sexta-feira, 27 de março de 2015

DIREITO ECONÔMICO: AS AGÊNCIAS E O PODER REGULATÓRIO – OBRA DE EUGÊNIO ROSA DE ARAÚJO E APLICADA PELO PROFESSOR FELIPE NOGUEIRA NO CURSO DE DIREITO 8º PERÍODO FAMESC - BJI – 1º SEMESTRE / 2015 - VARGAS DIGITADOR

DIREITO ECONÔMICO: AS AGÊNCIAS E O PODER REGULATÓRIO – OBRA DE EUGÊNIO ROSA DE ARAÚJO E APLICADA PELO PROFESSOR FELIPE NOGUEIRA NO CURSO DE DIREITO 8º PERÍODO FAMESC - BJI – 1º SEMESTRE / 2015 - VARGAS DIGITADOR
CAPÍTULO 9

O modelo de intervenção indireta (art. 174 da CRFB/88) introduzido pelas denominadas Agências (reguladoras e executivas) traduz o momento histórico em que a crise financeira do Estado estrangulou sua capacidade de fornecer bens e serviços escassos à sociedade, redundando na necessidade de privatizar, devolver à iniciativa privada aquelas atividades que o Estado já não vinha desempenhando a contento.


Parte-se não mais de um modelo repressivo, mas de um modelo gerencial em que as atividades econômicas sejam corrigidas e acompanhadas – um modelo mais consensual que autoritário.


Nesse sentido, a Constituição Federal previu nos arts. 21, XI, e 177, § 2º, III, os órgãos reguladores das telecomunicações e do petróleo, permitindo, na via infraconstitucional, a criação das demais agências de que hoje dispomos, tais como a ANATEL, (Lei n. 9.478/97), ANP (Lei n. 9.478/97), ANEEL (Lei n. 9.427/96), entre outras.


Em primeiro lugar, trataremos da função regulatória, porque esta se insere no âmbito mais largo da desestatização da devolução à iniciativa privada daquelas atividades em que o Estado não precisa atuar e que necessitam de um tratamento jurídico célere e muitas vezes de critérios técnicos muito especializados.


Nesse sentido, torna-se importante trazermos algumas definições do que se tem entendido sobre o fenômeno da regulação, o qual consiste basicamente no controle administrativo de acordo com regras estabelecidas no interesse público.


Para J. C. Strick, “consiste na imposição de regras e controles pelo Estado com o propósito de dirigir, restringir ou alterar o comportamento econômico das pessoas e das empresas, e que são apoiadas por sanções em caso de desrespeito”.


Já M. Moran conceitua regulação como: “O sistema pelo qual a discrição dos indivíduos ou instituições é restringida por meio da imposição de normas”; e, por fim, Francis toma o fenômeno como “a intervenção do Estado nas esferas de atividade privada, para realizar finalidades públicas”.


Podemos visualizar a regulação em seus diversos graus.


Em sentido amplo, ela revela toda forma de intervenção do Estado na economia, independentemente dos seus instrumentos e fins.


Em um aspecto menos abrangente, é a intervenção estatal na economia por outras formas que não a participação direta na atividade econômica privada.


Em sentido estrito, por fim, é somente o condicionamento normativo da atividade econômica privada, por via de lei ou outro instrumento normativo.


Destas noções destaca-se a característica de intervenção pública que afeta a operação de mercado através de comandos e controles que podem ser delegados a sistemas de autorregulação.


Na visão de alguns economistas, é uma intervenção estatal em decisões econômicas das empresas, normalmente vista como um ato de política de restrição de mercados.


Alguns aspectos podem ser ressaltados na regulação, como um todo:


- na regulação de monopólios o objetivo é a minimização das forças de mercado através de controles sobre os preços e qualidade do serviço.


- no aspecto da regulação para competição o objetivo visado é justamente viabilizar a sua existência (competição) e continuidade.


- na vertente social, a regulação assegura a prestação de serviços de caráter universal e a proteção ambiental.


- um último aspecto é o da regulação como desestatização. Na Inglaterra seu primeiro propósito foi proteger o consumidor contra a ineficiência, altos preços, excesso de lucros, o que, em princípio, só teria solução através de competição, prevenindo os malefícios dos monopólios nos casos em que a competição fosse restrita ou inviável. Buscou-se compatibilizar satisfação do consumidor com eficiência econômica.


Com a transferência de funções do setor público para o privado, pela via dos contratos de concessão, o objetivo da função regulatória é fazer essa transferência interessante para as três partes envolvidas – concedente, concessionário e usuário.


Desenvolve-se a regulação sob alguns princípios:


·       Mercado regulado para a competição;

·       Criação de agências setoriais, dotadas de autonomia e especialização;

·       Atenção aos monopólios culturais;

·       Ambiente de transição, cabendo ao Estado supervisionar o poder de mercado dos operadores e organizar a entrada de novos operadores;

·       Zelar pela implantação de um novo modelo organizacional, arbitrar conflitos e completar o processo de regulação normativa;

·       Garantia de interesse público.

Os órgãos reguladores têm como função regular segmentos do mercado e serviços públicos, protegendo o consumidor/usuário, garantindo a livre escolha, o abastecimento (garantia de oferta dos serviços) e preços acessíveis.


Além disso, a prevenção dos conflitos é um dos principais aspectos da regulação, através da elaboração de diretrizes que traduzam os conceitos de eficiência técnica e financeira para o caso concreto do segmento regulado.


Tais diretrizes se fazem dentro de um chamado “marco regulatório” que é composto pela lei, regulamento, edital de licitação e contrato firmado com o Poder Público.


O marco regulatório é o conjunto de regras, orientações medidas de controle e valoração que possibilitam o exercício do controle social de atividades de serviços públicos geridos por um ente regulador que deve poder operar todas as medidas e indicações necessárias ao ordenamento do mercado e à gestão eficiente do serviço público concedido, mantendo, entretanto, um grau significativo de flexibilidade que permita a adequação às diferentes circunstâncias que se configuram.


Um processo de regulação implica nas seguintes fases:


·       Formulação das orientações da regulação;

·       Definição e operacionalização das regras (leis, regulamentos);

·       Implementação e aplicação das regras (autorizações, licenças e concessões);

·       Controle das aplicações das regras;

·       Sancionamento dos transgressores;

·       Decisão dos recursos.

Tendo poderes normativos, executivos e parajudiciais (pela possibilidade de resolução de conflitos entre partes), a regulação deve ficar a cargo de comissões reguladoras independentes.

Como se vê, as agências governamentais autônomas são entes fracionários do aparelho administrativo do Estado e têm natureza de executoras de atividades estatais por outorga legal de competências.

Tal função reguladora, é bom frisar, consiste na execução de competência administrativa normativa que sujeita atividades (estatais e privadas) a regras de interesse público, como corolária da função de controle, voltada à observância dessas prescrições. Age, também, na disciplina administrativa de certos serviços, cuja execução vem sendo transferida de empresas estatais para empresas privadas.

A descentralização autárquica concilia a atuação típica de Estado com a flexibilidade negocial, proporcionada por uma ampliação da autonomia administrativa e financeira.

Tal autonomia se revela pela sua independência política em relação ao governo, que não dispõe de recurso hierárquico para revisar suas decisões, muitas das quais podem até ferir interesses políticos, na independência técnica decisional, na independência normativa e gerencial orçamentária.

Estas independências, normativa e técnica, somadas ao mandato de seus diretores constituem-se na chave da atuação célere e flexível para a solução em abstrato e em concreto de questões em que predomine a escolha técnica, distanciada e isolada das disputas partidarizadas.

No campo da regulação nos deparamos com temas complexos os quais trataremos de forma clara para a sua perfeita compreensão.

O tema se coloca da seguinte forma: a regulação exige tratamento célere, flexível e técnico a inúmeras questões.

É preciso, portanto, que a lei criadora da agência delegue ao administrador competências e poderes para atuação eficiente, célere e técnica e o faz, muitas vezes, em técnica legislativa vazada em termos elásticos, fluídos, justamente para que o administrador técnico adote a melhor conduta para o caso concreto com a desejada celeridade.

A técnica das delegações legislativas se desenvolveu para evitar que decisões técnicas ficassem cristalizadas em lei e se tornassem rapidamente obsoletas.

O fenômeno da deslegalização representou a transferência de função normativa, (sobre matérias determinadas) da sede legislativa estatal, a outra sede normativa. O legislador retira certas matérias do domínio da lei passando-as ao domínio da regulação.

Veja-se que a lei de deslegalização não precisa penetrar na matéria que trata, bastando-lhe abrir a possibilidade a outras fontes normativas, estatais ou não, de discipliná-la por atos próprios que, por óbvio, não serão de responsabilidade do Poder Legislativo, ainda que sobre a norma possa continuar a ser exercido um controle político e jurisdicional derivado de desvio ou abuso de poder regulatório.

Tal atividade reguladora das agências encontra limites de ordem externa, porto que deve ater-se e harmonizar-se com o Direito vigente, e de ordem interna à delegação, submetendo-se aos parâmetros formais e materiais definidos na norma delegante.

Nesse passo, torna-se muito importante distinguirmos a discricionariedade político-administrativa, já conhecida dos manuais de Direito Administrativo, da discricionariedade técnica que comporta opções mais restritas e que devem ser consideradas à luz de regras científicas para que se determine a melhor escolha.

Aqui visualizamos ao só o critério diferenciador dos dois tipos de discricionariedade como o próprio fundamento de validade das normas reguladores que devem ser editados pelas agências, posto que se trata de atividade de aclaramento de realidade tecnicamente complexa que importa no emprego de disciplinas especializadas, traduzindo um verdadeiro e adequado poder discricionário de conteúdo técnico.

A discricionariedade técnica existe apenas quando a decisão que nela se funda possa ser motivada também tecnicamente.

Muitas vezes atos regulatórios são mal compreendidos porque a deslegalização como técnica legislativa se utiliza de conceitos jurídicos indeterminados.

Conceito jurídico indeterminado é expressão empregada para designar vocábulos ou expressões que não têm um sentido preciso, objetivo, determinado, mas que são encontrados com grande frequência nas normas jurídicas de vários ramos do Direito. Por exemplo, boa-fé, bem-comum, conduta irrepreensível, pena adequada, interesse público, ordem jurídica, notório saber, notória especialização, moralidade, razoabilidade, atividade preponderante etc.

O conceito jurídico indeterminado se apresenta ao legislador como um instrumento privilegiado para a atribuição de certo tipo de competência às autoridades administrativas para que estas possam reagir a tempo e de modo adequado aos imponderáveis da vida administrativa. Ele não se refere a uma coisa certa, mas a uma significação. O seu objeto é uma significação atribuível a uma coisa, estado ou situação e não a coisa, estado ou situação.

Diante desse contexto, pode haver ato regulatório que venha a dispor sobre situação concreta, derivada de decisão eivada de discricionariedade técnica, com base em dispositivo legal fruto da deslegalização que contenha um conceito jurídico indeterminado.

É necessária uma palavra sobre agências executivas, criadas pelos arts. 51 e 52 da Lei n. 9.649/98.

Como instrumento de operacionalização da política descentralizadora, podem derivar de uma autarquia ou fundação e revelam um processo interno de desconcentração e autonomia.

Estimula-se a descentralização do aparelho do Estado, com ênfase no contrato de gestão e na maior cooperação entre a União, Estados e Municípios.

Valoriza-se a participação dos usuários na administração Pública e possibilita-se o acesso da autoridade a informações privilegiadas com o sento de superar o isolamento burocrático prevendo canais de circulação em benefício do interesse geral.

Predominam o sentido de prévio compromisso e a aferição de resultados como requisitos de sobrevivência da agência executiva, tanto que a Lei n. 9.649/98 marca o seu caráter finalístico e a continuidade do controle de sua real produtividade.

A criação da agência executiva tramita por uma sucessão de etapas, tendo como ponto de partida o ato de vontade da administração do órgão ou instituição que pretenda alcançar a qualificação (ex: INMETRO).

Há como pré-requisito um plano estratégico que identifique as metas a serem cumpridas na busca da melhoria da qualidade na operação dos serviços.

Acolhida a proposta, é celebrado contrato de gestão visando tornar efetiva a autonomia da instituição, como autarquia ou fundação, e a determinar os indicadores que permitirão a periódica avaliação dos resultados. Ao consenso por esta forma estabelecido sucederá, mediante decreto, a criação da agência executiva.

O contrato de gestão se constitui no instrumento formal por excelência dos programas de reforma administrativa, moldada na definição de metas de desempenho e na avaliação de resultados.

O ponto essencial deste veículo associativo é seu caráter dinâmico e não meramente formal, que tem como tônica a objetiva realização de uma estratégia operacional conducente à concretização de metas de desempenho e à consecução de resultados; para tanto, valerá a consulta ao site www.inmetro.gov.br/inmetro/contrato.asp e realizar a leitura do contrato de gestão realizado com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Elaboramos um quadro que permitirá, de modo geral, identificar as principais diferenças entre as agências reguladoras e as executivas:
   AGÊNCIAS REGULADORAS                  AGÊNCIAS EXECUTIVAS

- Voltadas para a intervenção em mercados específicos, regulando a relação entre a oferta, com qualidade e preço acessível e demanda.

- As primeiras experiências foram do BACEN e do CADE, mas, com o processo de privatização, envolvendo privatizações e concessões, com a nova disciplina legal (que prevê as regulações setoriais), o papel destas entidades tornou-se relevante, como no caso do petróleo, setor elétrico e de telecomunicações.

- Processo de regulação implica: formulação das orientações da regulação e definição e operacionalização das regras (leis, regulamentos, códigos de conduta).

- Implementação e aplicação das regras (autorizações, licenças e concessões).

- Controle de aplicação das regras.

- sancionamento dos transgressores.
                                                                             
- Decisão dos recursos.

- têm poderes executivos, normativos e parajudiciais.

- Ligadas à implementação de política, sem formular políticas, regular ou influir em mercados.

- Autarquias com tratamento especial, com maior autonomia de gestão.

- Atuam em setores de implementação de políticas (tributária, previdência social básica, segurança pública, proteção ambiental, fiscalização).

- Embora possam “colaborar” com a formulação de políticas, seu papel é de execução.

- Ampliação da autonomia gerencial se dá através de contrato de gestão (art. 37, § 8º).

- É um título jurídico atribuído a um órgão ou entidade que depende de adesão voluntária, com metas negociadas compatíveis com os recursos e não impostas, obedecendo a etapas:

  1.     Protocolo de intenções;    
  2.  Portaria ministerial definindo responsabilidades;
  3.  3    Plano de ações (prazos, recursos);
  4.        Elaboração do planejamento específico;
  5.       Plano operacional de reestruturação dos processos de trabalho.

quinta-feira, 26 de março de 2015

DIREITO ECONÔMICO: DESESTATIZAÇÃO – OBRA DE EUGÊNIO ROSA DE ARAÚJO E APLICADA PELO PROFESSOR FELIPE NOGUEIRA NO CURSO DE DIREITO 8º PERÍODO FAMESC - BJI – 1º SEMESTRE / 2015 - CAPÍTULO 8 - VARGAS DIGITADOR

DIREITO ECONÔMICO: DESESTATIZAÇÃO – OBRA DE EUGÊNIO ROSA DE ARAÚJO E APLICADA PELO PROFESSOR FELIPE NOGUEIRA NO CURSO DE DIREITO 8º PERÍODO FAMESC - BJI – 1º SEMESTRE / 2015 - VARGAS DIGITADOR
CAPÍTULO 8

O fenômeno da desestatização ou da privatização tem como base constitucional o art. 173 da Constituição Federal, segundo o qual:


          “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.”


No âmbito da legislação infraconstitucional, a Lei n. 9.491/97, regulada pelo Decreto n. 2.594/98, tratou do tema de forma bastante pormenorizada e, neste capítulo, analisaremos seus contornos gerais, buscando um enfoque jurídico desprovido de considerações emocionais e de caráter preconceituoso como muitas vezes observamos em comentários a estes tema de extrema importância para o Estado contemporâneo.


Buscando uma conceituação do que venha a ser a privatização no quadro do Direito, traremos algumas definições que consideramos oportunas:


          “Dá-se o nome de privatização à transferência de um serviço realizado pelo Poder Público para o poder privado e também à transferência da propriedade de bens de produção públicos para o agente econômico privado. Pela primeira modalidade, a titularidade do serviço continua sendo do Poder Público, mas seu exercício é transferido para o agente privado. É o que dispõe o art. 175 da Constituição: Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. (Cristiane Derani).


Vemos nesta primeira abordagem que a privatização consiste no processo de redefinição das funções tradicionais do Estado, alterando seu perfil mediante o alargamento do campo de atuação do indivíduo por meio da assunção, por ele, das atividades próprias do setor privado até então exercidas pelo Estado.


Como objetivos do Programa Nacional de Desestatização – PND, temos no art. 1º da Lei n. 9.491/97, como elencar:


·       Reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público;

·       Contribuir para a reestruturação econômica do setor público, através da melhoria do perfil da dívida pública;


·       Permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada;

·       Contribuir para a reestruturação econômica do setor privado, especialmente para a modernização da infraestrutura e do parque industrial  do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia, inclusive através da concessão de crédito;

·       Permitir que a Administração Pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais;

·       Contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, através do acréscimo da oferta de valores mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o programa.

O art. 2º do PND assinala o que poderá ser objeto de privatização, indicando:


·       Empresas, inclusive instituições financeiras, controladas direta ou indiretamente pela União;

·       Empresas privadas que, por algum motivo, passaram ao controle direito ou indireto da União;

·       Serviços públicos de concessão, permissão ou autorização.

O mesmo artigo elenca duas maneiras pelas quais se pode identificar a desestatização. Poderá esta ocorrer por meio de alienação de direitos que garantam a preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores da sociedade, ou transferência para a iniciativa privada da execução de serviços públicos explorados pela União.


Dispositivo importante e que causou reações emocionais virulentas foi o art. 6º, segundo o qual o Conselho Nacional de Desestatização poderia recomendar ao Presidente da República, meios de pagamento, que, segundo o art. 14, poderiam ser moeda corrente, títulos da dívida pública, créditos líquidos e certos contra a União e outros. Tais meios de pagamento tomaram o apelido de “moedas podres”, dando a entender, de forma equivocada, que não dispunham de nenhum valor econômico, o que, de fato, não corresponde à realidade.


Podemos afirmar, então, que a privatização abrange todas as medidas adotadas com o objetivo de diminuir o tamanho do Estado e que compreendem, fundamentalmente, a desregulação (diminuição da intervenção do Estado no domínio econômico), a desmonopolização de atividades econômicas, a venda de ações de empresas estatais ao setor privado, a concessão de serviços públicos (com a devolução da qualidade de concessionário à empresa privada e não mais às empresas estatais), a celebração de acordos de variados tipos para buscar colaboração com o setor privado, por meio de convênios, contratos de obras e serviços, terceirizações etc.


Pode a privatização ser encarada em um sentido amplo, como um conjunto de decisões que compreendem a desregulação ou liberação de determinados setores econômicos, a transferência da propriedade de ativos (ações/bens), a promoção da prestação e gestão privada no marco das empresas e demais entidades públicas.


É, portanto, a redução da atividade pública na produção e distribuição de bens e serviços, mediante a passagem (por vezes a devolução) dessa função para a iniciativa privada podendo consistir na desnacionalização (venda de bens e empresas), contratação de serviços e atividades antes geridas diretamente, a desregulação, que supõe a redução do intervencionismo nas atividades econômicas privadas, em especial, a ruptura e o desaparecimento dos monopólios, substituição dos impostos por preços e tarifas a cargo dos consumidores e usuários como modo de financiamento dos serviços   públicos.


Como se viu, as técnicas de privatização são muito variadas, tais como o desinvestimento, o fomento ao abandono ao auxílio público, a remoção de monopólios, cujo objetivo é permitir o crescimento das instituições alternativas.


Desburocratizar também é um dos objetivos da desestatização. Com este processo se pretende que a comunidade empresarial faça a gestão dos projetos de obras públicas, analise sua rentabilidade, decida sobre os investimentos de capitais de risco, permitindo que o Estado se fixe no campo do controle e intermediação entre os diversos setores sociais.


No trato de tais objetivos, o Estado se dispõe a transferir bens, constituir, extinguir ou fundir sociedades, reformar estatutos, renegociar contratos, conceder ou ajustar benefícios fiscais, autorizar suspensões, quitações, adiamentos e remissões de créditos, ou mesmo assumir passivos de empresas.


O conceito de privatização é amplo e são múltiplas as técnicas que o tornam um conceito aberto, porém voltado à redução do tamanho do Estado, ao fortalecimento da iniciativa privada, e aos modos privados de gestão dos serviços públicos.


O conceito amplo de privatização tem a vantagem de ab arcar todas as técnicas possíveis, já aplicadas ou a serem criadas, com aquele objetivo já sublinhado de redução da atuação estatal (princípio da subsidiariedade), prestigiando a iniciativa privada, a liberdade de competição e os modos privados de gestão.


Nesse sentido amplo, como é o objetivo deste trabalho, é correto afirmar que a concessão de serviços e de obras públicas e os vários modos de alienação de ativos e parcerias com o setor privado constituem formas de privatizar, e que a própria desburocratização proposta para algumas atividades da Administração Pública também constitui instrumento de privatizações.



Estas são as linhas gerais do fenômeno da privatização ou desestatização que visa precipuamente a diminuição do tamanho do Estado para que este possa dedicar-se com mais afinco às prestações mínimas de educação, saúde e segurança.

DIREITO ECONÔMICO: AS FORMAS DE ATUAÇÃO DO ESTADO NO PROCESSO ECONÔMICO: ATIVIDADE ECONÔMICA, PODER NORMATIVO E SERVIÇO PÚBLICO – OBRA DE EUGÊNIO ROSA DE ARAÚJO E APLICADA PELO PROFESSOR FELIPE NOGUEIRA NO CURSO DE DIREITO 8º PERÍODO FAMESC - BJI – 1º SEMESTRE / 2015 - CAPÍTULO 7 - VARGAS DIGITADOR

DIREITO ECONÔMICO: AS FORMAS DE ATUAÇÃO DO ESTADO NO PROCESSO ECONÔMICO: ATIVIDADE ECONÔMICA, PODER NORMATIVO E SERVIÇO PÚBLICO – OBRA DE EUGÊNIO ROSA DE ARAÚJO E APLICADA PELO PROFESSOR FELIPE NOGUEIRA NO CURSO DE DIREITO 8º PERÍODO FAMESC - BJI – 1º SEMESTRE / 2015 - VARGAS DIGITADOR
CAPÍTULO 7

O art. 173 da Constituição dispõe que: “a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo” (grifo nosso), ao passo que o art. 174, em seguida, avisa que: “como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado” (grifo nosso) e, por fim, nos interessa de perto a letra do art. 175, segundo o qual “incumbe ao Poder Público,  na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão  ou permissão, sempre através de licitação, a proteção de serviços públicos” (grifo nosso).


Em uma primeira visão panorâmica e sistemática dos dispositivos constitucionais, podemos dizer que o art. 173 cuida da atividade econômica, o art. 174 do poder normativo sobre a atividade econômica e, por fim, vemos que o serviço público é o tema tratado no art. 175.


Para a fixação do que venha a ser atividade econômica e para fins didáticos, útil é o parâmetro estipulado pelo art. 966 do novo Código Civil, segundo o qual “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços” (isso me faz lembrar do meu amigo e nobre Professor Cesar Pimentel – grifo de Vargas Digitador), bem como o art. 3º do Código de Defesa do Código do Consumidor, remetendo-me também ao  Professor tão querido e conhecedor da matéria Rogério Mauro - grifo de Vargas Digitador), segundo o qual “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, circulação de produtos ou prestação de serviços”, sendo que “produto é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.


Dito isso, é possível identificar, dentro destas linhas gerais do que vem a ser atividade econômica, a noção do serviço público, tendo em vista que está contido na noção de atividade econômica. Isto se dá porque o serviço público é um tipo de atividade econômica, posto que se volta à satisfação de necessidades, envolvendo bens, serviços e recursos escassos, cuja execução compete preferencialmente ao setor público, mas não com exclusividade, visto que o setor privado presta serviço público em regime de concessão ou permissão (art. 175).


Assim, a atividade econômica, como gênero, comporta duas espécies: o serviço público (SP) e a atividade econômica (AE), sendo que a atividade econômica em sentido amplo (AESA) é o gênero do qual a espécie é a atividade econômica em sentido estrito (AESE).


Sintetizando o que até agora foi dito, temos que o art. 173 cuida da AESE pela iniciativa privada, que poderá ser exercida pelo Estado. Desde que necessária aos imperativos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo, ao passo que o art. 174 cuida da AESA, posto que o Estado, como agente normativo tanto da AESE como do SP, exercerá as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado e, por fim, trata o art. 175 da AESA, porque o serviço público é modalidade de atividade econômica já que apresenta caracteres econômicos.


Em síntese: art. 173 da CRFB = AESE; art. 174 da CRFB = AESA; art. 175 da CRFB = AESA/SP.


Como AESA, cuidaremos, nesse passo, de aclarar a noção de SP e, para tanto, são úteis as definições de SP oferecidas pela doutrina a saber:


Maria Sylvia Di Pietro:

          “Toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público”.


Celso Antônio Bandeira de Melo:

          “Toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material, fruível diretamente pelos administrados, prestado pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais – instituído pelo Estado em favor dos interesses que houver definido como próprios ao sistema normativo”.


Aliomar Baleeiro enfrenta o problema da prestação do serviço público sob o prisma financeiro de decisão política de realização da despesa pública para satisfação das necessidades da coletividade:


Em todos os tempos e lugares a escolha do objetivo da despesa envolve um ato político, que também se funda em critérios políticos, isto é, nas ideias, convicções, aspirações e interesses revelados no entrechoque dos grupos detentores do poder. Tanto mais lúcidos, cultos e moralizados sejam os governantes quanto mais probabilidades existem de que se realize aquele cálculo de máxima vantagem social.


Isso põe em contraste o aspecto político e o aspecto técnico de despesa pública. A despesa pública deve ser encarada sob esse duplo aspecto.


À luz do primeiro, o político, delibera-se o que deve ser objeto da despesa pública, isto é, que necessidades humanas de caráter coletivo cevem ser satisfeitas pelo processo do serviço público.


Assentada a deliberação nesse ponto preliminar, cumpre investigar o aspecto técnico, como obter o máximo de eficiência e de conveniência social com o mínimo de sacrifício pecuniário correspondente. Ou como desse sacrifício PROCONs poderá esperar o maior rendimento de proveitos para a comunidade politicamente organizada. É a tarefa de técnicos.


Determinar quais necessidades de um grupo social a serem satisfeitas por meio do serviço público e, portanto, pelo processo da despesa pública, ressalvada a hipótese de concessão, constitui missão dos órgãos políticos e questão essencialmente política.


É fácil ver que discutir SP implica em definir a função do Estado diante de determinadas circunstâncias históricas, assegurando as condições de realização de certos valores constitucionais como a promoção da dignidade da pessoa humana, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como a redução das desigualdades sociais regionais, não se podendo admitir que o Estado se recuse a perseguir o cumprimento de tais valores, nem mesmo sob o argumento da ausência de lucratividade.


Cumpre agora, para melhor compreensão do tema, distinguir os SP privativos dos SP não privativos.


Os primeiros são aqueles cuja prestação é privativa do Estado, ainda que possa o setor privado desenvolvê-lo em regime de concessão ou permissão, a teor do art. 175 da CRFB. Na Constituição, encontramos exemplos de serviços privativos nos arts. 21, incisos X, XI, XII e XXIII; 25, § 2º, e 30, inciso V.


Os SP não privativos, tem como base atividade econômica, que tanto pode ser desenvolvida pelo Estado como SP, quanto pelo setor privado como AESE, por exemplo, os arts. 199 (saúde) e 209 (ensino). Dessa forma, se as atividades de saúde e ensino forem prestadas pelo Estado, serão SP, ao passo que se desenvolvidas pela iniciativa privada, se constituirão em AESE. Note-se que, neste caso, a lei poderá disciplinar a atividade (art. 174 da CRFB) exigindo autorização como forma de garantia da qualidade do serviço prestado (parágrafo único do art. 170 da CRFB).


Logo, verificada a definição constitucional de determinada AESA como sendo SP, fica afastada qualquer dúvida quanto a sua caracterização como SP, seja privativo ou não privativo.


A distinção entre atividades econômicas que são obrigatoriamente serviços públicos (SP privativos), atividades econômicas que podem ser serviços públicos (SP não privativos) e atividades econômicas que não podem ser serviços públicos (AESE) tem grande importância, porque a AESE, embora de titularidade do setor privado, só pode ser explorada pelo Estado “quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo” (art. 173 da CRFB).


O texto constitucional prevê, nos arts. 21, XXIII, a77, caput e inciso V, hipóteses de AESE, cuidando-se de hipótese de atuação em regime de monopólio. No caso de monopólio do petróleo e do gás natural, razões ligadas aos imperativos de segurança nacional impulsionaram a previsão constitucional de atuação do Estado como agente econômico na AESE, não havendo, aqui, SP.


Justamente porque as AESE (art. 173) não podem ser discricionariamente tidas pelo legislador como SP (AESA) é que se deve ter enorme cuidado ao elevar determinadas atividades econômicas à categoria de SP, pelo fato de o texto constitucional atribuir a sua exploração à competência exclusiva do Estado.


Não fosse assim, bastaria, se consagrado o entendimento de que SP é aquela atividade em regime de SP, que o legislador atribuísse a qualquer AESE regime de serviço público, sob o argumento de que a atividade não seria AESE, estando fora do alcance do art. 173 da CRFB.


A lei, portanto, não pode transformar livremente (AESE) em SP, sob pena de chocar-se com o preceituado no art. 173 da CRFB.


Já dispomos, até agora, das noções de AESA, AESE e de SP privativos e não privativos, sendo oportuna a análise da situação das empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviço público.


A exclusividade de prestação de (SP) envolve uma situação de privilégio (diferentemente do monopólio que é AESE), ainda que prestado sob regime de concessão ou permissão por mais de um concessionário ou permissionário, o que poderia sugerir (apenas sugerir) um regime de competição e concorrência entre seus agentes (por exemplo: arts. 21, XII, “a”; 21, XII, “e”; 25, §1º e 30, V, todos da CRFB). O que importa ressaltar é a não intercambialidade ou fungibilidade entre as situações nas quais, de um lado, o SP (com titulares de privilégio) e, de outro, o regime de competição e livre concorrência que caracteriza a AESE.


É o desfrute deste privilégio de exclusividade na prestação do SP que torna atrativa ao setor privado a sua exploração por intermédio de concessão ou permissão, porque aí está envolvida a exclusividade na prestação do serviço e, consequentemente, inevitável será o desfrute de sua prestação pelo público usuário.


Para as empresas públicas e sociedades de economia mista, o desenvolvimento de SP ou AESE são distintos.


Se a entidade prestar (SP) não poderá recusar o seu fornecimento ao usuário, em face do princípio da continuidade do SP; se, no entanto, a entidade explorar AESE e recusar o fornecimento da comodidade, a recusa deverá ser punida por violação aos preceitos que reprimem as infrações contra a ordem econômica, no caso, o inciso XII do art. 21 da Lei n. 8.884/94 segundo o qual constitui infração “recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das condições de pagamento normais aos usos e costumes comerciais”.


Podemos, então, identificar três hipóteses distintas:


1)    A empresa pública (EP) ou sociedade de economia mista (SEM) explora AESE em regime de competição e não pode se recusar a contratar porque a contratação é definida pelo ordenamento jurídico como cogente, limitando o princípio da liberdade de contratar, a teor do disposto na lei antitruste;


2)    A EP ou SEM presta SP e não pode se recusar a contratar em face do princípio da continuidade do serviço, evidenciando uma limitação inerente ao instituto contratual;


3)    A EP ou SEM explora a AESE em regime de monopólio e não pode se recusar a contratar, porque a recusa implicaria em abuso do poder econômico e porque a contratação é tida pelo ordenamento como cogente.


Situação especial é a atinente à qualificação jurídica das EP e SEM prestadoras de SP, como sendo ou não concessionárias e permissionárias de SP.


Tais empresas são delegadas, e não concessionárias ou permissionárias de (SP), a teor do art. 175 da CRFB.


O concessionário está sujeito a regime contratual. As estatais não celebram nenhum contrato de concessão com o Estado, são constituídas por lei, visando à prestação do SP e o desenvolvem não em decorrência de vontade própria, mas por imposição legal, posto que foram criadas (por exemplo, o regime de prorrogação de contrato, condições de caducidade e fiscalização ou rescisão de concessão com determinada finalidade).


O concessionário é beneficiado pela estipulação constitucional e legal de política tarifária. O exercício do serviço por parte do concessionário a ele garante um direito à remuneração, em condições de equilíbrio econômico-financeiro, ao contrário das empresas estatais prestados de SP às quais não assiste um direito à percepção de remuneração pela prestação de serviço, podendo inclusive o Estado sujeitá-la a regime de atuação deficitária, fixando a remuneração por seus serviços em níveis inferiores aos que seriam necessários à reposição dos custos da atividade.


A concessão, tal qual a permissão, é exercida com a finalidade de lucro, na medida em que é assegurado o equilíbrio econômico-financeiro da relação negocial, ao passo que as empresas estatais, na prestação de SP, não visam à obtenção de lucro, mas sim à satisfação do interesse público. Tais entidades são delegadas do Estado, criadas em razão de descentralização administrativa, para uma finalidade específica. É o próprio Estado que através de uma de suas extensões, dotada de personalidade jurídica de direito privado, presta os serviços.


Assim, o modo de gestão dos SP se encontra no âmbito da discricionariedade administrativa, cabendo ao Estado optar se o faz diretamente ou por delegação a uma empresa estatal (SEM ou EP) ou por outorga de concessão, permissão ou autorização a uma empresa privada.


No entanto, empresa estatal controlada por uma das pessoas da Federação que exercite prestação de SP de titularidade de outro ente federativo o fará por meio de concessão como, por exemplo, à CESP, empresa estadual concessionária de SP federal de eletricidade.


No caso das estatais que prestam SP, não há como cogitar de licitação para concessão, posto que não se trata de atribuição de capacidade para o exercício de atividade de SP a pessoas privadas estranhas ao Estado.


Recordando o que até agora foi dito, identificamos que a atividade econômica pode ser vista em sentido amplo, na prestação dos SP (art. 175 da CRFB) e em sentido estrito AESE, (art. 173 da CRFB), podendo o Estado, diante dos pressupostos da segurança nacional e relevante interesse coletivo, intervir neste campo da atividade privada.


Viu-se que os SP privativos se constituem em atividades econômicas necessárias de SP, ao passo que SP não privativos podem ou não ser prestados como SP ou AESE e, por fim, que as AESE não podem ser tidas, de nenhuma forma, como SP.


As SEM e SP que prestam SP, são delegatárias (e não concessionárias), onde o Estado desenvolve AESA de modo não especulativo; as SEM e EP que realizam AESE (art. 173) não prestam SP e atuam mediante especulação lucrativa.


Será no confronto entre o capital (AESE) e trabalho (SP) em determinado momento histórico que se ampliarão ou reduzirão os âmbitos das AESE e os SP. O modelo ideal de SP está na captação da realidade social de elementos que informem adequadamente o estado de confronto entre capital e trabalho.


Podemos, ainda, falar de classificação referente às formas de atuação do Estado em relação ao processo econômico.


“Intervenção” é a correta atuação estatal no campo da AESE, ao passo que “atuação” estatal designa atuação do Estado no campo da AESA. “Intervenção” indica atuação na área de outrem. O domínio econômico é o campo da AESE, área alheia à esfera pública, de titularidade (dominação) do setor privado. O SP está para o setor público assim como a AESE está para o setor privado.


Temos, então, as seguintes formas de intervenção do Estado em relação ao domínio econômico (AESE):


1)    Intervenção por absorção ou participação – o Estado intervém no domínio econômico (AESE) desenvolvendo ação como agente (sujeito) econômico. Quando o faz por “absorção”, assume integralmente o controle dos meios de produção e/ou troca em determinado setor da AESE; atua por um regime de monopólio. Quando o faz por “participação”, o Estado assume o controle de parcela dos meios de produção e/ou troca em determinado setor da AESE; atua em regime de competição com empresas privadas que permanecem a exercitar suas atividades nesse mesmo setor.


2)    Intervenção por direção – aqui o Estado exerce pressão sobre a economia, estabelecendo mecanismos e normas de comportamento compulsório para os sujeitos da AESE.


3)    Intervenção por indução – Nela, o Estado manipula os instrumentos de intervenção em consonância e na conformidade das leis que regem o funcionamento dos mercados.


Nos dois últimos caos o Estado intervirá sobre o domínio econômico, i.e., sobre o campo da AESE, como “regulador” dessa atividade (art. 174 da CRFB).


O Estado se coloca em posições distintas quando intervém “no” domínio econômico e quando intervém “sobre” o domínio econômico, encontrando-se as normas de intervenção por direção “no” domínio e as normas de intervenção por indução “sobre” o domínio econômico (AESE).


No caso das normas de intervenção por direção, estamos diante de comandos imperativos, dotados de cogência, impositivos de certos comportamentos a serem necessariamente cumpridos pelos agentes que atuam no campo da AESE – inclusive pelas próprias empresas estatais que a exploram. Norma típica de intervenção por direção é a que instrumentaliza o controle de preços, para tabelá-los ou congelá-los.


As normas de intervenção por indução vinculam preceitos que, embora prescritivos, não são dotados da mesma força cogente das normas de intervenção por direção. São normas dispositivas no sentido de levar seus destinatários a uma opção econômica de interesse coletivo e social que transcende os limites do querer individual. Neles, a sanção é um convite (não um comando), uma incitação, um estímulo, incentivos oferecidos pela lei a quem participe de determinada atividade de interesse geral patrocinada ou não pelo Estado. O destinatário pode não aderir à prescrição de norma. Se aderir, ficará vinculado por consequências que correspondem aos benefícios usufruídos em decorrência dessa adesão (o chamado direito premial).


A sedução à adesão ao comportamento sugerido é vigorosa, dado que os agentes econômicos por ela são tangidos e passam a ocupar posição privilegiada nos mercados. Seus concorrentes gozam de uma situação especial (redução ou isenção de tributos, preferência na obtenção de créditos, subsídio etc), o que lhe confere melhores condições de participação naqueles mesmos mercados.


Nem sempre, porém, a indução manifesta-se em termos positivos.


Considera-se, no mesmo modo, intervenção por indução quando o Estado, por exemplo, onera por tributo elevado o exercício de determinado comportamento, ou de certos bens, mas, onera de tal modo a sua entrada, que ela se torna economicamente proibitiva (ex.: elevado imposto de importação de determinados produtos estrangeiros ou imposto de produtos industrializados sobre cigarros e bebidas alcoólicas).


Outras vezes, determinados comportamentos econômicos são estimulados por normas de intervenção por indução, mas em decorrência da execução de obras e SP de infraestrutura que tendem a otimizar o exercício da AESE em certos setores ou regiões. Essa prática permite ao Estado, de forma legal, pôr-se a serviço dos interesses privados.


O planejamento não se inclui entre as modalidades de intervenção. Ele apenas qualifica a intervenção “sobre” e “no” domínio econômico. O planejamento não configura modalidade de intervenção, mas um método que a qualifica, para torná-la mais racional.



O planejamento possibilita que a intervenção substitua a prática de atos que vinha sendo adotados aleatoriamente, por um padrão de formato racional. A forma de ação racional é caracterizada pela previsão de comportamentos econômicos e sociais futuros, pela formulação explícita de objetivos e pela definição de meios de ação coordenadamente dispostos.

quarta-feira, 25 de março de 2015

DIREITO ECONÔMICO: CAPITAIS ESTRANGEIROS – OBRA DE EUGÊNIO ROSA DE ARAÚJO E APLICADA PELO PROFESSOR FELIPE NOGUEIRA NO CURSO DE DIREITO 8º PERÍODO FAMESC- BJI – 1º SEMESTRE /2015 - VARGAS DIGITADOR

DIREITO ECONÔMICO: CAPITAIS ESTRANGEIROS – OBRA DE EUGÊNIO ROSA DE ARAÚJO E APLICADA PELO PROFESSOR FELIPE NOGUEIRA NO CURSO DE DIREITO 8º PERÍODO FAMESC- BJI – 1º SEMESTRE /2015 - VARGAS DIGITADOR

CAPÍTULO 6

CAPITAIS ESTRANGEIROS

O art. 172 da Constituição Federal dispõe que: “A lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros”.


O dispositivo constitucional fundamenta a Lei n. 4.131/62. Que disciplina a aplicação do capital estrangeiro e as remessas de valores para o exterior, onde o art. 1º dispõe que:


          “Art. 1º. Consideram-se capitais estrangeiros, para os efeitos desta lei, os bens, máquinas e equipamentos, entrados no Brasil sem dispêndio inicial de divisas, destinados à produção de bens ou serviços, bem como os recursos financeiros ou monetários, introduzidos no país, para aplicação em atividades econômicas desde que, em ambas as hipóteses, pertençam a pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior.”


Como se pode verificar a partir dessa definição legal, são requisitos para que se considere um determinado valor como capital estrangeiro nos termos da Lei n. 4.131/62: que seu titular seja pessoa física ou jurídica domiciliada no exterior, que haja ingresso de recursos na economia nacional e que haja destinação desses recursos à atividade econômica.


Não se confunde, portanto, nos termos da mencionada lei, capital estrangeiro com capital de estrangeiro, de forma que um estrangeiro domiciliado no Brasil não faz jus ao registro de seus investimentos, no Departamento de Capitais Estrangeiros do Banco Central – FIRCE, ao amparo daquela norma jurídica.


Considera-se reinvestimento os rendimentos auferidos por empresas estabelecidas no País e atribuídos a residentes e domiciliados no exterior e que forem reaplicados nas mesmas empresas de que procedem ou em outro setor da economia nacional.


Por extensão, são enquadrados nessa categoria os lucros ou dividendos distribuídos pela pessoa jurídica receptora de um investimento externo direito e aplicados em novo investimento da mesma espécie, pela via da integralização de capital subscrito ou de aquisição de participação de nacionais.


Não se confunde, pois, com o conceito de reaplicação  de recursos que vem sendo adotado na área de capitais estrangeiros.


O investimento externo direto (IED) é o investimento feito por pessoa física ou jurídica com sede no exterior no capital social de uma empresa, independentemente do percentual das ações ou quotas que tenham sido adquiridas, desde que tenha essa aquisição se dado de forma direta (por subscrição de capital, admitida pelos sócios de uma empresa ou por aquisição direta, junto a um sócio, de participação integralizada por ele detida), fora dos sistemas convencionais dos mercados organizados de bolsa de valores (mercado secundário). Excetua-se, portanto, ainda que efetuada em ambiente de bolsa de valores (e poderia até não sê-lo), a aquisição levada a efeito em leilões excepcionais, tais como os de privatização de empresas, precedidos de todo o formalismo que a legislação determina.


O Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento da Europa (OCDE) permitem a inclusão neste conceito dos empréstimos externos conhecidos como intercompany(ies) loans. No caso do FMI, a definição adotada engloba especialmente as noções de participação majoritária do capital votante e de poder de controle.


A reaplicação indica o conjunto de aplicações, no próprio país, de recursos correspondentes ao “principal” remissível ao exterior de uma determinada categoria ou segmento de capitais estrangeiros em outra operação da mesma categoria ou segmento estrangeiro em outra operação da mesma categoria ou segmento (constituindo, portanto, “novo principal”). Os agentes econômicos de mercado vêm empregando o termo “reaplicação” para designar também as transferências de recursos (englobando “principal” e “rendimentos”) de uma modalidade de aplicação para outra, no País, dentro do “segmento” de investimentos em Portfólio.


Convém salientar que tradicionalmente vinha o termo “reaplicação” sendo empregado de forma mais restrita, no sentido de expressar uma nova aplicação, no País, de valores passíveis de remessa ao exterior a título de retorno de capital de investimentos diretos. Nesse caso, a aplicação do ganho de capital configuraria conversão de crédito em investimento.


A expressão retorno de capital designa, tradicionalmente, em termos cambiais,a remessa ao exterior de valor decorrente da alienação de participações estrangeiras em empresas no País sob a forma de investimento direito, ou da redução de capital  para restituição a sócio, ou, ainda, da liquidação de empresa no País, até o limite do montante em moeda estrangeira constante do registro existente, observada, quando cabível, a regra da proporcionalidade, configura ganho de capital em termos cambiais.


Por outro lado, “ganho de capital” tem dupla conotação, uma de ordem cambial e outra para fins tributários, as quais não devem ser confundidas. Em termos estritamente cambiais, expressa, relativamente aos investimentos de capitais estrangeiros, a diferença positiva entre os valores em moeda estrangeira das remessas ao exterior – decorrentes da alienação de participações societárias no País, redução de capital para restituição a sócio ou liquidação de empresa – e o valor em moeda estrangeira do correspondente registro no FIRCE, observada, quando cabível, a regra da proporcionalidade.


Já a conversão de crédito externo (em outras categorias) é, em linhas gerais, o processo de transformação de um crédito detido no País por pessoa física ou jurídica domiciliada no exterior (“crédito externo”), passível de gerar remessa direta de divisas para devedor ao credor à luz do ordenamento jurídico cambial e/ou específico do capital estrangeiro, em outra modalidade de crédito externo ou em investimento direto ou de portfólio. Não se confunde com o reinvestimento  de lucros, nem com a reaplicação de recursos no País.


Pelo que se constata, a regulamentação é de controle e não de desestímulo aos investimentos de capital estrangeiro, posto que não os hostiliza.



O que não há é o dever de disciplinar o capital estrangeiro aos interesses nacionais, submetendo-o a limitações que a ordem jurídica oferece ao poder econômico.