sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Direito Civil Comentado - Art. 763, 764, 765 - DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

 Direito Civil Comentado - Art. 763, 764, 765
- DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

 (Art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO – Seção I

Disposições Gerais - (art. 757 a 777)


 

Art. 763. Não terá direito a indenização o segurado que estiver em mora no pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgação.

 

Saindo da tabula rasa com Claudio Luiz Bueno de Godoy, o pagamento do prêmio do seguro é a prestação principal e básica, embora não a única, a que se obriga o segurado. É a nota de onerosidade do contrato de seguro, em que, justamente mediante o pagamento do prêmio, se contrata a garantia a um interesse legítimo contra risco potencial de lesão. Ou, se se pensar no universo maior de mutualismo em que o seguro se insere, o prêmio é, a rigor, a contribuição do segurado ao fundo que a seguradora gere e de que se retira o quanto necessário a se honrar a garantia, em caso de sinistro (ver comentário a CC 757). O prêmio, conforme a convenção das partes, pode ser pago de uma só vez, ou de forma fracionada, em data também ajustada.

 

A exigência de pagamento de prêmio do seguro sempre levou alguns autores à sustentação de se tratar de contrato real, somente aperfeiçoado com aquela quitação. Contudo, de acordo com o CC 758, o contrato de seguro se forma com o consenso e se prova com a apólice ou bilhete, de maneira normal, independentemente, assim, do pagamento do prêmio, que se faz por causa de uma obrigação já assumida. A propósito do debate, vale conferir a lição de Orlando Gomes (Contratos, 9.ed. Rio de Janeiro, Forense, 1983, p. 474-5), para quem, afinal, o pagamento do prêmio significa condição de eficácia do contrato. E, de tal arte que, uma vez impago, inexigível a cobertura, em caso de sinistro. Essa é a regra, a rigor, disposta no artigo em discussão, mais ampla, destarte, da contida no art. 1.436 do Código revogado, adstrita ao retardo provocado por falência ou incapacidade do segurado. De resto, já a legislação especial previa que o não pagamento do prêmio inviabilizava a exigência do valor segurado, ocorrido o sinistro, permitindo mesmo o cancelamento da apólice (veja Decreto n. 60.459/67, que, nessa parte, alterou o Decreto-lei n. 73/66 e comentário ao artigo seguinte, sobre os prêmios já pagos).

 

Entretanto, algumas ressalvas se impõem. Em primeiro lugar, mesmo antes da edição do Código de Defesa do Consumidor, defendia-se eu o Decreto n. 60.459/67 tivesse ido além de sua função reguladora, ao possibilitar o cancelamento da apólice no caso de não pagamento do prêmio, no prazo devido (ver, por todos: Silvio de Salvo Venosa. Direito civil, 3.ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. III, p. 391), tanto mais quando o art. 12 do Decreto-lei n. 73/66 estabelecia, originariamente, a suspensão da cobertura, todavia com possibilidade de purgação pelo segurado, ao mesmo tempo que o Código Civil de 1916 estipulava incidência de juros sobre o prêmio não pago (art. 1.450), chocando-se com a aceitação de uma resolução automática (ver, a respeito, Francisco Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, 3.ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1984, t. XLV, § 4.919, n. 4, p. 314). Não é só. Entendia-se, ainda, que o cancelamento tout court conflitava com a própria previsão legal de cobrança executiva. Contudo, decerto que, após a vigência da Lei n. 8.078/90, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, é inviável cogitar a imediata resolução do ajuste securitário, de forma automática, pelo simples fato do não pagamento (art. 51, IV e XI, e § 1º, I e III, do CDC). Em segundo lugar, evidente que, efetuada a cobrança do prêmio pela rede bancária (art. 6º, § 2º, do Decreto n. 60.459/67), eventual retardo não pode prejudicar o segurado e seu direito ao recebimento do valor segurado, em caso de sinistro. Em terceiro lugar, corriqueiramente prevista nas apólices a suspensão da cobertura na hipótese de retardo, o pagamento do prêmio, recebido sem qualquer ressalva, não pode ensejar negativa de cobertura de sinistro já ocorrido. Por fim, vale menção à tese do adimplemento substancial, típica revelação do solidarismo na relação contratual, e mercê da qual se evita a resolução quando o contrato se tiver cumprido na relação contratual, e mercê da qual se evita a resolução quando o contrato se tiver cumprido quase por inteiro, ou seja, quando suas prestações se tiverem adimplido quase de maneira perfeita, como, por exemplo, nas hipóteses em que apenas a última parcela do prêmio tenha sido inadimplida, preferindo-se, então, a cobrança coativa, mas mantendo-se o ajuste (a matéria é examinada com mais detalhe, à luz da função social do contrato e de sua operatividade (Claudio Luiz Bueno de Godoy. A função social do contrato, 2.ed. São Paulo, Saraiva, 2007), o que vale também para o contrato de seguro cumprido em parcela significativa pelo segurado. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 785-786 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Aplicando a doutrina de Ricardo Fiuza, o levantamento da mora pelo segurado inadimplente ao pagamento de parcela do prêmio, antes do sinistro, constitui, pela dicção legal, pressuposto necessário para que venha a seguradora a responder pela cobertura secuntária. Acaso ocorra o sinistro, estando em mora o segurado, este não terá direito, em princípio, a qualquer indenização, porque no aludido período resultou sobrestado o contrato em seus efeitos ante a superveniência da mora, liberando, temporariamente, a seguradora da responsabilidade pelos riscos assumidos. E o que agora dita claramente a norma, quando antes tratou o CC de 1916 apenas da hipótese de falência ou interdição do segurado, estando em atraso nos prêmios (art. 1.451).

 

A jurisprudência tem oferecido solução divergentes. Vejamos: 1. “Se não for paga a última parcela do prêmio o seguro caduca. O pagamento da indenização depende do pagamento do prêmio devido, antes do sinistro” (RI’. 488/119); 2. “Nos contratos de seguro, a cláusula contratual prevendo a perda do direito à indenização pelo atraso ou falta de pagamento do prêmio, mormente se inadimplidas apenas as duas últimas prestações, é abusiva e iníqua. Pois coloca o segurado em admissível desvantagem, uma vez que lhe acarreta a perda total da cobertura securitária, embora a seguradora tenha recebido a quase-totalidade do valor do prêmio” (RI’ 773/254), a saber, ademais, reconhecido, o efeito retrooperante de reabilitação da apólice, quando satisfeitos os juros moratórios no prazo de tolerância usualmente concedido pela seguradora, não implicando, daí, a sua caducidade.

 

Em julgado paradigma, o STJ assim se posicionou: “Seguro. Inadimplemento da segurada. Falta de pagamento da última prestação. Adimplemento substancial. Resolução. A companhia seguradora não pode dar por extinto o contrato de seguro, por falta de pagamento da última prestação do prêmio por três razões: a) sempre recebeu as prestações com atraso, o que estava, aliás, previsto no contrato, sendo inadmissível que apenas rejeite a prestação quando ocorra o sinistro; b) a segurada cumpriu substancialmente com a sua obrigação, não sendo a sua falta suficiente para extinguir o contrato; c) a resolução do contrato deve ser requerida em juízo, quando possível será avaliar a importância do inadimplemento, suficiente para a extinção do negócio” (STJ. 4’T., REsp 76.362-M’E rel. Mm. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 1-4-1996). Nesse julgado foi sustentada a aplicação do adimplemento substancial, definido pelo Prof. Clóvis do Couto e Silva como “um adimplemento tão próximo do resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitindo tão-somente o pedido de indenização e/ou de adimplemento, de vez que aquela primeira pretensão viria a ferir o princípio da boa fé” (apud Aneise Becker. A doutrina do adimplemento substancial no direito brasileiro e em perspectiva comparativista, Revista da FDUFRS, 9-1/60, 1993). Em consequência, admitiu-se procedente o direito da segurada à indenização, deduzido o valor do prêmio em atraso, com juros e correção monetária.

 

Pois bem: na esteira desse julgado, é de entender cabível, mesmo com o advento do dispositivo em comento, a impossibilidade da resolução do contrato, quando reiterado o exercício da seguradora em receber as prestações com atraso e/ou reconhecida a insignificância do inadimplemento em cotejo da parte substancialmente atendia pelo segurado. De tal sorte, o direito de o segurado ser credor da prestação da cobertura securitária, preponderando, em seu favor, o princípio do adimplemento substancial e descabendo a resolução. Com a palavra os doutos e os pretórios. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 401 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Segundo entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o seguro é contrato aleatório, porque as partes não têm como prever se o sinistro ocorrerá e, portanto, se haverá a obrigação de a seguradora pagar a indenização ao segurado. A incerteza quanto ao sinistro é da essência do contrato, pois o lucro da seguradora resulta da não ocorrência de sinistro em grande número dos contratos que fizer. Para que haja a incerteza, o prêmio deve ser pago antes do sinistro, pois, do contrário, se se permitir à parte o pagamento após a ocorrência do sinistro haverá sempre o risco de que o pagamento do prêmio somente será concretizado após o evento. Há, pois, razão para o rigor da regra.

 

Apesar disso, a jurisprudência admite algumas exceções com base no adimplemento substancial do contrato. Se o atraso é mínimo e resta claro a inexistência de má-fé do segurado, admite-se que a obrigação da seguradora pagar a indenização persiste:

 

É devida a cobertura do sinistro, mesmo que o segurado não pague a última parcela do prêmio, já que ocorreu adimplemento substancial (substancial performance), não admitindo o ordenamento pátrio a dissolução do vínculo fundada em inadimplemento relativo. Além do mais, a segurador recebeu outras prestações após o vencimento. Precedentes do STJ (TJRS, AC 595069923, j. 01.08.1996, Des. Araken de Assis). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 31.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 764. Salvo disposição especial, o fato de se não ter verificado o risco, em previsão do qual se faz o seguro, não exime o segurado de pagar o prêmio.

 

Na toada de Claudio Luiz Bueno de Godoy, este artigo repete o que já dispunha, na primeira parte, o art. 1.452 do Código de 1916, ou seja, o cálculo do prêmio se faz pela probabilidade de ocorrência do sinistro durante o período de vigência do ajuste. Por isso se paga o prêmio no interregno contratual, obrigando-se a seguradora a manter hígida a garantia contratada, i.é, a manter solvável o verdadeiro fundo que o seguro induz, com a contribuição do universo dos segurados, ao sabor do mutualismo que o caracteriza.

 

De todo modo, porém, e com a ressalva que a proposito já se efetivou no comentário ao CC 757, versando sobre a tese comutativa do seguro, tradicionalmente se vê no preceito em pauta a evidenciação da natureza aleatória do contrato. Isso porque o prêmio será devido pelo tempo do ajuste, independentemente de se verificar ou não o sinistro, ou seja, da conversão em fato do risco coberto, garantido pela contratação, o que significa dizer que o prêmio não se liga ao acontecimento futuro que é incerto, ou de data incerta, dependente da álea, e nunc da vontade exclusiva de qualquer das partes. Na verdade, como já se disse, isso se dá porque o prêmio, a rigor, destina-se à constituição de um fundo da massa de segurados, gerido pelo segurador, servindo como contrapartida da garantia contratada, pelo tempo do ajuste. Tal hipótese, todavia, não deve ser confundida, ao que se entende, com aquelas de resilição bilateral (distrato) ou mesmo de resolução do ajuste – por exemplo, por inadimplemento -, levando em conta as observações a respeito efetivadas nos comentários ao artigo antecedente, que implicam, sem prejuízo de eventual composição de perdas e danos ou de incidência de cláusula penal, a proporcionalização do prêmio pelo período de vigência, mesmo à luz da legislação consumerista. Pense-se no prêmio pago de uma só vez ou em poucas parcelas, não coincidente com o total de meses de vigência de ajuste antecipadamente resolvido. A devolução proporcional, então, deverá ser feita como imperativo de equidade no ajuste, já que não verificada a cobertura pelo tempo integral originalmente previsto, ainda que com a consideração dos danos comprovadamente provocados pela inexecução ou da cláusula penal que se tenha estabelecido, embora sem excluir a previsão de redução, se excessiva (CC 413 e CDC 53).

 

Em relação ao art. 1.452 do Código Civil de 1916, o CC/2002 tão somente suprimiu a parte final que referia o seguro marítimo, tratado pelo Código Comercial, mediante ressalva que hoje está na parte inicial do dispositivo em discussão. Aliás, pela lei comercial, já se previa a devolução do prêmio por seguro atinente a risco que não se efetivou, porque não iniciada a viagem (art. 692 do Código Comercial), assim como a devolução parcial (art. 684 do Código comercial), ou seja, exatamente o mesmo princípio de equidade, anteriormente aludido, que vale para o seguro civil, nos termos expostos. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 786-787 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Apontado pela doutrina, Judith Martins-Costa, com percuciente estudo da responsabilidade pré-negocial, em obra clássica sobre a boa-fé (A boa-fé do direito privado – sistema e tópica no processo obrigacional, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999), aponta que os fatos indutores dessa responsabilidade situam-se em fase antecedente à celebração contratual, e, pela sua relevância no iter contractus, tais relações de trato haverão de exigir uma conduta pré-contratual pontificada pela boa-fé. Realça, com fado escólio doutrinário, citando E Benatti, que “a relação dirigida à conclusão de um negócio torna-se fonte da obrigação de comportar-se com boa-fé no momento em que surge para uma ou para cada uma das partes confiança objetiva na outra”. Assim, diante do elemento da “confiança legítima” e de sua vulneração, verificamos, com a notável mestra, incluídos “os casos de dano decorrentes de informações falsas ou insuficientes acerca do objeto do contrato”, o que representa a quebra de um dever jurídico, o de informação, “em razão do contrato a celebrar”. Ora, o princípio da boa-fé permeia toda a construção dinâmica do contrato, importando, por isso, também considera-lo nos âmbitos produtivos da responsabilidade pré-negocial e da pós-execução contratual, nada justificando que a norma em comento limite-se à conclusão e execução do contrato.

 

Em atenção ao comentado no CC 422 e por identidade substancial com aquela norma, impõe-se o aperfeiçoamento do presente dispositivo, a considerar a probidade e a boa-fé em todo o sistema contratual, nele incluídas as fases: preparatória e pós executória. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 402 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Como depreende Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo não tem boa redação. No contrato de seguro, o risco, i.é, o perigo de prejuízo ao bem assegurado sempre existe, a menos que o próprio bem não exista e, então, será nulo o contrato. O que pode ou não acontecer é o sinistro, o evento danoso que atinge o bem assegurado. O segurado paga o prêmio para obter garantia contra a ocorrência do sinistro. Portanto, ainda que findo o prazo contratual sem que o sinistro ocorra, fica o segurado obrigado a pagar o prêmio, uma vez que o dever de assegurar o risco terá sido mantido pela seguradora durante todo o contrato. Há, pois, causa para o pagamento. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 31.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.

 

Sugere Claudio Luiz Bueno de Godoy, este artigo, em redação mais ampla que a do art. 1.443 do Código anterior. Mas tal já lá se pretendia, exigir de maneira muito especial que, no contrato de seguro, ajam as partes com probidade e lealdade. Isso porque, como se disse nos comentários ao CC 757, o seguro encerra contrato essencialmente baseado na boa-fé. Lembre-se que, no seguro, contrata-se uma garantia contra um risco, qual seja, o de acontecimentos lesivos a interesse legítimo do segurado, mediante o pagamento de um prêmio, tudo fundamentalmente calculado com base nas informações e declarações das partes, cuja veracidade permite uma contratação que atenda a suas justas expectativas. É uma equação que leva em conta a probabilidade de ocorrência do evento que será garantido, assim impondo-se estrita observância à boa-fé dos contratantes, especialmente em suas informações e declarações (veja comentário ao artigo seguinte), pra que ambos tenham sua confiança preservada na entabulação.

 

A rigor, o presente dispositivo repete, para o contrato de seguro, a mesma exigência que, em geral, o Código estabeleceu, no CC 422, para todos os contratos, ocupando-se, porém, de especificá-lo no seguro dada sua características intrínseca de especial dependência da veracidade das partes para que a contratação se ostente equânime e solidária. E mais: se se concretiza, como dito, princípio já insculpido na parte geral dos contratos, em seu CC 422 está o preceito, tal como lá se pretendeu, a impor não só a boa-fé subjetiva, aquela cuja aferição passa, necessariamente, pela verificação do estado anímico do sujeito – por exemplo, a boa-fé da posse ou do casamento, envolvendo sempre a crença ou ignorância do indivíduo em óbice a sua posse ou a seu casamento -, mas, antes, e também, a chamada boa-fé objetiva, uma regra de conduta, um padrão de comportamento veraz, reto, honesto, que se espera de pessoas leais, solidárias. Tem-se, a rigor, verdadeiro imperativo de origem constitucional (art. 3º, I, da CF), a par de sua positivação, no Código Civil de 2002, em diversas passagens, dentre as quais as dos CC 422 e 765, aqui em discussão. É um agir independente do ânimo do sujeito, de sua proposital deliberação, de acordo com aquele imaginado padrão de conduta leal. Aliás, já no Código de 1916 entendia-se a norma do art. 1.443 como caso único de revelação positiva da boa-fé objetiva – talvez com menção explícita, uma vez que o mesmo princípio animava, só para citar um exemplo, a disposição do CC 875.

 

Vale notar, por fim, que nem só na contratação e execução do contrato as partes devem se portar conforme a boa-fé. Já antes da contratação e depois dela (post pactum finitum) devem fazê-lo, como se tenciona venha a ser redigido o CC 422 e, em sua esteira, o artigo em pauta, por meio da aprovação do Projeto de Lei n. 276/2007, já de modificação do Código Civil. O artigo seguinte trata da mesma preocupação com a boa-fé. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 788 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na toada de Ricardo Fiuza, só nos aparece a Sugestão legislativa: Em face do acima exposto, apresentamos ao Deputado Ricardo Fiuza sugestão para alterar este texto, que passará a contar com a seguinte redação:

 

Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar assim nas negociações preliminares e conclusão do contrato como em sua execução e fase pós-contratual, os princípios de probidade e boa-fé, a mais estrita veracidade e tudo o mais que resulte da natureza do contrato, da lei, dos usos e das exigências da razão e da equidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 402 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Sob o prisma de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, no contrato de seguro exige-se das partes especial observância ao princípio da boa-fé. A inexatidão das informações sujeita o segurado á perda do direito à indenização (CC 766; Dec.-lei n. 73/66, art. 11, § 2º), assim como o comportamento do segurado que agrava o risco (CC 768). De outro lado, a seguradora sujeita-se ao pagamento em dobro do prêmio ao segurado se, no momento da contratação, sabia não mais haver o risco. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 31.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Direito Civil Comentado - Art. 760, 761, 762 - DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 760, 761, 762
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Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

 (art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO – Seção I

Disposições Gerais - (art. 757 a 777)

 

 

Art. 760. A apólice ou o bilhete de seguro serão nominativos, à ordem ou ao portador, e mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido, e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário.

 

Parágrafo único. No seguro de pessoas, a apólice ou o bilhete não podem ser ao portador.

 

Para o mestre Claudio Luiz Bueno de Godoy, a apólice ou o bilhete são, como se vem acentuando nos comentários aos artigos anteriores, os instrumentos escritos do contrato de seguro. Servem à demonstração de sua existência, ou à sua prova, embora outros documentos a tanto também se prestem (CC758). Devem conter, antes de mais nada, a exata identificação do risco coberto. Como já se salientou na análise do CC 757, o risco, no contrato de seguro, é o acontecimento de ocorrência incerta, ou de data incerta, e independente da vontade exclusiva das partes, que desencadeia, uma vez convertido em fato – o chamado sinistro -, a obrigação do segurador de cumprir sua prestação contratual. Daí dizer-se eu o risco, a rigor, é a previsão de sinistro contra o que se faz o seguro. Assim, a apólice ou bilhete têm de identificar, de forma precisa, qual o risco coberto, que deve se ligar a um fato lícito, não se permitindo cobertura de risco decorrente de atividades ilegais ou imorais.

 

Na apólice e no bilhete devem estar consignadas, também, as datas de início e de término de sua validade. Tal indicação, no caso de prévia proposta, deve ser consonante com o declarado por meio dela, ou, como determina o Decreto-lei n. 73/66, nessa parte com redação dada pelos Decretos-lei n. 168/67 e 296/67, o início da vigência da apólice tem de ser emitida em até quinze dias da aceitação. Trata=se de previsão que poderá servir de indicativo probatório para quando não houver apólice, mas aí sem exclusão de qualquer outra prova atinente a características do caso concreto, sempre levando em conta que o seguro se aperfeiçoa com o consenso e pode ser provado por qualquer outro documento escrito, além da apólice e do bilhete.

 

Desses instrumentos constarão, ainda, o limite da garantia e o prêmio devido, ou seja, o máximo do valor a pagar ao segurado, em caso de sinistro, além da quantia que lhe incumbe pagar para fazer jus a essa cobertura. De resto, o valor do prêmio se fixa também e justamente pelo teto da garantia estipulada. Nesse ponto, é importante não confundir o limite, que é a medida da garantia que presta o segurador, gerindo aqui assentada a perspectiva mutualista do ajuste – o fundo comum da massa de segurados, com o valor do ressarcimento a ser pago em caso de sinistro, que, ao menos para o seguro de dano, corresponderá, pelo princípio indenitário, ao prejuízo experimentado, sempre no limite máximo do importe garantido. O pagamento do prêmio se fará na forma e tempo ajustados pelas partes.

 

Ademais, o instrumento escrito do seguro deve atender às instruções da Susep, especialmente no que tange a suas condições gerais. No entanto, importa não olvidar que cláusulas restritivas devem estar em consonância com a exigência, da legislação consumerista, de redação clara e em destaque (arts. 46 e 54, § 3º), o que muito comumente não ocorre. Mesmo no Código Civil houve especial preocupação com os contratos de adesão (CC 424 e 425), como, em geral, são os de seguro.

 

Salvo no caso de seguro de pessoa, em que ela deve ser identificada, a apólice ou bilhete, além de nominativos, podem ser emitidos à ordem e ao portador. Serão nominativos pela indicação do segurador e do segurado e, quando estipulados em favor de terceiro, do beneficiário. Serão à ordem quando transferíveis por endosso, mas em preto, como o exige o CC 785. Quando emitidos ao portador, sua transferência se dá por mera tradição, não obstante, como ressalva José Maria Trepat Cases (Código Civil comentado, coord. Álvaro Vilaça Azevedo, São Paulo, Atlas, 2003, v. VIII, p. 222), o disposto na Lei n. 8.021/90, que veda o resgate de qualquer título sem identificação do beneficiário.

 

Por fim, é ainda costume diferenciar as apólices simples, que precisam o objeto do seguro, e as flutuantes, inerentes à substituição dos objetos segurados, assim chamadas por sua globalidade. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 783 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 30/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Para a doutrina de Ricardo Fiuza, Apólice ou bilhete são os instrumentos do contrato, consignando os riscos assumidos, o período de validade da cobertura e o seu respectivo limite, bem como o valor a ser pago pelo segurado, que se denomina “prêmio”, e, ainda, conforme espécie, nominando o segurado e o beneficiário do seguro. A exposição circunstanciada colima em definir a responsabilidade da seguradora e os interesses protegidos pelo contrato.

 

Dizem-se nominativas as apólices que identificam nominalmente a seguradora e o segurado, e, ainda, o terceiro beneficiário, quando existente; figurando aquele que contrata em favor deste último como estipulante. Desde que autorizado o contrato, são transferíveis por cessão do direito.

 

Apólices à ordem são as que operam a transmissibilidade pela forma do endosso. 


Consideram-se apólices ao portador, quando produzem os seus efeitos em favor de quem as detenhas, por transferência informal. Nesse particular, o parágrafo único da norma em exame veda tal espécie de apólice quando se refira a seguro de pessoa, o que repete a parte final do capta do art. 1.447 do CC/1916.  (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 400 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 30/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, na apólice devem constar as seguintes cláusulas: riscos cobertos (não admite interpretação extensiva), prazo, limite da garantia, prêmio devido.

 

As apólices podem ser nominativas, à ordem ou ao portador (menos a de seguro de vida). Simples ou individuais; flutuantes (sobre coisas fungíveis) ou coletivas.

 

As cláusulas do seguro são gerais, especiais ou particulares. As condições gerais são cláusulas contratuais fixadas pela Susep relativas a cada modalidade de seguro (art. 36, c, Dec.-lei n. 73/66; art. 3º, Dec. n. 60.459/67). Condições especiais são cláusulas que estabelecem modalidades de cobertura para um mesmo plano. Condições particulares ou especificas são cláusulas peculiares a um determinado contrato. (Circular Susep n. 90/99, Anexo I, art. 1º). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 30.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 761. Quando o risco for assumido em cosseguro, a apólice indicará o segurador que administrará o contrato e representará os demais, para todos os seus efeitos.

 

No diapasão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o cosseguro regrado de forma expressa no Código Civil de 2002, o que não se verificava no anterior, é uma das formas de seguro múltiplo, em que se dá uma repartição da responsabilidade do segurador. É a pulverização do risco assumido por mais de uma empresa seguradora. Trata-se de operação econômico-contratual única, apesar de o Código atual permitir a emissão de uma única apólice, mas com uma seguradora líder que opera o seguro e representa as demais.

 

A responsabilidade de cada seguradora é por uma parte do total do seguro, ou seja, não respondem solidariamente pelo importe global, impondo-se que se estabeleça a cota que a cada uma afeta. É, de resto, o que já se continha no art. 668 do Código Comercial, prevendo que, no caso de diversos seguradores, cada um deveria declarar a quantia pela qual se obrigava, tão somente erigindo-se responsabilidade solidária quando faltasse aquela identificação, ressalva que se entende ainda cabível, consentânea com a responsabilidade da cadeia de fornecedores, no CDC, apesar do argumento de que esse dispositivo comercial se aplique apenas ao seguro marítimo (art. 777), e mesmo que a solidariedade não se presuma, devendo vir disposta na lei ou em manifestação de vontade (art. 265). Por isso muitos defendem, na regra geral, a inexistência de solidariedade no cosseguro (v.g., Raul Teixeira. Os reflexos do novo Código Civil nos contratos de seguro. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 66), na ausência de fixação expressa das cotas de cada seguradora, só se podendo admitir o fracionamento em partes iguais (art. 257).

 

Da mesma forma, o cosseguro, sem solidariedade, veio também previsto no art. 4º do Decreto-lei n. 73/66, regulamentado pelas Resoluções CNPS n. 68/2001 e 71/2001, ao lado do resseguro. Este, porém, implica relação diversa, de que, a rigor, não participa o segurado. Isso porque, se no cosseguro várias seguradoras se obrigam perante o segurado, posto que representados por uma delas, no resseguro há uma relação securitária sucessiva entre o segurador originário e um segurador seu. Em diversos termos, para garantir-se contra riscos que repute exacerbados, o próprio segurador, de seu turno, contrata o resseguro, portanto, como se costuma dizer, um seguro do seguro. No entanto, impende acentuar que o segurado não mantém vínculo algum com a resseguradora. A operação de resseguro, no brasil, se faz necessariamente com o Instituto de Resseguros do Brasil, sociedade de economia mista criada pelo Decreto-lei n. 1.186/39, cuja privatização foi deliberada pela Lei n. 9.932/99, de constitucionalidade discutida na ADIn n. 2.223. Há, ainda, a figura da retrocessão, igualmente disposta no Decreto-lei n. 73/66, na verdade o resseguro do resseguro, por ser um resseguro que faz o ressegurador. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 783-784 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 30/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Segundo a Doutrina de Ricardo Fiuza, diz-se cosseguro a operação pela qual o mesmo risco de determinado segurado em um único contrato ser repartido entre duas ou mais empresas seguradoras, dele resultando a apólice que indicará, dentre elas, a seguradora líder que atuará na administração do contrato e representará as demais. Essa distribuição do risco, em parcelas de responsabilidade assumidas, representa hoje uma prática comum no mercado, diante de valores extremamente elevados de diversos seguros, como o do “World Trade Center”, que congregou um grupo de grandes empresas seguradoras. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 400 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 30/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, cosseguro é o contrato em que o mesmo risco é assumido por mais de uma seguradora, que se obrigam conjuntamente. Uma delas deverá ser indicada como administradora do contrato e representante das demais para todos os efeitos do contrato. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 30.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 762. Nulo será o contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de representante de um ou de outro.

 

Nos ensinamentos de Claudio Luiz Bueno de Godoy, já no antigo Código Civil se dispunha, no art. 1.436, sobre a nulidade do contrato de seguro quanto o risco garantido decorresse de atividade ilícita do segurado, seu representante ou seu preposto. Daí o exemplo sempre citado de contrato de seguro nulo por garantir risco inerente a operações de contrabando. Era, pois, uma extensão da regra geral impositiva da licitude do objeto do negócio jurídico, apenas não se exigindo que, para o seguro, estivesse a ilicitude no objeto em si, mas na assunção de um risco proveniente do ilícito (cf. Clóvis Beviláqua. Código Civil comentado, 4.ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 198). Mais que isso, vale lembrar, como já dito nos comentários nos CC 757 e 760, que, no contrato de seguro, o risco coberto deve residir sempre em um evento futuro e incerto, mas independe da vontade tão só de uma das partes, em verdadeiro repúdio, como é do sistema, à pura potestatividade, sempre foco de desequilíbrio e, assim, de ausência de solidarismo na relação contratual, particularmente naquela em que a lealdade é uma exigência especial.

 

Em outros termos, a ideia foi sempre a de refutar a existência de seguro de interesse potencialmente lesado pela atividade ilícita exclusiva, deliberada, de uma das partes, por exemplo, quando se contrata a garantia de incêndio, posto que dolosamente provocado pelo segurado. Aliás, não é diversa a preocupação subjacente à proibição, a qual está no artigo presente, de que, frise-se, mesmo contratado para garantia de risco não ligado a atividade ilícita, em si, do segurado, possa converter-se o sinistro por conduta deliberada dele emanada. Era já idêntico princípio a inspirar o conceito de agravamento, que estava no art. 1.454 e hoje se repete no CC 768.

 

Toda essa sistemática, porém, gerava, no Código de 1916, duas perplexidades. Uma, a de que, se se referia, no art. 1.436, ao risco filiado a atos ilícitos do segurado, em tese se poderia considerar aí abrangida a mera conduta culposa do segurado, diferentemente de tudo quanto se vem de asseverar acerca do intuito da lei. imagine-se, por absurdo, a nulidade de cobertura securitária para danos provocados em acidente de automóvel, quando este tenha ocorrido por culpa do segurado. Resolve-se a questão na redação do atual Código, que apenas veda seguro para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado. Ou seja, é o ato ilícito intencionalmente praticado pelo segurado ou pelo beneficiário do seguro. De resto, exige-se a mesma intencionalidade para o agravamento de risco (CC 768). Em segundo lugar, o Código anterior aludia ao ilícito, característico do risco coberto, praticado não só pelo segurado, pelo beneficiário ou por seu representante, mas também pelo preposto. A esse respeito, basta pensar, de novo, no acidente de automóvel provocado pelo preposto de empresa segurada, mesmo que por conduta dolosa. Seria nulo o seguro que o cobrisse. Assim, na atual dicção da lei, deliberadamente suprimiu-se a referência a ato doloso do preposto, que, portanto, se previsto como risco coberto, não invalida a contratação securitária.

 

Por fim, sempre levando em conta não só a noção de repressão ao ilícito em si, como, ainda, a de preservação do equilíbrio e da lealdade na entabulação, já acentuava Fran Martins (Contratos e obrigações comerciais, 7.ed. Rio de Janeiro, forense, 1984, p. 414), antes mesmo do atual Código, que a vedação em pauta deve ser aplicada aos casos em que o segurado, mediante conduta intencional, dolosamente converte em ato o evento coberto, mas para seu proveito ou, sempre por sua vontade, para proveito de terceiro, assim não se impedindo o seguro para cobertura de valores que o segurado deva pagar a vítima ocasional, posto que em razão de ilícito intencional contra ela praticado, desde que se trate de risco coberto e, repita-se, não haja conluio com o beneficiário do pagamento para lesão à seguradora. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 784-785 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 30/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Para a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o que aqui se trata diz respeito à juridicidade do objeto, i.é, do risco a que se refira o contrato, pois não se poderá cogitar que tal risco advenha de operações ilícitas, como as de contrabando, como exemplifica, oportunamente, Maria Helena Diniz, ao tratar da liceidade do requisito objetivo do seguro.

 

O CC de 1916 determina expressamente, em seu Art. 1.436, que nulo será o contrato de seguro quando o risco, de que se ocupa, resulte de atos ilícitos do segurado, do beneficiado pelo seguro, ou dos representantes e prepostos, quer de um, quer de outro. Entretanto, a jurisprudência a ele fez inúmeras restrições ao admitir a responsabilidade da seguradora ao pagamento da indenização no caso de mera culpa do segurado, o que difere do dolo, em que há a vontade consciente de se obter o resultado nefasto. Lembre-se a ponderação de Silvio Rodrigues, quando afirma: “Isso ocorre sistematicamente a respeito de seguro de acidente de automóveis, onde não se exclui da abrangência do negócio aquelas indenizações resultantes de culpa leve do segurado, como ocorre em outros casos de responsabilidade civil”. Agora, a matéria coloca-se pacificada, tornando certo que somente o ato doloso, uma vez reconhecido, será causa de nulidade do contrato. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 400 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 30/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na linha de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a boa-fé objetiva impõe a colaboração recíproca das partes para que uma não cause prejuízos à outra. Impede o comportamento contraditório, que uma das partes se beneficie com a própria torpeza, como ocorreria se o segurado fizesse jus à indenização relativa a evento por ele provocado dolosamente.

 

Nesse contexto, o Código Civil estabelece a nulidade de uma cláusula que viesse a permitir a cobrança de indenização por sinistro causado dolosamente pelo próprio segurado ou por seu representante. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 30.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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Comentários ao Código Penal – Art. 16

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Parte Geral –Título II - Do Crime

 

 

Arrependimento posterior - (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984.)

 

Art. 16. Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntario do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.

 

Em Natureza Jurídica, cuida-se de causa geral de diminuição de pena, diz Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao Crime Consumado, tentativa e pena – Art. 16 do CP, p. 52-53.

 

Política criminal - No item 15 da Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal, o legislador justificou a criação do instituto do arrependimento posterior dizendo: Essa inovação constitui providência de Política Criminal e é instituída menos em favor do agente do crime do que da vítima. Objetiva-se, com ela, instituir um estímulo à reparação do dano, nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa.

 

A aplicação da causa geral de redução de pena do art. 16 do CP pressupõe que o delito não tenha sido cometido com violência ou grave ameaça. Embora tenha o réu devolvido à vítima parte da quantia subtraída, inviável o reconhecimento do arrependimento posterior, pois o delito de roubo foi cometido com grave ameaça mediante o emprego de arma de fogo {STJ, HC 115056/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, 5a T., DJe 1/2/2010).

 

Momentos para a reparação do dano ou a restituição da coisa - O instituto do arrependimento posterior só é cabível se ocorrer nas seguintes fases: a) quando a reparação do dano ou a restituição da coisa é feita ainda na fase extrajudicial, i.é, enquanto estiverem em curso as investigações policiais; ou b) mesmo depois de encerrado o inquérito policial, com sua consequente remessa à Justiça, pode o agente, ainda, valer-se do arrependimento posterior, desde que restitua a coisa ou repare o dano por ele causado à vítima até o recebimento da denúncia ou da queixa.

 

Ato voluntário do agente - Não há necessidade, portanto, de que o próprio agente tenha tido a ideia de restituir a coisa ou de reparar o dano para se beneficiar com a redução de pena. Pode acontecer que tenha sido convencido por terceira pessoa a restituir a coisa ou a reparar o dano, sendo seu arrependimento considerado para efeitos de redução.

 

Reparação ou restituição total, e não parcial - Há duas situações distintas que merecem ser objeto de análise. Na primeira delas, que diz respeito à restituição da coisa, esta deve ser total para que se possa aplicar a redução, não se cogitando, aqui, do conformismo ou da satisfação da vítima quanto à recuperação parcial dos bens que lhe foram subtraídos.

 

Na segunda, ou seja, não havendo mais a possibilidade de restituição da coisa, como quando o agente a destruiu ou dela se desfez, para que se possa falar em arrependimento posterior ê preciso que exista a reparação do dano.

 

Extensão da redução aos coautores - No caso de dois agentes que, por exemplo, praticam um delito de furto, pode acontecer que somente um deles (o que detinha em seu poder os bens subtraídos) voluntariamente restitua a res furtiva à vítima. Nessa hipótese, se a restituição tiver sido total, entendemos que ambos os agentes deverão ser beneficiados com a redução, mesmo que um deles não os tenha entregado voluntariamente à vítima. Se a restituição for parcial, corno dissemos, a nenhum deles será aplicada a causa geral de redução, uma vez que, nesse caso, deve operar-se a restituição total da coisa.

 

Se não houver possibilidade de restituição da coisa, para que possa ser aplicada a redução relativa ao arrependimento posterior é preciso que ocorra a reparação do dano. Aqui, seguindo a mesma linha de raciocínio, se um dos agentes a levar a efeito, a redução poderá ser estendida também ao coautor.

 

Apesar de a lei se referir a ato voluntário do agente, a reparação do dano, prevista no art. 16 do Código Penal, é circunstância objetiva, devendo comunicar-se aos demais réus (STJ, REsp. 2642S3/SP, Rel. Min. Felix Fischer, 5a T„ DJ 19/3/2001, p. 132).

 

Diferença entre arrependimento posterior e arrependimento eficaz - A diferença básica entre arrependimento posterior e arrependimento eficaz reside no fato de que naquele o resultado já foi produzido e, neste último, o agente impede sua produção.

 

Deve ser frisado, ainda, que não se admite a aplicação da redução de pena relativa ao arrependimento posterior aos crimes cometidos com violência ou grave ameaça, não havendo essa restrição para o arrependimento eficaz.

 

No primeiro, há uma redução obrigatória de pena; no segundo, o agente só responde pelos atos já praticados, ficando afastada, portanto, a punição pela tentativa da infração penal cuja execução havia sido iniciada.

 

Súmula nº 554 do STF - Diz a Súmula n2 554 do STF: O pagamento de cheque emitido sem suficiente provisão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal. Numa interpretação a contrario sensu da referida súmula, chegamos à conclusão de que não será possível o início da ação penal se o agente efetuar o pagamento relativo ao cheque por ele emitido sem suficiente provisão de fundos, até o recebimento da denúncia.

 

Saliente-se, contudo, que a referida súmula já havia sido publicada anteriormente à vigência da nova Parte Geral do Código Penal, que inovou nosso ordenamento jurídico com a criação do instituto do arrependimento posterior como causa obrigatória de redução da pena, quando houver reparação do dano ou restituição da coisa, nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça, até o recebimento da denúncia ou da queixa. A indagação que surge agora é a seguinte: Terá aplicação a Súmula n“ 554 do STF, mesmo diante do instituto do arrependimento posterior? A maior parte de nossos doutrinadores entende de forma positiva, opinando pela aplicação da súmula nos casos específicos de cheques emitidos sem suficiente provisão de fundos, ficando as demais situações regidas pelo art. 16 do Código Penal quando a ele se amoldarem.

 

Reparação do dano após o recebimento da denúncia - Se a reparação do dano ou a restituição da coisa é feita por ato voluntário do agente, até o recebimento da denúncia ou da queixa, nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça, aplica-se a causa geral de redução de pena do art. 16 do Código Penal; se a reparação do dano ou restituição da coisa é feita antes do julgamento, mas depois do recebimento da denúncia ou da queixa, embora não se possa falar na aplicação da causa de redução de pena prevista no art. 16 do Código Penal, ao agente será aplicada a circunstância atenuante elencada no alínea b do inciso III do art. 65 do diploma repressivo.

 

Arrependimento posterior e crime culposo - Embora a lei penal proíba o reconhecimento do arrependimento posterior nos crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, isso não impede a aplicação da mencionada causa geral de redução de pena quando estivermos diante de delitos de natureza culposa, a exemplo do que ocorre com as lesões corporais. (Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao Crime Consumado, tentativa e pena – Art. 16 do CP, p. 52-53. Editora Impetus.com.br, acessado em 27/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No ritmo de Victor Augusto em artigo intitulado “Arrependimento posterior”, postado no site Comentários do Index Jurídico, em 17 de janeiro de 2019: Diferente do artigo anterior, no arrependimento posterior ocorre a consumação do tipo penal. O agente, entretanto, voluntariamente repara o dano ou restitui a coisa até o recebimento da denúncia ou da queixa, o que lhe garante a diminuição de parte da sua pena.

 

Essa diminuição faz parte de uma decisão de política criminal que busca amenizar os efeitos do crime através da reparação do dano ocasionado ou restituição dos bens da vítima.

 

O instituto configura uma causa de diminuição de pena (3ª fase da dosimetria) e determina uma redução de um a dois terços da pena.

 

Como prevê a lei, a benesse depende de alguns requisitos cumulativos: 1) Crimes sem violência ou grave ameaça à pessoa: a violência física ou moral (grave ameaça) não pode ter sido dirigida a uma pessoa. Se tiver sido empregada contra coisa, o benefício ainda pode ser reconhecido (como no crime de dano). 2) voluntária reparação do dano ou restituição da coisa: o agente deve retornar a vítima ao status quo ante (estado anterior), provendo uma reparação integral do dano gerado. Isso deve ocorrer voluntariamente, não se exigindo espontaneidade. Se a restituição da coisa ocorrer, por exemplo, por ação da polícia, o benefício não será admitido (JESUS, 2014). 3) Antes do recebimento da denúncia: essa postura do agente deve ocorrer antes do recebimento da denúncia ou da queixa. (JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2014). (Victor Augusto em artigo intitulado “Arrependimento posterior”, postado no site Comentários do Index Jurídico, em 17 de janeiro de 2019, acessado em 27/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Segundo as apreciações de Flávio Olímpio de Azevedo, Comentários ao art. 16 do Código Penal, publicado no site Direito.com, são requisitos assinalados no artigo em comento para diminuição da pena que não houve violência contra a vítima e coisa restituída seja por inteiro antes da denúncia, após não se cogita em arrependimento, mas é considerada circunstância atenuante na forma do artigo 65, III, b, do Código Penal, minorando ação delituosa.

 

A jurisprudência exemplifica um caso concreto da aplicação da restituição: tem aplicabilidade à letra do art. 16 do Código Penal, impondo a redução da pena restritiva de liberdade, quando o acusado, responsável pela empresa, poucos dias antes da decretação de sua falência, regularia o recolhimento de contribuições previdenciárias descontadas dos salários e não recebidas. O pagamento em causa, ainda que parcial, pois promovido sem a incidência da multa e dos juros moratórios, incluindo-se no montante recolhido apenas o principal acrescido de correção monetária, antes do recebimento da denúncia, não extinguindo a punibilidade (art. 34, da Lei 9249/95), pelo menos ameniza “em homenagem à conduta do acusado o rigor penal”, como ensina Delmanto. O Superior Tribunal de Justiça. STJ – REsp 450229RS2002/0087780-6.

 

Súmula 554 do STF – O pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal. (Flávio Olímpio de Azevedo, Formado em Direito pela FMU em 1973. Comentários ao art. 16 do Código Penal, publicado no site Direito.com, acessado em 27/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Comentários ao Código Penal – Art. 15 Desistência Voluntária e Arrependimento vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com – digitadorvargas@outlook.com – Whatsapp: +55 22 98829-9130 – VARGAS, Paulo S. R.

 

 Comentários ao Código Penal – Art. 15

Desistência Voluntária e Arrependimento

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Parte Geral –Título II - Do Crime

 

 

Desistência Voluntária e Arrependimento - (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984.)

 

Art. 15. O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados. (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984.)

 

Quanto à responsabilidade do agente pelos atos já praticados, Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários Art. 15 do CP, p. 49-51, estendendo sua apreciação desde a Desistência voluntária, onde diz o seguinte:

 

Na primeira parte do art. 15 do Código Penal, encontramos a chamada desistência voluntária. A primeira ilação que se extrai desse artigo é que, para que se possa falar em desistência voluntária, é preciso que o agente já tenha ingressado na fase dos atos de execução. Caso ainda se encontre praticando atos preparatórios, sua conduta será considerada um indiferente penal.

 

Se o crime não se consuma por circunstância alheia à vontade do agente, o fato é tentado; não há desistência voluntária. Há tentativa de roubo e não desistência voluntária se, depois de descoberta a inexistência de fundos no caixa da casa comercial alvo da pilhagem, o larápio nada leva desta ou de seus consumidores. Precedentes desta Corte. Em hipóteses como a tal, o agente não leva ao fim o feito que havia planejado por circunstância que lhe corria inteiramente à revelia, sua vontade não concorre para evitar a subtração como planejada; não pode, por isso, ser premiado pela interrupção criminosa para a qual não contribuiu (STJ, REsp. U093S3/RN, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª T., DJe 3/5/2010).

 

Dado início a execução do crime de estupro, consistente no emprego de grave ameaça à vítima e na ação, via contato físico, só não se realizando a consumação em virtude de momentânea falha fisiológica, alheia à vontade do agente, tudo isso, caracteriza a tentativa e afasta, simultaneamente, a denominada desistência voluntária (STJ, REsp. 792625/DF, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., D./27/11/2006, p. 316).

 

Não há falar em desistência voluntária nem em arrependimento eficaz, mas, sim, em tentativa imperfeita, na hipótese em que o agente, embora tenha iniciado a execução do ilícito, alvejando a vítima com disparo, não exaure toda sua potencialidade lesiva ante a falha da arma de fogo empregada, fugindo do local do crime, em seguida (STJ, H C 16348/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6ª T., DJ 24/9/2001, p. 350).

 

Política criminal - A lei penal, por motivos de política criminal, prefere punir menos severamente o agente que, valendo-se desse benefício legal, deixa de persistir na execução do crime, impedindo sua consumação, do que puni-lo com mais severidade, por já ter ingressado na sua fase executiva. É preferível tentar impedir o resultado mais grave a simplesmente radicalizar na aplicação da pena.

 

Responsabilidade do agente somente pelos atos já praticados - A finalidade desse instituto é fazer com que o agente jamais responda pela tentativa. Isso quer dizer que, se houver desistência voluntária, o agente não responderá pela tentativa em virtude de ter interrompido, voluntariamente, os atos de execução que o levariam a alcançar a consumação da infração penal por ele pretendida inicialmente. Ao agente é dado o benefício legal de, se houver desistência voluntária, somente responder pelos atos já praticados, isto é, será punido por ter cometido aquelas infrações penais que antes eram consideradas delito-meio, para a consumação do delito-fim.

 

Impossível o reconhecimento da desistência voluntária e do arrependimento eficaz se os réus não impediram a consumação do delito, mas, ao contrário, percorreram todas as etapas do iter criminis, tendo, inclusive, ocorrido lesão patrimonial à vítima, a quem não foram restituídos integralmente os pertences (TJMG, AC 2.0000.00.498287-4/000, Rel. Des. Vieira de Brito, DJ 18/2/2006).

 

Arrependimento eficaz fala-se quando o agente, depois de esgotar todos os meios de que dispunha para chegar à consumação da infração penal, arrepende-se e atua em sentido contrário, evitando a produção do resultado inicialmente por ele pretendido.

 

O arrependimento eficaz, ‘ponte de ouro’, na afirmação de von Liszt, situa-se entre a execução e a consumação. Esgotados os meios executórios idôneos, antes de alcançada a consumação, o agente pratica contra-ação para impedir a chegada da meta optada. Há, pois, evidente mudança de orientação subjetiva; o agente abandona o animus inicial de querer o resultado, ou assumir o risco de produzido. Consequentemente, decorre de deliberação de iniciativa do próprio agente. Basta a voluntariedade, ainda que não seja orientada por motivo nobre. A finalidade da lei é preservar o bem jurídico, conferindo ao agente o benefício de responder só pelos atos já praticados (STJ, REsp. 64384/PR, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro. 6ª T.. RSTJ 85, p. 392).

 

Natureza jurídica da desistência voluntária e do arrependimento eficaz - Para Hungria, (HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, v. I, t. II, p. 93), essas são causas de extinção da punibilidade não previstas no art. 107 do Código Penal. Defendendo posição contrária à de Hungria, Frederico Marques, citado por Damásio, (JESUS, Damásio E. de. Direito penal - Parte geral, p. 296), concluiu que o caso não é de extinção de punibilidade, mas, sim, de atipicidade do fato, posição à qual nos filiamos.

 

Diferença entre desistência voluntária e arrependimento eficaz – Conforme se verifica pela própria redação do art. 15, quando o agente se encontra, ainda, praticando atos de execução, fala-se em desistência se, voluntariamente, a interrompe; já no arrependimento eficaz, o agente esgota tudo aquilo que estava à sua disposição para alcançar o resultado, i é, pratica todos os atos de execução que entende como suficientes e necessários à consumação da infração penal, mas arrepende-se e impede a produção do resultado.

 

Não impedimento da produção do resultado - Embora o agente tenha desistido voluntariamente de prosseguir na execução ou, mesmo depois de tê-la esgotado, atue no sentido de evitar a produção do resultado, se este vier a ocorrer, o agente não será beneficiado com os institutos da desistência voluntária e do arrependimento eficaz. (Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao Crime Consumado, tentativa e pena – Art. 15 do CP, p. 49-51. Editora Impetus.com.br, acessado em 26/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Computando-se as apreciações de Rodolfo Coppe, em artigo há 4 meses, intitulado “Anotações sobre a desistência voluntária e o arrependimento eficaz”, postado no site Jusbrasil.com.br, comentários ao art. 15 do CP reflete que o Código Penal, especialmente em sua parte geral, contempla diversos elementos normativos que tendem a “beneficiar” o sujeito ativo da conduta delituosa quando há conduta que vise a obstar a produção do resultado criminoso então almejado.

 

Dentre os elementos, se destacam os institutos em análise, que estão previstos no artigo 15 do Código Penal, que diz que o “agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados”.

 

Como se pode notar, o requisito indispensável é a voluntariedade do agente tanto na desistência em relação ao prosseguimento na ação ou em relação ao impedimento da consumação do resultado, não sendo considerada, para fins do artigo 15 do Código Penal, a conduta oriunda de coação física ou moral.

 

Em relação à desistência voluntária tem-se que o agente, conforme o nome indica, desiste, por livre vontade, de prosseguir na execução do crime, ainda que tenha, ao seu dispor, os meios necessários para a continuidade delitiva.

 

Supondo-se que A pretende tirar a vida de B. A em contato visual de B saca de sua arma de fogo e atinge a perna de B que cai ao chão. A então chega próximo de B com manifesto intento homicida, mas, quando iria disparar tiro de misericórdia, desiste de sua conduta. Pergunta-se, A responderia, no caso, por tentativa de homicídio? A resposta é não. A, no caso, responde pelo crime de lesão corporal, “sendo o ato já praticado”, nos termos da última parte do artigo 15.

 

Ainda se formos avaliar pela disposição do artigo 14, não teríamos a incidência de seu inciso I ou de seu inciso II, tendo em vista a não reunião de todos os elementos da definição legal do crime, assim como pelo fato de que a não consumação se deu pela própria conduta do agente, não “por circunstâncias alheias” à sua vontade.

 

Mas muita atenção, se o agente é impedido quando do início da execução, havendo, com efeito, o aparecimento de circunstância alheia à vontade do agente que o impediu de praticar o crime, tal como o aparecimento da polícia quando da execução do ato criminoso, ter-se-á pela tentativa.

 

No caso do exemplo supra A detinha todos os meios necessários à consumação do crime, que não se consumou por ato voluntário seu. Não se tratando, de ato voluntário, ter-se-ia pela tentativa.

 

arrependimento eficaz, por outro lado, se dá quando o agente, “após ter esgotado todos os meios que dispunha – necessários e suficientes -, arrepende-se e evita que o resultado aconteça (BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado – p. 10. Havendo êxito no arrependimento, o agente não responde pelo crime consumado, respondendo, tão somente, pelos fatos já praticados caso se constituam em crimes.

 

Assim, seguindo o exemplo anterior, se A, com intento de tirar a vida de B lhe desfere um tiro, se arrepende do que fez, presta todos os socorros e evita a morte de B, sendo, portanto, eficaz seu arrependimento, responde A apenas pelo crime de lesão corporal consumada.

 

Agora, se mesmo se utilizando de todos os meios necessários a se evitar o resultado, este ainda se consuma, ter-se-á pela prática do crime consumado, respondendo A pelo crime de homicídio.


Ou seja, enquanto a desistência voluntária o sujeito detém todos os meios, mas desiste do crime, no arrependimento eficaz, todos os meios para a consumação do crime foram esgotados, mas o sujeito se arrepende e procura evitar o resultado. Em ambos os casos, os fatos anteriores são puníveis se constituírem, por si só crimes, e, também, não há que se olvidar do indispensável requisito da voluntariedade, sob pena de não incidência da norma ao caso concreto. (Rodolfo Coppe, em artigo há 4 meses, intitulado “Anotações sobre a desistência voluntária e o arrependimento eficaz”, postado no site Jusbrasil.com.br, comentários ao art. 15 do CP, acessado em 26/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo as apreciações de Flávio Olímpio de Azevedo, Comentários ao art. 15 do Código Penal, publicado no site Direito.com

“Preceitua Celso Delmanto et al, na forma como consigna o CP, art. 14, II, há tentativa quando o crime não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Por consequência se ele próprio voluntariamente, desiste da conduta que poderia completar, ou se arrepender eficazmente e atua, impedindo que o resultado se produza, há exclusão da punibilidade, respondendo o agente, tão-só, pelos atos que praticara antes”, p. 27.

A menes lege foi no sentido de premiar o arrependimento com menor punição o agente que deixa de persistir na execução do crime não o consumando por vontade própria pelo arrependimento. Exemplificando: O agente resolve matar a vítima com uma faca. No momento da execução desfere um golpe com pequeno ferimento. Mas, apesar do domínio total da vítima, desiste da execução.

Para a jurisprudência, há desistência voluntária, se, depois de ter obrigado a vítima a desnudar-se sob ameaça, desiste do estupro (TJSP, RT.783/630).

Essa interrupção do iter criminis deve ser voluntária, sem interferência de terceiro ou não tenha sido coagido, moral ou materialmente a não consumar o delito. (Flávio Olímpio de Azevedo, Formado em Direito pela FMU em 1973. Comentários ao art. 15 do Código Penal, publicado no site Direito.com, acessado em 26/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).