/11/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Referências - HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. v. 1, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

Destacando-se o parecer de Flávio Olímpio de Azevedo, Comentários ao art. 22 do Código Penal, publicado no site Direito.com: A coação quando irresistível exclui o crime. A coação moral divide a vontade da vítima impossibilitando agir de forma voluntária por fato subserviente gerada pelo coator. É exemplo que o gerente do banco subtrai importância vultosa do cofre da agência bancária para pagar o sequestro de seu filho.

 

Já a coação física, o coator impossibilita o coagido de agir de forma voluntária. Obsta seu movimento; tem que atuar a mando de terceiro coator, havendo exclusão da tipicidade do fato, till exempel, o agente assina um cheque sem fundos para coator, pois o mesmo apontava uma arma para o agente.

 

A orientação do padrão para o empregado mentir em juízo não traduz coação pelo medo do empregado perder o emprego conforme o seguinte julgado:

 

Penal. Falso testemunho em reclamatória trabalhista. Art. 342 do Código Penal. Exclusão da culpabilidade. Art. 22 do Código Penal. Inocorrência. Materialidade e autoria comprovadas. Falsidade sobre fato juridicamente relevante. Coação moral irresistível. Inocorrência. Dosimetria. Pena de multa. Desproporcionalidade. Redução de ofício. Execução provisória. 1. O falso testemunho trata-se de crime de natureza formal. Consuma-se no momento da afirmação falsa a respeito de fato jurídico relevante para o julgamento, bastando a sua potencialidade lesiva, independentemente da ocorrência de resultado naturalístico. 2. Para a incidência da causa de exclusão da culpabilidade prevista no art. 22 do Código Penal, são necessários que a coação seja grave a ponto de impossibilitar ao autor comportamento diverso. 3. O agir qualificado por coação moral, quando plenamente resistível, não inibe a responsabilidade criminal do agente. 4. Comprovado que o réu, voluntária e conscientemente, fez afirmação falsa enquanto na qualidade de testemunha em processo judicial, deve ser mantida sua condenação às penas previstas no artigo 342 do Código Penal. 5. Pena de multa reduzida de ofício para atender à proporcionalidade em relação à pena física. 6. Execução provisória das penas a ser oportunamente iniciada, consoante preconiza o verbete da Súmula nº 122 do TRF4R. (TRF-4-ACR: 50005134120174047108 RS 5000513-51.2017. 4.04,7108, Rel. Revisora. DT 25/06/2019, 7ª Turma). (Flávio Olímpio de Azevedo, Formado em Direito pela FMU em 1973. Comentários ao art. 22 do Código Penal, publicado no site Direito.com, acessado em 02/11/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 1 de novembro de 2022

Comentários ao Código Penal – Art. 21 Erros sobre a ilicitude do fato VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com – Whatsapp: +55 22 98829-9130

 

Comentários ao Código Penal – Art. 21

Erros sobre a ilicitude do fato

 VARGAS, Paulo S. R.

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digitadorvargas@outlook.com –

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Parte Geral –Título II - Do Crime

 

 

Erro sobre ilicitude do fato

 

Art. 21. O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. [Redação dada pela Lei n" 7.209, de 11/7/1984.)

 

Parágrafo único. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência. (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984).

 

As apreciações de Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários às “Alegações ao Desconhecimento da Lei” – Art. 21 do CP, p. 65-67:

 

Diferença entre o desconhecimento da lei e a falta de consciência sobre a ilicitude do fato - Parece que, por meio da redação constante do caput do art. 21, o Código Penal tenta fazer uma distinção entre o desconhecimento da lei e a falta de conhecimento sobre a ilicitude do fato, distinção esta que acaba caindo por terra em virtude da existência do chamado erro de proibição direto, conforme veremos mais adiante.

 

Consciência real e consciência potencial sobre a ilicitude do fato - A diferença fundamental entre consciência real e consciência potencial reside no fato de que, naquela, o agente deve, efetivamente, saber que a conduta que pratica é ilícita; na consciência potencial, basta a possibilidade que o agente tinha, no caso concreto, de alcançar esse conhecimento.

 

Segundo Sanzo Brodt, “conforme a concepção finalista da teoria do delito, à reprovação penal não é necessária a atual consciência da ilicitude; basta a possibilidade de obtê-la. Daí conceituarmos consciência da ilicitude como a capacidade de o agente de uma conduta proibida, na situação concreta, apreender a ilicitude de seu comportamento”. (SANZO BRODT, Luís Augusto. Da consciência da ilicitude no direito penal, p. 17-18).

 

A quem possui e administra banca de camelô no centro de Belo Horizonte e se dispõe a vender bens falsificados para gerar maiores rendimentos, não é dado alegar desconhecimento acerca da ilicitude de seu ato, ao menos em relação àqueles abrangidos por seu ramo comercial, no caso, compra e venda de obras musicais e de videogames, lembrando-se, ao ensejo, a permanente cobertura da mídia nacional direcionada a mostrar a ilegalidade da comercialização de produtos piratas. Algo mais do que suficiente a possibilitar ao agente a avaliação de seu procedimento como contrário ao ordenamento jurídico (TJMG, AC 1.0024.05. 583594-6/001, Relª. Desª Beatriz Pinheiro Caires, DJ 3/3/2007).

 

A infração penal, por ser conduta proibida, implica reprovação ao agente. Ocorre, pois, culpabilidade, no sentido de censura ao sujeito ativo. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, exclui a punibilidade. Evidente, as circunstâncias não acarretam a mencionada censura. Não se confunde com o desconhecimento da lei. Este é irrelevante. A consciência da ilicitude resulta da apreensão do sentido axiológico das normas de cultura, independentemente de leitura do texto legal. (STJ, RHC 4772/SP, Rel. Min. Vicente Leal. 6a T RSTJ. v.100, p. 287).

 

Consciência profana do injusto - De acordo com as lições de Cezar Roberto Bitencourt, “com a evolução do estudo da culpabilidade, não se exige mais a consciência da ilicitude, mas sim a potencial consciência. Não mais se admitem presunções irracionais, iníquas e absurdas. Não se trata de uma consciência técnico-jurídica, formal, mas da chamada consciência profana do injusto, constituída do conhecimento da antissocialidade, da imoralidade ou da Iesividade de sua conduta. E, segundo os penalistas, essa consciência provém das normas de cultura, dos princípios morais e éticos, enfim, dos conhecimentos adquiridos na vida em sociedade. São conhecimentos que, no dizer de Binding, vêm naturalmente com o ar que a gente respira". (BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal, p. 326-327).

 

Restando comprovado o porte ilegal voluntário e consciente de arma de fogo, com numeração raspada, pelo acusado, que tinha plena ciência da ilicitude de sua conduta, impõe-se a sua condenação pela prática do delito previsto no art.16, parágrafo único, inciso IV, da Lei nº 10.826/2003 (TJMG, AC1.0024.05.583594-6/001, Relª. Desª. Beatriz Pinheiro Caires, DJ 3/3/2007).


O erro sobre a ilicitude do fato ocorre quando o agente, por erro plenamente justificado, não tem ou não lhe é possível o conhecimento do fato, supondo que atua licitamente. Indiscutível a culpabilidade se o agente conhecia ou devia conhecer a proibição de vender medicamentos controlados, capazes de causar dependência física ou psíquica, em banca de camelô (TJMG, AC 1.0000.00.351102-9/000, Relª. Desª. Márcia Milanez, DJ 26/9/ 2003).

 

Espécies de erro sobre a ilicitude do fato - O erro sobre a ilicitude do fato, ou erro de proibição, pode ser: a) direto; b) indireto; c) mandamental.

 

Erro de proibição direto - Diz-se direto quando o erro do agente recai sobre o conteúdo proibitivo de uma norma penal. Nas lições de Assis Toledo, no erro de proibição direto o agente, “por erro inevitável, realiza uma conduta proibida, ou por desconhecer a norma proibitiva, ou por conhecê-la mal, ou por não compreender o seu verdadeiro âmbito de incidência." (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p. 270).

 

Erro de proibição indireto – Na precisa definição de Jescheck, “também constitui erro de proibição a suposição errônea de uma causa de justificação, se o autor erra sobre a existência ou os limites da proposição permissiva (erro de permissão) “. (JESCHECK, Haris-Helnrich. Tratado de derecho penal, v. I, p. 632).

 

O conjunto probatório dos autos demonstrou, à saciedade, que o ora apelante simplesmente guardou em sua bolsa a arma de fogo que era trazida por um amigo, o qual estava embriagado e deprimido pelo aniversário de falecimento da esposa, ameaçando, inclusive, de suicídio, ou seja, agiu para evitar uma tragédia. O réu teve o cuidado de desmuniciar a arma e guardar os projetis no bolso da calça, onde foram encontrados no dia seguinte, por milicianos que o revistaram numa blitz de rotina, quando o mesmo se encaminhava para devolver a arma ao seu legítimo dono. Entendo que o ora apelante agiu de boa-fé, sendo pessoa de humildes recursos, metalúrgico desempregado, com primeiro grau incompleto, ou seja, sem condições de perceber que sua ação poderia estar revestida de qualquer ilegalidade, merecendo ser reconhecida a incidência da figura jurídica do erro de proibição indireto, onde o autor possui o conhecimento da existência da norma proibitiva, porém acredita que, em caso concreto, existe uma causa que, justificada em juízo, autoriza a conduta típica (TJRJ, Ap. Crim. 2006.050.00192, Relª. Desª. Elizabeth Gregory, 7ª Câm. Crim., j. 11/4/2006).

 

Erro mandamental - É aquele que incide sobre o mandamento contido nos crimes omissivos, sejam eles próprios ou impróprios. Conforme preleciona Cezar Bitencourt, é o “erro que recai sobre uma norma mandamental, sobre uma norma impositiva, sobre uma norma que manda fazer, que está implícita, evidentemente, nos tipos omissivos." (BITENCOURT, Cezar Roberto; MUNOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito, p. 421).

 

Erro sobre elementos normativos do tipo - Há discussão doutrinária a respeito da natureza jurídica do chamado erro sobre os elementos normativos do tipo. Elementos normativos são aqueles cujos conceitos são provenientes de uma norma, ou aqueles sobre os quais o intérprete, obrigatoriamente, deverá realizar um juízo de valor, a exemplo do que ocorre com as expressões indevidamente (art. 40, caput, da Lei nº 6.538/78) e sem justa causa (art. 153 do CP).

 

Alcidez Munhoz Neto assevera ser preciso fazer a distinção entre elementos jurídico- normativos do tipo e elementos jurídico-normativos da ilicitude: “São elementos jurídico-normativos do tipo os conceitos que se constituem em circunstâncias do fato criminoso, como ‘cheque’, warrant, ‘documento’, ‘coisa alheia’, 'moeda de curso legal’ etc. São elementos jurídico-normativos da ilicitude os que acentuam o desvalor da conduta, como ‘indevidamente’, ‘sem observância de disposição legal’, ‘sem justa causa’ ou ‘sem licença da autoridade’. Embora incorporadas à descrição legal, estas referências à antijuridicidade não são circunstâncias constitutivas do fato típico; apenas ressaltam, desnecessariamente, a ilicitude comum a todas as condutas delituosas, ou estabelecem, a contrario sensu, especiais situações de licitude, a exemplo do que sucede com a ‘licença da autoridade’, que só excepcionalmente justifica determinados comportamentos (CP 1940, arts.166 e 253). Nos dois casos, entretanto, o relevo dado à antijuridicidade nada acrescenta a estrutura do tipo. O erro sobre elemento jurídico-normativo da ilicitude é erro de proibição e como tal deve ser tratado. O erro sobre elementos jurídico-normativos do tipo é erro sobre circunstância constitutiva do crime e a este deve ser equiparado”. (MUNHOZ NETTO, Alcidez. A ignorância da antijuridicidade em matéria penal, p. 133-134).

 

Sanzo Brodt, seguindo a posição adotada por Jair Leonardo Lopes, aduz que “não há razão para distinguir entre elementos normativos do tipo e elementos normativos da ilicitude, já que estão integrados ao tipo, o erro que incide sobre esses elementos será sempre o erro de tipo”. (SANZO BRODT, Luís Augusto. Da consciência da ilicitude no direito penal brasileiro, p. 84.99 Filiamo-nos a esta última corrente.

 

Consequências do erro de proibição - As consequências do erro de proibição estão descritas no art. 21 do Código Penal, que diz, na sua segunda parte, que o erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.

 

Diferença entre erro de proibição e delito putativo - Quando falamos em erro de proibição direto estamos querendo dizer que o agente supunha ser lícita uma conduta que, no entanto, era proibida pelo nosso ordenamento jurídico. No exemplo do turista que fuma um cigarro de maconha no Brasil, ele acredita, por erro, que a sua conduta não importa na prática de qualquer infração penal. Não quer, portanto, praticar crime.

 

No que diz respeito ao delito putativo, o raciocínio é outro. Podemos dizer que erro de proibição e delito putativo são como que o verso e o reverso. Isso porque no crime putativo o agente quer praticar uma infração penal que, na verdade, não se encontra prevista em nosso ordenamento jurídico-penal. O agente acredita ser proibida sua conduta quando, na verdade, é um indiferente penal. (Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários às “Alegações ao Desconhecimento da Lei” – Art. 21 do CP, p. 65-67. Editora Impetus.com.br, acessado em 01/11/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No lecionar de Victor Augusto em artigo intitulado “Erro de proibição ou sobre a ilicitude do fato”, comentários ao art. 21 do CP, como o autor aponta:  No Direito brasileiro, vige a presunção de conhecimento da lei, não podendo ninguém deixar de cumpri-la alegando o seu desconhecimento. Trata-se de um postulado também previsto na LINDB: Art. 3º. Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece - Lei de Introdução ás Normas de Direito Brasileiro (Dec. Lei nº 4.657/42).

 

Mesmo que a pessoa não possa se escusar do cumprimento da lei alegando seu desconhecimento, o Código Penal traz efeitos jurídicos para o erro sobre a ilicitude da conduta. O agente, nesses casos, incide em erro de proibição (o sucessor do chamado erro de direito ou error juris na doutrina clássica).

 

Diferente do erro de tipo, o erro de proibição ocorre diante da equivocada percepção da ilicitude do ato, do regramento jurídico e das normas proibitivas e permissivas, e não dos fatos em si. Em poucas palavras, o agente pensa que certo procedimento é lícito e legal, quando, na realidade, não o é.

 

O agente tem correta representação dos fatos, mas equivoca-se sobre a qualidade jurídica de sua conduta. Bitencourt (2018) chama esse fenômeno de consciência profana do injusto, que nada mais é do que o pensamento (consciência) leigo, não jurídico (profano), do injusto. Na esfera profana, leiga, o agente pensa que o ato não é ilícito.

De uma forma geral, a doutrina só aponta a existência do erro de tipo e do erro de proibição. Se a situação pertinente tratar de erro sobre a existência ou contornos dos fatos, teremos um erro de tipo. Se a situação tratar de equívocos sobre as normas, seu conteúdo e extensão, teremos erro de proibição.

 

O erro de proibição invencível (inevitável, desculpável, escusável) exclui a potencial consciência de ilicitude, que se encontra na culpabilidade do delito. Em outras palavras, o agente não tinha como perceber a ilicitude do fato. Minando a culpabilidade, consequentemente não há crime ou punição.

 

Diferente do erro de tipo, quando o erro de proibição é evitável, o agente se beneficiará com uma redução de sua pena de um sexto a um terço (1/6 a 1/3).

 

potencial consciência da ilicitude diz respeito à possibilidade de o agente, no contexto fático, perceber o caráter ilícito de sua conduta. É a possibilidade de perceber que se está fazendo algo errado, ilícito.

 

Usualmente, a doutrina aponta ao caso do turista que pensa que o consumo de certa droga, é permitida no Brasil. Ele equivoca-se sobre a proibição. Se a Justiça entender que ele, nas condições reais, não tinha como potencialmente entender que o ato era ilícito, será absolvido. Caso contrário, sua pena será reduzida.

 

Outro exemplo é fornecido por Estefam (2018): o indivíduo acha um relógio na rua e empreende busca pelo dono. Depois de várias tentativas, decide ficar com o bem, pois imagina que o insucesso na busca do dono lhe permite ficar com o bem da coisa perdida. A conduta que ele pensa ser permitido, entretanto, é proibida pelo art. 169, do CP.

 

O erro de proibição trata da representação equivocada das normas. Uma das formas de se equivocar sobre a norma é imaginar que existe uma causa excludente de ilicitude que, na realidade, não existe. Trata-se da descriminante putativa ou erro de proibição indireto.

 

Observe a lógica por trás da expressão. Descriminante é a característica de tornar lícito, de excluir o crime, a ilicitude ou a antijuridicidade; putativa é a qualidade de uma coisa ser imaginária, hipotética.

 

Descriminante putativa, então, é a situação, onde o indivíduo, imagina que existe na lei uma hipótese excludente de ilicitude para o ato que ele pratica ou que a hipótese existente tem limites mais generosos do que os reais.

 

O exemplo clássico de descriminante putativa envolve os limites da legítima defesa: o agressor é imobilizado pela vítima, restando inofensivo. A vítima, em seguida, pega a arma do agressor e atinge-o, pensando que a legítima defesa legal permite o ato subsequente, posterior à neutralização da agressão injusta.

 

Nas descriminantes putativas, segue-se a regra do erro de proibição: se for escusável, exclui a culpabilidade, o crime e a pena; se for inescusável, reduz a pena.

 

Referências - BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de direito penal. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2018. ESTEFAM, André. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2018. (Victor Augusto em artigo intitulado “Erro de proibição ou sobre a ilicitude do fato”, comentários ao art. 21 do CP, no site Index Jurídico, em 21 de janeiro de 2019, acessado em 01/11/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No ritmo de Flávio Olímpio de Azevedo, Comentários ao art. 21 do Código Penal, publicado no site Direito.com, o autor fala de:  Erro de direito e potencial desconhecimento de ilicitude ou falsa consciência da realidade.

 

É inescusável. Ninguém pode ter desconhecimento da lei, mas não é excludente crime e consequentemente de pena, apenas circunstância atenuante na forma do artigo 65.

 

A jurisprudência assinala um bom exemplo: “O Código Penal, no caput de seu artigo 21, preconiza que ‘o desconhecimento da lei é inescusável’”. Ademais, vale assinalar que a informação de que a posse de munição constitui atividade ilícita, já que se encontra por demais difundidas, pelos meios de comunicação, sendo possível a qualquer indivíduo obter informações acerca da clandestinidade desse comportamento. Assim, inviável a isenção de pena sob a alegação da existência de erro de proibição.

 

Incabível a aplicação de atenuante sob alegação de desconhecimento da lei quando a norma foi amplamente divulgada em âmbito nacional através de campanhas educativas e, principalmente, por ter sido objeto de referendo populacional de participação obrigatória de todos os cidadãos, além do fato de o apelante ser indivíduo socializado”. (APR 20120910286333-TJDFT)

 

Erro de proibição – É quando o agente ignora que a Lei é proibida e age sem conhecimento de sua ilicitude. A jurisprudência explicita bem essa figura:

 

“Penal Erro de Proibição”. Configurado. Apelação Desprovida. 1. Para configurar o erro de proibição é necessário que o agente suponha, por erro, que seu comportamento é ilícito, vale dizer, há um juízo equivocado sobre aquilo que lhe é permitido fazer na vida em sociedade. 2. O erro de proibição é aquele que recai sobre a ilicitude do fato e é considerado invencível quando o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era impossível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência (CP, art. 21). 3. Ficou comprovado nos autos que o acusado agiu em erro de proibição escusável. 4. Apelação desprovida. Tribunal Regional Federal da 3ª Região – TRF-3 – Apelação Criminal: ApCrim 0001675-56.2017.4.03.6119SP.

 

Na decisão apontada o réu se tratava de pessoa com diversas viagens internacionais e tinha consciência que no Brasil era ilícito portar arma, sem prévio porte. Assinalou o julgador: “Estarão provadas a materialidade e a autoria dolosa”. A sentença de primeiro grau absolvia o réu e foi reformada com apelo do MP.

 

Em outro julgado foi reconhecido o erro de proibição. A matéria é tormentosa para doutrina e jurisprudência:

 

Penal. Apelação. Contrabando de máquinas de caça-níqueis. Art. 334, § 1º, “c” do Código Penal. Máquina de origem estrangeira. Importação e exploração proibida. Erro de proibição configurado. Absolvição mantida. 1. Contexto probatório indica que os réus agiram sob a falsa consciência da licitude da exploração comercial das máquinas caça-níqueis, sobretudo por que Loteria do Estado de Minas Gerais, por meio de diversas Resoluções, autorizada a exploração de tal atividade no âmbito da Central de Abastecimento – CEASA/MG. Os réus acreditavam que o cumprimento das exigências do órgão público, tais como apresentação de nota fiscal de compra perante empresas de importação credenciadas e recolhimento mensal de uma prestação pecuniária, redundaria na regulari9ção da atividade. 2. Embora comprovadas à materialidade e autoria delitivas, é razoável considerar que os acusados realmente desconheciam o caráter ilícito de suas ações, sendo inevitável a ignorância, razão pela qual ficam isentos da sanção abstratamente cominada ao crime descrito no art. 334, § 1º, “c” do Código Penal, a teor do disposto no art. 21 do mesmo diploma legal. Apelação não provida. Tribunal Regional Federal da 1ª Região TRF-1 – Apelação Criminal (ACR): APR 0018477-40.2009.4.01.380”. (Flávio Olímpio de Azevedo, Formado em Direito pela FMU em 1973. Comentários ao art. 21 do Código Penal, publicado no site Direito.com, acessado em 01/11/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Direito Civil Comentado - Art. 769, 770, 771 - DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 769, 770, 771
- DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com -
digitadorvargas@outlook.com

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

 (art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO – Seção I

Disposições Gerais - (art. 757 a 777)

 

Art. 769. O segurado é obrigado a comunicar ao segurador, logo que saiba, todo incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de perder o direito à garantia, se provar que silenciou de má-fé.

 

§ 1º. O segurador, desde que o faça nos quinze dias seguintes ao recebimento do aviso da agravação do risco sem culpa do segurado, poderá dar-lhe ciência, por escrito, de sua decisão de resolver o contrato.

 

§ 2º. A resolução só será eficaz trinta dias após a notificação, devendo ser restituída pelo segurador a diferença do prêmio.

 

Na balada de Claudio Luiz Bueno de Godoy, em seu caput, o artigo reproduz regra já constante do Código anterior (art. 1455), cujo comando é uma típica revelação do padrão de lealdade que se exige nas relações contratuais, de resto tal qual salientado nos comentários ao CC 766. Trata-se da noção de boa-fé objetiva que permeia, obrigatoriamente, as relações contratuais (CC 422) e que, em sua função supletiva, cria deveres de conduta, chamados anexos ou laterais, aos contratantes, dentre eles os de colaboração e informação, como forma de mais escorreito desenvolvimento do processo obrigacional.

 

No caso, ocupa-se o Código de determinar dever, ao segurado, de comunicar ao segurador, tão logo disso venha a ter conhecimento, qualquer incidente que possa agravar consideravelmente o risco coberto. Veja-se que a exigência é, primeiro, de que a comunicação se dê de pronto, tão logo saiba o segurado da ocorrência agravadora do risco. É certo que, nessa avaliação, impende ater-se ao razoável ou ao que razoavelmente se pode considerar seja o tempo necessário para que o segurado tenha condições de, o mais rapidamente, contatar o segurador, o que, ainda, significa dizer serem necessárias considerações como a forma de comunicação das partes, seu domicílio, o fato de serem presentes ou ausentes e assim por diante. Em segundo lugar, o incidente que há de ser comunicado, e isso desde a vetusta lição de Clóvis Bevilaqua (Código Civil comentado, 4.ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 215), deve ser evento independente da conduta do segurado, portanto derivado de caso fortuito ou ato de terceiro em que, para o agravamento resultante de comportamento do próprio segurado, a norma de incidência é a do artigo anterior. Em terceiro lugar, esse incidente de agravamento dever ser sério, de tal maneira a desequilibrar o contrato, daqueles que, se de início conhecidos, levariam o segurador a não contratar ou a contratar com prêmio maior.

 

Preenchidos esses requisitos, se o segurado omitir a devida informação que a lei lhe impõe, incidirá na perda da garantia contratada, aí sim, tal como previsto no artigo antecedente, destarte liberando-se o segurador do pagamento de sinistro que depois venha eventualmente a suceder. No entanto, ainda ressalva o atual Código que a resolução se opera somente se provada a má-fé com que se portou o segurado ao silenciar sobre o incidente de agravamento. Aqui deve-se entender a referencia legal como à consciente omissão, ou seja, o conhecimento de evento que sabia ou. Frise-se, também que deveria saber de agravamento do dano e, aí sim, a consciente omissão na respectiva comunicação. Ou seja, não se exige, própria e necessariamente, deliberado proposito de prejudicar o segurador, mas discernimento quanto à ocorrência de agravamento e silêncio em sua informação. Inova, porém, o Código de 2002, na disposição dos parágrafos do artigo, quando cuida da consequência, para o contrato, advinda do agravamento do risco sem culpa, sem ser por obra e comportamento do segurado. Isso porque, no Código anterior, dispunha-se que o agravamento de risco, por fato alheio ao segurado, não autorizava o segurador sequer a postular a revisão do prêmio, (CC 1.453), o que se pode admitir vigente para alterações que não sejam consideráveis, como no atual preceito se reclama. Pois agora, mais que isso, se havido o considerável agravamento do risco, por fato estranho ao segurado, sem sua culpa, como está na lei, abre-se a possibilidade de o segurador resolver o contrato, desde que o faça no prazo de quinze dias, contados do recebimento do aviso pelo segurado acerca do incidente de agravamento do risco, exigindo-se, ainda, que a deliberação de resolução seja pelo segurador comunicada, por escrito, ao segurado. Mesmo assim, ainda permanece o segurador, nos trinta dias seguintes à notificação do segurado, responsável pela garantia contratada, porquanto, na previsão da lei, sua resolução só opera efeito depois de transcorrido esse interregno. Isso quer dizer, portanto, que nos trinta dias, ocorrido algum sinistro, o pagamento do valor segurado será de rigor. Por fim, deliberada essa resolução, deve o segurador restituir ao segurado a diferença do prêmio pago em relação ao tempo de contrato que não mais se cumprirá. Assim, se o pagamento foi parcelado, mês a mês, cessa então o seu pagamento.

 

Veja-se, em conclusão, que a nova disposição contida nos parágrafos do artigo em pauta, serve a trazer, para o contrato de seguro, a hipótese genérica de resolução por excessiva onerosidade (CC 478), ao pressuposto de que também nessa espécie contratual, e mesmo abstraída a discussão sobre sua natureza comutativa ou aleatória, já antes travada (ver comentários ao CC 757 e 764), portanto mesmo admitida a aleatoriedade, há, de todo modo, um equilíbrio que limita a extensão da álea e que deve ser garantido mediante o mecanismo resolutório presente. É mesmo a exigência constitucional de relações jurídicas que sejam justas (art. 3º, I, da CF), base para admissão de que o equilíbrio há de ser preservado, agora, de forma expressa, ainda no contrato de seguro. Nada diverso do que, genericamente, já previa o art. 1.108 do Código Civil argentino, permitindo a revisão, por imprevisibilidade, mesmo de contratos aleatórios, quando a alteração das circunstâncias se dê fora do risco normal do negócio. Ou, na lição de Almeida Costa, podem os contratos aleatórios ser revisados ou resolvidos quando a alteração das circunstâncias exceder apreciavelmente todas as flutuações previsíveis na data do contrato (Direito das obrigações, 5.ed. Coimbra, Almedina, 1991, p. 273). Aliás, por tudo isso, ou seja, por essa inspiração constitucional da providência resolutória, sempre de manutenção do equilíbrio contratual, não se vê causa suficiente a que não se permita – tal qual deferido ao segurado, em igual hipótese, como se verá nos comentários ao artigo seguinte – a possibilidade de o segurador, em vez de postular a resolução, pleitear a revisão do prêmio, na hipótese configurada no preceito aqui comentado. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 794 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Seguindo a doutrina de Ricardo Fiuza, cumpre ao segurado comunicar à seguradora os fatos e circunstâncias suscetíveis de agravarem o risco assumido, permitindo-se a esta resolver o contrato, se não lhe convier assumir o agravamento em prazo quinzenal contado da recepção do aviso da agravação. Há de se considerar, no efeito da incidência da norma, o conceito juridicamente indeterminado no tocante ao denominado “risco consideravelmente agravado”. A inserção, dada a maior relevância do agravamento, difere do conteúdo do art. 1.455 do CC 1916, que se referiu ao risco agravado sem mensurar o grau de intensidade do agravamento potencial. Agora, é exigido que os fatos e circunstâncias exacerbem, notavelmente o risco, não se incluindo, portanto, o agravamento leve ou menos importante. Essa subjetividade pode prejudicar a ciência prevista ao segurador por parte do segurado, que não atuará de má-fé ao silenciar, caso não se lhe evidencie, de plano, o alcance maior do agravamento. Reserva-se a matéria ao estudo no caso concreto, estando, pois, sujeita à avaliação judicial.

 

A doutrina, de antanho, assim expressava: “É obrigação do segurado comunicar ao segurador, assim que saiba, todo incidente, i.é, qualquer fato imprevisto, estranho à vontade do segurado, que, de qualquer modo, possa agravar o risco existente, sob pena de perder o seguro” (José Lopes de Oliveira. Contratos, Recife, Livrotécnica, 1978, p. 252).

 

Por outro lado, resultou estabelecido, diante da pretendida resolução, o prazo de trinta dias para o mantimento da eficácia do contrato, de modo a conferir ao segurado o direito à garantia, nesse lapso temporal, onde, inclusive, poderá ocorrer revisitação de cláusula contratual no tocante ao valor do prêmio, se preferir a segurador, que, em vez de resolver o contrato, ajustá-lo-á a essa situação superveniente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 404-405 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo resulta da concretização do princípio da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual. A seguradora obriga-se a indenizar em razão de determinado risco. Se o risco é maior, maior deverá ser o prêmio. A superveniência de fato que agrave consideravelmente o risco, permite às seguradoras a resolução do contrato com a restituição do prêmio proporcional ao prazo de contrato faltante.

 

Exemplo de situação que representa agravamento considerável é a instalação de uma fábrica de fogos de artifícios no imóvel vizinho ao que é protegido por seguro contra incêndio.

 

A situação que agrava o risco e permite a resolução do contrato pela seguradora não pode ser o início do fato que configura o sinistro. Assim, p. exe., o diagnóstico de uma doença fatal não configura “incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco”, mas o início do próprio fato de que se procura proteger mediante a contratação de seguro de vida.

 

É de se ressaltar que a ausência de comunicação de incidente que agrava consideravelmente o risco não é, por si, causa de exoneração da obrigação de indenizar: para que o segurado perca o direito à indenização é necessária a prova de ter agido com má-fé ao não comunicar, elemento subjetivo de difícil prova. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 31.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 770. Salvo disposição em contrário, a diminuição do risco no curso do contrato não acarreta a redução do prêmio estipulado; mas, se a redução do risco for considerável, o segurado poderá exigir a revisão do prêmio, ou a resolução do contrato.

 

No ritmo de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o preceito vertente, que não constava do Código de 1916, é o exato reverso da previsão do artigo anterior. Se lá se possibilita, por alteração das circunstâncias que determine considerável agravamento do risco coberto, sem culpa do segurado, a resolução do contrato pelo segurador, aqui se estabelece igual prerrogativa ao segurado, desde que, identicamente, se reduzam os riscos do contrato de forma relevante, séria. Ou seja, é o mesmo princípio de manutenção do equilíbrio contratual que anima o preceito do dispositivo antecedente e que, agora, induz a possibilidade de resolução, só que pelo segurado.

 

Assim, pode o segurado, se houver considerável diminuição do risco coberto, por qualquer causa superveniente, posto que dele próprio dimanada, resolver o contrato de seguro. Veja-se que, da mesma forma que na regra do artigo precedente, impõe-se se tenha havido ocorrência de considerável diminuição do risco, portanto forma da normal incerteza e flutuação das circunstâncias potenciais de sinistro cobertas pelo contrato. Isso porque, se assim não for, nem mesmo a redução do valor do prêmio é dado ao segurado postular, salvo disposição em contrário que se tenha ajustado no contrato. Contudo, havida considerável redução do risco, e como corolário do princípio do equilíbrio ou justiça contratual, pode o segurado não só resolver o contrato, como, se preferir, pleitear a revisão do valor do prêmio. Trata-se de prerrogativa explícita que, como se viu nos comentários ao artigo anterior, embora nele inexistente igual explicitude, também deve ser deferida, na situação inversa, ao segurador. Por fim, e agora a omissão é do artigo em pauta, havida a resolução, por alteração das circunstâncias, por iniciativa do segurado, ocorrida considerável redução do risco, caberá a mesma proporcionalização do prêmio prevista e comentada no artigo anterior. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 795 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 03/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na balada de Ricardo Fiuza, sabido constituir a aleatoriedade uma das principais características do contrato de seguro, “porque o ganho ou a perda das partes está na dependência de circunstâncias futuras e incertas, previstas no contrato e que constituem o risco” (Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil: direito das obrigações. 4.ed. São Paulo. Saraiva, 1965, v. p. 351), há de se reconhecer saudável a inovação. Ela se ajusta, perfeitamente, à ideia do equilíbrio econômico contratual, onde as partes assumem direitos e deveres em posições harmônicas, nenhuma delas auferindo maior vantagem que a outra, sob pena de enriquecimento sem causa.

 

Assim, uma vez relevante a redução do risco assumido pela seguradora, resulta desproporcional o valor do prêmio pago ou em curso de pagamento que considerou, em sua fixação, um risco de maiores proporções, caso em que se justifica seja esse valor revisto. E contraponto ao artigo anterior, em que se toma possível, pelo agravamento, a revisão contratual, quando não interessar à seguradora resolver o contrato. E tem seu escopo no tratamento isonômico das partes do composto obrigacional em face das condições em que se formou a relação jurídica do contrato. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 405 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 03/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Ensinam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira que o princípio do equilíbrio contratual atua não apenas para permitir a resolução do contrato pela seguradora em razão de agravamento considerável do risco, mas também para permitir a redução do prêmio pago pelo segurado, uma vez que a diminuição do risco no curso do contrato seja considerável. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 03.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 771. Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as consequências.

 

Parágrafo único. Correm à conta do segurador, até o limite fixado no contrato, as despesas de salvamento consequente ao sinistro.

 

Entendendo Claudio Luiz Bueno de Godoy, já o Código Civil anterior, em seu art. 1.457, impunha ao segurado, como imperativo de boa-fé, de lealdade na relação contratual, o dever de comunicar, tão logo dele tomasse conhecimento, a ocorrência do sinistro ao segurador. Entretanto, tão somente sancionava a omissão, com a perda do direito ao recebimento do valor segurado, se provasse o segurador que, avisado, poderia ter evitado ou atenuado as consequências do evento. Confrontada essa disposição com a do artigo em discussão, do atual Código, parece agora ter-se estabelecido, a par do mesmo dever de imediata comunicação do sinistro, logo que o saiba o segurado, mas uma automática perda do valor do seguro em caso de omissão.

 

Todavia, entende-se que a falta de aviso, por si só, sem que daí dimane qualquer prejuízo, não pode levar à consequência extrema, de perda do valor segurado. Veja-se que o espirito que anima a disposição vertente não é diverso daquele subjacente à norma do antigo Código. A ideia do legislador foi sancionar a conduta de falta de boa-fé objetiva do segurado, porém porque assim se impediu o segurador de minorar os efeitos do sinistro, ou seja, a rigor, uma hipótese em que o comportamento do segurado interfere no valor do pagamento a ser feito pelo segurador – a bem dizer, idêntico princípio ao que está subjacente à regra atinente ao agravamento do risco (CC 768) ou mesmo à omissão ou incompletude das informações prestadas quando da contratação (CC 766). Tem-se, então, que, omitido o aviso do sinistro, não haverá automática perda do direito ao recebimento do valor segurado, senão quando demonstrado pelo segurador que, por isso, foi-lhe retirada factível oportunidade de evitar ou atenuar os efeitos do evento e, assim, minorar o importe do seguro a ser pago. Essa, de resto, a opinião, também, de José Augusto Delgado (Comentários ao novo Código Civil, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro, forense, 2004, v. XI, t. I, p. 293) e de Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil, 11.ed., atualizada por Regis Fichtner. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. III, p. 459). O aviso pode se dar sem exigência de forma especial, desde que comprovadamente efetivado e recebido.

 

De resto, explicita o atual Código, ainda no caput do preceito em pauta, ser dever do segurado, uma vez ocorrido o sinistro, tomar todas as medidas, que razoavelmente lhe estejam ao alcance, para minorar as consequências do evento. Veja-se outra revelação de dever anexo, aqui de colaboração, imposto pelo princípio da boa-fé objetiva, em sua função supletiva (cf., a respeito, comentários aos CC 766, CC 768 e CC 769). Quer-se, na verdade, impor ao segurado, dentro do que seja razoável exigir, providencias que impeçam a propagação de dano já produzido em razão do sinistro havido. Nessa mesma esteira, impõe-se ao segurado velar pelos salvados, i.é, pelo que reste da coisa segurada ou do que se salvou do sinistro. Isso por se ter aí igual forma de minoração dos efeitos do evento, sem contar que, em regra geral, havida indenização pela completa perda da coisa, ao segurador pertencem os salvados. Todas as despesas, porém, que enfrente o segurado para cuidar desse salvamento, como diz a lei, correm por conta do segurador, que deverá ressarci-las nos limites do contrato, até por comporem o risco segurado (CC 779).

 

Por fim, não se há de olvidar que, além de avisar o segurador, deve o segurado provar a ocorrência do sinistro, conforme disposto no ajuste, mas entendendo-se deva ser interpretada a regra in rebus, sempre quando de outra forma se demonstre, de forma eficiente e, sobretudo, induvidosa, a ocorrência do sinistro. É preciso compreender que o intuito é o de possibilitar ao segurador verificar, com segurança, o sinistro e suas circunstâncias, para aferição da cobertura, sempre a bem da preservação dos recursos do seguro, dado o mutualismo que lhe é subjacente. E, enquanto, uma vez comunicado o sinistro, avalia o segurador se é o caso de cobertura, o prazo prescricional para a ação de cobrança se suspende, como tem entendido a jurisprudência (ver Súmula n. 229 do STJ). (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 796 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 03/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

No ritmo de Ricardo Fiuza, a par da obrigação cometida ao segurado de fazer ciente o segurador da ocorrência do sinistro, cumpre-lhe agora, também, empreender providências imediatas para atenuar as consequências deste, diligências e iniciativas que, por regras de experiência máxima, são mais factíveis ao emprego do segurado do que da seguradora, comunicada ao depois e que, por razões lógicas, pouco ou nada dispõe de condições para a atenuação, como antes cogitava o parágrafo único do art. 1.457 do CC de 1916. Cuida-se de deveres jurídicos do segurado, que inadimplidos o sujeitam à perda do direito de garantia.

 

Por outro lado, as despesas de salvamento consequente ao sinistro estão implícitas no contrato, até o valor ali fixado, não se podendo cogitar da sua exclusão, a desobrigar a seguradora, porquanto objetivam minorar as consequências do sinistro em relação ao(s) bem(ns) segurado(s). Veja-se o CC 779. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 406 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 03/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o segurado deve comunicar a ocorrência do sinistro tão logo tome conhecimento dela. Esse dever tem como objetivo permitir que a seguradora possa atuar no sentido de reduzir as consequências do sinistro, podendo mesmo, em certas circunstâncias, salvar bem que se tinha por perdido, tudo no sentido de redução dos prejuízos e da consequente indenização.

 

A violação desse dever acarreta a perda do direito à indenização.

 

A referida sanção somente é aplicável diante da prova de que a não comunicação imediata tenha sido inescusável e tenha agravado os danos e a responsabilidade da seguradora, pois não é conforme à boa-fé que a demora escusável possa acarretar a perda do direito à indenização.

 

Assim, por exemplo, o STJ rejeitou o recurso de uma seguradora contra decisão que determinou o pagamento de indenização por roubo de automóvel que só foi comunicado três dias depois. O caso aconteceu em São Paulo, após o anúncio da venda do carro pela internet. Um assaltante, apresentando-se como interessado no veículo, rendeu o proprietário, anunciou o roubo e fez ameaças de que voltaria para matar a família do vendedor caso ele acionasse a polícia. De acordo com o processo o proprietário do veículo, temendo represálias, retirou a família de casa, para só então fazer o boletim de ocorrência do assalto, o que levou três dias. Ao acionar o seguro, entretanto, foi surpreendido com a negativa da indenização. Para a seguradora, houve perda do direito à indenização por descumprimento da norma do CC 771. O relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, reconheceu que cabe ao segurado comunicar prontamente à seguradora a ocorrência do sinistro, já que isso possibilita à companhia adotar medidas que possam amenizar os prejuízos da realização do risco, bem como a sua propagação, mas destacou que não é em qualquer hipótese que a falta de notificação imediata acarreta a perda do direito à indenização. “Deve ser imputada ao segurado uma omissão dolosa, que beire a má-fé, ou culpa grave que prejudique de forma desproporcional a atuação da seguradora, que não poderá se beneficiar, concretamente, da redução dos prejuízos indenizáveis com possíveis medidas de salvamento, de preservação e de minimização das consequências”, disse o ministro. (REsp 1546178.STJ, 20.9.16) (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 03.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).