sábado, 28 de abril de 2018

CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 509 – DA LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA



CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 509 – DA LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA


PARTE ESPECIAL- LIVRO I – DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TÍTULO I – DO PROCEDIMENTO COMUM CAPÍTULO XIV  – DA LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA - vargasdigitador.blogspot.com

Art 509. Quando a sentença condenar ao pagamento de quantia ilíquida, proceder-se-á à sua liquidação, a requerimento do credor ou do devedor:

I – por arbitramento, quando determinado pela sentença, convencionado pelas partes ou exigido pela natureza do objeto da liquidação;

II – pelo procedimento comum, quando houver necessidade de alegar e provar fato novo.

§ 1º. Quando na sentença houver uma parte líquida e outra ilíquida, ao credor é lícito promover simultaneamente a execução daquela e, em autos apartados, a liquidação desta.

§ 2º. Quando a apuração do valor depender apenas de cálculo aritmético, o credor poderá promover, desde logo, o cumprimento da sentença.

§ 3º. O conselho Nacional de Justiça desenvolverá e colocará à disposição dos interessados programa de atualização financeira.

§ 4º. Na liquidação é vedado discutir de novo a lide ou modificar a sentença que a julgou.

Correspondência no CPC/1973, nos seguintes artigos e ordem:

Art 475 A – para o caput – Quando a sentença não determinar o valor devido, procede-se à sua liquidação.

Art 475 C – para o inciso I – Far-se-á a liquidação por arbitramento quando:
I – determinado pela sentença ou convencionado pelas partes;
II – o exigir a natureza do objeto da liquidação.

Art 475 E – para o inciso II – Far-se-á a liquidação por artigos, quando, para determinar o valor da condenação, houver necessidade de alegar e provar fato novo.
Art 475 F  - ainda para o inciso II – Na liquidação por artigos, observar-se-á, no que couber, o procedimento comum (art 272).

Art 475 I. (...) § 2º - referente ao § 1º do art 509 do CPC/2015 – Quando na sentença houver uma parte líquida e outra ilíquida, ao credor é lícito promover simultaneamente a execução daquela e, em autos apartados, a liquidação desta.

Art 475 B – referente ao § 2º do art 509 do CPC/2015 – Quando a determinação do valor de condenação depender apenas de cálculo aritmético, o credor requererá o cumprimento da sentença, na forma do art 475 J desta Lei, instruindo o pedido com a memória discriminada e atualizada do cálculo.

Art 475 G - referente ao § 4º do art 509 do CPC/2015 – É defeso, na liquidação, discutir de novo a lide ou modificar a sentença que a julgou.

1.     NATUREZA JURÍDICA DA LIQUIDAÇÃO

Não resta dúvida de que a atividade desenvolvida na liquidação da sentença tem natureza cognitiva, já que nela não são praticados atos de execução. Na realidade, excepcionalmente a atividade cognitiva é dividida em duas fases: na primeira há a fixação do na debeatur e na segunda do quantum debeatur. A divisão dessa atividade em duas fases não é, naturalmente, capaz de afastar a sua natureza jurídica cognitiva.

          A lição, tradicional e que não encontra resistência, é importante para justificar a opção do CPC em vigor, em não prever a liquidação da sentença no Livro II, destinado à execução. A liquidação de sentença vem prevista no Capítulo XIV do Título I (Do procedimento comum), da Parte Especial do Livro I (Do processo de conhecimento e do cumprimento de sentença). Compreende-se a opção do legislador porque, além da natureza não executiva da liquidação de sentença, por vezes a atividade cognitiva nela desenvolvida gera justamente a frustração da execução. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 856. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

2.    CONCEITO DE LIQUIDEZ E OBRIGAÇÕES LIQUIDÁVEIS

Liquidar uma sentença significa determinar o objeto da condenação, permitindo-se assim que a demanda executiva tenha início com o executado sabendo exatamente o que o exequente pretende obter para a satisfação de seu direito. Apesar de ser pacífico na doutrina esse entendimento, há uma séria divergência a respeito de quais as obrigações que podem efetivamente ser liquidadas.

          Segundo a corrente ampliativa, a liquidação poderá ter como objeto qualquer espécie de obrigação, sendo possível liquidar a obrigação de fazer, não fazer, entrega de coisa e pagar quantia certa. Outra corrente doutrinária entende serem excluídas do âmbito da liquidação algumas espécies de obrigação que materialmente não podem ser liquidadas, porque, sendo a certeza da obrigação precedente à liquidez, o que faltará a essas obrigações é a certeza, e não a liquidez. Tal circunstância se verifica nas obrigações de fazer e não fazer, porque a certeza de uma obrigação dessa espécie é justamente indicar o que deve ser feito ou o que deve deixar de ser feito.

          Tratando-se de obrigação alternativa ou de entregar coisa incerta, ao título executivo não faltará propriamente liquidez, tanto que a demanda executiva poderá ser imediatamente proposta. A individualização do bem, disciplinada pelos arts 811 a 813 do CPC, desenvolver-se-á por meio de um procedimento incidental na própria demanda executiva sem que se confunda com a liquidação de sentença. Fenômeno similar ocorre na obrigação alternativa de entrega de coisa certa, na qual não se fará necessária a liquidação de sentença, mas a especificação do bem a ser entregue ao exequente (art 800 do CPC). Por outro lado, na hipótese contemplada pelo art 324, I, do CPC (demanda que tenha coo objeto uma universalidade de bens), parece correto concluir pela necessidade de liquidação, ainda que se trate de obrigação de entrega de coisa.

          Para a corrente doutrinária restritiva, a liquidação de sentença é instituto processual privativo das obrigações de pagar quantia certa, inclusive como prevê a redação do art 783 do CPC, que expressamente se refere a “cobrança de crédito”, quando exige, da obrigação, a certeza, liquidez e a exigibilidade.

          Por outro lado, o art 509 deste Código é claro ao prever o cabimento da liquidação quando a sentença condenar ao pagamento de quantia ilíquida, limitando sem qualquer margem à dúvida a liquidação ao valor da obrigação, o que naturalmente afasta desse instituto jurídico o incidente de escolha de bens ou de concentração de obrigações. A previsão legal impede que se confunda liquidação com outros fenômenos processuais, como o incidente de concentração de obrigação ou a escolha da coisa na obrigação de coisa incerta, mas excepcionalmente é possível a liquidação de obrigação de entrega de coisa, que não deve ser a priori excluída do âmbito da liquidação pela interpretação literal do art 509 do CPC. Tal circunstancia se verifica na condenação ilíquida de pedido que tenha como objeto a entrega de uma universalidade de bens art 324, I, deste Código ora comentado). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 856/857. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

3.    ESPÉCIES DE LIQUIDAÇÃO

Com a correta exclusão da “liquidação por mero cálculo aritmético” do CPC, os dois incisos do art 509 preveem apenas a liquidação (I) por arbitramento e (II) pelo procedimento comum. O legislador parece ter acabado com as diferentes espécies de liquidação de sentença, limitando-se a prever dois diferentes procedimentos: liquidação por arbitramento, quando determinado pela sentença, convencionado pelas partes ou exigido pela natureza do objeto da liquidação, e liquidação pelo procedimento comum, quando houver necessidade de alegar e provar fato novo (antiga liquidação por artigos).

          Sempre se entendeu que a liquidação prevista pelo CPC/1973 como liquidação por mero cálculo aritmético era uma pseudo liquidação, já que supostamente estar-se-ia a liquidar o que já era líquido, considerando que a liquidez da obrigação e sua determinabilidade e não sua determinação. Significa dizer que sendo possível se chegar ao valor exequendo por meio de um mero cálculo aritmético, a obrigação já será líquida e por tal razão seria obviamente dispensada a liquidação de sentença.

          O § 2º do art 509 do CPC é extremamente feliz ao prever que quando a apuração do valor depender apenas de cálculo aritmético, o credor poderá promover, desde logo, o cumprimento da sentença. Para facilitar a elaboração de tal cálculo, o § 3º do mesmo dispositivo prevê que o Conselho Nacional de Justiça desenvolverá e colocará à disposição dos interessados programa de atualização financeira.

          Independentemente da espécie de liquidação de sentença cabível no caso concreto, o art 509, § 1º, do CPC, consagra a teoria dos capituos da sentença, permitindo à parte concomitantemente liquidar capítulo ilíquido e executar capítulo líquido. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 857. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

4.    CABIMENTO DA LIQUIDAÇÃO POR ARBITRAMENTO

Segundo o art 509, I, do CPC, a liquidação por arbitramento deve ser realizada em três hipóteses: determinação na sentença; acordo entre as partes; quando o exigir a natureza do objeto da liquidação. O dispositivo legal deve ser criticado porque não foi capaz de expor com clareza quando a liquidação por arbitramento se rafá efetivamente necessária. Bastaria para atingir tal objetivo ter previsto que sempre que o cálculo do valor de um bem, serviço ou prejuízo depender de conhecimentos técnicos específicos, será o caso de liquidar a sentença por arbitramento. Ou, em outras palavras, sempre que se fizer necessária a elaboração de uma perícia para se obter o quantum debeatur, o caminho será a liquidação por arbitramento.

          O juiz somente fixará em sentença essa espécie de liquidação quando entender que o quantum debeatur só poderá ser obtido por meio da realização de uma perícia, o que demonstra a inutilidade dessa previsão, tanto assim que o Superior Tribunal de Justiça sumulou o entendimento de que a liquidação por espécie distinta da constante da sentença não gera nulidade. (Súmula 344/STJ). Da mesma forma, o consenso entre as partes só gerará efeitos se a perícia for necessária e não houver necessidade de alegação e prova de fatos novos. A vontade das das partes não vincula o juiz na determinação da espécie de liquidação, o que demonstra a impropriedade da previsão.

          Registre-se que ao perito não será permitido o enfrentamento de fatos novos, porque essa circunstância necessariamente exigirá que a liquidação seja feita por artigos, ainda que se mostre necessária apenas a prova pericial. A liquidação por arbitramento, portanto, será realizada quando não forem necessárias a alegação e a prova de fato novo, bastando a realização de uma prova pericial a respeito dos fatos já estabelecidos na sentença ilíquida. É possível que o perito tenha, no caso concreto, necessidade de ouvir testemunhas, exigir novos documentos, conforme lhe faculta o art 473, § 3º do CPC para uma melhor elucidação dos fatos já fixados em sentença, providencias que não desvirtuam a natureza da liquidação. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 858. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

5.    CABIMENTO DA LIQUIDAÇÃO POR PROCEDIMENTO COMUM

A liquidação por procedimento comum é a última alternativa no âmbito das liquidações porque é a mais complexa e demorada entre todas as suas espécies, de forma que deverá ser reservada somente para as situações em que não se mostre possível a liquidação por mero cálculo aritmético do credor ou por arbitramento.

          Essa espécie de liquidação era tradicionalmente chamada de “liquidação por artigos”, sendo tal nomenclatura derivada de antiga tradição, presente em nosso ordenamento desde os tempos das Ordenações. Tradicionalmente, significava que o demandante era obrigado a indicar os fatos novos que pertencia ver provados em forma de artigos, sob pena de indeferimento da peça inicial. É óbvio que atualmente uma espécie de formalismo exacerbado como esse é algo totalmente despropositado, bastando que o demandante exponha com clareza – mas na forma que quiser – quais são os fatos que pretende ver provados. A subtração do termo “artigos” para qualificar a liquidação prevista pelo art 509, II, do CPC provavelmente tem como objetivo consagrar essa maior flexibilidade formal.

          A liquidação pelo procedimento comum é cabível quando forem necessárias para a definição do quantum debeatur a alegação e prova de fato novo, sendo essencial para a compreensão do instituto processual a conceituação de “fato novo”.

          Deve ser evitada na conceituação de fato novo a confusão quanto ao momento em que o fato ocorreu, sendo inadmissível, confundir fato novo com fato superveniente. O fato novo pode ter ocorrido antes, durante ou depois da demanda judicial donde se produziu o titulo executivo ilíquido, não sendo o momento um critério correto para conceituar o fenômeno processual. Por fato novo, deve-se entender aquele que não foi objeto de análise e decisão no processo no qual foi formado o título executivo que se busca liquidar. A novidade, portanto, não é temporal, mas diz respeito ao próprio Poder Judiciário, que pela primeira vez enfrentará e decidirá determinados fatos referentes ao quantum. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 858/859. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

6.    REGRA DA FIDELIDADE AO TÍTULO EXECUTIVO (ART 509, § 4º DO CPC).

A liquidação de sentença tem como único e exclusivo objetivo a fixação do quantum debeatur, sendo vedada, pela própria logica do instituto processual, a discussão de qualquer matéria alheia a esse objetivo. Não se permite que a liquidação se preste a discutir matérias que foram discutidas na fase de conhecimento que gerou a sentença condenatória, ou nela deveriam ter sido discutidas. Significa dizer que qualquer matéria é estranha ao objeto da liquidação.

          Essa vedação à discussão de matérias alheias à fixação do valor da prestação encontra logica no próprio sistema, porque, ao permitir a discussão de outras matérias que não o quantum debeatur em sede de liquidação, estar-se-ia diante de um vício processual: caso a sentença condenatória já estiver transitada em julgado, haverá ofensa à coisa julgada ou à eficácia preclusiva da coisa julgada (Informativo 489/STJ, 4ª Turma, REsp 1.112.858-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 13.12.2011); havendo recurso contra ela pendente de julgamento, haverá litispendência. Num caso ou noutro, há no caso concreto um pressuposto processual negativo, o que gera a nulidade da liquidação. Atento a essa circunstância, o legislador prevê expressamente no art 509, § 4º, do CPC, ser vedado na liquidação discutir de novo a lide ou modificar a sentença que a julgou.

          É até mesmo possível imaginar uma terceira espécie de vício, quando se discutem na liquidação questões referentes ao na debeatur fora dos próprios limites objetivos do pedido condenatório do autor. Nesse caso, não se poderá falar tecnicamente em ofensa à coisa julgada, mas de fixação de valor de uma prestação que não está reconhecida em título executivo judicial. Basta imaginar que numa demanda em que foi pedida a condenação do réu ao pagamento de uma quantia em decorrência de dano moral, a parte busque, na liquidação alegar e provar fatos simples para aumentar o valor da condenação. Nesse caso, haveria ofensa à coisa julgada ou litispendência. Caso, entretanto, se pretenda incluir na liquidação também uma discussão sobre eventuais danos materiais suportados, não se poderá falar em coisa julgada nem em litispendência, porque esse pedido não faz parte da demanda.

          Essa limitação da matéria objeto de cognição na liquidação da sentença, seja para proteger a coisa julgada, seja para evitar a litispendência ou impedir a valoração de dano não reconhecido por título executivo, chamada pela doutrina de regra da “fidelidade ao titulo executivo”, não é absoluta, havendo a excepcional possibilidade de inclusão na liquidação de matéria não posta na fase de conhecimento da qual resultou a condenação genérica. A jurisprudência vem prestigiando uma interpretação lógica da sentença, não se limitando ao aspecto gramatical, para concluir que deve se admitir contido na sentença não só o que está expressamente informado, mas também o que virtualmente se possa presumir como incluído.

          A Súmula 254 do STF indica a possibilidade de inclusão de juros moratórios na liquidação, ainda que a sentença seja omissa a esse respeito. Ainda que não haja súmula nesse sentido, também a correção monetária (desde que não haja exclusão expressa na da decisão) e as custas processuais poderão ser incluídas nas mesmas circunstâncias. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 859/860. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

sexta-feira, 27 de abril de 2018

CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 507, 508 – Preclusão e Eficácia da Coisa Julgada - VARGAS, Paulo S.R



CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 507, 508 – Preclusão e Eficácia da Coisa Julgada - VARGAS, Paulo. S.R


PARTE ESPECIAL- LIVRO I – DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TÍTULO I – DO PROCEDIMENTO COMUM CAPÍTULO XIII  – DA SENTENÇA E DA COISA JULGADA – Seção V – Da Coisa Julgada - vargasdigitador.blogspot.com

Art 507. É vedado à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a cujo respeito se operou a preclusão.

Correspondência no CPC/1973, art 473, com a seguinte redação:

Art 473. É defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão.

1.     PRECLUSÃO

Segundo a melhor doutrina, o processo, para atingir a sua finalidade de atuação da vontade concreta da lei, deve ter um desenvolvimento ordenado, coerente e regular, assegurando a certeza das situações processuais e também a estabilidade das mesmas, sob pena de retrocessos e contramarchas desnecessárias e onerosas que colocariam em risco não só os interesses das partes em litígios, mas, principalmente, a majestade da atividade jurisdicional.

          Não há dúvida de que a preclusão é instrumento para evitar abusos e retrocessos e prestigiar a entrega de prestação jurisdicional de boa qualidade. A preclusão atua em prol do processo, da própria prestação jurisdicional, não havendo qualquer motivo para que o juiz não sofra seus efeitos, pelo menos na maioria das situações.

          Tradicionalmente, a preclusão é classificada em três espécies, a consumativa, a logica e a temporal.

          A preclusão consumativa se verifica sempre que realizado o ato processual. Dessa forma, somente haverá oportunidade para realização do ato uma vez no processo e, sendo esse consumado, não poderá o interessado realiza-lo novamente e tampouco complementá-lo ou emenda-lo. Essa espécie de preclusão não se preocupa com a qualidade do ato processual, limitando-se a impedir a prática de ato já praticado, ainda que de forma incompleta ou viciada.

          Na preclusão lógica, o impedimento de realização de ato processual advém da realização de ato anterior incompatível logicamente com aquele que se pretende realizar. Exemplo clássico dessa espécie de preclusão é a aquiescência prevista no art 1.000 deste Código atual de Processo Civil, que extingue o direito da parte de recorrer quando pratica ato de concordância, expressa ou tácita, com a decisão.

          Diz-se preclusão temporal, quando um ato não puder ser praticado em virtude de ter decorrido o prazo previsto para sua prática sem a manifestação da parte. Ao deixar a parte interessada de realizar o ato dentro do prazo previsto, ele não mais poderá ser realizado, já que extemporâneo.

          A preclusão temporal pode ser excepcionalmente afastada diante do descumprimento de um prazo próprio se a parte convencer o juiz de que não praticou o ato processual por justa causa, ou seja, em razão de evento alheio à vontade da parte, suficiente para impedir a ela ou a seu mandatário de praticar o ato processual. O Superior Tribunal de Justiça exige que a justa causa advenha de evento imprevisto, alheio à vontade da parte, e que a impossibilite de praticar determinado ato processual no prazo (STJ, 4ª Turma, AgRg no AREsp 19.550/ES, rel. Min. Raul Araújo, j. 22/10/2013, DJe 05/12/2013), devendo ser alegado no prazo de 5 dias após o término da situação que impossibilita a parte a praticar o prazo “sob pena” de preclusão temporal (STJ, 2ª Turma, EDcl no AgRg no AREsp 276.162/MG, rel. Min. Castro Meira, j. 16/05/2013, DJe 24/05/2013). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 853/854. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

PARTE ESPECIAL- LIVRO I – DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TÍTULO I – DO PROCEDIMENTO COMUM CAPÍTULO XIII  – DA SENTENÇA E DA COISA JULGADA – Seção V – Da Coisa Julgada - vargasdigitador.blogspot.com

Art 508. Transitada em julgado a decisão de mérito considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido.

Correspondência no CPC/1973, art 474, nos mesmos moldes.

1.    EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA

O art 508 do CPC prevê que com o trânsito em julgado considerar-se-ão deduzidas e repedias todas as alegações e as defesas que a parte poderia ter levado ao processo para fundamentar tanto o acolhimento como a rejeição do pedido. Trata-se da eficácia preclusiva da coisa julgada.

          É simples entender a regra quando aplicada para as possíveis alegações da defesa do réu. Havendo mais de uma matéria defensiva, caberá ao réu apresenta-las em sua totalidade, não lhe sendo possível ingressar com outra demanda, arguindo matéria de defesa que deveria ter sido apresentada em processo já extinto com coisa julgada material. O réu que alega somente o pagamento de dívida e vem a ser condenado a pagá-la não poderá ingressar com outro processo alegando a prescrição e requerendo a repetição de indébito, porque a alegação de prescrição deveria ter sido elaborada como matéria de defesa do primeiro processo..

          Aplicada ao autor, a regra da eficácia preclusiva da coisa julgada gera maior controvérsia. A parcela majoritária tem o entendimento que parece ser o mais correto, a eficácia preclusiva da coisa julgada atinge tão somente as alegações referentes à causa de pedir que fez parte da primeira demanda, porquanto alegado outro fato jurídico ou outra fundamentação jurídica, nãp presentes na primeira demanda, afasta-se do caso concreto a tríplice identidade, considerando-se tratar-se de nova causa de pedir (STJ, 1ª Turma, REsp 875.635/MG, rel. Min. Luiz Fux, j. 16/10/2008, DJe 03.11.2008; REsp 861.270/PR, 2ª Turma, rel. Min. Castro Meira, j. 05.10.2006, DJ 16/10/2006). Alegada a falta de pagamento na ação de despejo fundada em danos causados ao imóvel locado.

          Outra parcela doutrinária entende que a eficácia preclusiva da coisa julgada é mais ampla, atingindo alegações alheias à causa de pedir presente na demanda que produziu coisa julgada material. Para essa parcela da doutrina, o art 508 do CPC atinge todos os fatos jurídicos deduzíveis na ação, o que naturalmente o faz atingir inclusive fatos jurídicos alheios à causa de pedir narrada pelo autor.

          É possível ainda indicar uma terceira corrente doutrinária, intermediária entre as duas mais comuns, que entende que a eficácia preclusiva da coisa julgada atinge todos os fatos da mesma natureza conducentes ao mesmo efeito jurídico, mas não fatos de natureza diversa ou fatos de mesma natureza que produzam efeitos jurídicos diversos.

          Interessante notar que a eficácia preclusiva da coisa julgada não contraria os limites objetivos da coisa julgada. Numa análise apressada e superficial, poder-se-ia questionar a regra do art 508 do CPC, no sentido de que, se nem mesmo as alegações feitas e decididas na fundamentação fazem coisa julgada, como poderiam se tornar imutáveis e indiscutíveis alegações que nem ao menos foram feitas e enfrentadas pelo juiz? A visão é equivocada porque não compreende a função instrumental da eficácia preclusiva da coisa julgada, a impossibilidade de discutir alegações não realizadas em novo processo só se justifica nos limites da proteção à coisa julgada material. Dessa forma, sempre que o enfrentamento dessas alegações puder levar à decisão que contrarie o dispositivo de decisão protegido pela coisa julgada material, aplica-se a regra da eficácia preclusiva da coisa julgada para impedir a decisão a seu respeito (STJ, 1ª Turma, REsp 739.811/MG, rel. Min. Luiz Fux, j. 14.11.2006, FJ 14.12.2006). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 854/855. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

quinta-feira, 26 de abril de 2018

CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 506 – Coisa Julgada e Efeitos da Decisão – Vargas, Paulo S. R.



CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 506 – Coisa Julgada e Efeitos da DecisãoVargas, Paulo S. R.


PARTE ESPECIAL- LIVRO I – DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TÍTULO I – DO PROCEDIMENTO COMUM CAPÍTULO XIII  – DA SENTENÇA E DA COISA JULGADA – Seção V – Da Coisa Julgada - vargasdigitador.blogspot.com

Art 506. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros.

Correspondência no CPC/1973, art 472, com a seguinte redação:

Art 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houvessem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros.

1.    COISA JULGADA E EFEITOS DA DECISÃO

A doutrina, acertadamente, ensina que todos os sujeitos – partes, terceiros interessados e terceiros desinteressados – suportam naturalmente os efeitos da decisão, mas a coisa julgada os atinge de forma diferente. As partes, inclusive o Ministério Público quando participa de processo como fiscal da ordem jurídica (STJ, 4ª Turma, REsp 1.155.793/DF, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 01/10/2013, DJe 11/10/2013), estão vinculadas à coisa julgada, os terceiros interessados sofrem os efeitos jurídicos da decisão, enquanto os terceiros desinteressados sofrem os efeitos naturais da sentença, sendo que em regra nenhuma espécie de terceiro suporta a coisa julgada material.

          A segunda parte do art 472 do CPC/1973 aparentemente excepcionava essa regra, estabelecendo que nas ações relativas ao estado de pessoa, a sentença produziria coisa julgada em relação a terceiros. A inadequada redação do dispositivo legal, entretanto, somente consagrava a regra da coisa julgada inter partes, porque exigia que todos os interessados fossem citados no processo em litisconsórcio necessário. Dessa forma, somente os terceiros desinteressados não participariam do processo como parte, e estes não suportariam a coisa julgada material, porque não têm legitimidade para discutir judicialmente a decisão. Parece que o dispositivo legal confundia os efeitos da decisão com a coisa julgada material, considerando-se que todos suportam os efeitos dessa decisão – os divorciados não estão divorciados somente entre eles, mas também perante terceiros -, mas evidentemente os terceiros – nesse caso todos terceiros desinteressados – não suportam a cosa julgada material.

          O CPC ora comentado, bem notou a impropriedade do dispositivo legal e não o repetiu, o que deve ser saudado pela comunidade jurídica e pelo operador do direito. Afasta-se do sistema processual dispositivo legal que confundia efeitos e imutabilidade, confusão já superada há tempos pela doutrina processual. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 850/851. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

2.    LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA

O art 506 do CPC, que regula os limites subjetivos da coisa julgada, acertadamente retira essa segunda parte do art 472 do atual CPC/1973. E traz outra novidade que deve suscitar interessante questionamento. Segundo o dispositivo legal, a coisa julgada não prejudica terceiros, sendo suprimido do texto legal o prejuízo a terceiros.

          Nos processos individuais, havia entendimento tradicional na vigência do diploma processual revogado de que a coisa julgada se operava inter partes, ou seja, ela vincula somente as partes, não atingindo os terceiros, que não serão por ela beneficiados ou prejudicados. A par das discussões doutrinárias a respeito do conceito de parte, entende-se que a coisa julgada vincula o autor, réu e terceiros intervenientes, à exceção do assistente simples, que suporta a eficácia da intervenção prevista pelo art 123 do atual CPC.

          A eficácia inter partes justificava-se em razão dos princípios da ampla defesa e do contraditório, não sendo plausível que a sentença de mérito se tornasse imutável e indiscutível para sujeito que não participou do processo. Essa justificativa só tinha algum sentido quanto aos terceiros interessados (que têm interesse jurídico na causa), porque no tocante aos terceiros desinteressados (não mantêm nenhuma relação jurídica objeto da demanda), número infinito de pessoas, faltaria interesse processual para discutir a decisão transitada em julgado, de forma que a sua imutabilidade torna-se uma consequência natural da impossibilidade processual de modificar a decisão.

          Esse entendimento restava consagrado expressamente no art 472 do CPC/1973, mas não foi totalmente repetido pelo Atual Livro do CPC, o que pode levar a uma alteração significativa dos limites subjetivos da coisa julgada nos processos individuais.

          Reitere-se, segundo o art 506 do CPC, a coisa julgada não prejudica terceiros, sendo suprimido do texto legal o prejuízo a terceiros. Não sei se o objetivo da supressão foi transforma a coisa julgada secundum eventum litis in utilibus para terceiros, mas aparentemente é possível extrair tal conclusão da redação do dispositivo legal. Significa que terceiros poderão se aproveitar da coisa julgada material, que apenas não poderá prejudicá-los. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 851. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

3.    CREDORES SOLIDÁRIOS

Registre-se que essa espécie de coisa julgada material, além de ser regra no processo coletivo, mesmo no processo individual já existia antes da atualização do CPC.

          Segundo o art 274 do CC, sendo interposta demanda por um ou alguns dos credores solidários em litisconsórcio, sendo julgado procedente o pedido e condenado o réu ao pagamento, o julgamento aproveita a todos os demais credores solidários, mesmo que não tenham participado do processo. Significa dizer que todos estão legitimados a executar a sentença condenatória e que poderão alegar a exceção de coisa julgada material como matéria de defesa em ação declaratória de inexigibilidade de débito promovida pelo devedor.

          No caso de julgamento de improcedência, a coisa julgada material só vincula o credor ou credores que tenham interessado com a demanda, ou seja, os credores solidários que foram parte. Conforme reconhecido pela melhor doutrina, trata-se da técnica da coisa julgada secundum eventum litis, ou seja, a vinculação à coisa julgada material dos redores solidários que não propuseram a demanda judicial dependerá de seu resultado. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 852. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

4.    COISA JULGADA PRO ET CONTRA ULTRA PARTES NA TUTELA INDIVIDUAL

A regra de que a coisa julgada não pode prejudicar terceiros tem duas exceções de forma que os sucessores e os substituídos processuais, ainda que não participem do processo como partes, suportam negativamente os efeitos da coisa julgada. São titulares do direito e dessa forma não haveria sentido que não suportassem os efeitos, ainda que negativos, da coisa julgada material.

          Os sucessores assumem os direitos e obrigações do sucedido, transmitindo-se também a esses a imutabilidade decorrente da coisa julgada. Registre-se que, havendo sucessão do direito durante o processo judicial, impõe-se, como pressuposto da extensão da coisa julgada ao sucessor, a informação da existência da demanda judicial. A regra se aplica na hipótese de alienação de coisa litigiosa, na qual o adquirente deve ter ciência dessa situação da coisa para suportar a vinculação à decisão em processo do qual não participou.

          Os substituídos são representados na demanda por sujeito que a lei ou o sistema considera apto à defesa do direito em juízo, sendo que nessa excepcional hipótese admite-se que a coisa julgada atinja titulares do direito que não participaram como parte no processo. Registre-se moderna posição doutrinária no sentido de excluir a coisa julgada a terceiro que não tenha tido oportunidade de participar da demanda na qual seu direito material foi decidido. Essa corrente doutrinária entende que, não tendo oportunidade de participar do processo, o substituído processual não poderia suportar a coisa julgada material em respeito aos princípios da ampla defesa e do contraditório.

          O ainda Projeto deste Código de Processo Civil, aprovado originariamente no Senado Federal parecia consagrar tal entendimento no art. 18, parágrafo único, a prever que o substituído processual deveria ser intimado, podendo, inclusive, assumir o polo da demanda em sucessão processual ao substituto. A redação final do dispositivo foi substancialmente modificada, sendo previsto apenas que, havendo substituição processual, o substituído poderá intervir como assistente litisconsorcial. Na verdade, essa intervenção já é admitida atualmente, não sendo necessária uma previsão específica nesse sentido para legitimá-la. A redação final do dispositivo na realidade não modifica a situação atual do substituído processual, porque, ao dispensar sua intimação, ao menos para ter ciência da existência do processo, dá a entender que esse terceiro estará `sujeito à coisa julgada material independentemente de ter tido ciência da existência do processo. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 852/853. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

segunda-feira, 23 de abril de 2018

CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 505 – Não Fazem Coisa Julgada – Vargas, Paulo S. R.



CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 505 – Não Fazem Coisa JulgadaVargas, Paulo S. R.

PARTE ESPECIAL- LIVRO I – DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TÍTULO I – DO PROCEDIMENTO COMUM CAPÍTULO XIII  – DA SENTENÇA E DA COISA JULGADA – Seção V – Da Coisa Julgada - vargasdigitador.blogspot.com

Art 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo:

I – se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;

II – nos demais casos prescritos em lei.

Correspondência no CPC/1973, art 471, repetindo a mesma redação:

1.    LIMITES TEMPORAIS DA COISA JULGADA MATERIAL

O art 505, caput, do CPC, consagra a regra do sistema processual: já tendo o juiz decidido a causa, ela não poderá ser decidida novamente, nem por ele mesmo nem por outro juiz. A norma vem a corroborar os efeitos negativos e positivos da coisa julgada material. Os incisos do dispositivo legal, entretanto, preveem, ao menos aparentemente, exceções à regra consagrada no caput do dispositivo. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 844. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

2.    EFEITO NEGATIVO DA COISA JULGADA

A imutabilidade gerada pela coisa julgada material impede que a mesma causa seja novamente enfrentada judicialmente em novo processo. Por mesma causa, entende-se a repetição da mesma demanda, ou seja, um novo processo com as mesmas partes (ainda que em polos invertidos), mesma causa de pedir (próxima e remota) e mesmo pedido (imediato e mediato) de um processo anterior já decidido por sentença de mérito transitada em julgado, tendo sido gerada coisa julgada material. O julgamento no mérito desse segundo processo seria um atentado à economia processual, bem como fonte de perito a harmonização dos julgados. Na realidade, mesmo que a segunda decisão seja no mesmo sentido da primeira, nada justifica que a demanda prossiga, sendo o efeito negativo da coisa julgada o impedimento de novo julgamento de mérito, independentemente do seu teor.

          Importante salientar que nessa análise entre diferentes processos, deve-se considerar a parte no sentido material, e não no sentido processual, de forma que, havendo substituição processual em hipótese de legitimação extraordinária concorrente, a propositura de novo processo com a mesma parte contrária, mesma causa de pedir e mesmo pedido, ainda que com outra parte processual defendendo o mesmo direito, já defendido anteriormente não afasta o efeito negativo da coisa julgada. No caso de ações civis públicas movidas pelo Ministério Público e por uma associação, contra o mesmo réu, com uma mesma causa de pedir e em mesmo pedido, serão consideradas dois processos com a mesma ação.

          Havendo a modificação de qualquer um desses elementos da demanda, ainda que parcialmente (p. ex., novos fatos jurídicos com a manutenção da mesma fundamentação jurídica), afasta-se qualquer impedimento ao novo julgamento, considerando-se tratar de nova demanda, ainda que consideravelmente parecida com aquela que já foi julgada e cuja decisão está protegida pela coisa julgada material.

          Esse impedimento de novo julgamento exige que a causa seja exatamente a mesma, sendo entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência que a função negativa só é gerada quando aplicável, ao caso concreto, a teoria da tríplice identidade (tria eadem) (STJ, 5ª Turma, AgRg no REsp 680.956/RJ, rel. Min. Laurita Vaz, j. 28.10.2008, DJe 17.11.2008; REsp 730.696/RS, 1ª Turma, rel. Min. Luiz Fux, j. 24/10/2006, DJ 01.02.2007). tratando-se de matéria de ordem pública, o juiz deve de ofício extinguir o processo posterior sem a resolução do mérito, em respeito à coisa julgada já formada, nos termos do art 485, V, do CPC analisado. Como nem sempre é possível ao juiz conhecer a existência do primeiro processo e a consequente coisa julgada material, caberá ao réu a alegação em matéria preliminar de contestação, ainda que tal matéria não sofra preclusão, podendo ser alegada a qualquer momento do processo.

          A repetição de uma mesma demanda em novo processo só pode ser derivada de extrema má-fé da parte ou de ignorância de seu patrono, que pode desconhecer a existência do primeiro processo por não ter sido informado por seu cliente da existência de processo anteriormente julgado. Seja como for, o réu terá todo o interesse em informar o juízo sobre a existência da coisa julgada (para evitar uma nova derrota ou para evitar que uma vitória se torne derrota), o que levará o segundo processo à extinção sem resolução do mérito (art 485, V, do CPC).

          Interessante questão se coloca na hipótese de não ser reconhecida a coisa julgada material, tendo trâmite regular o segundo processo, também com sentença de mérito transitada em julgado. Como se pode facilmente notar, haverá, nessa hipótese, a rara situação de conflito de coisas julgadas materiais, devendo-se determinar qual delas prevalecerá. Para parcela doutrinária, a coisa julgada não pode ser afastada, salvo nas exceções previstas pela ação rescisória (art 966 do CPC), tratando-se de elemento essencial ao nosso estado democrático de direito. Nesse entendimento, a segunda coisa julgada é juridicamente inexistente, devendo sempre prevalecer a primeira.

          Outra parcela doutrinária entende que durante o prazo de ação rescisória da segunda prevalece a primeira coisa julgada, mas, decorrido esse prazo e obtida em ambas a chamada “coisa julgada soberana”, passa a prevalecer a segunda (posterior substitui anterior). Essa corrente doutrinária – que é a mais acertada – lembra que o art 966, IV, do CPC prevê a ação rescisória contra a decisão que afronta a coisa julgada material, o que demonstra de forma inequívoca que a segunda coisa julgada existe juridicamente (não se concebe a desconstituição de decisão inexistente), embora seja viciada (STJ, 1ª Seção, AR 3.130, rel. Min. Luiz Fux, rel. p/acórdão Teori Albino Zavascki, j. 26.11.2008, DJ 15.12.2008). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 844/845. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

3.    FUNÇÃO POSITIVA DA COISA JULGADA

Conforme já afirmado, somente a má-fé ou ignorância leva a parte a ingressar om processo repetindo ação já protegida pela coisa julgada material, sendo rara essa ocorrência na praxe forense. Mas a imutabilidade da coisa julgada não se exaure em sua função negativa, compreendendo também uma função positiva, que diferentemente da primeira não impede o juiz de julgar o mérito da segunda demanda, apenas o vincula ao que já foi decidido em demanda anterior, com decisão protegida pela coisa julgada material (Informativo 426/STJ: 4ª Turma, REsp 593.154/MG, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 09.03.2010, DJ 01.02.2011).

          Como se nota com facilidade, a geração da função positiva da coisa julgada não ocorre na repetição de demandas em diferentes processos – campo para a aplicação da função negativa da coisa julgada -, mas em demandas diferentes, nas quais, entretanto, existe uma mesma relação jurídica que já foi decidida no primeiro processo e em razão disso está protegida pela coisa julgada. Em vez da teoria da tríplice identidade, aplica-se a teoria da identidade da relação jurídica.

          Na função positiva da coisa julgada, portanto, inexiste obstáculo ao julgamento de mérito do segundo processo, mas nesse julgamento o juiz estará vinculado obrigatoriamente em sua fundamentação ao já resolvido em processo anterior e protegido pela coisa julgada material. Reconhecida como existente uma relação jurídica (por exemplo, paternidade) e sendo tal reconhecimento imutável em razão da coisa julgada, surgindo discussão incidental a respeito dessa relação jurídica em outra demanda (por exemplo, pedido de alimentos), o juiz estará obrigado a também reconhecê-la como existente, em respeito à coisa julgada (STJ, 1ª Seção, AR 3.130, rel. Min. Luiz Fux, rel. p/acórdão Teori Albino Zavascki, j. 26/11/2008, DJ 15.12.2008).

          Quanto à função positiva da coisa julgada, é importante lembrar: toda sentença tem um elemento declaratório, que ficará protegido pela coisa julgada material. Mesmo num pedido constitutivo ou condenatório, o juiz antes de condenar, modificar, extinguir ou criar uma relação jurídica, declara que o autor tem o direito material àquela condenação ou constituição. Também aqui é importante a função positiva da coisa julgada, a impedir que, em nova demanda, a parte derrotada modifique os elementos da demanda anterior para escapar dos rigores do efeito negativo da coisa julgada, buscando discutir novamente o elemento declaratório da sentença já transitada em julgado. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 845/846. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

4.    COISA JULGADA EM RELAÇÃO JURÍDICA DE TRATO CONTINUADO

O art 505, I, do CPC, prevê a possibilidade de pedido de revisão do instituído na sentença na hipótese de modificação superveniente no estado de fato ou de direito, sempre que a sentença resolver relação jurídica continuativa. Dessa forma, legitima-se a modificação do conteúdo de sentenças tais como as que decidem as demandas de alimentos ou revisionais de aluguel, mesmo que ocorrido seu trânsito em julgado. É indiscutível que essa espécie de sentença, como qualquer outra, transita em julgado, produzindo coisa julgada formal, sendo absolutamente equivocado o art 15 da Lei 5.478/1968 a prever que a sentença proferida no processo de alimentos não transita em julgado. Esgotadas as vias recursais contra a decisão, é indiscutível a ocorrência do trânsito em julgado.

          Sendo indiscutível a existência de coisa julgada formal, e considerando-se ser de mérito tais sentenças, a pergunta que encontra diferentes respostas na doutrina é a respeito da existência de coisa julgada material. O questionamento fundamenta-se na possibilidade de revisão da decisão a qualquer momento, ainda que sob condição; será tal circunstância compatível com a imutabilidade e indiscutibilidade prometida pela coisa julgada material?

          Para parcela minoritária da doutrina, a possibilidade de revisão da decisão, ainda que limitada à ocorrência de modificações supervenientes de fato ou de direito, é incompatível com a segurança jurídica advinda da coisa julgada material, de forma que o art 505, I, do CPC afasta a coisa julgada material das sentenças que resolvem relação jurídica continuativa. Outra parcela doutrinária defende a existência de uma coisa julgada material especial, gerada por uma sentença de mérito que contém implicitamente a cláusula reduz sic stantibus, ou seja, a imutabilidade da decisão estaria condicionada à manutenção da situação de fato e de direito (Informativo 400/STJ: 4ª Turma, REsp 594.238/RJ, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 04.08.2009, DJ 17.08.2009).

          Nenhuma das posições doutrinárias examinadas é correta, sendo preferível uma terceira corrente, atualmente majoritária, que defende a existência de coisa julgada material nas sentenças que resolvem relação jurídica continuativa coo em qualquer outra sentença de mérito. Essa corrente doutrinária aponta que a decisão é imutável e indiscutível, e a possibilidade de sua revisão, condicionada à modificação do estado de fato ou de direito, é permitida tao somente em razão da modificação da causa de pedir, de forma a afastar a tríplice identidade, indispensável para a aplicação da função negativa da coisa julgada material. Assim, a sentença de alimentos ou da ação revisional de aluguel só pode ser modificada quando existir uma nova causa de pedir (novos fatos ou novo direito) que legitime tal modificação. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 846. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

5.    DEMAIS CASOS

Mesmo que a relação jurídica de direito material não seja contemplada pelo inciso I do art 505 do CPC, existem outras formas de exceção à regra prevista no caput do dispositivo legal: (a) ação rescisória, prevista nos arts 966 e seguintes do Livro analisado do CPC; (b) querela nullitatis, prevista nos arts 525, § 1º, I e 535, I, ambos do mesmo Livro do CPC comentado, e plicável a outras hipóteses de vício transrescisórios; (c) a relativização da coisa julgada inconstitucional prevista no art 525, § 12º e art 535, § 5º, do atual CPC. Ainda que não esteja consagrada em lei, vem se admitindo, de forma excepcional, a chamada relativização da coisa julgada injusta inconstitucional, o que também será uma exceção à regra consagrada no art 505, caput, do CPC, (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 847. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

6.    COISA JULGADA INJUSTA INCONSTITUCIONAL

Essa forma de relativização, diferentemente da anteriormente analisada, não tem uma expressa previsão legal, sendo criação doutrinaria e jurisprudencial, ainda que já se tenha sugerido que, ao menos em termos procedimentais, seja possível a aplicação subsidiária dos arts 525, § 12 e art 535, § 5º, ambos deste CPC. Também encontra adeptos e críticos ardorosos, existindo espaço até mesmo para uma corrente intermediária, que aceita a proposta de relativização desde que com tratamento legislativo específico, única forma de evitar abusos desmedidos e injustificáveis.

          Fundamentalmente, trata-se da possibilidade de sentença de mérito transitada em julgado causar uma extrema injustiça, com ofensa clara e direta a preceitos e valores constitucionais fundamentais. Reconhecendo ser a coisa julgada material instituto processual, responsável pela tutela da segurança jurídica, sendo esse também um importante direito fundamental previsto na Constituição Federal, a doutrina que defende a sua relativização entende que a coisa julgada não pode ser um valor absoluto, que a priori e em qualquer situação se mostre mais importante do que outros valores constitucionais. A proposta é que se realize, no caso concreto, uma ponderação entre a manutenção da segurança jurídica e a manutenção da ofensa a direito fundamental garantido pela Constituição Federal. Nesse juízo de proporcionalidade entre valores constitucionais, seria legítimo o afastamento da coisa julgada quando se mostrar, no caso concreto, mais benéfico à proteção do valor constitucional afrontado pela sentença protegida pela coisa julgada material.

          Naturalmente, o mero erro na decisão transitada em julgado não dá ensejo à relativização da coisa julgada, porque nesse caso, a segurança jurídica se sobrepõe à justiça da decisão (Informativo 556/STJ, 4ª Turma, REsp 1.163.649-SP, Rel Min. Marco Buzzi, julgado em 16/09/2014, DJe 27/02/2015).

          Como já observado pela melhor doutrina, a corrente que defende essa relativização se divide em dois grupos, que apesar de fundamentos diferentes sempre chegam à mesma conclusão: (a) os que defendem a inexistência da coisa julgada material em determinadas hipóteses de extrema injustiça inconstitucional da sentença, de forma que o afastamento da decisão nem mesmo poderia ser tratado como uma espécie de relativização; (b) os que concordam que mesmo diante dessa extrema injustiça existe coisa julgada material, mas que o seu afastamento é necessário e justificável em razão da proteção de outros valores constitucionais. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 847. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

          Entre os defensores da inexistência de coisa julgada nessas circunstâncias, é interessante notar que existem doutrinadores que situam o vício gerado pela sentença extremamente injusta no plano da eficácia da validade e da existência jurídica. A conclusão é sempre a mesma, qual seja a de que não havendo a coisa julgada no caso concreto não se trata propriamente de relativizá-la, mas somente de declarar sua ineficácia, nulidade ou inexistência, sempre com o objetivo de impedir a execução da decisão.

          Cândido Rangel Dinamarco situa o vício no plano da eficácia, afirmando que determinadas sentenças padecem de vícios tao extremos que impedem a geração de seus efeitos, em especial o efeito executivo (sanção executiva). Vale-se de criação de Pontes de Miranda, no tocante às impossibilidades cognoscitiva, lógica e jurídica, interessando ao presente estudo a impossibilidade jurídica de a sentença gerar efeitos.

          Seriam assim sentenças juridicamente impossíveis de gerar efeitos aquelas que contrariam valores jurídicos essenciais ao sistema, tais como as que representarem: (a) afronta à razoabilidade e proporcionalidade; (b) ofensa à moralidade administrativa (absurda lesão ao Estado); (c) afronta ao valor justo da indenização por desapropriação (STJ, 1ª Turma, REsp 765.566/RN, rel. Min. Luiz Fux, j. 19.04.2007, DJ 31.05.2007); (d) afronta aos direitos fundamentais do homem; (e) afronta ao meio ambiente equilibrado.

          Considerando que a coisa julgada é a qualidade da sentença que torna os efeitos imutáveis e indiscutíveis, entende o processualista paulista que a incapacidade dessas sentenças de produzirem efeitos é suficiente para não existir coisa julgada nesses casos. Não havendo qualquer efeito para ser protegido pela coisa julgada material, o fenômeno processual simplesmente não existiria, visto que não é possível uma qualidade sem objeto, ou um manto protetor sem nada a ser protegido no caso concreto (STJ, 1ª Turma, REsp 622.405/SP, rel. Min. Denise Arruda, j. 14.08.2007, DJ 20.09.2007).

          Humberto Theodoro Jr. E Juliana Cordeiro de Faria situam o vício causado pela extrema injustiça inconstitucional no plano da validade, afirmando que a sentença que padece de tal vício é nula,não se sujeitando a prazos prescricionais ou decadenciais. aparentemente tratar-se-ia de nulidade absoluta de tamanha gravidade que não poderia se considerar a sentença imutável e indiscutível, o que criaria uma mera aparência de coisa julgada. Seria hipótese semelhante ao vício ou à inexistência de citação, que apesar de gerar uma nulidade absoluta, reveste-se de tamanha gravidade que não se convalida nem mesmo após o vencimento do prazo da ação rescisória (vício transrescisório).

          Há decisão do Superior Tribunal de Justiça que adota esse entendimento ao afirmar que, diante de uma nulidade absoluta insanável, causadora de prejuízos ao patrimônio público, há apenas uma aparência de coisa julgada. A demanda tratava de desapropriação e, para demonstrar a absoluta incerteza quanto ao meio de se relativizar a coisa julgada, o Superior Tribunal de Justiça aceitou uma ação civil pública com tal desiderato (Informativo 425, 2ª Turma, REsp 1.015.133-MT, rel. originária Min. Eliana Calmon, rel. p/acórdão Min. Castro Meira, j. 02.03.2010, DJe 23/04/2010).

          Tereza Arruda Alvin Wambier e José Miguel Garcia Medina situam o vício ora analisado no plano da existência, afirmando que a sentença nesse caso é juridicamente inexistente, e por essa razão não se poderá falar no caso concreto de coisa julgada material. Entendem que as sentenças que Dinamarco chama de “juridicamente impossíveis”, na realidade, são inexistentes porque proferidas em processos em que falta ao autor a possibilidade jurídica do pedido. A ausência de condição da ação faz com que o autor não tenha exercido o direito de ação, e sim mero direito de petição, e não existindo direito de ação no caso concreto, não houve efetivamente processo, devendo a sentença ser considerada juridicamente inexistente.

          Entre as críticas encontradas na doutrina a respeito da tese da relativização da coisa julgada injusta inconstitucional, coloca-se em primeiro plano a função primordial para o Estado de Direito da coisa julgada. Afirma-se que a segurança jurídica advinda da coisa julgada é essencial para a estabilização das relações jurídicas, sem o que não se sobrevive em sociedade democrática. Nessa toada, fala-se também que a segurança jurídica prometida pela coisa julgada é essencial à promessa de inafastabilidade da jurisdição, porque a tutela jurisdicional passível de revisão sem prazo nem forma procedimental afasta a própria razão de ser desse princípio constitucional (Informativo 379/STJ, 1ª T. REsp 612.937-SP, rel. Francisco Falcão, j. 02.12.2008, DJ 15.12.2008).

          Não convence a essa parcela da doutrina o argumento de que o afastamento da coisa julgada material reserva-se para situações excepcionais e que a segurança jurídica não seria afetada de forma significativa, podendo ser afastada somente em casos de rara ocorrência prática. Dois pontos são afirmados para fundamentar o receio observado nessa parcela da doutrina.

          Primeiro, a constatação de que, aberta uma exceção, será incontrolável a busca pela relativização da coisa julgada, chegando até mesmo a se falar em vírus do relativismo a contaminar todo o sistema jurídico. A relativização, nesse caso, seria na realidade o fim da coisa julgada material. Outro aspecto lembrado pela doutrina é que a justiça é conceito subjetivo, sendo impossível determinar com precisão para todos e de maneira uníssona o que seja justo ou não. Dessa forma, a relativização da coisa julgada se prestaria a eternizar os conflitos, considerando-se que a alegação de extrema injustiça inconstitucional apta a afastar a primeira coisa julgada também poderia ser apresentada para afastar a coisa julgada da decisão que a afastou, e assim sucessivamente. Em busca de valor utópico e inalcançável  - justiça – manter-se-ia aberta a porta do Poder Judiciário para intermináveis discussões a respeito da mesma lide, eternizando os conflitos de interesses levados a julgamento.

          Por fim, na ausência de previsão legal, a relativização da coisa injusta inconstitucional incidentalmente em ação idêntica àquela já decidida com sentença de mérito com trânsito em julgado, ou ainda por meio de mera ação declaratória ou embargos à execução, gera grave incompatibilidade lógica. O reconhecimento do vício pelo juiz de primeiro grau poderá no caso concreto afastar decisão que transitou em julgado em grau hierárquico superior, sendo flagrantemente ofensivo às regras de competência e à hierarquia jurisdicional que um juiz de primeiro grau de jurisdição afirme que a decisão proferida por tribunal é extremamente injusta e que por isso deve ser desconstituída. Para realçar o absurdo da situação, basta imaginar uma demanda julgada em seu mérito em última instância pelo Supremo Tribunal Federal, tendo sua decisão desconstituída por juízo de primeiro grau.

          Entre os críticos da teoria da relativização da coisa julgada injusta inconstitucional, se encontram doutrinadores que percebem o descontrole com que vem sendo aplicada a tese atualmente, passando a defender uma modificação legislativa para que se determine com maior precisão os específicos casos em que seria realizada, bem como aforma procedimental mais adequada.

          Para as ações de investigação de paternidade decididas antes da existência do exame de DNA, exemplo recorrente dos defensores da relativização, há doutrina que defenda a aplicação, por meio de lei, da coisa julgada secundum probationis, já existente na tutela coletiva. Em apertada votação, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça se manifestou no sentido de que a flexibilização da coisa julgada nesse caso depende de a decisão transitada em julgado ser resultado da ausência ou insuficiência de provas, não sendo o suficiente para afastar a coisa julgada material o simples advento de nova técnica pericial, como o exame de DNA. Outra parcela defende a ampliação do significado de documento novo para a propositura da ação rescisória, com prazo decadencial de dois anos a ser contado a partir do momento em que a parte obtenha o exame de DNA. (STJ, REsp 706.987/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, rel. p/acórdão Min. Ari Pargendler, j. 14.05.2008, DJe 10.10.2008. pelo respeito à coisa julgada: Informativo 384/STJ, 4ª T. REsp 960.805-RS. Rel. Aldir Passarinho Jr., j. 17.02.2009, DJe 18.05.2009. Admitindo nova ação quando a paternidade não for expressamente afastada na primeira ação: Informativo 354, 3ª T., Resp 826.698-MS, Rel. Nancy Andrighi, j. 06.05.2008, DJ 23.05.2008.

Propostas mais genéricas apontam para a modificação do art 966 do CPC, com a inclusão de mais uma causa de cabimento da ação rescisória, justamente de sentença que ofenda norma ou valores constitucionais. Também se fala em mudança do prazo para a interposição da ação rescisória, ou ao menos do termo inicial de contagem de prazo em determinadas situações. Existe ainda proposta para que seja revisado o sistema de proteção à coisa julgada pela remodelação da ação rescisória e uma sistematização adequada da querela nullitatis.

          Registre-se que em decisão inédita o Supremo Tribunal Federal se manifestou no sentido de admitir a relativização da coisa julgada em ação de investigação de paternidade em virtude de exame de DNA não realizado na primeira demanda. O tribunal, por maioria de votos, no cotejo entre a coisa julgada e o princípio da dignidade da pessoa humana, consubstanciado no direito à informação genética, preferiu prestigiar o segundo valor envolvido (Informativos 622,629 e 631/STF: Tribunal Pleno, RE 363.889/DF, rel. Min. Dias Toffoli, j. 02.06.2011, DJe 16.12.2009. No mesmo sentido: Informativo 512/STJ: 4ª Turma, REsp 1.223.610/RS, rel. Min. Maria Isabel Galotti, j. 06.12.2012, DJe 07.03.2013). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 847/850. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).