sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.223, 1.224 Da Perda da Posse - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.223, 1.224

Da Perda da Posse - VARGAS, Paulo S. R.

- Livro IIITítulo I – Da Posse (Art. 1.196 ao 1.368)

Capítulo IV – Da Perda da Posse (Arts. 1.223 e 1.224)

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Art. 1.223. Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem, ao qual se refere o CC 1.196.

Faz menções Francisco Eduardo Loureiro, ao Código Civil de 2002 que deixa de enumerar os modos de perda da posse, como fazia o art. 520 do Código de 1916. A redação atual é mais clara e técnica, eliminando dúvidas que surgiram no sistema anterior, que, nesse ponto, mesclava as teorias objetiva e subjetiva da posse. Determinar todas as condutas do possuidor, como fazia o Código anterior, constituía inútil e especiosa particularização. Segundo o CC 1.196 do Código Civil, possuidor é todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de alguns dos poderes inerentes ao domínio. Adquire a posse quem passa a assim se comportar e perde a posse quem deixa de assim se comportar. Perde-se a posse toda vez que o possuidor não exerça, ou não possa exercer, poder correspondente ou análogo ao do proprietário, ou seja, quando deixa de ter a visibilidade do domínio. Cabe ressaltar que nem sempre o possuidor mantém conduta comissiva em relação à coisa. Não há necessidade de manter a coisa sob seu poder físico, imediato, porque nem sempre assim se comporta o proprietário cm relação ao que é seu. Basta ao possuidor que se comporte como dono, dando ostensivamente à coisa a sua destinação econômica e natural, conservando-a e defendendo-a, porque assim age o proprietário. Logo, não perde o possuidor a posse de uma casa de campo ou de praia, que somente a frequenta durante temporada de férias, porque esta é a sua natural destinação. Tem a posse dois elementos, o objetivo (corpus) e o subjetivo (animus). Perde-se a posse quando deixa de existir qualquer um dos elementos, ou os dois concomitantemente. Por falta dos elementos objetivo e subjetivo, perde-se a posse pelo abandono, ou pela tradição. No abandono, o possuidor abdica da posse, por ato unilateral. Na tradição, o alienante transmite a posse, com entrega da coisa ao adquirente. Por falta somente do elemento objetivo, perde-se a posse pela destruição ou perda da coisa, pela posse de outrem e pelo fato de ser posta fora de comércio. Na perda da coisa, conserva o possuidor a vontade de recuperá-la, tanto assim que o descobridor, que a localiza, deve devolvê-la ao possuidor ou proprietário que está à sua procura. Na destruição, a coisa desaparece contra a vontade do possuidor, quer por fato natural, quer por ato de terceiro. Deve a destruição ser total e permanente, caso contrário remanesce a posse sobre o que restou da coisa, ou se mantém a posse sobre a coisa temporariamente inacessível. Quanto à posse de outrem, pode se dar por ato que conte com a anuência do possuidor como também contra a sua vontade, caso em que ocorrerá o esbulho, se o ato de terceiro for ilícito. Nesta última hipótese, confere o ordenamento direito ao ex-possuidor de reagir, usando a tutela possessória, quer pela autotutela, quer pelas ações possessórias, para recuperar a posse injustamente perdida. Quanto à coisa ser posta fora de comércio, lembre-se de que o Código Civil de 2002 não mais disciplina tal categoria de bens, de modo que a figura comporta algumas observações. Há entendimento da incompatibilidade da posse de particulares sobre bens públicos. Contra a vontade do Poder Público, teria o particular simples detenção sobre a coisa. Não parece ser exata tal posição, que somente se aplica aos bens públicos de uso comum do povo ou de uso especial. Claro que não possuo a rua sobre a qual transito com o meu veículo, nem o parque onde passo horas de recreio, nem o prédio da repartição onde vou tirar uma certidão. É possível, porém, a posse de particulares sobre bens públicos dominicais, sem destinação pública. Tal posse será ad interdicta e não ad usucapionem, na impossibilidade de o possuidor adquirir sua propriedade pela via da usucapião. Os demais efeitos da posse, como a tutela possessória, indenização por benfeitorias, direito à percepção de frutos, porém, se produzem normalmente, contra terceiros e contra o Poder Público, de acordo com a boa-fé ou a má-fé do possuidor. Por falta do elemento subjetivo, perde-se a posse pelo constituto possessório, que nada mais é do que uma forma ficta de tradição, pela qual o alienante continua com poder material sobre a coisa, mas em nome do adquirente. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.186-87. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 18/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente, o dispositivo em tela não sofreu praticamente nenhuma alteração substancial, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto, tendo mantido basicamente a mesma redação do Anteprojeto. Quando da fase final de revisão do texto legal, apresentou-se proposta de correção encaminhada ao ilustre Relator-Geral, Deputado Fiuza, que terminou por ser acolhida, no sentido de substituir, no texto primitivo, a palavra “coisa” por “bem”, por ser esta mais adequada em face da sua amplitude (gênero), enquanto aquela representa uma de suas espécies. O dispositivo encontra seu paralelo no art. 520 do CC de 1916, nada obstante as inúmeras alterações verificadas.

Na conscientização da doutrina aplicada por Ricardo Fiuza, o possuidor perde a posse quando não há mais, contra sua vontade, poder fático de ingerência socioeconômica sobre determinado bem da vida. Não se pode esquecer de que o poder de fato de ingerência sobre um bem da vida, capaz de excluir terceiros e formar a relação socioeconômica entre o seu titular e o bem respectivo (formação dialética do fenômeno possessório) é o núcleo deste instituto, elemento imprescindível para a sua configuração. Por isso, cessado esse poder contra a vontade do possuidor, considera-se perdida a posse. Todavia, por verdadeira ficção jurídica, o possuidor esbulhado só vem a perder a posse de um bem quando não busca a reintegração dentro do período de ano e dia, que passa a funcionar como uma espécie de condição suspensiva fatual, ou seja, suspensão temporária do prazo com a expectativa de recuperação (prazo decadencial que não se suspende ou Interrompe, não podendo ser ampliado ou reduzido). Trata-se de ficção jurídica porque o possuidor perde, de fato, a posse do bem. Não obstante, a lei confere a garantia de manter-se ou restituir-se por força própria, contanto que o faça logo (CC 1.210, § lº), ou, ajuizando demanda interdital, com rito especial, no prazo de ano e dia, a contar da data do esbulho, para a obtenção da reintegração liminar. Caso contrário, aquele que estiver na posse por mais de ano e dia, nela será mantido até ser convencido pelos meios ordinários. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 631-32, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 18/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Analogamente Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, da mesma forma que a posse tem início pela exteriorização dos atos típicos de quem parece ser o proprietário – atos de exteriorização da propriedade, descritos no CC 1.196 – ela é perdida quando estes mesmos atos deixam de existir, ou seja, quando cessa o poder da pessoa sobre o bem.

O legislador preferiu estabelecer uma forma genérica e ampla de perda da posse, sem especificar outras maneiras particularizadas. Entretanto, a doutrina indica outras causas extintivas: abandono, tradição, perda, destruição da coisa, inalienabilidade e pela posse de terceiros.

O abandono ocorre quando o possuidor, de forma intencional, se afasta do bem com o intuito de não mais exercer sobre ele atos possessórios, privando-se, assim, da disposição sobre a coisa. A tradição se caracteriza pela vontade do possuidor em transferir para outra pessoa o exercício da posse, como pode ocorrer na compra e venda, permuta etc. A perda da posse se dá, aqui, por conta de uma transferência efetivada entra as partes – e não por abandono – onde o alienante deixa de exercer a disposição sobre o bem de forma voluntária.

 A perda é verificável, a princípio, em relação a bens móveis, uma vez que os bens imóveis dificilmente se sujeitariam a um extravio, por sua própria natureza. Assim, caracteriza-se a perda de um bem quando o mesmo desaparece, cuja localização se torna impossível ou duvidosa, impossibilitando seu titular, assim, de continuar a exercer o poder físico que antes efetivava.

A destruição da coisa se verifica através de evento natural ou fortuito, por ato do próprio possuidor ou mesmo de terceiros. É necessário que não haja uma mera danificação da coisa, mas sua inutilização econômica total, como se dá na hipótese de um raio que vem a abater o animal bovino no pasto. Assim, sendo destruído o objeto, ocorrerá a extinção do próprio direito do possuidor (Diniz, 2002, p. 71).

Perde-se a posse quando o bem é colocado fora do comércio, tornando-se impossível a ocorrência de qualquer ato de disposição particular sobre a coisa. São inalienáveis, assim, as coisas insuscetíveis, de apropriação, como aqueles bens que, por razões de ordem pública, ou de segurança pública, passam a categoria de bens extra commercium Gonçalves, 2006, p. 104).

Ultima-se a perda da posse na hipótese de esbulho sobre o bem, praticado por terceiro, contra a vontade do antigo possuidor, privando-o do exercício. Pela característica da exclusividade da posse – que não admite a concomitância em seu exercício, excetuada a composse – quando uma terceira pessoa passa a efetuar atos possessórios em detrimento do legítimo possuidor, ocorrerá a perda da posse para este, pode deixar de haver ato de disposição sobre o bem. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 18.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.224. Só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido.

 

Como leciona Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em comento mantém o mesmo conteúdo do art. 522 do Código de 1916, apenas apurando a redação, ao substituir o termo “ausente”, de significado duplo, pela mais precisa expressão “quem não presenciou o esbulho”. O CC 1.208 do Código Civil, anteriormente comentado, dispõe que não autorizam a aquisição da posse os atos violentos ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade. Enquanto persiste a clandestinidade, portanto, tem o ocupante singela detenção, porque oculta a situação do verdadeiro possuidor, impossibilitando a sua reação. Ao tomar conhecimento da ocupação da coisa por parte de terceiro, três condutas se abrem ao possuidor, a saber: a) expulsa o intruso, usando da autotutela, caso em que se considera que a posse nem chegou a se perder; b) tenta retomar a coisa, sendo repelido por terceiro; neste momento a detenção se converte em esbulho, marcada pelo vício original da clandestinidade; ou c) tomando conhecimento da ocupação, permanece inerte, caso em que, mais uma vez, a detenção do terceiro se converte em posse injusta, porque adquirida de modo ilícito. O preceito deve ser interpretado com cautela, para evitar o excessivo alargamento da autotutela. O termo temporal da perda da posse, “quando, tendo notícia do esbulho”, deve ser lido como quando teve o possuidor real conhecimento, ou poderia ter conhecido o esbulho. Não tem sentido que a conduta culposa do possuidor, descurando-se daquilo que lhe pertence, postergue o momento da perda da posse, ou amplie a possibilidade do uso da autotutela. Entender o contrário teria o efeito de penalizar o possuidor zeloso, em favor do possuidor desidioso. Note-se que o marco da perda da posse tem também relevância a efeito para cômputo do prazo de ano e dia para a concessão da liminar nas ações possessórias, que não pode ser indefinidamente postergado em favor do possuidor que culposamente desconhece a dominação de terceiro. A aferição da conduta culposa do possuidor, para efeito de conhecer o apoderamento por terceiro, leva necessariamente em conta a natureza da coisa e a função social da posse. É natural que o possuidor desconheça a invasão de sua casa de veraneio fora da temporada, porque o comparecimento esporádico ao local atende à natural função econômica e social da posse. A mesma situação teria solução oposta, se a invasão ocorresse na própria residência onde é o possuidor domiciliado, ou em terras destinadas ao cultivo, porque, cm tais casos, a ausência afronta a natureza econômica ou social da posse. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.188. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 18/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Como infere o relator Ricardo Fiuza, a doutrina e a jurisprudência, durante a vigência do Código de 1916, já assinalavam que a expressão “ausente” empregada no art. 522 não tinha o mesmo sentido descrito no art. 463 daquele mesmo Código (pessoa desaparecida de seu domicílio...), mas designava aquele que não está presente no momento da ocupação. A esse respeito, doutrina Carvalho Santos: “O dispositivo legal quer dizer é que a simples ausência não importa na perda da posse, podendo o possuidor, embora ausente, continuar a posse solo animo, ainda que a coisa possuída por ele tenha sido ocupada por um terceiro, durante a sua ausência” (CC interpretado, Rio de Janeiro, Freitas Rastos, 1979, v. VII, p. 257). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 632, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 18/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Dessa forma acentuam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, quanto ao código anterior usar o vocábulo ausente, ao invés de esbulhado, para definir aquela situação do possuidor que se encontrava em viagem ou fora do local da posse, aplicando, de forma rígida, a penalidade de perda da posse, ainda que tivesse posse jurídica, ou seja, há mais de ano e dia. Com melhor redação, o atual dispositivo trata da incúria do possuidor, eis que, ainda que ciente do esbulho, não chegou a efetivar qualquer ação no sentido de obter de volta a posse da qual era titular ou, mesmo que tenha tentado recuperá-la, fora impedido pelo novel esbulhador.

 

A norma pontifica a ideia de que o momento da ciência do esbulho, pelo verdadeiro possuidor, e o marco para o ajuizamento da tutela possessória adequada, seja de manutenção ou reintegração de posse. Entrementes, há de se adequar a norma ao bom senso que se exige para este tipo de situação, posto que o longo tempo de ausência pode significar, ou não, verdadeiro abandono do bem, embora não pareça ser esta a interpretação adequada ao tipo. Pela especificidade da situação, não se aplica ao caso o denominado desforço pessoal, ou defesa privada da posse, referindo-se o dispositivo às medidas judiciais de recuperação da posse. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 18.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.220, 1.221, 1.222 Dos Efeitos da Posse - VARGAS, Paulo S. R. - Continua

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.220, 1.221, 1.222

Dos Efeitos da Posse - VARGAS, Paulo S. R.

- Livro IIITítulo I – Da Posse (Art. 1.196 ao 1.368)

Capítulo III – Dos Efeitos da Posse (Art. 1.210 a 1.222)

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Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias.

Na visão de Francisco Eduardo Loureiro, o legislador dá tratamento severo ao possuidor de má-fé, que conhece a origem ilícita de sua posse. Confere-lhe apenas e tão somente o direito à indenização pelas benfeitorias necessárias, afastando, contudo, o direito de retenção. Perde o possuidor de má-fé a favor do retomante todas as benfeitorias úteis e voluptuárias sem direito a nenhuma indenização. Quanto a estas últimas, também lhe é negado o direito de levantá-las, ainda que não deteriore a coisa onde se encontram. Vale repetir que a regra diz respeito às benfeitorias, não se aplicando às pertenças que, dada a sua autonomia em relação à coisa, podem livremente ser levantadas tanto pelo possuidor de boa-fé como pelo de má-fé, desde que não haja vedação convencional. A regra tem razão de ser. Embora de má-fé, as benfeitorias necessárias devem ser indenizadas, porque destinadas à conservação da coisa, evitando a sua perda ou deterioração. Via de consequência, caso a coisa permanecesse em poder do retomante, este também deveria fazê-las, porque indispensáveis à própria preservação. É por isso que o legislador determina o ressarcimento, uma vez que não há nexo entre a posse de má-fé e as benfeitorias necessárias. Quem quer que estivesse com a posse deveria fazê-las e a ausência de indenização consagraria o enriquecimento sem causa do retomante. O possuidor de má-fé tem direito à indenização pelas benfeitorias necessárias, mas não à retenção da coisa até que o crédito seja pago pelo retomante. Não há razão para prorrogar a posse viciada e de má-fé, dando-lhe uma causa jurídica pela retenção. Pode-se questionar se a falta de indenização das benfeitorias úteis ou voluptuárias ao possuidor de má-fé também não configuraria enriquecimento sem causa. Como explica Clóvis Bevilaqua, a perda de tais benfeitorias servirá para, de algum modo, compensar o retomante pelo tempo em que esteve indevidamente privado do uso da coisa. Mais ainda. Como não são benfeitorias indispensáveis, eventualmente o retomante não as faria, caso estivesse de posse da coisa, até por impossibilidade financeira, de modo que não deseja o legislador onerá-lo por algo que não lhe trará proveito. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.183. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 17/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Historicamente, o dispositivo em tela não foi atingido por qualquer espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do anteprojeto. A redação difere um pouco da encontrada no art. 517 do CC de 1916. Em sua doutrina, Ricardo Fiuza afirma que em nenhuma hipótese o sistema confere ao possuidor de má-fé direito de retenção, enquanto a pretensão ao ressarcimento limita-se às benfeitorias necessárias. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 630, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 17/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Segundo Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o possuidor de má-fé ficará privado do direito indenizatório quanto às benfeitorias úteis e voluptuárias sendo que, quanto a estas últimas, sequer poderá retirá-las, não se aplicando a regra do enriquecimento sem causa na hipótese do CC 884, em virtude de sua posse conter vícios de origem. Em suma, caberá ao julgador a análise probatória da ocorrência ou não da má-fé do possuidor no caso concreto, já que este elemento deverá guiar o direito de indenização e/ou retenção das benfeitorias realizadas na coisa, sempre em coligação com o princípio positivado que afasta o enriquecimento sem causa de outrem (CC 884). Entrementes, a posição do autor é que as disposições legais aqui traçadas contra o possuidor de má-fé são por demais rigorosas, diante de potencial prejuízo, razão pela qual a interpretação do texto deverá suscitar uma análise cuidadosa do caso pelo julgador. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 17.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.221. As benfeitorias compensam-se com os danos, e só obrigam ao ressarcimento se ao tempo da evicção ainda existirem.

 

Na análise feita por Francisco Eduardo Loureiro, verifica-se pelos artigos anteriormente examinados - direito à percepção de frutos, riscos da coisa possuída e indenização por benfeitorias - que podem existir créditos do retomante contra os possuidores e dos possuidores contra o retomante. Essa possibilidade de créditos recíprocos entre as partes é que inspirou o legislador a criar a regra da compensação entre benfeitorias e danos, restando, afinal, apenas um crédito, ou saldo, que será a moeda da indenização. Os créditos guarnecidos com direito de retenção também se prestam à compensação. No que se refere ao possuidor de boa-fé, seus créditos decorrem do direito à indenização pelas benfeitorias necessárias, úteis e voluptuárias que não pôde retirar sem estrago, ou, então, do investimento feito para a colheita de frutos pendentes quando da devolução da coisa. Os créditos do retomante, por seu turno, decorrem da perda ou deterioração da coisa com culpa do possuidor, ou de frutos colhidos por antecipação. No que se refere ao possuidor de má-fé, seus créditos decorrem ou da indenização por benfeitorias necessárias, ou do investimento feito para a produção dos frutos devolvidos ao retomante. ]á os créditos do retomante nesse caso decorrem de situações várias, como da perda ou deterioração da coisa com ou sem culpa do possuidor e da devolução dos frutos colhidos ou que deixaram de ser colhidos por culpa do possuidor. A privação do uso da coisa gera naturalmente danos ao retomante, que pode cobrá-los do possuidor de má-fé. A parte final do artigo ressalva que somente se compensam os créditos decorrentes das benfeitorias existentes ao tempo da evicção. Entende-se a expressão evicção como ao tempo em que a coisa for devolvida ou entregue ao retomante. A regra é corolário lógico da razão da indenização por benfeitorias, qual seja evitar que o retomante se enriqueça à custa do possuidor, recebendo coisa melhorada sem efetuar o respectivo pagamento. Disso decorre que, se foram feitas benfeitorias mas estas não mais existem ao tempo da devolução da coisa, não há indenização a ser paga. Indeniza-se o que existe e não o que existiu. Ressalte-se, porém, que despesas que se incorporam à coisa sem deixar vestígio material, mas que traduzem proveito ou vantagem ao retomante, devem ser levadas à compensação. É o caso do pagamento de impostos ou dos custos com a defesa da posse contra o ataque de terceiros ou da demarcação do prédio, que contribuem para que a coisa seja devolvida juridicamente incólume ao retomante. O credor que pleiteia a indenização, ou que alega a existência do crédito a ser compensado, é que tem o ônus de provar a sua causa. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.184. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 17/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na visão de Ricardo Fiuza, trata-se de hipótese anômala de compensação, conforme assinala o saudoso Rubens Limongi França, citado por Maria Helena Diniz. Ocorre que o instituto da compensação só opera, em regra, entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis.Assim, para evitar que proprietário e possuidor, obrigados a pagar, um ao outro, determinadas quantias, movam uma ação contra o outro, a lei permite a compensação, possibilitando, assim, entre eles um acerto de contas, de modo que aquele em favor de quem ficar acusado um saldo receberá do outro o quantum respectivo(Maria Helena Diniz, CC anotado, São Paulo, Saraiva, 1995, art. 518, p. 394). • Por outro lado, somente terá lugar a compensação dos danos causados com as benfeitorias realizadas, se estas ainda existirem no momento em que se verificar a evicção. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 631, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 17/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No ritmo de  Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, tecnicamente, evicção significa a perda total ou parcial da coisa em virtude de uma decisão judicial, no bojo de ação reivindicatória, onde restou demonstrada a titularidade da coisa por parte do reivindicante ou possuidor, independentemente de previsão expressa. O preceito legal explicita que ocorrerá um acerto de contas entre o possuidor que realizou benfeitorias – denominado de evicto – e o reivindicante do bem, verdadeiro titular, na hipótese de restar configurado danos por aquele primeiro, para que a indenização assim devida possa ser reduzida, ou compensada pelos danos, na forma como vem expressamente delimitada. Entretanto, a indenização correspondente só será devida se ficar comprovada a existência de benfeitorias à época da evicção, ou seja, no momento da decisão judicial que decretar a perda do bem. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 17.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.222. O reivindicante, obrigado a indenizar as benfeitorias ao possuidor de má-fé, tem o direito de optar entre o seu valor atual e o seu custo; ao possuidor de boa-fé indenizará pelo valor atual.

 

Na linha de raciocínio de Francisco Eduardo Loureiro o CC 1.222 consagra relevante novidade em relação ao que continha o artigo correspondente do Código de 1916, estabelecendo critérios distintos para o cálculo da indenização, dependendo da boa-fé ou da má-fé do possuidor. Embora aluda o artigo ao reivindicante, abrange também o preceito o retomante em geral, ainda que não seja proprietário da coisa e tenha obtido a devolução com base no jus possessionis. Engloba, portanto, os casos de indenizações decorrentes de devolução da coisa possuída, tanto em ações possessórias como em ações petitórias. A primeira situação regulada pelo preceito é a do possuidor de má-fé. Cria-se obrigação alternativa a favor do devedor retomante, que tem o direito potestativo de escolher entre a indenização do custo da benfeitoria necessária ou do seu valor atual. Podem as benfeitorias valer mais ou menos do que custaram. Escolherá certamente o devedor o critério que leve ao menor valor. A regra tem razão de ser. A ideia do legislador foi não permitir que o possuidor de má-fé se beneficie com a valorização da benfeitoria que erigiu de má-fé, recuperando apenas e tão somente aquilo que gastou. De outro lado, se houve desvalorização ou depreciação da benfeitoria, não teria sentido que o retomante pagasse por algo que não se agregou inteiramente ao seu patrimônio. Daí a opção que se abre ao retomante. O termo “custo”, usado pelo legislador, é entendido como o valor despendido pelo possuidor no momento da feitura da benfeitoria, atualizado até o momento do pagamento. A correção do valor investido não constitui acréscimo, mas simples manutenção do valor de troca da moeda, evitando o seu aviltamento pela inflação. O termo “valor atual”, usado pelo legislador, não é aquele que se despenderia, para a realização das benfeitorias, no momento em que a coisa é devolvida ao retomante. E o valor das benfeitorias, no estado em que se encontram, no momento da devolução da coisa. Leva-se em conta, portanto, o desgaste e a depreciação da coisa, assim como o decréscimo de sua utilidade, para aferir o seu valor atual.

 

No que se refere ao possuidor de boa-fé, não há direito de opção. A indenização far-se-á por critério único, qual seja, pelo seu valor atual, pouco importando se o possuidor gastou mais ou menos para fazer as benfeitorias. A regra tem lógica. De um lado, não deve o retomante pagar mais do que recebeu. De outro lado, porém, se o custo para fazer a benfeitoria foi inferior ao seu valor atual, justo que receba o possuidor de boa-fé a diferença, porque corresponde àquilo que enriqueceu o retomante. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.185-86. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 17/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Historicamente, o dispositivo em tela tinha a seguinte redação quando da remessa do anteprojeto à Câmara dos Deputados: “O reivindicante, obrigado a indenizar as benfeitorias, tem o direito de optar entre o seu valor atual e o seu custo”. Quando da primeira votação pela Câmara, por subemenda do relator Ernani Satyro, o dispositivo ganhou a redação atual, não tendo sido atingido por qualquer outra espécie de modificação, seja da parte do Senado Federal, seja da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A nova redação procurou atender os reclamos da doutrina e jurisprudência dominantes, tendo em vista que, inversamente ao que ocorria com o Código antigo, faz distinção entre a indenização a ser paga para o possuidor de boa-fé e para o de má-fé. O dispositivo em questão tem redação assemelhada ao art. 519 do CC de 1916, em que pese ter trazido modificações importantes ao texto legal.

 

Doutrinariamente, Trouxe Ricardo Fiuza sua valiosa contribuição, esclarecendo que o reivindicante pode ser titular de direito real (proprietário) ou apenas possuidor que procura retornar o bem que lhe foi esbulhado, por intermédio de ação de reintegração de posse. Assim, há de se interpretar aqui o reivindicante como sendo o titular do direito subjetivo, autor da ação de recuperação do bem litigioso. Faculta o CC ao autor da demanda recuperatória, obrigado a indenizar ao possuidor de má-fé pelas benfeitorias optar entre o respectivo valor atual ou o seu custo. Ocorre que as benfeitorias realizadas podem valer mais ou menos do que teriam efetivamente custado. Ao possuidor de boa-fé, o reivindicante indenizará sempre pelo valor atual. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 631, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 17/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Encerrando o capítulo, no peso de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, conforme a regra em questão, ao indenizar as benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa-fé, o reivindicante utilizará como parâmetro o valor atual daquelas, e não o valor efetivamente gasto à época. Quando se tratar de possuidor de má-fé, poderá o reivindicante optar entre o valor atual das benfeitorias ou o do gasto efetivado à época, devidamente corrigido, a fim de se evitar o enriquecimento sem causa. O código anterior não utilizava o critério da qualidade da posse (boa ou má-fé) para fixar a indenização devida em razão de benfeitorias realizadas, restringindo-se ao seu valor atual ou ao do efetivo custo da época, mas sempre corrigido, em nome da proibição do enriquecimento sem causa. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 17.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.219 - continua Dos Efeitos da Posse - VARGAS, Paulo S. R. - continua

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.219 - continua

Dos Efeitos da Posse - VARGAS, Paulo S. R.

- Livro IIITítulo I – Da Posse (Art. 1.196 ao 1.368)

Capítulo III – Dos Efeitos da Posse (Art. 1.210 a 1.222)

digitadorvargas@outlook.comvargasdigitador.blogspot.com

 

Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

 

No rastreamento de Francisco Eduardo Loureiro, observa-se que o Código Civil de 2002 manteve aqui conteúdo idêntico ao do artigo correspondente do Código de 1916, alterando apenas a redação do preceito.

 

Benfeitorias e acessões: Benfeitorias são obras ou despesas com intervenção humana feitas na coisa, com o propósito de conservá-la, melhorá-la e embelezá-la, como se extrai dos CC 96 e 97 do Código Civil, já comentados na parte geral. Abrangem não só as obras físicas como também os custos de conservação jurídica da coisa. Englobam trabalhos, melhoramentos, acréscimos ou despesas. Não se confundem as benfeitorias com as acessões, que criam coisa nova, nem com a especificação, que altera a identidade da coisa. As duas últimas figuras constituem modos de aquisição da propriedade imóvel e móvel, respectivamente. Em termos diversos, as benfeitorias melhoram coisa já existente, preservando a sua identidade. Alguns autores e julgados entendem que as regras relativas à indenização das benfeitorias úteis se aplicam às acessões, especialmente às construções e plantações, o que não é exato, porque estas têm disciplina própria e algo diversa nos CC 1.253 a 1.259. Apenas para efeito de direito de retenção é que se admite a aplicação analógica, para preenchimento de lacuna no capítulo das acessões, como veremos abaixo. As benfeitorias são acessórias à coisa, razão pela qual a acompanham quando há devolução da posse ao retomante. É esse o motivo pelo qual se cogita de indenização de melhoramentos feitos pelo possuidor, mas que beneficiarão o retomante. Em termos diversos, como as benfeitorias aderem à coisa, o retomante receberá coisa alterada qualitativamente, convertendo-se o direito do possuidor que fez a melhoria em indenização. O mesmo, porém, não ocorre com as pertenças, que, nos termos do CC 93, não são partes integrantes, mas se encontram de modo duradouro destinadas ao uso, serviço ou aformoseamento de uma coisa. As pertenças visam a otimizar o uso de uma coisa, mas gozam de autonomia, podendo dela ser separadas e alienadas separadamente. Logo, o presente artigo não se aplica às pertenças, que podem ser retiradas tanto pelo possuidor de boa-fé como pelo possuidor de má-fé. Tomem-se como exemplos maquinários, veículos ou implementos agrícolas utilizados pelo possuidor em imóvel alheio. A devolução do prédio ao retomante não implica a perda das pertenças do possuidor, que pode levá-las consigo, desde que não haja vedação convencional, afastando, por consequência, o pressuposto da indenização. O CC 1.519 trata das benfeitorias realizadas durante a posse de boa-fé, reservando ao artigo subsequente a disciplina da posse de má-fé. Benfeitorias necessárias e úteis: Assegura-se ao possuidor de boa-fé o direito à indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis. Necessárias são aquelas que visam a conservar a coisa, a mantê-la e a evitar que ela se perca ou se deteriore, tanto natural como juridicamente. Uteis são aquelas que visam a melhorar ou a aumentar a utilização da coisa. Benfeitorias voluptuárias: No que se refere às benfeitorias voluptuárias, de mero deleite, recreio ou luxo, que embelezam a coisa e a tornam mais agradável, tem o possuidor direito à indenização e, se esta não lhe for paga, pode levantá-las, desde que não cause dano à coisa. Note-se que o jus tollendi, ou direito de tolher, está subordinado a duplo requisito, a saber: a) somente caberá se o retomante não efetuar o respectivo pagamento e b) desde que não ofenda a integridade da coisa a que adere.

 

Em outros termos, a opção entre pagar e admitir a retirada da benfeitoria é inicialmente do retomante. Caso ele não exerça a opção do pagamento, nascerá o direito do possuidor de levantar as benfeitorias voluptuárias, desde que não deteriore a coisa na qual se encontram. Afirmam doutrina e tribunais, de modo majoritário, que, se não houver pagamento voluntário nem for possível o jus tollendi, o possuidor não tem direito a reclamar indenização do retomante, perdendo as benfeitorias voluptuárias. Merece tal interpretação detida reflexão. Não diz a lei, de modo claro e expresso, que o possuidor não pode exigir o pagamento das benfeitorias voluptuárias que não puder levar consigo. Sem razão estão aqueles que sustentam que as benfeitorias voluptuárias não valorizam a coisa e que, por tal razão, escapam da indenização. É evidente que o simples fato de serem feitas para deleite e bem-estar do possuidor não significa que sejam desprovidas de valor. Ao contrário. Um afresco de um famoso pintor, um jardim com espécimes raros, uma piscina ou determinadas peças de decoração certamente agregam expressivo valor à coisa e devem ser indenizados, na falta de pagamento voluntário ou de possibilidade de retirada. Entender o contrário consagraria o enriquecimento sem causa do retomante, em detrimento daquele que ignorava os vícios de sua posse. O Código Civil de 2002, que consagra princípios éticos e adota sistema aberto, proporciona bom momento para rever a posição tradicional, quanto à indenização das benfeitorias voluptuárias ao possuidor de boa-fé. Quanto ao jus tollendi, pode o possuidor retirar as benfeitorias voluptuárias, mesmo que isso prejudique a integridade da coisa, desde que proponha reparar cabalmente a deterioração. O que interessa é que, afinal, a coisa remanesça incólume. A questão de classificar as benfeitorias no caso concreto é delicada e deve levar em conta a finalidade econômica da obra em relação à coisa. Como lembra Nelson Rosenvald, a pintura de uma casa, se destinada à conservação, é benfeitoria necessária, mas se feita como mero elemento decorativo é voluptuária. Uma piscina em uma residência é, a princípio, benfeitoria voluptuária, mas em uma academia de esportes é útil. O correto enquadramento das benfeitorias será fundamental para aferir sua indenizabilidade, especialmente no caso de posse de má-fé, bem como o direito de retenção, no caso de posse de boa-fé. O valor das benfeitorias indenizáveis é disciplinado no CC 1.222, adiante tratado.

 

Direito de retenção: Resta a questão versada na parte final deste artigo, que garante ao possuidor de boa-fé exercer o direito de retenção pelas benfeitorias necessárias e úteis, ou seja, a prerrogativa de conservar consigo a coisa até que seja liquidado o crédito. Constitui o direito de retenção medida lateral de coerção ou estímulo para compelir o retomante a efetuar o pagamento devido ao possuidor e evitar o enriquecimento sem causa. Abrange não somente as melhorias como também as despesas necessárias. É próximo da figura da exceção do contrato não cumprido, prevista no CC 476. Enquanto o retomante não cumprir a obrigação de indenizar, o possuidor não cumpre o dever de restituir a coisa. Note-se que, enquanto permanece a coisa retida, a posse é justa, porque fundada cm causa jurídica, de modo que os frutos que então se colham são do possuidor, e este somente responde pela perda ou deterioração se agir com culpa. Divide-se a doutrina sobre a natureza do direito de retenção, se real ou pessoal. Não se encontra enumerado no rol taxativo do CC 1.225, o que induz a sua natureza pessoal. O que importa é que o instituto assegura a conservação de bem alheio a quem é credor de dívida conexa a esse bem. Embora de cunho meramente obrigacional, pode o direito de retenção ser oposto não somente ao proprietário originário como também a qualquer reivindicante ou retomante da coisa possuída. O direito de retenção é uma exceção cabível em ações possessórias e petitórias. Não se admite, portanto, o seu exercício como ação autônoma, podendo, porém, ser alegado em embargos à execução. Além disso, somente se exerce enquanto não há entrega da coisa do possuidor ao retomante. Não alegado oportunamente, nada impede que o possuidor ajuíze ação autônoma com o objetivo de postular indenização das benfeitorias.

 

Acessões e retenção: É entendimento sedimentado da doutrina e dos tribunais que o direito de retenção, previsto de modo expresso para as benfeitorias úteis e necessárias na posse de boa-fé, aplica-se também às construções e plantações. O capítulo que trata das acessões é omisso quanto ao tema, de modo que a interpretação analógica é possível. Se cabe a retenção para a melhoria, com maior dose de razão cabe para a construção em que se fez a melhoria. Nesse sentido está o Enunciado n. 81 do Conselho de Estudos Judiciários do Superior Tribunal de Justiça, com o seguinte teor: “O direito de retenção previsto no art. 1.219 do Código Civil, decorrente da realização de benfeitorias necessárias e úteis, também se aplica às acessões (construções e plantações), nas mesmas circunstâncias”. São dispositivas as regras relativas ao ressarcimento das benfeitorias e ao direito de retenção, porque se referem a direito patrimonial. Valem no silêncio da convenção entre as partes. Podem as partes dispor em sentido contrário, quando a posse decorre de relação jurídica de direito real ou obrigacional, estipulando tanto a não indenizabilidade das benfeitorias como a não retenção pelas benfeitorias indenizáveis. O limite para a autonomia privada, porém, é a existência de normas cogentes em sentido inverso, por exemplo nas relações de consumo, na lei de parcelamento do solo urbano, ou, ainda, se a estipulação ferir os princípios contratuais da boa-fé objetiva, do equilíbrio contratual e da função social do contrato. Disso decorre que o direito à indenização e à retenção - salvo quando protegido por normas imperativas - não pode ser conhecido de ofício pelo juiz, devendo ser alegado pelo interessado. De outro lado, quando a indenização e a retenção integram o equilíbrio contratual, a matéria é cognoscível ex officio. Dispensa-se a reconvenção, uma vez que se trata de exceção substancial, a ser arguida em contestação. O art. 744 do Código de Processo Civil de 1973 (Capítulo III, Dos Embargos à Execução, revogado pela Lei n. 11.382, de 2006 - Grifo Nosso VD - tratava dos embargos de retenção, cabíveis apenas na execução para entrega de coisa certa fundada em título extrajudicial, com menção expressa ao art. 621 do mesmo diploma de 1973, no capítulo II, Da Execução para a Entrega de Coisa, Seção I – Da entrega da Coisa Certa, (Correspondendo, hoje, ao art. 806 §§ 1º e 2º no CPC/2015) (Grifo Nosso-VD). A relevância da questão permanece em relação aos embargos ajuizados antes da reforma processual. Nas execuções por título judicial, o entendimento de nossos tribunais é que a falta de alegação oportuna da exceção, em contestação, leva à preclusão, não podendo a matéria ser agitada em sede de embargos à execução. A mesma regra vale para as ações possessórias ou de despejo, que se incluem nas ações executivas em sentido lato, devendo o direito à indenização por benfeitorias e o correspondente direito de retenção estar reconhecidos na sentença. Também o art. 461-A do Código de Processo Civil/1973 (Elencado hoje na Seção IV – Do Julgamento das ações relativas às prestações de Fazer, de Não fazer e de Entregar coisa, art. 498 do CPC/2015 – Grifo Nosso – VD), segue o mesmo sistema, admitindo-se que o autor, munido de título judicial, promova a apreensão dos bens móveis, ou a imissão na posse de bens imóveis, caso o devedor não cumpra no prazo assinado a obrigação. Há entendimento do Superior Tribunal de Justiça, porém, no sentido de que em ação reivindicatória, se a indenização por benfeitorias e o direito de retenção não foram discutidos na fase de conhecimento, podem sê-lo em fase de execução. Foi decidido que "em ação reivindicatória, quando, como na hipótese, o direito de retenção não foi discutido na fase de conhecimento, os embargos de retenção por benfeitorias podem ser opostos na execução da sentença que a julgou procedente, não importando tal aceitação em ofensa à autoridade da coisa julgada e se afeiçoa ao princípio da economia processual. (STJ, REsp n. 111.968/SC, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 17.08.2000, DJ 02.10.2000)”.

 

Admite Arnoldo Medeiros da Fonseca, em monografia clássica sobre o tema, que “se o retentor houver sido involuntariamente desapossado, cabe-lhe ação para obter a restituição da coisa, de que injustamente o desapossaram” (Direito de retenção. Rio de Janeiro, Forense, 1944, p. 291). A tutela é de natureza possessória a favor do retentor. De outro lado, pode ser concedida liminar em ação possessória contra esbulhador ou turbador que alega direito de retenção, pois somente é retentor o possuidor de boa-fé. A prova do conhecimento do vício, somada aos demais requisitos do art. 927 do CPC/1973, (hoje correspondendo ao art. 561, mesma redação,  no CPC/2015 - Grifo Nosso – VD), são suficientes à concessão da liminar.

 

Merece especial menção o direito de retenção no contrato de locação predial urbana. Dispõe o art. 35 da Lei n. 8.245/91 que o locatário será indenizado pelas benfeitorias necessárias, com prerrogativa de retenção. Quanto às benfeitorias úteis, somente serão indenizáveis se houver prévio consentimento do locador. A norma, porém, é dispositiva, podendo as partes, por cláusula expressa, convencionar a renúncia ao direito de indenização e ao direito de retenção por todas as benfeitorias, inclusive as necessárias. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é voltado para a validade da cláusula de renúncia, porque no contrato de locação não incidem as normas protetivas cogentes do Código de Defesa do Consumidor. A Súmula n. 158 do Supremo Tribunal Federal dispõe que, “salvo estipulação contratual averbada no registro imobiliário, não responde o adquirente pelas benfeitorias do locatário”. A Súmula n. 335 do Superior Tribunal de Justiça reza que “ Nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção”. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.178-81. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 16/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Em sua Doutrina, Ricardo Fiuza menciona ser o dispositivo, um regulador do direito do possuidor de boa-fé ao ressarcimento pelo implemento de benfeitorias necessárias, úteis e voluptuárias (CC 96, § 1º , 2º e 3º). Quanto às voluptuárias , se não lhe forem pagas, poderá o possuidor de boa-fé retirá-las do bem, quando o puder fazer sem causar danos. Poderá ainda exercer o direito de retenção em face do valor aplicado pelas benfeitorias necessárias e úteis. Se a hipótese em concreto for uma ação especial de reintegração de posse (ação de força nova), em que sempre residem os pedidos liminares interditais, havendo benfeitorias realizadas por possuidor de boa-fé, ele deverá alegar, no primeiro momento processual, ou seja, na contestação, sob pena de preclusão, a existência das benfeitorias e de boa-fé, a fim de exercer o seu direito de retenção. Caso a liminar seja concedida inaudita altera pars, deverá agravar de instrumento, a fim de obter o efeito suspensivo da decisão favorável ao postulante. Bibliografia: Joel Dias Figueira Júnior, Ações sincréticas e embargos de retenção por benfeitorias no atual sistema e no 13º  Anteprojeto de Reforma do CPC— enfoque às demandas possessórias; Re Pro, 98 fl.; idem, Liminares nas ações possessórias, São Paulo, Revista dos Tribunais(Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 630, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 16/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Sob o prisma de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, benfeitorias  são obras ou despesas efetuadas em relação a um determinado bem já existente, para conservá-lo, aumentar sua utilidade ou proporcionar maior prazer. Tal conceito as distingue em relação às construções e plantações (CC 1.253). Estas últimas são consideradas acessões, diferente das obras, tidas como coisas novas. As benfeitorias estão descritas no CC 96: a) são necessárias as que têm por finalidade a conservação ou manutenção da estrutura do bem, evitando-se deterioração ou desvalorização; b) Úteis são aquelas que, embora não sendo necessárias, se prestam a aumentar ou facilitar a utilização do bem, gerando maior valorização (ex. edículas e garagens); c) Voluptuárias – aquelas benfeitorias voltadas para o mero deleite, as quais não aumentam o uso habitual do bem, embora o torne mais agradável, podendo até mesmo valorizá-lo (ex. piscina e quadra de esporte). Cabe ao possuidor de boa-fé a indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis realizados no bem, assim como o direito de levantar aquelas voluptuárias, se for fisicamente possível. Em caso negativo, dá-se sua conversão em pagamento.

 

Direito de retenção (ius retentionis) é o permissivo legal que autoriza o possuidor a prosseguir na posse do bem até que seja devidamente indenizado pelo que efetivamente gastou, amparado no princípio que afasta o enriquecimento sem causa (CC 884). Insta saber se o referido direito de retenção se opõe perante terceiro para ter validade (erga omnes), tratando-se de apreensão da coisa para fins de garantia de pagamento ou crédito, de onde o possuidor exerce, efetivamente, o poder jurídico sobre a coisa, elementos estes tipificadores dos direitos reais (Bezerra de Melo, p. 95).

 

Súmula 158 do Supremo Tribunal Federal: “Salvo estipulação contratual averbada no registro imobiliário não responde o adquirente pelas benfeitorias do locatário”.

 

Enunciado 81 do Conselho de Justiça Federal: “O direito de retenção previsto no CC 1.219, decorrente da realização de benfeitorias necessárias e úteis, também se aplica às acessões (construções e plantações) nas mesmas circunstâncias”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 16.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 15 de setembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.216, 1.217, 1.218 Dos Efeitos da Posse - VARGAS, Paulo S. R. - continua

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.216, 1.217, 1.218

Dos Efeitos da Posse - VARGAS, Paulo S. R.

- Livro IIITítulo I – Da Posse (Art. 1.196 ao 1.368)

Capítulo III – Dos Efeitos da Posse (Art. 1.210 a 1.222)

digitadorvargas@outlook.comvargasdigitador.blogspot.com

 

Art. 1.216. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de ­má-fé; tem direito às despesas da produção e custeio.

 

O artigo em estudo, como apontado por Francisco Eduardo Loureiro, se contrapõe ao CC. 1.214, que disciplina a questão dos frutos em relação ao possuidor de boa-fé. Possuidor de má-fé, como acima visto, é aquele que conhece o vício que macula a sua posse. O conhecimento da origem ou do estado ilícito da posse acarreta a responsabilidade do possuidor, que deve devolver todos os frutos colhidos e percebidos, quer sejam naturais, quer sejam civis ou industriais. Também responde o possuidor de má-fé pelos frutos percebidos por terceiro, a quem entregou a posse da coisa usurpada. O legislador, frisando o caráter ilícito da posse de má-fé, imputa ao possuidor o dever de restituir também os frutos que deixou de colher por culpa sua, a partir do momento em que passou a conhecer os vícios da posse. Levam-se em conta, aqui, os frutos que teriam sido percebidos, caso a coisa estivesse em poder de um administrador cuidadoso e probo. Somente se exime o possuidor de má-fé de restituir os frutos não colhidos, se demonstrar que eles se perderam sem culpa sua, ou, então, por algo que o livre de responsabilidade, como o caso fortuito e a força maior. A única prerrogativa que cabe ao possuidor de má-fé é o reembolso das despesas de produção e de custeio, para percepção dos frutos que devolverá ao retomante. A regra tem razão de ser, fundada na cláusula geral do enriquecimento sem causa, hoje positivada no CC 884 do Código Civil. Isso porque, caso a posse da coisa não tivesse sido perdida pelo retomante, este teria de despender certo investimento para colher os frutos da coisa. É exatamente esse valor que deve reembolsar ao possuidor, ainda que este esteja de má-fé. Embora não diga expressamente a lei, o mesmo direito de reembolso cabe ao possuidor de má-fé em relação aos frutos pendentes. Não teria sentido que recuperasse o investimento em relação aos frutos colhidos, mas não em relação aos pendentes, quando a razão que levou à edição da norma é rigorosamente a mesma, qual seja evitar o enriquecimento sem causa do retomante. Aplica-se, então, o parágrafo único do CC 1.214 do Código Civil. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.175. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 15/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Segundo a doutrina de Ricardo Fiuza, o possuidor de má-fé responderá civilmente, indenizando a parte contrária pelos frutos colhidos e percebidos, assim como pelos que por “culpa” sua deixou de perceber, desde o momento da constituição deste estado subjetivo que maculou a sua posse. O ilícito civil praticado que origina a obrigação de indenizar haverá de ser definido em sentença judicial, caso não acordado entre as partes extrajudicialmente. O valor da indenização será fixado com base na qualidade e quantidade dos frutos não colhidos ou percebidos, considerando-se as atividades executadas por um bom administrador.

 

 O conceito de culpa contido no dispositivo é bastante amplo, à medida que ultrapassa as três modalidades clássicas para açambarcar também a culpa grave e o dolo. Para o sistema civil, pouco importa qual a modalidade da “culpa” em que incidiu o possuidor; o que efetivamente conta é que se encontrava de má-fé e, como tal, haverá de responder pelos frutos colhidos e percebidos. bem como pelos que deixou, por culpa sua, de perceber desde o momento em que não mais exerceu poderes de ingerência socioeconômica sobre um determinado bem da vida, com boa-fé. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 628-29, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 15/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Para os autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, caracterizado o vício da posse, o possuidor assume a responsabilização sobre os denominados frutos colhidos e já percebidos, a partir daquele momento, assim como por aqueles frutos sobre os quais tinha a missão de percebê-los, em razão do tempo e condições devidas. O artigo repete o conteúdo já disposto no parágrafo único, do CC 1.214. acima, externando o legislador o direito de o possuidor de má-fé ser ressarcido em caso de gastos com custeio e produção dos frutos sob sua custódia, evitando o enriquecimento sem causa alheio. Como é de se observar, trata-se do mesmo conteúdo material constante do CC 1.214, sendo que aquele se reporta ao possuidor de boa-fé  e este, ao de má-fé, com as mesmas consequências jurídicas relacionadas à percepção dos diferentes frutos pelo possuidor, sendo, pois, dois lados da mesma moeda. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 15.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.217. o possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que não der causa.

 

O artigo em exame, na visão de Francisco Eduardo Loureiro, diz respeito aos riscos da coisa possuída. O que se disciplina é a distribuição dos riscos de perda e de deterioração da coisa, se atribuídos ao possuidor ou ao retomante. A perda pode ser física ou jurídica, tanto pelo perecimento material, com esgotamento da substância, como pelo apoderamento por terceiro, ou por estar a coisa em local inacessível. A deterioração é a avaria da coisa, provocando a sua desvalorização ou o comprometimento parcial de sua utilidade. Pode também ser física, com o desfalque material da coisa, como jurídica, por estar a coisa gravada ou onerada em favor de terceiro. O princípio maior está explicitado no período inicial do preceito, vale dizer, o possuidor de boa-fé não responde pelos riscos de perda ou deterioração da coisa, se a eles não der causa, agindo de modo culposo ou doloso. Em termos diversos, se a coisa se perder ou se estragar sem culpa do possuidor, o risco é do retomante. O possuidor se exonera do dever de devolver a coisa incólume, ou o seu equivalente em dinheiro, acrescido cie perdas e danos. Note-se que a regra tem perfeita simetria com o disposto no CC 238, que regula a mesma situação no âmbito dos direitos de crédito, consagrando o aforismo res perit domino. O retomante, que pode ou não ser o dono, é que arca com o risco da coisa. Caso a coisa possuída seja fungível, porém, a regra é outra. Vale então o aforismo genus nunquam perit, podendo o possuidor, desde que antes da escolha, devolver coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade ao retomante. Em tal caso, o risco pela perda ou deterioração da coisa, em vista de sua natureza, desloca-se do retomante para o possuidor.

 

A parte final do artigo faz a ressalva de que o possuidor se exonera do risco de perda ou deterioração “a que não der causa”. A expressão causa equivale, aqui, a culpa. O possuidor não responde pelo risco, se não agiu com dolo ou culpa, ou, então, se presentes as excludentes do caso fortuito ou da força maior. Mais uma vez é fundamental conhecer o exato momento em que a posse de boa-fé se converteu em posse de má-fé, com o conhecimento do vício que afeta a coisa, porque constituirá o marco da inversão dos riscos da coisa. Remete-se o leitor ao comentário dos CC 1.201 a 1.203. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.176. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 15/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Simples observação na doutrina de Ricardo Fiuza, apontando o dispositivo regular a irresponsabilidade civil do possuidor de boa-fé pela perda de ou deterioração do bem a que não der causa. A responsabilidade existirá somente para as hipóteses de dolo ou culpa. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 629, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 15/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Para os autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a boa-fé do possuidor afasta a possibilidade de responsabilização pela perda ou deterioração da coisa, ressalvados os casos em que der causa ao evento danoso. É a situação psicológica de ignorância ou desconhecimento de que a posse pertença a outro que faz o ordenamento afastar a responsabilização deste possuidor por conta de extravio ou dilapidação do bem, desde que não tenha contribuído de alguma forma, para a ocorrência desta situação desastrosa. Entretanto, é preciso mirar com maior restrição o comando legal acima, pois o possuidor de boa-fé só deverá ser responsabilizado quando verificado o dolo em relação à deterioração ou perda do bem, e não quando agir com mera culpa, salvo no caso de culpa grave, eis que essa se equipara ao dolo (Rodrigues, 69). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 15.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.218. O possuidor de má-fé responde pela perda, ou deterioração da coisa, ainda que acidentais, salvo se provar que de igual modo se teriam dado, estando ela na posse do reivindicante.

 

Sob o prisma de Francisco Eduardo Loureiro, o possuidor de má-fé conhece a origem ilícita ou os vícios que afetam a sua posse. Sabe que deve devolver a coisa ao retomante, mas não o faz. Por isso é responsável pela perda ou deterioração da coisa, quer aja com culpa, quer aja sem culpa. Responde, por consequência, por todos os prejuízos que sofrer a coisa possuída que sejam resultado direto ou indireto de sua posse indevida. O preceito tem simetria com o CC 399, que no campo dos direitos obrigacionais disciplina a responsabilidade do devedor em mora. Do mesmo modo que a mora perpetua a obrigação, deslocando para o devedor todos os riscos da impossibilidade da prestação, ainda que resulte de caso fortuito ou força maior, situação similar ocorre no campo do direito das coisas. O possuidor de má-fé que ou praticou o ato ilícito ou ao menos conhece o vício que afeta a sua posse atrai para si todos os riscos de perda ou deterioração da coisa, ainda que resultante de caso fortuito ou força maior. Explica-se o rigor da norma por uma razão lógica, qual seja: se a coisa estivesse em poder do retomante em vez de indevidamente em poder do possuidor por meio ilícito de aquisição, o evento danoso não teria ocorrido. Dizendo de outro modo, se o possuidor não tivesse tomado ilicitamente a coisa, ou, então, se a tivesse devolvido em tempo oportuno, ela não se perderia, nem se estragaria. É por isso que não se cogita de culpa do possuidor na perda ou deterioração da coisa. A culpa já está presente em momento anterior, no próprio ato de apoderamento ilícito ou de ciência posterior da má origem da posse, com inobservância do dever de restituir a coisa a quem de direito. Essa situação atrai para o possuidor todos os riscos, inclusive os de perda ou deterioração decorrentes de força maior ou caso fortuito. Como acima dito, basta que o prejuízo seja consequência direta ou indireta da posse viciada e de má-fé.

 

A única exceção da responsabilidade do possuidor encontra-se na parte final do artigo em estudo, que soa “salvo se provar que de igual modo se teriam dado, estando ela na posse do reivindicante”. A regra tem razão de ser, porque aqui não mais se cogita de culpa do possuidor, mas sim da ausência de nexo de causalidade entre a posse de má-fé e o prejuízo do retomante. Dizendo de outro modo, se a perda ou deterioração era inevitável e ocorreria quer a coisa se encontrasse em poder do possuidor, quer se encontrasse em poder do retomante, o prejuízo não foi consequência do ato ilícito e teria ocorrido de todo modo. Perpetuar em tal hipótese o risco do possuidor teria o efeito de enriquecimento sem causa do retomante. Note-se que a parte final deste artigo carreia ao possuidor, em tal hipótese, o ônus não só de demonstrar a ausência de culpa no evento mas sobretudo a ausência de nexo causai, provando a falta de relação de causa e efeito entre a posse de má-fé e o prejuízo. Um exemplo ilustra a matéria. Alguém tomou emprestado, em comodato por prazo certo, um veículo e um imóvel de outrem. Escoado o termo, não foram as coisas devolvidas ao comodante, e as posses, que eram justas, tornaram-se injustas e de má-fé, marcadas pelo vício da precariedade, de conhecimento do possuidor. O veículo se perde, porque roubado em um semáforo, e o imóvel se deteriora em virtude de uma inundação. O possuidor de má-fé responde pelo valor do veículo roubado, acrescido de perdas e danos, porque, se o tivesse devolvido a tempo, o roubo não teria ocorrido naquele exato local e circunstâncias. No que se refere ao imóvel, a solução é inversa, uma vez que a enchente o atingiria, quer estivesse de posse do retomante, quer em poder do possuidor de má-fé, salvo se o primeiro demonstrar que faria obras ou melhorias que evitariam o sinistro. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.177. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 15/09/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Segundo a visão de Ricardo Fiuza, a única exceção à responsabilidade civil de indenizar encontra-se na possibilidade de o possuidor de má-fé provar que o resultado danoso ocorreria do mesmo modo, se o bem estivesse em poder do postulante (“reivindicante”). Tendo em vista que o dispositivo faz uso da expressão “reivindicante”, não é difícil concluir que a hipótese pressupõe a prática de ato espoliativo (perda do bem). Contudo, a palavra reivindicante não está a indicar a propositura de ação reivindicatória, mas acena para a existência de ajuizamento de ação de recuperação do bem da vida litigioso. Ora, se a situação é possessória, em princípio a demanda haveria de ser interdital (reintegração de posse). De qualquer sorte, o dispositivo faz alusão à demanda ressarcitória (indenização por perdas e danos); portanto, a interpretação a ser dada é que se esta diante de uma ação única de indenização ou de ação de reintegração de posse de indenização, onde a palavra “reivindicante” encontra-se empregada como sinônima de “postulante”, ou seja, aquele que “reivindica” em juízo alguma coisa, no caso, a indenização em face do esbulho praticado que se agrava pela perda ou deterioração do bem, ainda que acidentais, estando o possuidor de má-fé. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 629, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 15/09/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Seguindo a mesma observação feia anteriormente, acena Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, este preceito dizer respeito ao lado inverso da mesma moeda, ditado pelo conteúdo do CC 1.217 acima. O disposto acima se reporta ao direito protetivo do possuidor de boa-fé em relação à deterioração da coisa sob seus cuidados. Neste, inversamente, rege a situação do possuidor de má-fé no que tange a esses mesmos bens. O que se destaca aqui – sendo traço diferenciador – é que o possuidor de má fé responderá pela perda ou deterioração da coisa mesmo que se verifique a ocorrência de caso fortuito  ou força maior. Sua responsabilização ficará afastada, tão somente, no caso de ficar provado que a dilapidação ocorreria, de qualquer maneira, se os bens estivessem em poder daquele que reivindica. A doutrina costuma se referir à força maior, como aqueles acontecimentos típicos e originários da própria natureza. São acontecimentos inevitáveis, porém previsíveis. Assim, é possível prever tecnologicamente, por exemplo, a ocorrência de um tsunami, ainda que seja algo até hoje inevitável.

 

caso fortuito é descrito como sendo um acontecimento inevitável e também imprevisível. Como não há forma de se prever, o acontecimento se torna, pois, irreversível, tal como um súbito assalto a mão armada num estacionamento de shopping, local de onde se espera a mínima segurança. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 15.09.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).