segunda-feira, 11 de março de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 235, 236, 237 – Das Modalidades das Obrigações – VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 235, 236, 237
– Das Modalidades das Obrigações – VARGAS, Paulo S. R. 

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título I – Das Modalidades das Obrigações (art. 233 a 285)
Capítulo I – Das Obrigações de Dar – Seção I – Das Obrigações
De Dar Coisa Certa - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 235. Deteriorado a coisa, 1 não sendo o devedor culpado, poderá o credor resolver a obrigação, ou aceitar a coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu. 2, 3

1.       No diapasão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Sam Mezzalina, a deterioração do
bem há de ser ponderável, não sendo adequado enjeitar-se o bem (conforme técnica a ser abordada a seguir), por danificação insignificante.

2.        No caso de mera deterioração do bem,  a lei confere  ao credor  as  alternativas  entre
receber o bem com o abatimento proporcional do preço acordado ou, simplesmente, deixar de recebê-lo, com a restituição de eventual preço pago.

3.     Quanto  à  execução  de  sentença.    Entrega  de  coisa certa,  os  mestres  Luís  Paulo
 Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina apontam que, “havendo deterioração da coisa, dever-se-á, em liquidação, apurar o valor dos danos a serem reparados. Desnecessidade de instauração de outros processos” (STJ, 3ª Turma, REsp n. 38.478, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 15.3.1994). (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 10.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Já seguindo no diapasão de Hamid Charaf Bdine Jr, cientifica-se que, neste dispositivo, o legislador já não cuida do perecimento do bem, objeto do dispositivo anterior, mas de sua deterioração – ou seja, danificação sem destruição total -, facultando ao credor resolver a obrigação ou aceita r a coisa, mas exigir abatimento do preço correspondente à desvalorização proveniente da deterioração. Assegura-se ao prejudicado a possibilidade de optar pela solução que preferir. Para a hipótese de a deterioração ter resultado de conduta culposa do devedor, a solução da questão está estabelecida no artigo seguinte. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p 190 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 236. Sendo culpado o devedor, poderá o credor exigir o equivalente, ou aceita a coisa no estado em que se acha, com direito a reclamar, em um ou em outro caso, indenização das perdas e danos. 1

Na experiência de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, o artigo 236, ora comentado, complementa a hipótese do artigo 235, para conferir ao credor a hipótese de requerer o equivalente pecuniário pela coisa perdida e, em qualquer caso, reclamar perdas e danos decorrentes da deterioração do bem, caso esta tenha se dado em razão de malícia ou ato culposo do devedor. A respeito do recebimento do equivalente pecuniário à coisa, vide comentários ao artigo 234 supra. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 10.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de Hamid Charaf Bdine Jr, se a deterioração da coisa resultar de culpa do   devedor, assegura-se ao credor a possibilidade de optar entre exigir o equivalente ou aceitar a coisa com a deterioração que apresentar. Em qualquer caso, fará jus à indenização por perdas e danos. Caso o credor não receba o produto que lhe é devido em perfeitas condições, poderá exigir abatimento do preço, deduzindo-se a quantia decorrente da desvalorização (vide artigo anterior – 235/CC), e indenização por perdas e danos. Poderá, ainda, desistir do negócio e receber a devolução do valor equivalente ao do bem em perfeito estado. Vale observar que o credor é autorizado a exigir o valor do bem, mesmo que ele seja superior ao que foi pago, pois o objetivo é imputar a perda proveniente da deterioração ao proprietário do bem – que, no caso, é o devedor da obrigação de entrega de coisa certa. E o conceito de equivalência, verifiquem-se os comentários ao art. 234. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p 190 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 237. Até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos e acrescidos, 1 pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação. 2

Parágrafo único. Os frutos percebidos são do devedor, cabendo ao credor os pendentes. 3

1.         Usando   os   conhecimentos   de   Carlos  Roberto  Gonçalves,  melhoramento é tudo
aquilo que contribuir para uma alteração na coisa principal, de sorte a melhorá-la. Já o acrescido, como bem indica a própria expressão, seria simplesmente o que se acrescenta ao bem. (Gonçalves, Carlos Roberto. Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004, v. II, p. 49).

2.         Caio  Mário  da  Silva  Pereira,  nos  ensina  que,  se  de  um lado, a lei impõe ao
devedor a responsabilidade pela perda ou deterioração do bem até a efetiva execução da obrigação de dar, de outro, confere-lhe vantagem de, até o ato da tradição, beneficiar-se de melhoramentos e acréscimos que se adicionem à coisa. Assim, nos casos de superveniência de melhoria da coisa em obrigação de dar, faculta-se ao devedor a elevação do preço da coisa, em proporção ao valor do beneficiamento que se acresceu. Caso o credor recuse-se a arcar com esta alteração, o devedor fica com a faculdade de resolver a obrigação. Nada obstante, a boa doutrina recomenda parcimônia na aplicação da regra. Isso porque, levadas ás últimas consequências, a faculdade concedida ao devedor poderia servir de estímulo ao comportamento malicioso deste, eis que sempre haveria a possibilidade de se furtar ao contrato. Pereira, ainda afirma fazer-se necessário, então, que o julgado examine, atentamente, o caso concreto, a fim de que se possa discernir, com acuidade, a boa ou a má-fé do devedor e, por conseguinte, decidir se há ou não o direito ao ressarcimento. Nesse sentido, Caio menciona que o Código Argentino andou bem ao haver intercalado, em regra análoga, o requisito de que a melhoria não seja arbitrária ao devedor ou, se for, que as despesas tenham sido necessárias ou de conservação da coisa. (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria Geral das Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, p. 54).

3.        Na  esteira  de  Clóvis  Beviláqua,  confere-se  ao  devedor  da  obrigação  de dar a
prerrogativa de apropriar-se de eventuais frutos da coisa que venha a perceber até o ato da tradição. Porém, mesma sorte não se confere aos frutos pendentes: estes, caso não sejam percebidos até o momento da tradição, integram o patrimônio do credor da obrigação. Esta regra, segundo Beviláqua, é decorrência natural do princípio acolhido por nosso Código de que o direito real constitui-se com a tradição do bem móvel o a transcrição do bem imóvel. Afinal, até o momento da tradição, o bem pertence ao devedor e dele se pode usar livremente, apropriando-se dos frutos percebidos, ainda que nenhum valor tenha sido despendido para tanto. Diversamente, não poderá se valer dos frutos pendentes para opor ao credor majoração do preço, eis que aqueles são incrementos normais, previstos e esperados da coisa. Afinal, em geral, quando as partes se obrigaram, já tinham ciência da existência de frutos em formação. (Beviláqua, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, Rio Estácio de Sá: Rio de Janeiro, 1984, pp. 13-14).

Sob a análise de Hamid Charaf Bdine Jr, se, até a tradição, a coisa principal receber melhoramentos e acrescidos, pertencerão eles ao devedor, que poderá exigir aumento de preço. Ensina Carlos Roberto Gonçalves que melhoramento é tudo o que opera mudança para melhor na coisa principal; acrescido é o que se acrescenta a ela (Direito civil brasileiro. São Paulo, Saraiva, 2004, v. II, 49). Caso o credor não concorde com o aumento do preço que dos melhoramentos e acrescidos resultar, o devedor poderá resolver a obrigação e cada qual das partes retornará à situações anterior sem direito a indenização, pois tratar-se-á de exercício de direito do devedor. Esse artigo parece estar em conflito com o art. 233, pois melhoramentos e acrescidos são acessórios do bem principal, de modo que, nos termos deste último dispositivo, haviam de estar abrangidos pelo principal. A conciliação de ambos é possível se se admitir que os acessórios de que trata o art. 233 são os que já existiam ao tempo da realização do negócio, enquanto os melhoramentos e acrescidos referidos no dispositivo de que ora se trata são os que surgem após a realização do negócio. Identifica-se a aplicação dessa regra na hipótese em que um criador adquire uma vaca em um leilão. De acordo com as regras do estabelecimento, ela lhe será entregue em quinze dias. No entanto, nesta oportunidade, ficou prenha, de modo que o arrematante receberá, além da vaca, a cria que a acompanha. A incidência do art. 237 à hipótese autoriza o alienante a exigir remuneração pela cria, que lhe pertence, pois foi acrescida ao bem principal após a efetivação do negócio. Ruy Rosado de Aguiar Júnior pondera que o devedor não tem direito de acionar o credor pelo aumento, mas lhe é conferida a possibilidade de postular a extinção do contrato diante da recusa ao pagamento (Extinção dos contratos por incumprimento do devedor, Aide, 2003, p. 164). Registre-se, porém, que a solução não deve ser aplicada se ficar evidenciada má-fé do devedor que pode acrescer melhoramentos na coisa para inviabilizar o negócio ou obrigar o devedor a pagar mais pelo bem. Nessa hipótese, a solução poderá ser o reconhecimento culposo do devedor, o que implica mora ou inadimplemento apto a obriga-lo a indenizar (Arts. 389 e 395 desse Código). Somente no caso de acréscimos feitos de boa-fé a disposição poderá incidir. Arnaldo Rizzardo, porém, opina no sentido de que não se incluem nesse dispositivo acessões e obras produzidas pelo homem (Obrigações, Forense, 2004, p. 90). Em relação aos frutos, o parágrafo único estabelece que serão do devedor os percebidos e do credor os pendentes. Vale dizer: aqueles que o devedor colher antes de entregar o bem ao credor lhe pertencerão. Mas os que ainda estiverem ligados ao bem principal quando ocorrer a tradição serão do credor. Reserva de domínio ou venda a contento. Segundo Gustavo Bierambaum, nos casos de venda a contento ou com reserva de domínio, a tradição em favor do adquirente se aperfeiçoa antes da efetiva transmissão do domínio, de maneira que o risco da coisa já lhe é transferido desde logo e ele não ficará livre do dever de pagar o preço estipulado (“Classificação: obrigações de dar, fazer e não fazer”. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional, coord. Gustavo Tepedino, Rio de Janeiro, Renovar, 2005, p. 127). (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p 190-191 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

domingo, 10 de março de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 234 – Das Obrigações de Dar Coisa Certa – VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 234
– Das Obrigações de Dar Coisa Certa – VARGAS, Paulo S. R. 

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título I – Das Modalidades das Obrigações (art. 233 a 285)
Capítulo I – Das Obrigações de Dar – Seção I – Das Obrigações
De Dar Coisa Certa - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 234. Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, 1 sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes; 2 se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos. 3
Seguindo a esteira de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, (1) os dispositivos relativos à obrigação de dar coisa certa aventam acerca de duas hipóteses no que se refere aos riscos a que a coisa está sujeita: perda (periculum interitus) ou deterioração (periculum deteriorationis) da coisa, enquanto que a deterioração representa uma perda de parte das faculdades, substância ou capacidade de utilização da coisa. Na deterioração, não há o desaparecimento do bem, o qual subsiste ainda que imperfeito. [1] Justamente, por essa razão, Azevedo preleciona que melhor seria falar-se em perda total ou perda parcial do bem. [2] Contudo, não foram essas as expressões que se consagraram na prática forense. Especificamente, no tocante à perda da coisa, é de relevo esclarecer que este conceito deve ser compreendido de maneira ampla. A ideia de perda abrange tanto o desaparecimento total da coisa (interitus rei), quanto a extinção de suas qualidades essenciais, indisponibilidade, sua inatingibilidade ou, ainda, a confusão da coisa a ser entregue com uma outra. Atenta às distinções entre perda e deterioração, a lei dita desenlace diverso para cada uma dessas situações (CC, arts. 234 e 235, respectivamente). (2) O artigo 234 trata especificamente da Teoria dos Riscos. Ao explanar a matéria, Silva bem salienta que “o que maior atenção merece nesse tipo obrigacional é a teoria dos riscos”. [3] Segundo o autor, “chama-se ‘risco’ aquilo a que a coisa se acha exposta de deterioração ou perda” [4]. Nesse sentido, uma vez concretizado o risco – e, por conseguinte, o prejuízo material -, sem que qualquer das partes tenha concorrido para sua efetivação, há que se averiguar a qual das partes caberá arcar com as perdas financeiras decorrentes do dano efetivado. Afinal, mantendo-se incólume a obrigação de dar, sem que houvesse alteração na relação jurídica, seria o credor quem, ao final, receberia bem defeituoso, amargando as consequências do evento negativo que se abateu sobre a coisa entregue. Por outro lado, permitindo-se que a obrigação firmada seja resolvida ou haja o abatimento de eventual preço que se haja acordado em contrapartida à obrigação de dar, seria o devedor desta quem arcaria com as perdas – dessa forma, seria ele quem ficaria com um bem defeituoso ou receberia um valor inferior ao originalmente pactuado. Veja-se, portanto, que, de uma forma ou de outra, haverá uma redução no valor geral da transação econômica, fazendo-se necessário que se estabeleça de que forma essa perda será distribuída. (3) Perdendo-se a coisa antes da tradição ou na pendência de condição suspensiva, a execução da obrigação em espécie torna-se impossível. Por esse motivo, não havendo culpa por parte do devedor, a obrigação resolve-se para ambas as partes e retorna-se ao status quo ante (i.é, o devedor fica com o bem e o credor com o preço, se houver). Havendo o devedor contribuído para o resultado danoso, permite-se ao credor que cobre o equivalente ao que se perdeu cumulado com eventuais perdas e danos, à exceção das obrigações facultativas. Exemplificadamente, se determinado veículo objeto de contrato de compra e venda é roubado antes da transferência do domínio ou pendente alguma condição suspensiva, sem que haja culpa do devedor, o negócio deve ser desfeito e eventuais valores pagos pelo comprador ao vendedor devem ser devolvidos. Diversamente, caso o vendedor acidente-se, culposamente, com o veículo antes da transferência do domínio, ele estará obrigado não só a restituir o valor recebido, como também a indenizar o comprador por eventuais perdas e danos.

Percebia-se que, na hipótese de perda da coisa com dolo ou culpa do devedor, em se tratando de obrigação de dar coisa certa, a perda do bem impossibilita o cumprimento em espécie da obrigação, dado que as coisas certas não podem ser substituídas, com precisão, por outras semelhantes. Desse modo, a prestação de dar é substituída por uma prestação pecuniária (moeda universal das sub-rogações) que deve ter valor de coisa similar à perdida, ainda que tal importe seja superior a preço, originalmente acordado entre as partes. A esse respeito, é válido destacar que, assim como o credor não é obrigado a aceitar bem diverso, ainda que mais valioso, também o devedor não pode ser obrigado a entregar coisa diversa, ainda que de menor valor. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 08.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Seguindo na esteira de Hamid Charaf Bdine Jr, este artigo cuida das hipóteses de obrigação de coisa certa que perece antes da tradição, i.é, daqueles casos em que a obrigação de entregar ou restituir ainda não foi cumprida, mas o seu objeto, que é certo, se perde – por ato ilícito ou deterioração de qualquer origem. Segundo Caio Mário da Silva Pereira, “o conceito de perda para o direito é lato, e tanto abrange o seu desaparecimento total (interitus rei) quando ainda o deixar de ter as suas qualidades essenciais, ou tornar-se indisponível, ou situar-se em lugar que se tornou inatingível, ou ainda de confundir-se com outra. Logo, as regras devem ter em vista a deterioração ponderável, não sendo curial a rejeição da coisa por danificação insignificante. A apreciação da ressalva é de se fazer em face das circunstâncias” (Instituições de direito civil, 20. ed., atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. II, p. 51). O credor da obrigação não receberá o bem que lhe é devido, cumprindo verificar quais as consequências deste fato. Em sua primeira parte, o artigo estabelece que cada qual dos obrigados (credor e devedor) deve ser restituído à situação em que se encontrava antes de a obrigação ser assumida, se não houver culpa do devedor ou se o bem se perdeu enquanto ainda pendia condição suspensiva (art. 125 do CC). Assim, se o veículo pelo qual o credor ojá pagou for roubado, sem que nenhuma culpa possa ser imputada ao devedor da obrigação de entregar – i.é, o alienante -, o negócio estará resolvido e, em consequência, o valor pago será restituído ao comprador. O legislador opta por considerar que, até o momento da entrega da coisa, os riscos correm por conta do proprietário, que suportará o prejuízo. E acrescenta que essa mesma solução será adotada se o negócio tiver seus efeitos suspensos por uma condição suspensiva, é dizer, se o carro não houver sido entregue ao adquirente em razão de o contrato estabelecer que isso só ocorreria se o adquirente recebesse uma promoção em seu trabalho (fato futuro e incerto caracterizador da condição). Solução diversa, porém, será adotada se o devedor da obrigação tiver culpa pelo perecimento do bem – v.g., quando deixa de entregar o veículo ao comprador porque, culposamente, o envolveu em acidente que o inutilizou. Nessa hipótese, além de restituir ao adquirente o valor já recebido, estará sujeito à obrigação de indenizá-lo por perdas e danos (art. 402 do CC). Não se deve concluir que o bem seja de propriedade do devedor até o momento da entrega. Em primeiro lugar, porque o bem pode ser imóvel, de modo que a transferência do domínio pode ocorrer antes da entrega da posse, se o registro do negócio a preceder, em face do disposto no art. 1.245 deste Código. Em segundo, porque o proprietário do bem, na obrigação de restituir, é o credor, e não o devedor. Dessa forma, a conclusão extraída do presente dispositivo é que o legislador impõe ao proprietário – credor o devedor – o prejuízo decorrente da perda do bem (“a coisa perece para o dono”), se não houver culpa do devedor. E, se ele for culpado, a segunda parte do dispositivo o obriga a indenizar o credor. Nessa hipótese, se o proprietário do bem for o credor – em um contrato de comodato, por exemplo -, poderá postular indenização do devedor e entre as perdas e danos estará o valor do próprio bem que pereceu. Verifique-se que o valor do bem é o montante pecuniário correspondente a seu equivalente, sentido que se deve conferir a essa expressão, adotada no presente dispositivo. O devedor deve entregar ao credor, se agiu com culpa, não outro bem, mas sim o valor de um outro bem parecido ao que pereceu (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo, Saraiva, 2004, v. II, p. 54). Segundo Everaldo Augusto Cambler, a perda referida nesse artigo ocorrerá quando “o objeto perde as qualidades essenciais, ou o valor econômico; se confunde com outro, de modo que se não possa distinguir; fica em lugar de onde não pode ser retirado (art. 74 do CC/1916). Carvalho Santos acrescenta a esse rol, ainda, o desaparecimento natural da coisa, ou o perecimento jurídico, quando a coisa é fora do comércio” (Comentários ao Código Civil brasileiro. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. III, p. 65). (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p 188-189 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 07.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

sexta-feira, 8 de março de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 233 – Das Obrigações de Dar Coisa Certa – VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 233
– Das Obrigações de Dar Coisa Certa – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título I – Das Modalidades das Obrigações (art. 233 a 285)
Capítulo I – Das Obrigações de Dar – Seção I – Das Obrigações
De Dar Coisa Certa - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 233. A obrigação de dar coisa certa 1, 2, 3, 4  abrange os acessórios dela embora não mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso.

Seguindo nessa Seção da Parte Especial, com a introdução e conceito de Hamid Charaf Bdine Jr, entende-se ser a obrigação, a relação jurídica por intermédio da qual o sujeito passivo (devedor) se obriga a dar, fazer ou não fazer alguma coisa (prestação) em benefício do sujeito ativo (credor). Seus elementos são as partes, a prestação e o vínculo jurídico. A prestação é sempre uma conduta do devedor. Terá natureza patrimonial e consistirá em um dar, fazer ou não fazer. Renan Lotufo, invocando lição de Clóvis Beviláqua, afirma que o “fundamento das obrigações é a boa-fé”, sob pena de “funestas consequências pela falta de confiança mútua entre as pessoas” (Código Civil comentado. São Paulo, saraiva, 2003, v. II, p. 1). Em razão desse fundamento é que as obrigações não podem ser vistas apenas sob o aspecto do interesse do credor à satisfação de seu crédito, nem como um vínculo que leva à submissão absoluta do devedor. Sua concepção contemporânea leva em consideração os interesses do devedor na satisfação de sua dívida, conduzindo a uma visão dinâmica, e não estática, da relação jurídica. A obrigação deve ser vista como uma relação complexa, que compreende interesses recíprocos em evolução, de modo que se desenvolvam na direção da satisfação da prestação (cf. a obra de Clóvis do Couto e Silva. A obrigação como processo. São Paulo, José Bushatsky Editor, 1976). Ainda segundo Renan Lotufo, “o contrato, tal qual a obrigação, relação jurídica complexa, é um processo que, como ensina o eminente professor Clóvis do couto e silva, tem dinamismo e somente chegará ao seu bom êxito se contar com a colaboração leal dos dois participantes. Não há mais, segundo o CC/2002, o velho protagonista ‘contratante’, mas os contratantes, em constante interação, com respeito à posição e aos interesses de cada um” (op. cit., p. 10). No campo das obrigações, o credor poderá exigir a prestação do devedor e, se este último não adimpli-la espontaneamente, poderá também exigir judicialmente seu efetivo cumprimento ou indenização por perdas e danos que será suportada por seu patrimônio (arts. 389 e 391 do CC). Essa distinção entre a conduta devida e a responsabilidade oriunda do inadimplemento é consagrada pela teoria dualista, que se contrapõe à unitária e pode ser identificada nos casos de obrigações com garantia fidejussória prestada por terceiro – em que se pode verificar que o patrimônio do devedor da obrigação (o locatário, por exemplo) não é o único sobre o qual podem recair as consequências do inadimplemento (pois também poderá ser alcançado o patrimônio do fiador) (cf. a proposito das mencionadas teorias VARELA, João de Matos Antunes. Obrigações em geral. Coimbra, Almedina, 2000, v. I, p. 143-57). No direito das obrigações, o vínculo se estabelece entre as pessoas, embora seu conteúdo seja patrimonial, diversamente do que ocorre com os direitos reais, em que a relação jurídica se estabelece, em primeiro lugar, entre o titular do direito e o bem e, posteriormente, atinge as pessoas obrigadas a respeitá-la. Fontes das obrigações são os atos ou fatos de onde elas se originam, ou, na lição de Orlando Gomes, “o fato jurídico  ao qual a lei atribui o efeito de suscitá-la”, pois, prossegue, “entre a lei, esquema geral e abstrato, e a obrigação, relação jurídica singular entre pessoas, medeia sempre um fato, ou se configura uma situação, considerando idôneo pelo ordenamento jurídico para determinar o dever de prestar” (Obrigações, Rio de Janeiro, forense, 1986, p. 31). As leis são sempre a fonte imediata das obrigações, enquanto fontes mediatas são fatos ou situações capazes de produzi-las. O Código Civil em vigor não disciplinou as fontes das obrigações. Contudo, a partir da definição adotada, podemos identificar os contratos, os atos unilaterais e os atos ilícitos entre as fontes disciplinadas por ele, sem prejuízo, porém, da existência de outras que possam subsumir no conceito estabelecido (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, 1ª parte, 32. ed., atualizada por Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo, Saraiva, 2003, v. IV, p. 42-4). Após a disciplina das modalidades, o Livro “Do Direito das Obrigações” disciplinou a transmissão, o adimplemento e o inadimplemento das obrigações e suas consequências. No Título I, do Livro I, estão disciplinadas as modalidades das obrigações, que correspondem a um critério de classificação, e verificam-se as consequências estabelecidas a partir dessa classificação. Classificação. Importa registrar, de início, que o interesse da classificação das obrigações resulta da possibilidade de, a partir dela, reduzi-las a alguns poucos grupos com características semelhantes, de modo a tornar possível invocar os princípios aplicáveis a cada um deles e simplificar as soluções para as questões que suscitam (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, 20. ed., atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. II, p. 45). Adotando-se o critério utilizado por Maria Helena Diniz (Curso de direito civil, 16. ed. São Paulo, Saraiva, 2002, v. II, p. 49), as obrigações podem ser classificadas segundo os critérios seguintes:

Consideradas em si mesmas: a) quanto ao vínculo: civil, moral ou natural; b) quanto à execução: simples, cumulativa, alternativa ou facultativa; c) quanto ao tempo do adimplemento: instantânea, continuada ou diferida; d) quanto ao fim: de meio, de resultado ou de garantia; e) quanto aos elementos acidentais: condicional, modal ou a termo; f) quanto à pluralidade de sujeitos: divisível, indivisível ou solidária; e g) quanto à liquidez do objeto: líquida e ilíquida.

Consideradas umas em relação às outras, i.é, de modo recíproco, as obrigações serão acessórias ou principais.

A obrigação de dar, objeto do artigo em exame, tem natureza positiva, exigindo que o devedor pratique uma conduta, e não que se omita. Quando seu objeto for coisa certa (móvel ou imóvel), como é o caso deste dispositivo, o devedor só satisfaz a prestação se entrega ao credor o bem especificamente individuado pelas partes. Como ensina Renan Lotufo, a coisa é certa quando em sua identificação houver indicação da quantidade, do gênero e de sua individuação, que a torne única (op. cit., p. 17). Desse modo, não há possibilidade de a escolha do bem se verificar em momento posterior ao surgimento da obrigação. A entrega do bem pode se destinar a transferir o domínio, assegurar o uso (entregar) ou restituir ao proprietário (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo, Saraiva, 2004, v. II, p. 53). No nosso sistema, a transmissão do domínio não se aperfeiçoa com a criação da obrigação, sendo indispensável que se verifique o registro, para os imóveis (arts. 1.227 e 1.245), e a tradição, para os móveis (arts. 1.226 e 1.267), o que revela a importância do dispositivo em exame. Na lição de Carlos Roberto Gonçalves, “a obrigação de dar coisa certa confere ao credor simples direito pessoal (jus ad rem) e não real (jus in re). O contrato de compra e venda, por e venda, por exemplo, tem natureza obrigacional” (op. cit., p. 43). Do mesmo teor: BIERAMBAUM Gustavo. “Classificação: obrigações de dar, fazer e não fazer”, Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional, coord. Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro. Renovar, 2005, p. 123, que acrescenta que a obrigação, por si só, não cria direito erga omnes. Assim, o credor da obrigação de dar coisa certa que não tenha tido anterior posse do bem ou que não for seu proprietário não se pode valer de demandas possessórias ou dominiais para recuperá-lo. No entanto, poderá se valer de ação destinada a obrigar o devedor a entregar-lhe o bem (arts. 461-A e 621 a 628 do CPC/1973, correspondendo-se respectivamente aos arts. 538, caput e 806 a 810 do CPC/2015 – VD), como decorrência da obrigação assumida. No caso do art. 461-A, CPC/1973 (CPC/2015, art. 538, caput), o pedido é de condenação na entrega de coisa certa formulado por quem não dispõe de título executivo. Na hipótese do art. 621, CPC/1973, (art. 806, CPC/2015), o credor dispõe do título extrajudicial. Tais dispositivos viabilizaram ao credor de obrigação de dar coisa certa a possibilidade de obtê-la diretamente, fazendo valer a força obrigatória que do contrato resulta. A obrigação só se converterá em perdas e danos se o credor a requerer ou se a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente for impossível (arts. 461, § 1º do CPC/1973, correspondência no art. 499 do CPC/2015, e 461-A, § 3º, do CPC/1973, com correspondência no art. 538, § 3º, do CPC/2015). Neste sentido lecionam Carlos Roberto Gonçalves (op. cit., p. 43-5) e Everaldo Augusto Cambler (Comentários ao Código Civil brasileiro. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. III, p. 60-4). Acrescente-se que tal espécie de providência já havia sido prevista no art. 83 do Código de Defesa do Consumidor. Se o bem cuja entrega foi prometida ao credor vier a ser novamente alienado a terceiro, que efetivamente adquire o domínio pela tradição ou pelo registro, o primeiro adquirente não poderá exigi-lo, porque seu direito pessoal não poderá se opor ao direito real do segundo adquirente (GONÇALVES, Carlos Roberto, op. cit., p. 45). No entanto, caso haja má-fé do terceiro, poder-se-á sustentar a proteção do direito do primeiro, levando-se em conta a função social dos contratos e a boa-fé objetiva, consagradas nos arts. 421 e 422 do Código Civil. É o que se pode extrair da lição de Antonio Junqueira de Azevedo em parecer publicado na Revista dos Tribunais, n. 750, p. 113: “A responsabilidade do terceiro é, pois, aquiliana. ‘Efetivamente, se um contrato deve ser considerado como fato social, como temos insistido, então a sua real existência há de impor-se por si mesma, para poder ser invocada contra terceiros, e, às vezes, até para ser oposta por terceiros às próprias partes. Assim é que não só a violação de contrato por terceiro pode gerar responsabilidade civil deste (como quando terceiro destrói a coisa que devia ser prestada, ou na figura da indução ao inadimplemento do negócio jurídico alheio), como também terceiros podem opor-se ao contrato, quando sejam por ele prejudicados (o instituto da fraude contras terceiros é exemplo típico disso)’ (Fernando Noronha. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. São Paulo, Saraiva, 1994, p. 119)”. E ainda: “Não é possível que, ao final do século XX, os princípios de direito contratual se limitem àqueles da survival of the fittest, (sobrevivência do mais apto ou do mais forte - VD) ao gosto de Spencer, no ápice do liberalismo sem peias; seria fazer tabula rasa de tudo que ocorreu nos últimos cem anos. A atual diminuição do Estado não pode significar a perda da noção, conquistada com tanto sofrimento, de tantos povos e de tantas revoluções de harmonia social. O alvo, hoje, é o equilíbrio entre sociedade, Estado e indivíduo. O contrato não pode ser considerado como um ato que somente diz respeito às partes; do contrário voltaríamos a um capitalismo selvagem, em que a vitória é dada justamente ao menos escrupuloso” (trecho extraído da p. 119). Nas hipóteses em que o credor faz jus à entrega para poder usar o bem de propriedade do devedor (locação) ou para recuperá-lo em razão de sua condição de proprietário ou de qualquer direito de que sobre a coisa disponha (depositário) – e não para adquirir a propriedade -, será possível que ele se valha da mesma espécie de proteção processual conferida ao adquirente (arts. 461-A e 621 a 628 do CPC/1973, correspondendo-se respectivamente aos arts. 538, caput e 806 a 810 do CPC/2015 – VD), embora, em alguns desses casos, seja possível admitir a adequação de demandas de natureza possessória ou petitória. Se a hipótese é de credor proprietário ou possuidor, serão adequadas as ações petitórias ou possessórias. Se o credor não é proprietário nem possuidor, utiliza-se do procedimento previsto nos artigos mencionados – será o caso do locatário, a quem o locador não entrega o imóvel locado. O art. 233 assegura que os acessórios do bem objeto da prestação estarão abrangidos pela obrigação assumida. Assim, ao devedor cumprirá entregar ao credor os acessórios do bem que é objeto da obrigação. Imagine-se que alguém aliena ao comprador um terreno sobre o qual há uma edificação, sem que da matrícula ou da escritura conste a construção. Admitindo-se que a acessão seja acessório do solo (arts. 79 e 92 do CC), ela deverá seguir o destino deste, transferindo-se ao adquirente, que se tornará proprietário do todo (solo e construção). A regra resulta do princípio de que o acessório segue o principal – não repetido no CC/2002, diversamente do que ocorria com o art. 59 do CC/1916, mas consagrado pela doutrina como princípio e extraído do disposto no art. 92 do Código Civil. O dispositivo de que ora se trata ressalva, porém, a possibilidade de o acessório não seguir o principal: a) em razão de as partes assim haverem convencionado – o que se insere nos limites de sua autonomia privada; e b) em virtude das circunstâncias do caso. Nesta última situação estaria incluída a hipótese em que os acessórios tivessem sido, temporariamente, separados do bem principal. Caso isso se tenha verificado, as circunstâncias deverão ser examinadas para que seja possível concluir se os acessórios devem, ou não seguir o principal. O art. 575 do Código Civil argentino expressamente inclui os acessórios temporariamente afastados do bem principal entre os que acompanham o principal (CAMBLER, Everaldo Augusto. Op. cit., p. 61). O Código Civil brasileiro, porém, no art. 233, permite que as circunstâncias de cada caso sejam avaliadas para que se conclua se o acessório destacado segue ou não o bem principal a ser entregue. O tema em exame remete ao tratamento dado às pertenças pelo art. 94 do Código Civil – pertenças são bens que não constituem parte integrante do principal, mas se destinam de modo duradouro a seu uso, serviço ou aformoseamento. Nesse dispositivo, há ressalva expressa no sentido de que as pertenças (acessórios que são) não seguem o bem principal, se o negócio jurídico só diz respeito a este. Dessa forma, as pertenças são exceção à regra do art. 233, pois, no que se refere a elas, somente disposição expressa fará com que estejam abrangidas pelo negócio que tenha por objeto o bem principal. Interessante exemplo a respeito pode ser constatado no caso de alienação de imóvel rural em que o vendedor se compromete a entregar não apenas o imóvel, mas também os animais e as máquinas que nele se encontram (as pertenças) – negócio que na prática comercial é denominado “venda de porteira fechada”. Nessa espécie de transação, não havendo menção expressa às pertenças, somente o imóvel terá sido alienado, sem que ao negócio se aplique a disposição prevista nesse artigo. Os acessórios a que se refere o artigo em exame, segundo Renan Lotufo, que invoca Mário Júlio de Almeida Costa, não se resumem aos que se vinculam à coisa, mas também aos relacionados ao comportamento do devedor (op. cit., p. 18). Segundo o ilustre comentarista, entre os acessórios da obrigação estariam os deveres anexos oriundos da boa-fé objetiva (ver comentário ao art. 422). Dessa forma, seriam deveres acessórios do devedor: guardar a coisa vendida, embalá-la, transportá-la, fornecer informações necessárias etc. (obra e local citados). (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p 184 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 07.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Dando sequência ao art. 233, destacam-se os comentários de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina: (1) A obrigação de dar (obligatio dândi), consiste em obrigação positiva, que exige do devedor determinada ação consistente na entrega de cosa móvel ou imóvel ao credor. Na obrigação de dar coisa certa, o devedor apenas cumpre a prestação, caso efetue a entrega de bem especificamente delineado na fonte da obrigação. Trata-se do princípio de identidade da coisa devida, o qual desobriga o credor a receber coisa diversa da especificada na obrigação, ainda que mais valiosa (CC, art. 313). A obligatio dândi pode se destinar à transferência de domínio, à transmissão de posse para se assegurar o uso ou ainda à restituição de determinado bem ao proprietário. (2) As obrigações de dar executam-se por meio da tradição, a qual, pelo Direito brasileiro, é o elemento que confere origem ao direito real. A tradição pode se dar tanto pela entrega material da coisa ao credor (tradição real), ou por meio de ato simbólico (tradição simbólica ou ficta). O ordenamento nacional fia-se, nesse aspecto, à orientação do Direito romano, segundo o qual a propriedade transferia-se apenas por meio de tradição ou de usucapião. Em contraposição a esse sistema, há o Direito francês, em que a transferência de propriedade opera-se com a mera celebração do contrato. Sobre esse aspecto, é válido ressaltar que, a teor do art. 1.245 do Código, a propriedade de bem imóvel transfere-se mediante registro de título translativo no competente registro de Imóveis. (3) Não se operando a tradição, há ao credor, a partir do contrato, apenas a actio para exigir a entrega da coisa pelo devedor, na forma dos arts. 498 ou 806 (caso haja título executivo extrajudicial), ambos do Código de Processo Civil, (sendo o art. 498, do CPC/1973, sem correspondência no CPC/2015, e o art. 806, com correspondência no CPC/2015, art. 308, nota VD). Em casos tais, não há direito erga omnes e o credor não pode, portanto, nem se valer de demandas possessórias ou dominiais, nem opor seu direito ao recebimento da coisa a terceiro adquirente de boa-fé. (4) Em consequência do princípio de que o acessório segue a sorte do principal, a transferência da coisa engloba os seus acessórios, excetuando-se convenção contrária das partes nesse sentido ou em razão das circunstâncias do caso. Nessa segunda hipótese, estariam abrangidos os acessórios temporariamente destacados do bem, mas a análise deve ser feita casuisticamente. Compreendem-se ainda acessórios à obrigação de dar, os deveres anexos a ela, tais como o de guardar a coisa vendida, de embalá-la, de transportá-la etc. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 08.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 7 de março de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 230, 231, 232 – Da Prova – VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 230, 231, 232
– Da Prova – VARGAS, Paulo S. R. 

Livro III – Dos Fatos Jurídicos
Título V – Da Prova (art. 212 a 232)
vargasdigitador.blogspot.com

Art. 230. As presunções, que não as legais, não se admitem nos casos em que a lei exclui a prova testemunhal. 1

1.        Presunções

As presunções podem ser legais, quando decorrem expressamente da lei (como é a que recai sobre a escritura pública – CC, art. 215), ou comuns quando feitas pelo juiz com base no que ordinariamente acontece. Além disso, as presunções podem ser absolutas, quando não admitirem prova em contrário; ou relativas, quando essa possibilidade é admitida. Tendo em vista que a presunção é um meio indireto de prova, ainda mais suscetível à falibilidade na percepção dos fatos, o legislador tomou o cuidado de limitar os casos em que ela é admitida, vedando que seja aplicada nos casos em que não se admite a prova testemunhal. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 05.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Seguimos então na esteira doutrinária da visão de Paulo Byron, em relação às presunções “homini s”, ou simples, que são as deixadas ao critério e prudência do magistrado, que se funda no que ordinariamente acontece e só podem ser acatadas em casos graves, precisos e concordantes, não sendo admitidas se a lei excluir, na hipótese sub examine, a prova testemunhal. Mas as presunções legais juris et de jure e juris tantum serão sempre acatadas, inclusive nos fatos em que a lei não admitir depoimento de testemunhas. (juridicocerto.com/p/paulobyron/artigos/da-prova-art-212-a-232-codigo-civil comentado-4037 Acessado e feitas as devidas atualizações em 05/03/2019 por VD).

Já na visão de Nestor Duarte, são as presunções homini s ou simples, somente admitidas como prova quando também for admitida a prova testemunhal. Funda-se no que ordinariamente acontece (art. 335 do CPC/1973, com correspondência no art. 375 do CPC/2015, que determina: “o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras da experiencia técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial”. (Nestor Duarte apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p 181 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa. 1

1.        Recusa à realização de exame médico necessário

Ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo (CF, art. 5º, LXIII), tampouco obrigado a ser submetido à intervenção médica que atente contra a integridade física, como usualmente ocorre com alguns exames médicos, tais quais a coleta de sangue ou a retirada de tecidos (CC, art. 13 e 17). Em função de tais premissas, nada mais natural que ninguém seja obrigado a se submeter a exame médico voltado a produzir prova contrária a seus interesses. Para evitar que tais garantias constitucionais se transformassem em ilegítimos e transversos meios de obstar a procedência de ações movidas em face da pessoa que se recusou a submeter-se ao exame médico, o art. 231 do Código civil criou uma presunção relativa que opera contra essa pessoa.

Tratando especificamente da ação de investigação de paternidade, o superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 301, segundo a qual: “em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”. Faz-se obrigatório, todavia, que o exame médico seja necessário, ou seja, que o fato a cuja prova ele se destina não possa ser demonstrado por outros meios. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 05.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo a doutrina acompanhada por Paulo Byron, onde o exame médico faz-se necessário, quem vier a negar-se a efetuar exame médico, v.g., DNA, que seja necessário para a comprovação de um fato, não poderá aproveitar-se de sua recusa. Assim, se alegar violação à sua privacidade e não se submeter àquele exame, ter-se-á presunção ficta da paternidade, por ser imprescindível para a descoberta da verdadeira filiação, tendo em vista o superior interesse do menor e o seu direito à identidade genética. (juridicocerto.com/ p/paulobyron/artigos/da-prova-art-212-a-232-codigo-civil comentado-4037 Acessado e feitas as devidas atualizações em 05/03/2019 por VD).

Na esteira de Nestor Duarte, as partes têm o dever de colaboração do processo (art. 339 do CPC/1973, com correspondência no CPC/2015, art. 378), “Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade” e, em se tratando de ônus, uma vez descumprido, não podem valer-se da própria torpeza para alegar insuficiência da prova que beneficiaria a outra parte. (Nestor Duarte apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p 181 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que pretendia obter com exame. 1

1.        Recusa à realização de exame médico determinado pelo juiz

Seja porque o exame médico é a única forma de provar determinado fato, seja porque sua realização foi determinada pelo juiz, não pode a parte que se recusa a realizá-lo se aproveitar da falta desse exame. No processo, são poucas as situações em que a parte se vê verdadeiramente obrigada a alguma prestação. No processo as partes assumem ônus, não deveres, usualmente definidos como imperativos do próprio interesse. Disse Sydney Sanches que “quando alguém se vê ameaçado de não conseguir certo resultado ou de sofrer consequência danosa, se não agir de modo predeterminado, se diz que tem um ônus (não uma obrigação de direito material). E, quando o descumpre, corre um risco. Costuma-se dizer comparativamente: enquanto, no direito material, à ideia de direito corresponde a de obrigação, no direito processual, à ideia de ônus corresponde a de risco”. [1] Obedecendo à lógica dessa dinâmica processual, os artigos 231 e 232 do Código Civil criam uma regra de inversão do ônus da prova, transferindo-o exatamente para a pessoa que se recusou a realizar determinado exame médico. Com isso, assume ela o risco de se colocar em situação desfavorável no processo caso se recuse a realizar determinado exame. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 05.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

[1] Denunciação da Lide no direito Processual Civil Brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 46.

Seguindo a doutrina, Paulo Byron diz, em recuso à perícia médica, que “se alguém se recusar a efetuar perícia médica ordenada pelo magistrado sua recusa poderá suprir a prova pretendida com aquele. Assim sendo, p. ex., a recusa ao exame de DNA poderá valer como prova da maternidade ou paternidade.” (juridicocerto.com/p/ paulobyron/artigos/da-prova-art-212-a-232-codigo-civil comentado-4037 Acessado e feitas as devidas atualizações em 05/03/2019 por VD).

Finalizando os comentários desta Seção “Das Provas”, com o art. 232, Nestor Duarte aponta que o juiz pode ordenar à parte que se submeta a perícia médica (Art. 340, II, do CPC/1973, com correspondência no art. 379, CPC/2015, redação no mesmo sentido). Sendo imposição à parte, constitui ônus, cujo cumprimento não pode ser obtido coercitivamente. Recusando-se ela, porém, está o juiz autorizado a interpretar que a prova favoreceria a outra parte. Não se trata, contudo, de consequência inexorável, porquanto a recusa há de ser injustificável e essa circunstância tem de ser examinada em função do conjunto probatório, podendo ser infirmada por outros elementos de prova. (Nestor Duarte apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p 181 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).