sábado, 2 de fevereiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 186, 187, 188 Dos Atos Lícitos - VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 186, 187, 188
Dos Atos Lícitos - VARGAS, Paulo S. R.

Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 186 a 188)
Título III – Dos Atos Lícitos –
- vargasdigitador.blogspot.com

Art.186.  Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 1.

1.        Ato ilícito

Ato ilícito é o ato de vontade de um agente contrário à ordem jurídica que viola o direito subjetivo de um terceiro cansando-lhe um dano. Sempre que o agente causar um dano ilícito a alguém terá o dever de indenizar esse dano, recompondo ou reparando o patrimônio material ou imaterial do lesado na exata proporção do dano causado (CC, art 944). São elementos do ato ilícito: (a) um ato voluntário do agente, (b) um dano causado ao terceiro e (c) um nexo de causalidade entre o ato voluntário do agente e o dano sofrido pela vítima. É necessário que a ação ou a omissão do agente seja voluntária. Correndo o risco de tentar explicar o óbvio, não pratica ato ilícito quem não praticou ato algum. Assim, por exemplo, num engarrafamento, o motorista de um veículo que foi lançado ao veículo da frente ao ser atingido na traseira por outro veículo não praticou ato voluntário algum. Por essa razão, mesmo tendo atingido o veículo da frente não terá praticado nenhum ato ilícito. Como regra geral, exige o legislador que a ação ou a omissão do agente causador do dano tenha sido culposa para a caracterização do ato ilícito. Apenas excepcionalmente é que admite o legislador a existência de responsabilidade sem culpa (objetiva). Caracteriza-se a culpa do agente quando tenha ele agido com imperícia, imprudência ou negligência. Além disso, é necessário que o ato ilícito tenha causado um dano ao terceiro. Não existe responsabilidade civil sem dano. Toda a responsabilidade civil é permeada pela preocupação em indenizar os danos injustamente causados. Não havendo dano, nada haverá a ser reparado. Por fim, é necessário que exista um nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano causado. Costuma-se entender o nexo de causalidade como sendo a relação lógica de causa e efeito entre a conduta e o dano. Todavia, para evitar-se indevidamente responsabilizar terceiros que apenas circunstancialmente possam ter concorrido para o evento danoso, é necessário certo temperamento nesse conceito. É o que propõe a teoria da causalidade adequada, que apenas considera juridicamente relevante o nexo de causalidade que existe entre a ação cuja natureza ordinariamente se mostra apropriada e condizente com o tipo de dano causado. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 30.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).


Art 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. 1, 2

1.        Abuso de direito

É verdade que alguns dos princípios informativos da teoria do abuso de direito encontram suas raízes no direito romano, mas a sua transformação em doutrina autônoma deve-se exclusivamente aos esforços dos juristas do século XX, preocupados em transplantar para o direito civil o princípio da solidariedade, substituindo a liberdade como fundamento dos direitos subjetivos. (1) Inicialmente, a teoria do abuso do direito não conseguiu sensibilizar a opinião de muitos civilistas contemporâneos, que consideravam incompatível com a ideia de direito a sua utilização abusiva, dizendo que ou o ato era lícito, porque amparado por um direito, ou o ato era ilícito, pois praticado sem o suporte do direito, sendo impossível que um mesmo ato fosse, a um só tempo, lícito e ilícito. Resposta definitiva a essas críticas veio mais tarde formulada por Louis Josserand que, ao separar os conceitos de direito objetivo e de direito subjetivo, demonstrou que um ato poderia ser estar abstratamente em conformidade com seus contornos determinados pelo direito (dito objetivo), mas que, quando esse direito subjetivo fosse exercido de forma contrária aos preceitos gerais do direito, seu titular extrapolava os limites subjetivos admitidos para seu exercício. Passou-se a entender, a partir da pacificação desse embate, que os direitos subjetivos têm caráter relativo, ou seja, devem ser exercidos de acordo com os fins perseguidos pelo ordenamento jurídico. O próprio Josserand discorreu acerca do abuso de direito dizendo que “as prerrogativas, mesmo as mais individuais e as mais egoísticas, são ainda produtos sociais, seja na forma, seja no fundo: seria inconcebível que elas pudessem, ao grado de seus titulares, se livrar da marca característica original e ser empregadas para todas as necessidades, mesmo fossem elas inconciliáveis com sua filiação e com os interesses os mais urgentes, os mais certos, da comunidade que as concedeu”. (2) Não há, atualmente, dúvida acerca da ilicitude de um direito que é exercido em desacordo com a finalidade que lhe é imposta pelo direito, tendo o Código Civil de 2002 consagrado essa ilicitude em seu art 187 ao dizer que exerce abusivamente um direito aquele que “excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 30.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

(1)      Pedro Batista Martins, Abuso do direito e o ato ilícito, 3ª ed., Rio de Janeiro, forense, 1997, p. 11.
(2)      De l’espirit des droit et de leur relativitè, p. 320, apud Cláudio Luiz Bueno de Godoy, Função Social do Contrato, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 112.
2.        O exercício regular e o abuso de direito

Entre os romanos havia um princípio – Nemine laedit qui jure suo utitur (aquele que age dentro de seu direito a ninguém prejudica) – de caráter individualista e que, durante muitos anos, foi utilizado como justificador dos excessos e abusos de direito.

Entretanto, tal princípio, por se mostrar injusto em certos casos em que era evidente o animus laedendi, embora não ultrapassasse o agente os limites de seu direito subjetivo, passou a ser substituído por outros princípios universalmente aceitos: o nemine laedere e o summum jus, summa injuria, pois é norma fundamental de toda a sociedade civilizada o dever de não prejudicar a outrem.

Aguiar Dias ressalta que “o reconhecimento do erro de fato ou legítima defesa putativa, que isenta de pena o réu na esfera do direito criminal, não exclui a responsabilidade civil de reparar danos causados sem ter havido agressão do ofendido” (RF, 200/151).

“Reconhecida a legítima defesa própria pela decisão que transitou em julgado, não é possível reabrir a discussão sobre essa excludente de criminalidade, na jurisdição civil. Art 65 do CPP” (STF, STJ, 83/649) (Aguiar Dias, Da responsabilidade, 4 ed., cit., p. 526, n. 184, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 478-479 - pdf – parte geral).

A doutrina do abuso do direito não exige, para que o agente seja obrigado a indenizar o dano causado, que venha a infringir culposamente um dever preexistente. Mesmo agindo dentro do seu direito, pode, não obstante, em alguns casos, ser responsabilizado.

Prevalece na doutrina, hoje, o entendimento de que o abuso de direito prescinde da ideia de culpa. O abuso de direito ocorre quando o agente, atuando dentro dos limites da lei, deixa de considerar a finalidade social de seu direito subjetivo e o exorbita, ao exercê-lo, causando prejuízo a outrem. Embora não haja, em geral, violação aos limites objetos da lei, o agente desvia-se dos fins sociais a que esta se destina.

O Código civil de 1916, admitiu a ideia do abuso de direito no art 160, I, embora não o tenha feito de forma expressa. Sustentava-se a existência da teoria em nosso direito positivo, mediante interpretação a contrario sensu do aludido dispositivo. Se ali estava escrito não constituir ato ilícito o praticado no exercício regular de um direito reconhecido, era intuitivo que constituía ato ilícito aquele praticado no exercício irregular de um direito.

Era dessa forma que se encontrava fundamento legal para coibir o exercício anormal do direito em muitas hipóteses. Uma das mais comuns enfrentadas por nossos tribunais era a reiterada purgação da mora pelo inquilino, que passou a ser considerada abusiva pela jurisprudência, até ser limitada pela própria Lei do Inquilinato.

O Código civil de 2002 expressamente considera ato ilícito o abuso de direito, aos dispor, no art 187: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Também serve de fundamento para a aplicação, entre nós, da referida teoria, o art 5º da lei de Introdução ao Código Civil, que determina ao juiz, na aplicação da lei, o atendimento aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. É que a ilicitude do ato abusivo se caracteriza sempre que o titular do direito se desvia da finalidade social para a qual o direito subjetivo foi concedido.

Observa-se que a jurisprudência, em regra, e já há muito tempo, considera como abuso de direito o ato que constitui o exercício egoístico, anormal do direito, sem motivos legítimos, nocivos a outrem, contrários ao destino econômico e social do direito em geral.

Vários dispositivos legais demonstram que no direito brasileiro há uma reação contra o exercício irregular de direitos subjetivos. O art 1.277 do Código Civil, inserido no capítulo “Dos direitos de vizinhança”, permite que se reprima o exercício abusivo do direito de propriedade que perturbe o sossego, a segurança ou a saúde do vizinho. Constantes são os conflitos relativos a perturbação do sossego alegada contra clubes de dança, boates, oficinas mecânicas, terreiros de umbandismo etc.

Podem ser mencionados, ainda, como exemplos, os arts 939 e 940 do Código civil, que estabelecem sanções ao credor que, abusivamente demanda o devedor antes do vencimento da dívida ou por dívida já paga. E os arts 1.637 e 1.638 igualmente preveem sanções contra abusos no exercício do poder familiar, como a suspensão e a perda desse direito.

O Código de Processo civil também reprime o abuso de direito, nos arts 14 a 18, referência CPC/1973, com correspondência no CPC/2015, artigos 77 a 88, e ainda no processo de execução (arts 574 e 598).

Observa-se que o instituto do abuso de direito tem aplicação em quase todos os campos do direito, como instrumento destinado a reprimir o exercício antissocial dos direitos subjetivos. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 506-507 - pdf – parte geral).

Art.188. Não constituem atos ilícitos: 1

I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;

II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.

Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

1.        Excludentes de ilicitude

Nem todo ato lesivo será também um ato ilícito. Como regra geral, todo ato danoso acaba sendo também um ato ilícito na medida em que acarreta a violação a um direito subjetivo (de propriedade, de integridade física ou moral, por exemplo). Contudo, em alguns casos excepcionais, seja porque o dano é inevitável, seja porque é legítimo, o legislador retira a ilicitude desse evento danoso. São os chamados atos lícitos lesivos. Em tais casos, mesmo tendo sido causado um dano a alguém, não surgirá para o agente causador o dever de indenizar. É o que ocorre com os atos praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido (inciso I). Quem inscreve o nome do devedor nos serviços de proteção   ao crédito causa-lhe um inegável dano moral. Tal ato lesivo, contudo, será lícito se a inscrição estiver respaldada na existência de um débito reconhecido, situação em que assumirá os contornos de exercício regular de um direito do credor. Por outro lado, quem age moderadamente para afastar uma agressão injusta e iminente também não pratica ilícito algum. Como regra, toda ameaça a um direito deve ser levada ao Poder Judiciário, sendo ilícita a justiça de mão própria. Alguns casos urgentes, contudo, tornam essa iniciativa inviável, permitindo que a própria vítima use os meios necessários para repelir a agressão, agindo em legítima defesa. O mesmo ocorre com a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente (inciso II). Quem arromba um prédio para salvar uma pessoa em seu interior, ou quem fere ou mesmo mata um animal que estava atacando uma pessoa não comete ilícito algum, não tendo, pois, nenhum dever de indenizar. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 30.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

De acordo com a redação de Roberto Gonçalves, o título referente aos atos ilícitos, no Código Civil, contém apenas três artigos: o 186, o 187 e o 188. Mas a verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelos arts 924 a 943 (“Da obrigação de indenizar”) e 944 a 954 (“Da indenização”).

Conceito. Ato ilícito é o praticado com infração ao dever legal de não lesar a outrem. Tal dever é imposto a todos no art 186, que prescreve: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Também o comete aquele que pratica abuso de direito, ou seja, “o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” art 187). Em consequência, o autor do dano fica obrigado a repará-lo (art 927).

Ato ilícito é, portanto, fonte de obrigação: a de indenizar ou ressarcir o prejuízo causado. É praticado com infração a um dever de conduta, por meio de ações ou omissões culposas ou dolosas do agente, das quais resulta dano para outrem.

O Código Civil de 2002 aperfeiçoou o conceito de ato ilícito, ao dizer que o pratica quem “violar direito e causar dano a outrem” (art 186), substituindo o “ou” (“violar direito ou causar dano a outrem”), que constava do art 159 do diploma anterior (CC, 1916). Com efeito, o elemento subjetivo da culpa é o dever violado. A responsabilidade é uma reação provocada pela infração a um dever preexistente. No entanto, ainda mesmo que haja violação de um dever jurídico e que tenha havido culpa, e até mesmo dolo, por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, uma vez que não se tenha verificado prejuízo.

Se, por exemplo, o motorista comete várias infrações de trânsito, mas não atropela nenhuma pessoa nem colide com outro veículo, nenhuma indenização será devida, malgrado a ilicitude de sua conduta. A obrigação de indenizar decorre, pois, da existência da violação de direito e do dano, concomitantemente.

Pondera Sérgio Cavalieri Filho que o ato ilícito, tal como o lícito, é também uma manifestação de vontade, uma conduta humana voluntária, só que contraria à ordem jurídica. Observa que, todavia, enquanto os atos jurídicos podem se restringir a meras declarações de vontade, como, por exemplo, prometer fazer ou contratar etc., o ato ilícito é sempre uma condução voluntária. Se é ato, nunca o ato ilícito consistirá num simples declaração de vontade. Importa dizer que ninguém pratica ato ilícito simplesmente porque promete a outrem causar-lhe um prejuízo.

E prossegue o mencionado autor: “Em apertada síntese, ato ilícito é ato voluntário e consciente do ser humano que transgride um dever jurídico. Ato praticado sem consciência do que se está fazendo não pode constituir ato ilícito”. (Programa de responsabilidade civil, p. 23, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 493 - pdf – parte geral).

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 185 Dos Atos Jurídicos Lícitos VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 185
Dos Atos Jurídicos Lícitos
VARGAS, Paulo S. R. 

Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 232)
Título II – Dos Atos Jurídicos Lícitos –
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Art 185. Aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, aplicam-se, no que couber, as disposições do Título anterior. 1

1.        Atos jurídicos lícitos

O Código Civil acolheu a classificação dos atos jurídicos em atos jurídicos em sentido estrito e em negócios jurídicos. Enquanto que nos negócios jurídicos o sujeito pratica o ato querendo a produção de determinados efeitos jurídicos, os atos jurídicos em sentido estrito são praticados pelo sujeito com indiferença quanto ás suas consequências jurídicas. Tanto os atos jurídicos em sentido estrito quanto os negócios jurídicos são, portanto, espécies do gênero atos jurídicos lícitos. Apesar das inegáveis particularidades que os distinguem, não há dúvidas de sua semelhante natureza. Ambos são atos de vontade, merecendo, pois, a mesma disciplina jurídica no que se refere a esses pontos comuns. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 30.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Moreira Alves, discorrendo sobre o aludido dispositivo, que constitui inovação, observa que não se pode negar a existência de atos jurídicos a que os preceitos que regulam a vontade negocial não têm inteira aplicação.

Atento a essa circunstância, aduz: “O Projeto de Código Civil brasileiro, no Livro III de sua Parte Geral, substituiu a expressão genérica ato jurídico, que se encontra no Código em vigor (refere-se ao Código de 1916), pela designação específica negócio jurídico, pois é a este, e não necessariamente àquele, que se aplicam todos os preceitos ali constante. E, no tocante aos atos jurídicos lícitos que não são negócios jurídicos, abriu-lhes um título, com artigo único, em que se determina que se lhes apliquem, no que couber, as disposições disciplinadoras de negócio jurídico. Seguiu-se, nesse terreno, a orientação adotada, a propósito, no art 195º do Código Civil português de 1967”. (A Parte Geral do Projeto de Código Civil brasileiro, p. 97-98 apud Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 489 - pdf – parte geral).

No diapasão de Roberto Gonçalves, entendemos os atos jurídicos em geral como ações humanas lícitas ou ilícitas. Lícitos são os atos humanos a que a lei defere os efeitos almejados pelo agente. Praticados em conformidade com o ordenamento jurídico, produzem efeitos jurídicos voluntários, queridos pelo agente. Os ilícitos, por serem praticados em desacordo com o prescrito no ordenamento jurídico, embora repercutam na esfera do direito, produzem efeitos jurídicos involuntários, mas impostos por esse ordenamento. Em vez de direitos, criam deveres. Hoje se admite que os atos ilícitos integram a categoria dos atos jurídicos, pelos efeitos que produzem (geram a obrigação de reparar o prejuízo – CC, arts 186, 187 e 927). (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 490 - pdf – parte geral).

Ainda na linha de raciocínio de Roberto Gonçalves, os atos jurídicos lícitos dividem-se em: ato jurídico em sentido estrito, negócio jurídico e ato-fato jurídico. Como as ações humanas que produzem efeitos jurídicos demandam disciplina diversa, conforme a lei lhes atribua consequências, com base no maior ou menor relevo que confira à vontade de quem as pratica, o Código Civil de 2002 adotou a técnica moderna de distinguir, de um lado, o negócio jurídico, que exige vontade qualificada (contrato de compra e venda, p. ex.), e, de outro, os demais atos jurídicos lícitos (v. Livro III, Título I, Capítulo IV, n. 24, retro): o ato jurídico em sentido estrito ocupação decorrente da pesca, p. ex., em que basta a simples intenção de tornar-se proprietário da res nullius, que é o peixe) e o ato-fato jurídico (encontro de tesouro, que demanda apenas o ato material de achar, independentemente da vontade ou consciência do inventor). Aos dois últimos manda o Código aplicar, apenas no que couber (não se pode falar em fraude contra credores em matéria de ocupação, p. ex.), os princípios disciplinadores do negócio jurídico. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 490-491 - pdf – parte geral).

Esclarecimento: Foi apresentada na Câmara dos Deputados, emenda supressiva do atual art 185 do Código de 2002, a de n. 237, sob a alegação de que, além de não ter sentido prático na contextura do Código Civil - a distinção entre negócios jurídicos e atos jurídicos em sentido estrito é controvertida na doutrina, razão por que o artigo seria dispensável. Na doutrina, José Paulo Cavalcanti, em candente crítica, disse, entre outras coisas, que “cumpria ao Projeto estabelecer a disciplina da figura supostamente autônoma, o que não fez” (Sobre o Projeto do Código Civil: Exposição ao Instituto dos Advogados Brasileiros, Recife, 1978, p. 32, s.). A esses argumentos, respondeu a Comissão Revisora: “Disciplinando-se uma das espécies de ato jurídico, ou seja, o negócio jurídico (que é a mais importante delas), é necessário dizer que, no que couber, essas regras se aplicam às demais espécies de atos jurídicos que não sejam negócios jurídicos. Como, pois, dizer-se que a regra não tem sentido prático? E o fato de ser controvertida – como acentua a justificativa – a distinção entre negócio jurídico e ato jurídico em sentido estrito só é verdadeiro na medida em que uns raros autores atacam a distinção, que hoje domina francamente, e já foi acolhida pelo novíssimo Código Civil português. Se a renitência de uns poucos for empecilho para que a ciência avance, esta jamais progredirá. Ocupação é ato jurídico; contra é ato jurídico – haverá quem pretenda que ambos se disciplinem exatamente pelos mesmos princípios? É Cabível, por exemplo, falar-se em fraude contra credores em matéria de ocupação? Um menor de 16 anos que pesca, não se torna dono do peixe? Ou alguém pretenderá que o ato de apoderamento é nulo, como seria o contrato celebrado por esse menor? Que a distinção entre os atos jurídicos existe, não há dúvida de que existe, embora nem sempre seja fácil classificar um determinado ato nesta ou naquela categoria. Mas, ninguém nega a diferença entre direito real e direito pessoal, embora haja entre eles uma zona cinzenta” (José Carlos Moreira Alves, A parte geral, cit., pp. 149-150, apud, Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 489-490 - pdf – parte geral).

quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 181, 182, 183, 184 - Da Anulabilidade do Negócio Jurídico, VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 181, 182, 183, 184 -
Da Anulabilidade do Negócio Jurídico,
VARGAS, Paulo S. R.

Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio Jurídico – Capítulo V –
Da Invalidade do Negócio Jurídico
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Art 181. Ninguém pode reclamar o que, por uma obrigação anulada, pagou a um incapaz, se não provar que reverteu em proveito dele a importância paga. 1

1.        Irrepetibilidade das quantias pagas aos incapazes

Como forma de proteger os incapazes do oportunismo daqueles que queiram tirar alguma vantagem realizando negócios jurídicos com essas pessoas presumidamente inexperientes, estipulou o legislador que ninguém pode reclamar o que, por uma obrigação anulada, pagou a um incapaz. Afasta-se, com isso, a regra expressa segundo a qual a anulação dos negócios jurídicos deve levar as partes ao status quo ante (CC, art 182), como forma de desencorajar esse tipo de iniciativa. Contudo, diante da regra que veda o enriquecimento sem causa, provando-se que a quantia paga reverteu em proveito do menor, poderá a outra parte reaver o que pagou em caso de anulação do negócio jurídico celebrado. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 29.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Segundo o entendimento de Roberto Gonçalves, o Código abre exceção em favor dos incapazes, ao dispor que “ninguém pode reclamar o que, por uma obrigação anulada, pagou a um incapaz, se não provar que reverteu em proveito dele a importância paga” (art 181). As obrigações contraídas com absolutamente incapazes são nulas; e anuláveis, se a incapacidade for relativa. Cabe ao incapaz, protegido pela lei, e não a quem com ele contratou, o direito de pedir a anulação do negócio.

Os efeitos por este produzidos ficam vedados a partir da anulação. Provado, porém, que o pagamento nulo reverteu em proveito do incapaz, determina-se a restituição, porque ninguém pode locupletar-se à custa alheia. Sem tal prova, mantém-se inalterada a situação. O ônus da prova incumbe a quem pagou. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – pp. 478-479 - pdf – parte geral).

Art 182. Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente. 1, 2

1.        Retorno ao status quo ante

Diferentemente do que defende parte da doutrina, ainda que com certo respaldo da jurisprudência, anulado um negócio jurídico, devem as partes retornar ao estado em que se encontravam antes dele. Ou seja, tanto a anulação do negócio jurídico quanto à declaração de sua nulidade tem a mesma eficácia retroativa (ex tunc). O artigo 182 do Código Civil é expresso quanto a isso. Deve-se, portanto, entender que a anulabilidade referida pelo presente artigo é empregada em seu sentido genérico, compreendendo tanto a nulidade quanto a anulabilidade.

2.        Impossibilidade de retorno ao status quo ante

Nem sempre, contudo, será possível devolver às partes ao estado em que se encontravam antes da realização do negócio jurídico. Basta imaginar num negócio jurídico anulado cujo objeto fosse a transferência de um bem infungível que veio a ser destruído. É evidente que em tais casos mostra-se absolutamente impossível restituir as partes ao estado em que se encontravam antes do negócio jurídico. Em tal caso, a única solução será a conversão dessa obrigação de retorno ao estado anterior em indenização equivalente. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 29.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

No mesmo entendimento Roberto Gonçalves: Tratando dos efeitos da invalidação do negócio jurídico, dispõe o art 182 do Código Civil que, “anulado o negócio jurídico” (havendo nulidade ou anulabilidade), “restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se acharem, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas, com o equivalente”. A parte final aplica-se às hipóteses e que a coisa não mais existe ou foi alienada a terceiro de boa-fé. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 478 - pdf – parte geral).

Art 183. A invalidade do instrumento não induz a do negócio jurídico sempre que este puder provar-se por outro meio. 1

1.        Invalidade do instrumento

Não se pode confundir o negócio jurídico com o instrumento que o materializa. Negócio jurídico é a manifestação de vontade dirigida à realização de determinados efeitos jurídicos. O instrumento, por sua vez, é o meio utilizado pelo agente para externar essa vontade. Nos casos em que a lei não exige forma especial para a prática do negócio jurídico, o instrumento valerá tão somente como prova da realização do negócio. O negócio será válido e sua existência e seu conteúdo poderão ser provados por qualquer outro meio. Todavia, nos negócios jurídicos em que lei exige forma especial, o instrumento é da substância do ato e sua nulidade implicará na nulidade do negócio jurídico. Nada impede, entretanto, que diante da nulidade do negócio jurídico formal por defeito no instrumento, haja a conversão formal do negócio jurídico inválido em outro negócio válido (vide comentários ao artigo 170.) (1). (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 29.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

(1)       Conversão do negócio jurídico nulo

Por meio da conversão do negócio jurídico, permite-se que seja atribuída uma nova qualificação jurídica válida ao suporte fático existente, em substituição à qualificação jurídica nula. Não se trata de convalidar o negócio jurídico nulo. O que há é a mera substituição do negócio jurídico nulo por outro válido. Para que isso possa ocorrer, entretanto, é necessário que (a) o negócio jurídico nulo contenha todos os requisitos de outro, (b) que esses requisitos sejam todos válidos, de modo a permitir a formação de outro negócio jurídico, válido em sua inteireza e que (c) se possa supor que, no momento da celebração do negócio jurídico nulo, as partes teriam querido celebra o negócio jurídico em que se pretende converter o negócio nulo se houvessem previsto a nulidade. Como se pode antever, a maior dificuldade será a de caracterizar a presença desse terceiro requisito. Isso porque a conversão do negócio jurídico não poderá interferir na vontade das partes, levando-as a se vincular a um negócio jurídico que não iriam querer, tão somente porque é possível enquadrar o suporte fático nesse diferente negócio jurídico. É o que ocorreria, por exemplo, com uma tentativa de converter uma compra e venda em um contrato de doação diante da nulidade de uma cláusula que estipule o pagamento em moeda estrangeira. É necessário que se preserve a finalidade econômica, ou seja, os resultados úteis almejados pelas partes. Exemplo bastante feliz em que se permite aplicar a conversão dos negócios jurídicos nulos, dado por Nestor Duarte, é a da conversão do contrato de compra e venda de imóvel de valor superior a trinta salários mínimos por instrumento particular. Apesar da nulidade absoluta dessa compra e venda por inobservância da forma prescrita em lei (escritura pública – CC, arts 108 e 166, IV), é possível preservar a finalidade econômica pretendida pelas partes convertendo esse negócio jurídico em uma promessa de compra e venda de bem imóvel, para o qual o Código Civil não exige forma especial (CC, art 462). (1) (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 26.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Em suas disposições especiais, Roberto Gonçalves comenta que “A inviabilidade do instrumento não induz a do negócio jurídico sempre que este puder provar-se por outro meio” (CC, art 183). Assim, por exemplo, a nulidade da escritura de mútuo de pequeno valor não invalida o contrato, porque pode ser provado por testemunhas. Mas será diferente se a escritura pública for da substância do ato, como no contrato de mútuo com garantia hipotecária. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 478 - pdf – parte geral).

Art 184. Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal. 1, 2

1.        Nulidade parcial do negócio jurídico

O artigo 184 do Código Civil consagra a regra da conservação do negócio jurídico, que determina seja preservado o negócio jurídico sempre que possível. Ou seja, sempre que sua manutenção não contrariar a vontade das partes. Para tanto, entende-se necessário que a conservação do negócio jurídico não implique na produção de efeitos distintos daqueles perseguidos pela própria realização do negócio jurídico. É necessária, portanto, a preservação do núcleo do negócio jurídico assim entendido como sendo sua própria causa ensejadora. Para que a conservação do negócio jurídico tenha lugar, portanto, é necessário que se possa identificar no negócio jurídico partes autônomas e que a preservação dessas partes autônomas não venha a contraria o escopo negocial nuclear perseguido pelas partes ao celebra o negócio jurídico. Nesse sentido é a jurisprudência do superior Tribunal de Justiça: “Nos termos do art 184 do CC/02, a nulidade parcial do contrato não alcança a parte válida, desde que essa possa subsistir autonomamente. Haverá nulidade parcial sempre que o vício invalidante não atingir o núcleo do negócio jurídico. Ficando demonstrado que o negócio tem caráter unitário, que as partes só teriam celebrado se válido fosse em seu conjunto, sem possibilidade de divisão ou fracionamento, não se pode cogitar de redução e a invalidade é total. O princípio da conservação do negócio jurídico não deve afetar sua causa ensejadora, interferindo na vontade das partes quanto à própria existência da transação (STJ, REsp n. 981.750-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 13.04.10).

2.        Nulidade parcial do negócio jurídico no âmbito dos contratos complexos e dos contratos conexos

O princípio da conservação dos negócios jurídicos pressupõe que os contratantes teriam celebrado o contrato em análise, mesmo se ele tivesse como objeto apenas a parte que restou válida. Diante dessa exigência, parte da doutrina entende que é impossível a incidência do princípio da conservação do negócio jurídico no âmbito da conexão contratual a qual pressupõe exatamente a intenção das partes de criar um vínculo de dependência entre os diferentes contratos. Anulado, portanto, um desses contratos, restando apenas o outro, sequer haveria conexão contratual é exatamente isso o que diz Francisco Paulo de Crescenzo Marino, que afasta expressamente a incidência da regra da conservação dos negócios jurídicos às situações de conexão contratual, dizendo que “os autores que aplicam a regra da invalidade parcial à coligação contratual acabam por sustentar que, neste âmbito, parte-se sempre da “insensibilidade dos negócios”, salvo vontade contrária das partes – proposição absolutamente contraditória com a noção de coligação contratual -, ou, então, esvaziam a referida regra de seu conteúdo originário”. (1) Não é isso, contudo, o que tem prevalecido. A aplicação do princípio da conservação dos negócios jurídicos depende apenas de uma análise da forma com que a anulação de um contrato inserido num contexto de conexão irá impactar na economia global da transação. Se a anulação de um dos contratos tiver aptidão de frustrar a realização da economia global da operação econômica idealizada pela estrutura de conexão será, de fato, o caso de permitir que a resolução de um contrato leva à resolução do outro. Nos demais casos, porém, em que a anulação de um dos contratos não impedir, por si só a realização dessa operação econômica deve prevalecer a regra utile per inutile non vitiatur, mantendo-se a validade e a eficácia do contrato remanescente. Deve-se, compreender, contudo, que quando as partes decidem estruturar determinada operação econômica por meio de um contrato complexo e não por meio de dois contratos conexos, manifestam claramente sua vontade negocial de estreitar a dependência entre tais diferentes conteúdos. Inversamente, ao estruturarem seus interesses em dois ou mais contratos distintos, porém conexos, há uma evidente vontade em manter uma maior distância e autonomia entre tais disposições. Uma vez que a conservação do negócio jurídico apenas tem lugar entre tais disposições. Uma vez que a conservação do negócio jurídico apenas tem lugar nos casos em que a vontade das partes permitir inferir que elas iriam querer manter válida apenas parte do conteúdo obrigacional, tais indícios da vontade das partes (de realizar um só contrato complexo ou vários contratos conexos) não podem ser desconsiderados. Parece acertada, portanto, a parte da doutrina ver em tais circunstâncias ora um indicativo da vontade das partes em conservar parte do conjunto negocial e ora um indicativo de reconhecer a nulidade de todo o seu conjunto. Assim, estando o intérprete diante de um caso de conexão contratual, a presunção (relativa) é a de que a nulidade ou a anulabilidade de um contrato não interfere na eficácia do outro, cabendo àquele que tem interesse na resolução do conjunto contratual provar a impossibilidade de atingir o fim contratual idealizado pelas partes. Por outro lado, tratando-se de um caso de contrato complexo, a presunção (sempre relativa) é a de que a nulidade ou a anulabilidade parcial do contrato levaria à resolução de todo o conjunto, cabendo a quem tiver interesse na conservação de parte do contrato provar sua viabilidade. (2) (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 29.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

(1)      Contratos coligados no direito brasileiro, p. 191.
(2)      Negozi collegati in funzioni di scambio (su alcuni problemi del collegamento negoziale e dela forma giuridica dele operazioni econimiche di scambio), pp. 420-423

Segundo Roberto Gonçalves nos ilustra, dispõe o art 184, primeira parte, que, “respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável”. Trata-se de aplicação do princípio utile per inutile non vitiatur. Assim, por exemplo, se o testador, ao mesmo tempo em que dispôs de seus bens para depois de sua morte, aproveitou a cédula testamentária para reconhecer filho havido fora do casamento, invalidada esta por inobservância das formalidades legais, não será prejudicado o referido reconhecimento, que pode ser feito até por instrumento particular, sem formalidades (CC, art 1.609, II). A invalidade da hipoteca também, por falta de outorga uxória, impede a constituição do ônus real, mas é aproveitável como confissão de dívida.

O referido art 184 ainda prescreve, na segunda parte, que “a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal”. A regra consiste em aplicação do princípio acessorium sequitur suum principale, acolhido pelo Código Civil. Assim, a nulidade da obrigação principal acarreta a nulidade da cláusula penal e da dívida contratada acarreta a da hipoteca, Mas a nulidade da obrigação acessória não importa a da obrigação principal. (Roberto Gonçalves, Direito civil comentado, 2010 – p. 479 - pdf – parte geral).

A teoria das nulidades do negócio jurídico sofre algumas exceções, quando aplicada ao casamento. Assim, embora os negócios nulos não produzam efeitos, o casamento putativo produz alguns. Malgrado a nulidade deva ser decretada de ofício pelo juiz, a decretação de nulidade do casamento do enformo mental que não tenha o necessário discernimento, e do celebrado com infringência a impedimento, pode ser promovida mediante ação direita, por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público (CC, art 1.549).

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 178, 179, 180 - Da Anulabilidade do Negócio Jurídico, VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 178, 179, 180 -
Da Anulabilidade do Negócio Jurídico,
VARGAS, Paulo S. R.

Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio Jurídico – Capítulo V –
Da Invalidade do Negócio Jurídico
 - vargasdigitador.blogspot.com

Art 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado: 1, 2

I – no caso de coação, do dia em que ela cessar;

II – no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico;

III – no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade.

1.        Natureza do prazo

O Código Civil de 1916 não fazia distinção técnica entre prescrição e decadência, atribuindo a todos os prazos a natureza de prazos prescricionais. Assim ocorrida também com os prazos para anulação de negócios jurídicos. Dizia o artigo 178 do Código Civil de 1916 que prescrevia em quatro anos “a ação de anular ou rescindir os contratos, para a qual se não tenha estabelecido menor prazo; contado este: a) no caso de coação, do dia em que ela cessar; b) no de erro, dolo, simulação ou fraude, do dia em que se realizar o ato ou o contrato; c) quanto aos atos dos incapazes, do dia em que cessar a incapacidade”. Corrigindo esse equívoco, diante da evidente natureza constitutiva do provimento judicial que reconhece a anulação dos negócios jurídicos, o Código civil de 2002 corretamente atribuiu a tais prazos a explícita natureza de um prazo decadencial.

2.        Os prazos estabelecidos para anulação dos negócios jurídicos

Diferentemente do que ocorre com o erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo e a lesão (inciso II), que se aperfeiçoam e se caracterizam com a própria celebração do negócio jurídico, a coação (inciso I) e a incapacidade podem se alongar, perdurando por um longo período de tempo. Reconhecendo esse fato, acertadamente o artigo 178 afirmou que o prazo decadencial de quatro anos para pleitear a anulação do negócio jurídico no caso de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, conta-se do dia em que se realizou o negócio jurídico. Por outro lado, nos casos de coação ou de incapacidade, o prazo decadencial de quatro anos para pleitear a anulação do negócio jurídico conta-se a partir da data em que cessar esse estado que justificava a anulação. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 28.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Art 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato. 1

1.        Prazo geral de decadência

Nem só por vícios de consentimento que se pode anular um negócio jurídico. Diversos negócios jurídicos específicos apresentam particularidades específicas que podem justificar sua anulação. Em algumas delas o legislador previu prazos específicos (CC, art 45, parágrafo único), em outras delas foi omisso (CC, art 117). Para todas essas hipóteses em que o legislador dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, aplica-se a regra geral estipulada pelo presente artigo 179 segundo a qual esse prazo será de dois anos, a contar da data da conclusão do ato. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 28.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Art 180. O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior. 1

1.        Impossibilidade de o relativamente incapaz invocar essa condição se dolosamente a omitiu

A regra segundo a qual os negócios jurídicos realizados por relativamente incapazes são anuláveis tem por escopo proteger o menor presumivelmente mais frágil, inábil e inexperiente ao realizar um negócio jurídico com alguém. Tal regra, contudo, jamais pode ser subvertida e dolosamente utilizada por esse menor para simplesmente e convenientemente se desobrigar de uma prestação que assumiu. Trata-se de uma expressão da proibição do venire contra factum proprium como princípio geral do direito, a qual repudia que alguém defenda uma posição jurídica em contradição com um comportamento assumido anteriormente. Por essa razão, caso o menor, entre dezesseis e dezoito anos, dolosamente tenha ocultado sua idade ao realizar um negócio jurídico com alguém, não poderá ulteriormente invocar essa condição para eximir-se da obrigação assumida. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 28.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).