DIREITO
ECONÔMICO: AS AGÊNCIAS E O PODER REGULATÓRIO – OBRA DE EUGÊNIO ROSA DE ARAÚJO E
APLICADA PELO PROFESSOR FELIPE NOGUEIRA NO CURSO DE DIREITO 8º PERÍODO FAMESC -
BJI – 1º SEMESTRE / 2015 - VARGAS DIGITADOR
CAPÍTULO 9
O
modelo de intervenção indireta (art. 174 da CRFB/88) introduzido pelas
denominadas Agências (reguladoras e executivas) traduz o momento histórico em
que a crise financeira do Estado estrangulou sua capacidade de fornecer bens e
serviços escassos à sociedade, redundando na necessidade de privatizar,
devolver à iniciativa privada aquelas atividades que o Estado já não vinha
desempenhando a contento.
Parte-se
não mais de um modelo repressivo, mas de um modelo gerencial em que as
atividades econômicas sejam corrigidas e acompanhadas – um modelo mais
consensual que autoritário.
Nesse
sentido, a Constituição Federal previu nos arts. 21, XI, e 177, § 2º, III, os
órgãos reguladores das telecomunicações e do petróleo, permitindo, na via
infraconstitucional, a criação das demais agências de que hoje dispomos, tais
como a ANATEL, (Lei n. 9.478/97), ANP (Lei n. 9.478/97), ANEEL (Lei n.
9.427/96), entre outras.
Em
primeiro lugar, trataremos da função regulatória, porque esta se insere no
âmbito mais largo da desestatização da devolução à iniciativa privada daquelas
atividades em que o Estado não precisa atuar e que necessitam de um tratamento
jurídico célere e muitas vezes de critérios técnicos muito especializados.
Nesse
sentido, torna-se importante trazermos algumas definições do que se tem
entendido sobre o fenômeno da regulação, o qual consiste basicamente no
controle administrativo de acordo com regras estabelecidas no interesse
público.
Para
J. C. Strick, “consiste na imposição de regras e controles pelo Estado com o
propósito de dirigir, restringir ou alterar o comportamento econômico das
pessoas e das empresas, e que são apoiadas por sanções em caso de desrespeito”.
Já
M. Moran conceitua regulação como: “O sistema pelo qual a discrição dos
indivíduos ou instituições é restringida por meio da imposição de normas”; e,
por fim, Francis toma o fenômeno como “a intervenção do Estado nas esferas de
atividade privada, para realizar finalidades públicas”.
Podemos
visualizar a regulação em seus diversos graus.
Em
sentido amplo, ela revela toda forma de intervenção do Estado na economia,
independentemente dos seus instrumentos e fins.
Em
um aspecto menos abrangente, é a intervenção estatal na economia por outras
formas que não a participação direta na atividade econômica privada.
Em
sentido estrito, por fim, é somente o condicionamento normativo da atividade
econômica privada, por via de lei ou outro instrumento normativo.
Destas
noções destaca-se a característica de intervenção pública que afeta a operação
de mercado através de comandos e controles que podem ser delegados a sistemas
de autorregulação.
Na
visão de alguns economistas, é uma intervenção estatal em decisões econômicas
das empresas, normalmente vista como um ato de política de restrição de
mercados.
Alguns
aspectos podem ser ressaltados na regulação, como um todo:
-
na regulação de monopólios o objetivo é a minimização das forças de mercado
através de controles sobre os preços e qualidade do serviço.
-
no aspecto da regulação para competição o objetivo visado é justamente
viabilizar a sua existência (competição) e continuidade.
-
na vertente social, a regulação assegura a prestação de serviços de caráter
universal e a proteção ambiental.
-
um último aspecto é o da regulação como desestatização. Na Inglaterra seu
primeiro propósito foi proteger o consumidor contra a ineficiência, altos
preços, excesso de lucros, o que, em princípio, só teria solução através de
competição, prevenindo os malefícios dos monopólios nos casos em que a competição
fosse restrita ou inviável. Buscou-se compatibilizar satisfação do consumidor
com eficiência econômica.
Com
a transferência de funções do setor público para o privado, pela via dos
contratos de concessão, o objetivo da função regulatória é fazer essa
transferência interessante para as três partes envolvidas – concedente,
concessionário e usuário.
Desenvolve-se
a regulação sob alguns princípios:
·
Mercado
regulado para a competição;
·
Criação
de agências setoriais, dotadas de autonomia e especialização;
·
Atenção
aos monopólios culturais;
·
Ambiente
de transição, cabendo ao Estado supervisionar o poder de mercado dos operadores
e organizar a entrada de novos operadores;
·
Zelar
pela implantação de um novo modelo organizacional, arbitrar conflitos e completar
o processo de regulação normativa;
·
Garantia
de interesse público.
Os
órgãos reguladores têm como função regular segmentos do mercado e serviços
públicos, protegendo o consumidor/usuário, garantindo a livre escolha, o
abastecimento (garantia de oferta dos serviços) e preços acessíveis.
Além
disso, a prevenção dos conflitos é um dos principais aspectos da regulação, através
da elaboração de diretrizes que traduzam os conceitos de eficiência técnica e
financeira para o caso concreto do segmento regulado.
Tais
diretrizes se fazem dentro de um chamado “marco regulatório” que é composto
pela lei, regulamento, edital de licitação e contrato firmado com o Poder
Público.
O
marco regulatório é o conjunto de regras, orientações medidas de controle e
valoração que possibilitam o exercício do controle social de atividades de
serviços públicos geridos por um ente regulador que deve poder operar todas as
medidas e indicações necessárias ao ordenamento do mercado e à gestão eficiente
do serviço público concedido, mantendo, entretanto, um grau significativo de
flexibilidade que permita a adequação às diferentes circunstâncias que se
configuram.
Um
processo de regulação implica nas seguintes fases:
·
Formulação
das orientações da regulação;
·
Definição
e operacionalização das regras (leis, regulamentos);
·
Implementação
e aplicação das regras (autorizações, licenças e concessões);
·
Controle
das aplicações das regras;
·
Sancionamento
dos transgressores;
·
Decisão
dos recursos.
Tendo poderes normativos, executivos e parajudiciais
(pela possibilidade de resolução de conflitos entre partes), a regulação deve
ficar a cargo de comissões reguladoras independentes.
Como se vê, as agências governamentais autônomas são
entes fracionários do aparelho administrativo do Estado e têm natureza de
executoras de atividades estatais por outorga legal de competências.
Tal função reguladora, é bom
frisar, consiste na execução de competência administrativa normativa que
sujeita atividades (estatais e privadas) a regras de interesse público, como
corolária da função de controle, voltada à observância dessas prescrições. Age,
também, na disciplina administrativa de certos serviços, cuja execução vem
sendo transferida de empresas estatais para empresas privadas.
A descentralização
autárquica concilia a atuação típica de Estado com a flexibilidade negocial,
proporcionada por uma ampliação da autonomia administrativa e financeira.
Tal autonomia se revela pela
sua independência política em relação ao governo, que não dispõe de recurso
hierárquico para revisar suas decisões, muitas das quais podem até ferir
interesses políticos, na independência técnica decisional, na independência
normativa e gerencial orçamentária.
Estas independências,
normativa e técnica, somadas ao mandato de seus diretores constituem-se na
chave da atuação célere e flexível para a solução em abstrato e em concreto de
questões em que predomine a escolha técnica, distanciada e isolada das disputas
partidarizadas.
No campo da regulação nos
deparamos com temas complexos os quais trataremos de forma clara para a sua
perfeita compreensão.
O tema se coloca da seguinte
forma: a regulação exige tratamento célere, flexível e técnico a inúmeras
questões.
É preciso, portanto, que a
lei criadora da agência delegue ao administrador competências e poderes para
atuação eficiente, célere e técnica e o faz, muitas vezes, em técnica
legislativa vazada em termos elásticos, fluídos, justamente para que o administrador
técnico adote a melhor conduta para o caso concreto com a desejada celeridade.
A técnica das delegações
legislativas se desenvolveu para evitar que decisões técnicas ficassem
cristalizadas em lei e se tornassem rapidamente obsoletas.
O fenômeno da deslegalização
representou a transferência de função normativa, (sobre matérias determinadas)
da sede legislativa estatal, a outra sede normativa. O legislador retira certas
matérias do domínio da lei passando-as ao domínio da regulação.
Veja-se que a lei de
deslegalização não precisa penetrar na matéria que trata, bastando-lhe abrir a
possibilidade a outras fontes normativas, estatais ou não, de discipliná-la por
atos próprios que, por óbvio, não serão de responsabilidade do Poder
Legislativo, ainda que sobre a norma possa continuar a ser exercido um controle
político e jurisdicional derivado de desvio ou abuso de poder regulatório.
Tal atividade reguladora das
agências encontra limites de ordem externa, porto que deve ater-se e
harmonizar-se com o Direito vigente, e de ordem interna à delegação,
submetendo-se aos parâmetros formais e materiais definidos na norma delegante.
Nesse passo, torna-se muito
importante distinguirmos a discricionariedade político-administrativa, já
conhecida dos manuais de Direito Administrativo, da discricionariedade técnica
que comporta opções mais restritas e que devem ser consideradas à luz de regras
científicas para que se determine a melhor escolha.
Aqui visualizamos ao só o
critério diferenciador dos dois tipos de discricionariedade como o próprio
fundamento de validade das normas reguladores que devem ser editados pelas
agências, posto que se trata de atividade de aclaramento de realidade tecnicamente
complexa que importa no emprego de disciplinas especializadas, traduzindo um
verdadeiro e adequado poder discricionário de conteúdo técnico.
A discricionariedade técnica
existe apenas quando a decisão que nela se funda possa ser motivada também
tecnicamente.
Muitas vezes atos
regulatórios são mal compreendidos porque a deslegalização como técnica
legislativa se utiliza de conceitos jurídicos indeterminados.
Conceito jurídico
indeterminado é expressão empregada para designar vocábulos ou expressões que
não têm um sentido preciso, objetivo, determinado, mas que são encontrados com
grande frequência nas normas jurídicas de vários ramos do Direito. Por exemplo,
boa-fé, bem-comum, conduta irrepreensível, pena adequada, interesse público,
ordem jurídica, notório saber, notória especialização, moralidade, razoabilidade,
atividade preponderante etc.
O conceito jurídico
indeterminado se apresenta ao legislador como um instrumento privilegiado para
a atribuição de certo tipo de competência às autoridades administrativas para
que estas possam reagir a tempo e de modo adequado aos imponderáveis da vida administrativa.
Ele não se refere a uma coisa certa, mas a uma significação. O seu objeto é uma
significação atribuível a uma coisa, estado ou situação e não a coisa, estado
ou situação.
Diante desse contexto, pode
haver ato regulatório que venha a dispor sobre situação concreta, derivada de
decisão eivada de discricionariedade técnica, com base em dispositivo legal
fruto da deslegalização que contenha um conceito jurídico indeterminado.
É necessária uma palavra
sobre agências executivas, criadas pelos arts. 51 e 52 da Lei n. 9.649/98.
Como instrumento de
operacionalização da política descentralizadora, podem derivar de uma autarquia
ou fundação e revelam um processo interno de desconcentração e autonomia.
Estimula-se a
descentralização do aparelho do Estado, com ênfase no contrato de gestão e na
maior cooperação entre a União, Estados e Municípios.
Valoriza-se a participação
dos usuários na administração Pública e possibilita-se o acesso da autoridade a
informações privilegiadas com o sento de superar o isolamento burocrático
prevendo canais de circulação em benefício do interesse geral.
Predominam o sentido de
prévio compromisso e a aferição de resultados como requisitos de sobrevivência
da agência executiva, tanto que a Lei n. 9.649/98 marca o seu caráter
finalístico e a continuidade do controle de sua real produtividade.
A criação da agência
executiva tramita por uma sucessão de etapas, tendo como ponto de partida o ato
de vontade da administração do órgão ou instituição que pretenda alcançar a
qualificação (ex: INMETRO).
Há como pré-requisito um
plano estratégico que identifique as metas a serem cumpridas na busca da
melhoria da qualidade na operação dos serviços.
Acolhida a proposta, é
celebrado contrato de gestão visando tornar efetiva a autonomia da instituição,
como autarquia ou fundação, e a determinar os indicadores que permitirão a
periódica avaliação dos resultados. Ao consenso por esta forma estabelecido
sucederá, mediante decreto, a criação da agência executiva.
O contrato de gestão se
constitui no instrumento formal por excelência dos programas de reforma
administrativa, moldada na definição de metas de desempenho e na avaliação de
resultados.
O ponto essencial deste
veículo associativo é seu caráter dinâmico e não meramente formal, que tem como
tônica a objetiva realização de uma estratégia operacional conducente à
concretização de metas de desempenho e à consecução de resultados; para tanto,
valerá a consulta ao site www.inmetro.gov.br/inmetro/contrato.asp
e realizar a leitura do contrato de gestão realizado com o Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Elaboramos um quadro que
permitirá, de modo geral, identificar as principais diferenças entre as
agências reguladoras e as executivas:
AGÊNCIAS REGULADORAS AGÊNCIAS EXECUTIVAS
-
Voltadas para a intervenção em mercados específicos, regulando a relação
entre a oferta, com qualidade e preço acessível e demanda.
-
As primeiras experiências foram do BACEN e do CADE, mas, com o processo de
privatização, envolvendo privatizações e concessões, com a nova disciplina
legal (que prevê as regulações setoriais), o papel destas entidades tornou-se
relevante, como no caso do petróleo, setor elétrico e de telecomunicações.
-
Processo de regulação implica: formulação das orientações da regulação e
definição e operacionalização das regras (leis, regulamentos, códigos de
conduta).
-
Implementação e aplicação das regras (autorizações, licenças e concessões).
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Controle de aplicação das regras.
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sancionamento dos transgressores.
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Decisão dos recursos.
-
têm poderes executivos, normativos e parajudiciais.
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-
Ligadas à implementação de política, sem formular políticas, regular ou
influir em mercados.
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Autarquias com tratamento especial, com maior autonomia de gestão.
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Atuam em setores de implementação de políticas (tributária, previdência
social básica, segurança pública, proteção ambiental, fiscalização).
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Embora possam “colaborar” com a formulação de políticas, seu papel é de
execução.
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Ampliação da autonomia gerencial se dá através de contrato de gestão (art.
37, § 8º).
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É um título jurídico atribuído a um órgão ou entidade que depende de adesão
voluntária, com metas negociadas compatíveis com os recursos e não impostas,
obedecendo a etapas:
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