terça-feira, 10 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 497, 498 - Continua - Da compra e Venda - Disposições Gerais – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 497, 498 - Continua
- Da compra e Venda - Disposições Gerais –
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção I – Disposições Gerais –
vargasdigitador.blogspot.com

Art. 497. Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em hasta pública:

I – pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens confiados à sua guarda ou administração;

II – pelos servidores públicos, em geral, os bens ou direitos da pessoa jurídica a que servirem ou que estejam sob sua administração direta ou indireta;

III – pelos juízes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros serventuários ou auxiliares da justiça, os bens ou direitos sobre que se litigar em tribunal, juízo ou conselho, no lugar onde servirem, ou a que se estender a sua autoridade;

IV – pelos leiloeiros e seus prepostos, os bens de cuja venda estejam encarregados.

Parágrafo único. As proibições deste artigo estendem-se à cessão de crédito.

Na visão de Nelson Rosenvald, o artigo em exame enuncia cinco situações em que o negócio jurídico compra e venda será sancionado como nulo pela ausência de legitimação para a sua prática.

A capacidade de fato é o elemento tradicional de validade para a prática de negócios jurídicos em sentido genérico. Permite-se adquirir direitos e contrair obrigações pessoalmente, sem a necessidade de interposição de uma terceira pessoa (curador ou tutor).

Nada obstante, para a prática de determinados negócios, a capacidade de gozo é insuficiente à validade do ato, sendo necessária uma especial legitimação para que o titular possua poder de disposição sobre os interesses em jogo. Normalmente, o legislador demanda a legitimação para proibir a prática de negócios jurídicos entre determinadas pessoas, com a finalidade de proteger os próprios contratantes e terceiros.

Especificamente no contrato de compra e venda, certas pessoas são livres para praticar negócios jurídicos com qualquer um na sociedade, exceto com determinadas pessoas cujos interesses éticos ou patrimoniais podem ser conflitantes. A autonomia privada é limitada em razão de interesses funcionalizados à ordem pública.

Nas hipóteses que serão examinadas a seguir, a proibição de compra e venda abrange as aquisições em hasta pública. Apesar de a arrematação de bens em execução não ser considerada propriamente uma alienação, mas um ato de expropriação estatal, é nela que se verificariam as hipóteses mais comuns de desrespeito à necessária isenção que se demanda de todos aqueles a quem se refere o dispositivo.

O inciso I veda a aquisição por tutores, curadores, testamenteiros e administradores de bens confiados à sua guarda ou administração. Seria constrangedor que o sistema permitisse que os bens de incapazes fossem adquiridos por seus representantes, sob pena de vulneração da própria essência de tais institutos protetivos. A vedação é inferida ainda do CC. 1.749, I e 1.781. a situação se estende para todos aqueles que têm bens administrados por terceiros, mesmo capazes, pois há uma evidente colisão de interesses em qualquer forma de compra e venda do patrimônio que se propôs o representante a acautelar. Contudo, não se aplica o dispositivo a uma eventual compra e venda entre mandante e mandatário, tratando-se de representação convencional, a teor da Súmula n. 165, do Supremo Tribunal Federal.

Os incisos II e III retratam hipóteses semelhantes, quais sejam os servidores públicos de qualquer dos poderes, inclusive do Judiciário, além dos magistrados, que não poderão adquirir bens que estejam sob a sua esfera administrativa imediata. Qualquer entendimento contrário macularia a tutela da res pública e colocaria sob suspeita a necessária isenção que se exige de todos os agentes que exercem atividades públicas, em qualquer nível.

O inciso IV revela salutar inovação ao coibir a aquisição por leiloeiros e prepostos dos bens de cuja venda estejam encarregados. Essas pessoas são colaboradores da atividade judiciária, determinando a diretriz da eticidade que lhes sejam estendidas as mesmas vedações que atingem aqueles arrolados nos dois incisos anteriores.

Todas as proibições enfatizadas nos quatro incisos se estendem à cessão de crédito (parágrafo único). Não há dificuldades em compreender a correção da norma. A cessão se aproxima da compra e venda, pois o cedente transfere onerosa (venda) ou gratuitamente (doação) o seu crédito contra o cedido, tornando-se o cessionário o novo proprietário do crédito. Aqui se aplica o CC. 286, que impede a cessão quando assim o opuser a lei. Exemplificando: é impraticável a cessão de direitos hereditários pelo juiz com relação a um processo de inventário que está em tramitação na vara que preside.

Tendo em vista o nítido interesse de preservação da segurança jurídica que justifica a edição da norma, não podemos concordar com a restrição das hipóteses ao numerus clusus, com base em interpretação restritiva. Nossa interpretação é extensiva, alcançando a vedação qualquer forma de aquisição que envolva bens confiados à guarda e à administração de terceiros.

Por fim, todo o cuidado será pouco para a prevenção de condutas simulatórias que pretendam atingir vantagens econômicas por meio da prática dos aludidos negócios por pessoas interpostas oferecendo-se uma aparência que não corresponde à verdade. Não raramente surge a pessoa do testa-de-ferro para substituir na compra venda aquele que é privado da prática do referido negócio jurídico. A nulidade é a sanção para tais condutas (CC. 167, § 1º). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 562- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, as restrições legais impostas decorrem de preceitos éticos nas relações jurídicas, por razoes de ofício ou de profissão e, ainda, em face do princípio constitucional da moralidade na Administração Pública e, uma vez transgredidas, tornam o ato nulo pleno jure. Pondera, com maestria, Darcy Arruda Miranda: “A proibição se assenta em princípio de ordem moral, no sentido de resguardar a intangibilidade daquelas delicadas funções, visando, sobretudo, o interesse social. Previnem-se, com isso, possíveis abusos e tentações. É uma forma de incapacidade especial” v. § P do art. 690 do CPC/1973, com correspondência no CPC/2015, arts. 892 e 895. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 266, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Sob o enfoque de Marco Túlio de Carvalho Rocha o dispositivo enumera situações que deslegitimam pessoas que se encontram em certas situações de participarem do contrato de compra e venda na qualidade de compradoras. São situações que conferem dever de guarda ou de conservação dos bens de terceiros e que, por isso, tornaria suspeitos negócios realizados por tais pessoas em seu próprio benefício. A sanção civil para tais negócios é a de nulidade absoluta. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 10.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 498. A proibição contida no inciso III do artigo antecedente, não compreende os casos de compra e venda ou cessão entre coerdeiros, ou em pagamento de dívida, ou para garantia de bens já pertencentes a pessoas designadas no referido inciso.

Dando sequência à visão de Marco Túlio, o artigo 498 cuida do caso de juízes ou auxiliares da justiça possuírem interesses em disputa no local onde servirem ou a que se estender a sua autoridade, para excepciona-lo da proibição que os deslegitima a adquirir bens nesses locais, como previsto no inciso III do artigo anterior. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 10.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Viajando na orientação de Nelson Rosenvald, o objetivo da norma é afastar a rigidez do artigo precedente em determinadas situações em que a aquisição é realizada pelo servidor público da Justiça, mas sem nenhum conflito de interesses com o múnus que exercita.

Cuida-se de três hipóteses perfeitamente compreensíveis nas quais a atividade pública não contamina a defesa das prerrogativas privadas dos ditos servidores: a) casos em que o servidor do Judiciário ou o magistrado são herdeiros e desejam adquirir cotas dos demais herdeiros (cessão) ou bens individualizados (compra e venda); b) hipóteses em que os servidores são credores em processo de execução e pretendam adjudicar bens em hasta pública como forma de pagamento dos débitos, ou os recebem em dação em pagamento; e c) por fim, poderão remir execuções a fim de proteger bens dados em garantia real em favor de terceiros que se tornaram inadimplentes. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 563- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 10/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entendimento de Ricardo Fiuza, são apontadas exceções às restrições contidas no artigo anterior, nas hipóteses que menciona, traduzindo-se estas na inexistência de interesses antagônicos. Muito ao revés, os interesses são próprios e não se conflitam com as fundadas razoes de proibição. Os coerdeiros, como condôminos, possuem interesses mútuos, diante da propriedade comum, buscando protege-la. o credor assume o seu papel, realizando o seu crédito. As pessoas designadas no inciso III não se acham impedidas, diante da hipótese elencada, uma vez que a compra e venda ou a cessão são realizadas para garantia de bens que já lhes são pertencentes. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 266, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 10/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).



segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 496 - Continua - Da compra e Venda - Disposições Gerais – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 496 - Continua
- Da compra e Venda - Disposições Gerais –
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção I – Disposições Gerais –
vargasdigitador.blogspot.com

Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.

Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória.

Como ilustra Nelson Rosenvald, na vigência do CC/1916, a venda do ascendente ao descendente sem o consentimento dos demais descendentes implicava nulidade. O dispositivo em apreço considera que o ato é passível de invalidação, mas por uma sanção diversa: a anulabilidade.

Nulidade e anulabilidade são espécies do gênero invalidade: aquela, mais grave, atingindo norma cogente, acautelando interesses de ordem pública. Já a anulabilidade é uma sanção à lesão a interesses particulares, visados em normas dispositivas. A conveniência do legislador ditará quais são as hipóteses de nulidade e anulabilidade. No atual Código Civil, outras hipóteses até então sancionadas como nulas se tornaram meramente anuláveis, como a previsão do casamento celebrado por autoridade incompetente (art. 1.550, VI). A contrario sensu, casos de anulabilidade se converteram em hipóteses de nulidade, como a simulação (CC. 167).

Na espécie, parece-nos que andou bem o legislador. A alienação do ascendente a um descendente sem que exista o consentimento dos outros é uma situação que atende exclusivamente aos interesses patrimoniais da família, sendo excessiva a imposição da nulidade.

Em comparação ao negócio nulo, as consequências mais evidentes do novo regime de anulabilidade seriam as seguintes: a) possibilidade de ratificação do ato pelos familiares, por posterior assentimento (CC. 176); b) imposição de prazo decadencial de dois anos para o exercício do direito potestativo de desconstituição do negócio jurídico de compra e venda, a contar da data do contrato (CC. 179). Essa nova previsão legal retirou, inclusive, a eficácia da Súmula n. 494 do STF; c) impossibilidade de constatação do vício pelo juiz ou Ministério Público de ofício, havendo necessidade de ajuizamento de ação própria pelos interessados (demais descendentes e cônjuge) para a anulação do contrato (CC.168).

A outro giro, a finalidade da norma é o acautelamento das legítimas dos herdeiros necessários. Descendentes podem praticar negócios jurídicos de doação e compra e venda com ascendentes. A doação dispensa o consentimento dos demais descendentes, pois o controle de qualquer liberalidade apenas ocorrerá após a morte do doador por meio da colação (CC. 2003), restaurando-se a igualdade das legítimas dos herdeiros necessários.

Porém, pelo fato de a compra e venda não estar submetida à colação, faz-se necessária a autorização dos demais descendentes, justamente para que posam eles controlar eventuais artifícios e simulacros capazes de mascarar doações a um descendente em detrimento de outros.

Outra novidade é a necessidade de outorga do cônjuge do doador junto à dos descendentes. A explicação é singela: à medida que o cônjuge se converte em herdeiro necessário (CC. 1845), também não poderá ser privado da legítima, exceto por deserdação (CC. 1.961). como esclarece o parágrafo único, excepciona-se o regime da separação obrigatória, no qual o cônjuge jamais concorrerá com os descendentes em primeiro lugar na ordem de vocação hereditária. Ele sempre disputará a segunda colocação com os ascendentes (CC. 1.829).

Outra novidade é a necessidade de outorga do cônjuge do doador junto à dos descendentes. A explicação é singela: à meda que o cônjuge se converte em herdeiro necessário (CC 1.845), também não poderá ser privado da legítima, exceto por deserdação (CC.1961). como esclarece o parágrafo único, excepciona-se o regime da separação obrigatória, no qual o cônjuge jamais concorrerá com os descendentes em primeiro lugar na ordem de vocação hereditária. Ele sempre disputará a segunda colocação com os ascendentes (CC. 1.829).

Poder-se-ia indagar a razão pela qual não se dispensou também o consentimento do cônjuge no regime da separação convencional de bens, observando-se a fórmula do art. 1.687, que excluiu a necessidade de outorga no aludido regime de bens. Todavia, pensamos que o legislador foi coerente com o aspecto sucessório, no qual o cônjuge, no regime da separação convencional, sempre será herdeiro em primeiro lugar na ordem de vocação, ao lado dos descendentes (CC. 1.829, I).

Apesar da omissão do dispositivo, não raramente o ascendente procurará praticar uma compra e venda como outras pessoas ligadas ao descendente (v.g., sogro, nora). Nesses casos, parece-nos igualmente necessário o consentimento dos demais descendentes e cônjuge, sob pena de se inferir uma simulação através de venda a interposta pessoa, nos termos do CC. 167, § 1º, I.

Eventual doação a qualquer pessoa que não seja descendente ou cônjuge (CC. 544) não será tida como adiantamento de legítima, porém uma simples doação que será reputada como perfeita se não exceder a metade disponível no momento da liberalidade, caso em que haverá a nulidade do excesso (CC. 549).

O dispositivo também não enuncia as consequências da recusa da outorga pelos outros descendentes e cônjuge. Acreditamos que se aplica aqui o mesmo resultado do CC. 1.648. vale dizer que o magistrado suprirá a outorga quando a denegação for privada de motivação justificada, havendo evidencias da boa-fé dos contratantes. É uma forma de controle do abuso do direito potestativo do suprimento, preservando a função econômica e social do negócio jurídico. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 560-561 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Temos um Histórico e uma Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza. Segundo o histórico, a redação original do dispositivo tal como se apresentada no projeto era nos seguintes termos: “Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes expressamente houverem consentido”. Com as alterações implementadas por emenda substitutiva do Deputado Ernani Satyro à Emenda n. 390, revestiu-se da composição atual, com o acréscimo do parágrafo único e passando a exigir também o assentimento do cônjuge do alienante. A exigência do assentimento do cônjuge decorreu do fato dele ter sido erigido à condição de herdeiro em concorrência com os descendentes. Se o regime é o da separação obrigatória, não há direito de sucessão entre cônjuges. Mas não é só: o CC. 1.647, I, dispõe que nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta, alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis. Corresponde ao art. 1.132 do CC de 1916.

Quanto à Doutrina, o preceito objetiva, segundo observa Clóvis Beviláqua, “evitar que, sob color de venda, se façam doações, prejudicando a igualdade das legítimas”. Tal como previsto no art. 877 do Código Civil português, a alienação feita a filhos ou netos é anulável caso os outros filhos (ou netos) não a consintam, embora o diploma lusitano admita, diversamente, suscetível de suprimento judicial o consentimento quando não possa ser prestado ou recusado. No dispositivo, compreende-se a venda a descendente por interposta pessoa; também exigível a prova da simulação (STJ, 4~ T., REsp 71.545-RS, DJ de 29-11-1999).

A referência à anulabilidade da venda, faz cessar antigo dissidio jurisprudencial a respeito: Pela Sumula 404 do STF, de 3-10-1969, com origem no RE 59.417, fixou-se o entendimento da nulidade pleno jure, como decidido, ainda, pelo STJ ao REsp 10.038-MS, de 21-5-1991, por fraude à lei diante da literalidade do texto do art. 1.132, do CC de 1916, e, mais adiante, não admitida pelo REsp 977-0-1’- (DJ de 27-3-1995), com brilhante voto do Min. Sálvio de figueiredo Teixeira “(...) Sem embargo das respeitabilíssimas opiniões em contrário, na exegese do CC. 1.132 tem-se por anulável o ato da venda de bem a descendente sem o consentimento dos demais, uma vez: a) que a declaração de invalidade depende da iniciativa dos interessados; b) porque viável a sua confirmação; porque não se invalidará o ato se provado que justo e real o preço pelo descendente”. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 265, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Expandido o ensinamento, Marco Túlio de Carvalho Rocha alerta que o artigo 496 exige que o vendedor obtenha o assentimento de seu cônjuge e de seus descendentes para realizar venda a um destes.

O objetivo da regra é o de impedir que a venda seja simulada para dissimular negócio benéfico uma vez que o direito brasileiro estabelece limite para doar quando o doador possui herdeiros necessários, como forma de proteger a parte do patrimônio do doador correspondente à metade de seus bens e denominada legítima. O texto é por demais sucinto e deixa abertas muitas lacunas a serem preenchidas mediante interpretação.

A primeira diz respeito à necessidade de outorga conjugal dos cônjuges dos descendentes chamados a anuir na alienação feita pelo ascendente comum a um deles. De acordo com a literalidade do dispositivo, não, pois ele somente exige a anuência do cônjuge do alienante e de seus descendentes. A justificativa é que somente estes são herdeiros necessários. Os cônjuges dos descendentes não são herdeiros e, por isso, a concordância deles não é necessária para a validade do negócio.

Outra dúvida é quanto à incidência da regra na venda realizada por sogro a genro ou nora, principalmente quando casados com o descendente do vendedor pelo regime de comunhão universal ou parcial de bens. O elemento literal não abrange esse tipo de negócio. O caso pode vir a ser de simulação, a fim de se esquivar da restrição imposta pelo artigo 496. A resposta sobre a validade de tal negócio sem a anuência dos demais descendentes impõe que seja avaliada a ocorrência de simulação que pode haver ou não. Se o negócio é realizado a preço de mercado, por exemplo, a simulação deve ser, a princípio, excluída.

No caso de ser civilmente incapaz o descendente chamado a anuir, o consentimento deve ser prestado por seu representante legal. Não há exigência legal de autorização judicial para tanto.

O dispositivo cuida apenas da venda de ascendente a descendente; não faz qualquer restrição à venda de descendente a ascendente, que, tanto quanto aquela, pode simular negócio gratuito, benéfico, lesivo à legítima. A falta de previsão legal dispensa a necessidade de anuência de terceiros na venda de descendente a ascendente. Eventuais prejuízos à legítima podem, no entanto, ser reparados pela via da nulidade por simulação se esta configurar-se.

Embora o dispositivo mencione a necessidade de anuência de descendentes, sem qualquer restrição, o elemento teleológico, ou seja, a finalidade de se proteger a legítima, dispensa a anuência de descendentes que não sejam herdeiros do alienante no momento em que se faz a alienação. Desse modo, o neto do alienante, cujo pai seja o herdeiro direto daquele não tem de anuir à venda. De outro lado, o neto do alienante, cujo pai é falecido no momento da alienação tem de anuir à venda, pois é herdeiro direito do alienante como representante do pai pré-morto.

Outra questão que se levanta é a possibilidade de anulação do negócio pelo descendente cujo vínculo de parentesco não havia ainda sido reconhecido no momento da alienação. Neste caso, embora a ação de reconhecimento de vínculo de filiação seja declaratória, a proteção à confiança e à boa-fé impedem que o filho que não era reconhecido à época do negócio possa requerer sua anulação por ausência de assentimento com base no artigo 496. Nada impedirá de buscar a nulidade por outros fundamentos, como a simulação, se os elementos dela estiverem presentes.

Tendo-se em vista a finalidade do dispositivo, ou seja, a proteção da legítima e prevenir que negócios gratuitos sejam dissimulados na forma de compra e venda, uma vez que esta se faça pelo preço de mercado, com o efetivo pagamento do preço, o negócio deixa de ser anulável. Por isso, entende-se que a anulabilidade da venda de ascendente a descendente por falta de consentimento dos demais descendentes ou do cônjuge do alienante seja uma presunção relativa de anulabilidade, que deixa de existir mediante a prova de ausência de prejuízo. Para o mesmo fim, invoca-se o CC. 533, II, por interpretação sistemática.

O suprimento judicial da autorização de descendente que se recusa injustamente a anuir ao negócio é possível, apesar de a lei não a mencionar, tendo-se em vista a finalidade da norma, i.é, o consentimento, neste caso, não é um direito meramente potestativo do descendente; está vinculado à proteção de seus direitos hereditários e, uma vez que o negócio não os prejudique, não pode ser negado.

O prazo para a anulação do negócio é de 2 anos a contar de sua realização, nos termos do CC. 179. Relativamente a negócios firmados antes da vigência do Código Civil de 2002, o prazo é de 20 anos a contar da realização do negócio, conforme a Súmula n. 494 do Supremo Tribunal Federal. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 09.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 493, 494, 495 - Continua - Da compra e Venda - Disposições Gerais – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 493, 494, 495 - Continua
- Da compra e Venda - Disposições Gerais –
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção I – Disposições Gerais –
vargasdigitador.blogspot.com

Art. 493. A tradição da coisa vendida, na falta de estipulação expressa, dar-se-á no lugar onde ela se encontrava, ao tempo de venda.

Na perspectiva de Nelson Rosenvald, trata-se de mais uma norma dispositiva concebida pelo legislador de 2002. Caso as partes nada tenham ajustado no tocante ao local da tradição do bem móvel, a transmissão da propriedade se verificará no local em que o bem se encontrava quando da contratação. Assim, comprador e vendedor podem ajustar o locar de pagamento (tradição), gerando uma obrigação quesível (tradição no domicílio do devedor) ou portável (tradição no domicílio do credor), conforme determine a autonomia privada.

Evidentemente a norma não se aplica aos bens imóveis – pois sempre se encontram no mesmo local -, não havendo possibilidade de pactuar local de cumprimento diverso, além da imposição do CC. 328: “se o pagamento consistir na tradição de um imóvel, ou em prestações relativas a imóvel, far-se-á no lugar onde está situado o bem”. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 558 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A Doutrina apontada por Fiuza, a tradição é o ato da entrega da coisa vendida, a permitir a transferência dominial ao comprador. Preceitua o CC. 1.237: “A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição”. Ela é real pela efetiva entrega material da coisa; simbólica, quando por entrega representativa (v.g., chaves) e quando o transmitente continua a possuir pelo constituto possessório. É modo de aquisição da propriedade móvel. No caso de bens imóveis, a aquisição da propriedade móvel com o registro do título aquisitivo no Registro Imobiliário competente. O novo dispositivo regula a tradição, preceituando o seu exercício no lugar onde a coisa se encontrava ao tempo da venda, desde que não pactuado pelos contratantes outro lugar, ou seja, a entrega será feita no lugar onde a coisa se achava no momento da compra e venda. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 264, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como ensina Marco Túlio de Carvalho Rocha, as obrigações são, em regra, quesíveis, i.é, são cumpridas no domicílio do devedor, devendo o credor se dirigir a ele para receber o pagamento. O dispositivo excepciona essa regra relativamente à entrega da coisa vendida, ao estabelecer que a entrega se faça no local em que a coisa se encontra no momento da venda se diferentemente não dispuserem as partes.

A prática empresarial consagrou o uso dos inconterms (Internacional Comercial Terms) “CIF” e “FOB” para expressar a responsabilidade das partes sobre o custo e o risco do transporte de mercadorias.

Se no contrato constar a cláusula CIF (cost, insurance and freight), o vendedor assume o custo do transporte e o pagamento do seguro, uma vez que a tradição se fará com a entrega da mercadoria ao comprador.

Se no contrato constar a cláusula FOB (free on board), o vendedor deverá entregar a mercadoria no porto de embarque designado pelo comprador. A partir de então, o comprador assume os riscos e o custo do transporte, pois a entrega ao transportador configura a tradição. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 05.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 494. Se a coisa for expedida para lugar diverso, por ordem do comprador, por sua conta correrão os riscos, uma vez entregue a quem haja de transportá-la, salvo se das instruções dele se afastar o vendedor.

A partir do momento em que o dispositivo responsabiliza o comprador pelos riscos da coisa quando entregue por ordem dele em local diverso, surge a presunção de que já houve a tradição do objeto, excepcionando-se a regra geral do caput do art. 492. Caso contrário, os riscos continuariam a recair sobre o alienante, como ensina Nelson Rosenvald.

Segundo ele o bem será entregue ao transportador a ser indicado pelo comprador, que seguirá as suas instruções. Caso o vendedor não respeite as aludidas instruções, remanescerá a sua responsabilidade, pois se tornou uma espécie de mandatário do comprador.

Aliás, mesmo que não existam instruções e o transportador seja designado pelo próprio vendedor, o comprador se responsabilizará pelo perecimento pelo simples fato de expedir ordem para entrega em local diverso -, exceto se comprovada a má-fé do vendedor.

Há que enfatizar a responsabilidade do transportador pelos riscos da perda da coisa, conforme a disciplina dos arts. CC. 743 a 756, especialmente o CC. 750, ao dispor que “a responsabilidade do transportador, limitada ao valor constante do conhecimento, começa no momento em que ele, ou seus prepostos, recebem a coisa; termina quando é entregue ao destinatário, ou depositada em juízo, se aquele não for encontrado”. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 559 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Ratificando a fala de Nelson Rosenvald, a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza afirma que a norma excepciona o caput do art. 492. Ocorre a assunção do risco, pelo comprador, se este ordenar a expedição da coisa para lugar diferente do ajustado, ou seja, o da execução da obrigação salvo se o vendedor transgredir as instruções dele recebidas. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 264, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Arrazoando Marco Túlio de Carvalho Rocha, afirma que a regra é aparentemente simples, mas conjugada com os demais critérios, torna a solução dos casos confusa. O que significa “por ordem do comprador” e “a quem haja de transportá-la”?

Se o transporte da coisa foi acertado entre as partes, obrigando-se o vendedor a entrega-la ao comprador, somente no momento da entrega ocorrerá a tradição e, portanto, de acordo com o CC 492, os riscos de transporte correrão por conta do vendedor.

Uma vez ser o transporte da coisa feito por pessoa contratada pelo comprador, a tradição ocorre quando da entrega da coisa ao comprador.

Como se vê, o artigo 494 não excepciona a regra do CC. 492, tampouco serve para clarear seu sentido. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 05.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 495. Não obstante o prazo ajustado para o pagamento, se antes da tradição o comprador cair em insolvência, poderá o vendedor sobrestar na entrega da coisa, até que o comprador lhe dê caução de pagar no tempo ajustado.

Na esfera patrimonial, os dois grandes riscos à incolumidade financeira do credor são o inadimplemento e a insolvência, leciona Nelson Rosenvald. O risco do inadimplemento pode ser prevenido mediante a imposição de cláusula penal ou arras. Quanto à insolvência – passivo superando ativo do devedor -, deverá o credor se cercar de garantias reais (v.g., hipoteca, penhor) ou pessoais (aval, fiança) hábeis à diluição dos efeitos deletérios decorrentes da situação débil do devedor.

O CC. 495 prevê para as vendas a crédito a suspensão da entrega da coisa na hipótese de insolvência do devedor, até que eventual caução real ou pessoal seja concedida como garantia de pagamento. Note-se que a insolvência aqui aludida não é aquela decorrente de decisão judicial, mas da constatação efetiva da realidade patrimonial do devedor (art. 478 do CPC/1973, sem alteração no CPC/2015).

Não havia necessidade dessa norma, pois o já aludido art. 477 faculta ao vendedor a exceptio non adimpleti. O dispositivo tangencia a chamada quebra antecipada do contrato, ou inadimplemento antecipado. Consiste na evidência de um dos contratantes implicitamente demonstrar, por meio de sua situação patrimonial, que descumprirá futuramente a prestação que lhe incumbe. Ou seja, a prestação a ser inadimplida ainda não e exigível pelo vendedor, mas provavelmente não será realizada a seu tempo. O rompimento antecipado poderá ser pleiteado caso o contratante fragilizado não obtenha as novas garantias que lhe são exigidas. Enquanto isso não ocorre, caberá unicamente ao vendedor sobrestar na entrega da coisa. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 559 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Conforme aponta a doutrina de Fiuza, o dispositivo tem identidade com o art. 477. Na venda a crédito, o vendedor poderá sustar a entrega da coisa, para forrar-se de garantia ao adimplemento da obrigação assumida pelo comprador então insolvente, não obstante já atendida prestação inicial ensejadora da espera entrega. Uma vez oportunizada a caução, levanta-se a suspensão da execução do contrato, retomando o vendedor a sua obrigação na entrega da coisa. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 264, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Repetindo todo o comentário feito Marco Túlio de Carvalho Rocha o art. 477 prever que uma das partes pode recusar-se a realizar sua prestação se, depois de concluído o contrato, sobrevier à sua contraparte diminuição patrimonial capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou.

O art. 495 é aplicação dessa regra na compra e venda em benefício do vendedor. O comprador pode, simetricamente, recusar-se ao pagamento do preço diante de sinais de insolvência do vendedor com base no artigo 477 do Código Civil que é amplo. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 05.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 490, 491, 492 - Continua - Da compra e Venda - Disposições Gerais – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 490, 491, 492 - Continua
- Da compra e Venda - Disposições Gerais –
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção I – Disposições Gerais –
vargasdigitador.blogspot.com

Art. 490. Salvo cláusula em contrário, ficarão as despesas de escritura e registro a cargo do comprador, e a cargo do vendedor as da tradição.

Como alerta Nelson Rosenvald, quando nada dispuserem as partes a respeito das despesas inerentes à compra e venda, o Código supletivamente distribui as mesmas entre o alienante e o adquirente da seguinte maneira: as despesas de escrituração e registro incumbem ao comprador. Cuidando-se de bem imóvel, tais gastos são acrescidos de certidões, emolumentos e do ITBI. As despesas do vendedor serão logicamente restritas à tradição de bens móveis, no que concerne aos gastos com embalagem e transporte da coisa. Todavia, se o comprador determinar que a coisa seja levada a lugar diverso, o transporte será convencionado de outra forma.

Nos contratos típicos, as prestações principais são aquelas que definem o tipo da relação. Na compra e venda: a entrega da coisa vendida, por parte do vendedor, e a entrega do preço pelo comprador. O dispositivo, todavia, enumera alguns dos chamados deveres secundários ou acessórios da prestação principal, os quais se destinam a assegurar a perfeita realização da compra e venda, sendo visualizados de forma mais intensa naqueles contratos em que a coisa não é imediatamente entregue ao comprador. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 556 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

É do entendimento de Ricardo Fiuza que, não existindo convecção pelos contratantes atinente às despesas do negócio, as de escritura e registro são da responsabilidade do comprador e adquirente, ficando reservadas ao vendedor as da Tradição, como ocorre com as do transporte da coisa móvel para a efetiva transferência da propriedade do bem objeto da compra e venda.

As despesas relativas aos tributos da transmissão também ficam a cargo do comprador, salvo cláusula em contrário. Tenha-se, ainda, presente, a responsabilidade do promitente-comprador sobre as despesas condominiais impagas, ainda que não registrado no Cartório de Imóveis o compromisso de compra e venda (511, 3~ T., REsp 211.116-SP, Rel. Mm. Eduardo Ribeiro, DJ de 18.9.2000). nesse sentido: REsp 240.280, 195.629, 164.774, 122.924, 119.624, 76.275, 74.495 e 40.263 (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 263, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o registro é o modo de tradição de bens imóveis. O dispositivo incumbe ao vendedor o pagamento das despesas de tradição, mas atribui ao comprador as despesas de escritura e de registro. A rigor, ao estabelecer o local e o momento em que a tradição deva ocorrer, as partes, implicitamente, distribuem os ônus da tradição, pois antes do referido momento as despesas incumbem ao alienante e depois ao adquirente. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 04.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 491. Não sendo a venda a crédito, o vendedor não é obrigado a entregar a coisa antes de receber o preço.

De acordo com Nelson Rosenvald, o dispositivo em comento concerne ao plano de eficácia dos contratos de compra e venda, subordinando a sua execução a consequências distintas, à medida que a venda se der nas modalidades à vista ou a crédito.

Nas vendas a crédito primeiramente se verifica a entrega da coisa e sucessivamente o pagamento do preço. Essa e a prática no comércio, sendo apenas executada quando for da própria natureza a tradição do bem após o adimplemento integral como no contrato de compra e venda com reserva de domínio ou nas hipóteses em que seja temerária a entrega da coisa pelo fato de o comprador cair em insolvência (CC. 495).

Porém, nas compras à vista, as prestações do vendedor e comprador são interligadas e concomitantes. Daí, como derivação da exceptio non adimpleti contractus, a entrega da coisa sobeja condicionada ao pagamento. Aliás, na venda de bens imóveis a quitação é concedida no próprio instrumento.

Conforme já abordado em passagem anterior, o fundamento da exceção do contato não cumprido reside na equidade. O ordenamento deseja a execução simultânea das obrigações. A boa-fé objetiva e a segurança do comércio jurídico requerem fidelidade às prestações assumidas de modo a unir o destino das duas obrigações, de forma que cada uma só será executada à medida que a outra também o seja. Isso assegura não somente o interesse das partes na realização da finalidade comum (função social interna) como também satisfaz a ordem social que procura pelo adimplemento como imposição de justiça comutativa (função social externa). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 557 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo o histórico, esse dispositivo não constava do texto do projeto e foi acrescentado através de emenda do Deputado Tancredo Neves, no período inicial de tramitação. Trata-se de artigo que constava do anteprojeto inicial do Relator, Prof. Agostinho Alvim, e que, por lapso, não integrou o texto definitivo, quando de sua elaboração. Repete integralmente o art. 1.130 do CC de 1916.

Sob a luz de Ricardo Fiuza, na compra e venda à vista, a entrega da coisa está condicionada ao pagamento imediato do preço. E da essência do negócio o cumprimento concomitante das obrigações recíprocas. Razão assistirá ao vendedor reter a coisa, enquanto não recebido o preço. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 263, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

A regra é supletiva, segundo Marco Túlio de Carvalho Rocha, pois as partes podem dispor de modo diverso. Fixa a ordem do cumprimento das obrigações se o contrato nada dispuser a esse respeito e as prestações não puderem ser entregues simultaneamente. A norma tem relevo para efeito da exceção do contrato não cumprido, que permite a uma parte recusar sua prestação enquanto não receber a do outro que deve prestar primeiro. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 04.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 492. Até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do vendedor, e os do preço por conta do comprador.

§1º. Todavia, os casos fortuitos, ocorrentes no ato de contar, marcar ou assinalar coisas, que comumente se recebem, contando, pesando, medindo ou assinalando, e que já tiverem sido postas à disposição do comprador, correrão por conta deste.

§ 2º. Correrão também por conta do comprador os riscos das referidas coisas, se estiver em mora de as receber, quando postas à sua disposição no tempo, lugar e pelo modo ajustados.

 Na visão de Nelson Rosenvald, o artigo trata da distribuição dos riscos pela perda ou deterioração da coisa. Sabemos que, em nosso ordenamento, a transferência da propriedade mobiliária requer a tradição (CC. 1.267), enquanto a passagem da propriedade imobiliária demanda o registro (CC. 1245). Assim, no intervalo que separa a contratação da tradição – disponibilização da coisa ao comprador -, o negócio jurídico opera efeitos de ordem meramente obrigacionais e os riscos da coisa serão imputados ao alienante pelo fato de ainda manter a condição de proprietário, aplicando-se o brocardo res perit domino. Já o comprador suportará os riscos do preço em relação ao bem alienado.

A regra em enfoque é de grande relevo para a compreensão de todos os fenômenos ligados à perda total ou parcial do bem na compra e venda, apreciados no estudo das obrigações de dar coisa certa (CC. 233 a 242). Aliás, é enfático o art. 237 ao dispor que “até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos e acrescidos”.

Se a passagem dos riscos para o comprador só ocorre no momento em que o bem é colocado à sua disposição, tratando-se de bens que se recebem pesando, mediando ou assinalando, no momento em que forem postos a serviço do adquirente, transferem-se os riscos pelo fortuito (§ 1º).

O § 2º do art. 492 evidencia o agravamento da responsabilidade do credor pelo fato de incorrer em mora quanto ao recebimento do bem. A mora do credor se aperfeiçoa quando injustificadamente se recusa a receber o objeto no tempo, lugar e modo, convencionados (CC. 394). Destarte, a imotivada rejeição gera para ele a assunção dos riscos pelo perecimento da coisa. O devedor não mais responde pela integridade do objeto e, se ocorre a sua impossibilidade, por ela não mais responde. A norma reitera o exposto no CC. 400, que, na mora accipiendi, subtrais ao devedor (alienante) isento de dolo a responsabilidade pela conservação da coisa.

Como o dispositivo nada menciona acerca da mora do vendedor no sentido de se recusar a entregar a coisa nas condições pactuadas, devemos aplicar o VV. 399, que estende a responsabilidade do vendedor para os casos do fortuito, excluindo-se os casos em que o dano à coisa sobreviria mesmo se a obrigação fosse tempestivamente cumprida. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 558 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, os riscos da coisa são do vendedor enquanto não a estregue, e os do pagamento correm à conta do comprador. O vendedor obrigação à entrega da coisa e igual estado do seu tempo de venda, assumindo os riscos de perda ou deterioração da coisa. O comprador responderá pelos riscos do pagamento, em face do preço; pelos riscos da coisa posta à sua disposição em bloco, diante dos casos fortuitos ocorrentes no ato de contar, marcar ou assinalar as coisas compradas e, ainda, quando em disponibilidade oportuna delas, ou seja, no tempo, lugar e pelo modo ajustados, se achar em mora de as receber. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 264, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo entendimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, os riscos dizem respeito ao estabelecimento da parte que deve suportar as consequências do caso fortuito ou de foça maior (CC. 393, parágrafo único), i.é, quando a obrigação se torna impossível sem culpa de qualquer das partes. Se houver culpa, responde a parte responsável (CC. 389).

Deve-se observar sobre os riscos o princípio res perit domino, conforme o caput do artigo comentado. A coisa perece para o vendedor até o momento da tradição, porque ele é o proprietário dela; perece para o comprador após a tradição, porque a propriedade já lhe foi conferida.

Se a coisa perecer antes da tradição, o vendedor não poderá exigir o preço (CC. 234). O dispositivo indica solução, igualmente, para os casos de risco sobre o preço. Em regra, o preço não se perde, pois é obrigação de gênero e gêneros não perecem (genus non perit). Uma possibilidade de todo um gênero monetário desaparecer seria o desaparecimento de um Estado, em razão de anexação por outro Estado ou por revolução, com a extinção do padrão ao monetário vigente que deixasse de ser reconhecido na nova ordem. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 04.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).