sexta-feira, 22 de março de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 250, 251 – Das Obrigações de Não Fazer – VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 250, 251
– Das Obrigações de Não Fazer
 – VARGAS, Paulo S. R. 

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título I – Das Modalidades das Obrigações (art. 233 a 285)
Capítulo III – Das Obrigações de Não Fazer –
vargasdigitador.blogspot.com

Art. 250. Extingue-se a obrigação de não fazer, desde que, sem culpa do devedor, se lhe torne impossível abster-se do ato, que se obrigou a não praticar.

Conforme orientação de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, a obrigação de não fazer tem natureza negativa, consistindo na omissão do devedor em realizar determinado ato. Justamente por se caracterizar em postura omissiva, não há como se admitir a purgação de mora de obrigação dessa modalidade. Em geral, nesse tipo obrigacional, impõe-se ao devedor um non facere dentro de um certo período de tempo. Caso a obrigação torne-se, sem qualquer culpa do devedor, impossível de ser cumprida, o vínculo obrigacional resolve-se e as partes retornam ao statuo quo ante. Isso quer dizer que eventual valor recebido pelo devedor em troca da abstenção deverá ser devolvida ao credor. Tal restituição não tem caráter de perdas e danos, mas visa simplesmente ao retorno das partes ao estado anterior à assunção das correspectivas obrigações. Ilustrativamente, pode-se mencionar a obrigação não se demolir determinado prédio, que ficará extinta, caso o prédio se destrua devido a acontecimentos naturais. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 22.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Exemplificando-se na jurisprudência: “Direito de Vizinhança. Nunciação de obra nova. Obra de vizinho que já havia sido concluída quando do ajuizamento da ação. Ausência de prejuízo à obra do autor. Construção instável, sem condições básicas de segurança. Demolição de parte da obra pelo réu. Impossibilidade da obrigação de fazer. Conversão em perdas e danos, nos termos do art. 461, § 1º, do CPC/1973, com correspondência no CPC/2015, art. 499. Indenização, porém, indevida. Demolição feita sem consentimento do proprietário ou ordem judicial em virtude do risco que representava. Urgência. Autotutela prevista no art. 251, parágrafo único, do CC. Pedido improcedente. Recurso improvido” (TJSP, 32ª Câm. Direito Privado, Apel. N. 002096-44.2009.8.26.0625, Rel. Des. Hamid Bdine, j. 31.1.2016).

Segundo a visão de Hamid Charaf Bdine Jr., a obrigação de não fazer consiste em impor a alguém uma abstenção. Na hipótese desse dispositivo, essa abstenção se torna impossível sem culpa do devedor. A consequência é a extinção da obrigação. A obrigação de não fazer pode se verificar no compromisso de não demolir determinada edificação existente em um terreno. A obrigação assumida estará extinta se a construção desmoronar em decorrência de fenômenos naturais, pois o desmoronamento tornará impossível cumprir a obrigação de não demolir. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., pp. 200-201 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 251. Praticado pelo devedor o ato, a cuja abstenção se obrigara, o credor pode exigir dele que o desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado perdas e danos.

Parágrafo único. Em caso de urgência, poderá o credor desfazer ou mandar desfazer, independentemente de autorização judicial, sem prejuízo do ressarcimento devido.

Ora, o comentário de Hamid Charaf Bdine Jr., é que, diversamente do que ocorre no artigo
antecedente, este trata do inadimplemento culposo da obrigação de não fazer. O devedor infringe a obrigação, praticando o ato a cuja abstenção se obrigou – constrói no terreno em que havia servidão de não edificar. A solução prevista nesse dispositivo é autorizar o credor a exigir que o próprio devedor desfaça o ato, ou desfazê-lo à sua custa, e que, além disso, indeniza perdas e danos. No exemplo da construção em terreno sujeito à servidão de não construir, o credor da obrigação pode obter decisão judicial que o autorize a contratar um terceiro para demolir a obra e ainda receber indenização por perdas e danos – que, aqui, como no disposto no art. 249, não é alternativa, mas acréscimo, como registra Renan Latufo (Código Civil comentado, São Paulo, saraiva, 2003, v. II, p. 54). No parágrafo único está disciplinada a autotutela. O texto encontra equivalência no parágrafo único do art. 249. Pode ser aplicado aos casos em que não haja urgência, caracterizada pela gravidade dos danos provocados pelo inadimplemento e pela impossibilidade de obter intervenção judicial imediata. É possível identificar esse caso no exemplo seguinte: um pequeno empresário cede seu direito de manter uma barraca de pasteis em uma feira agropecuária a outro vendedor de pasteis. No instrumento de cessão de direitos, assume a obrigação de não se instalar no local com o comércio de pasteis, por isso acarretaria redução das vendas do cessionário. No único dia em que a feira se realizaria, o cessionário verifica que o cedente do direito de se instalar está montando sua barraca de pasteis para funcionar no mesmo local. Haverá urgência, pois não existirá tempo de obter intervenção judicial e os danos correspondentes a seu lucro naquele dia serão de difícil reparação, já que o vendedor de pasteis é insolvente. Assim, estarão presentes os requisitos do parágrafo único do art. 251 do Código Civil, que permitem que o credor da obrigação tome as providencias a seu alcance para impedir a infração contratual. Poderá, por exemplo, conseguir que a administração da feira agropecuária imponha a abstenção ao dono da barraca de pasteis. Vale registrar, em observação também pertinente para o parágrafo único do art. 249, que o credor que atuar sem a intervenção judicial deverá indenizar os danos que causar ao devedor, se se constatar posteriormente que por alguma razão ele não era credor da obrigação. Nesse caso, ele terá agido com infração ao dever contratual de respeito ao outro contratante, oriundo da boa-fé objetiva (art. 422 do CC) ou com abuso de direito (art. 187 do CC).  (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., pp. 200-201 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 22.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na interpretação de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, à semelhança da estrutura do artigo 249, o artigo 251 também concede ao credor a possibilidade de exigir do devedor que desfaça determinado ato ou a autorização para que tal desfazimento seja efetuado por si ou por terceiro, no caso de descumprimento da obrigação. Em ambas as situações, a parte credora estará autorizada a efetuar a cobrança de eventuais perdas e danos que o descumprimento do devedor tenha lhe gerado. Igualmente, de modo semelhante ao disposto no art. 249, permite-se que o credor, em caso de urgência, promova o desfazimento do ato executado pelo devedor, independentemente do ajuizamento de ação judicial. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 22.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 21 de março de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 247, 248, 249 – Das Obrigações de Fazer – VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 247, 248, 249
– Das Obrigações de Fazer
 – VARGAS, Paulo S. R.
 
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título I – Das Modalidades das Obrigações (art. 233 a 285)
Capítulo II – Das Obrigações de Fazer –
vargasdigitador.blogspot.com

Art. 247. Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta, ou só por ele exequível.

O artigo comentado, na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, trata das obrigações de fazer, cujo objeto consiste em um ato positivo do devedor, em gera relacionado a uma prestação de trabalho, com a exigência de execução material, por vezes envolvendo esforço físico. Diversamente das obrigações de dar, as obrigações de fazer têm como pressuposto conduta humana específica. Exemplificativamente, pode-se mencionar a atividade do marceneiro que produz um móvel ou de um cantor que realiza um espetáculo. No entanto, a obrigação pode envolver, outrossim, atos mais complexos, como, por exemplo, a celebração de um contrato ou de um determinado negócio jurídico – atos a partir dos quais derivam uma miríade de outros efeitos. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 21.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de Caio Mário da Silva Pereira, as obrigações de fazer podem ser construídas, levando-se em consideração as características pessoais do devedor, por se tratar de qualidades essenciais ao cumprimento da prestação. Tais obrigações são qualificadas como personalíssimas (intuito personae). São ditas ainda infungíveis, em contraposição às prestações que podem ser cumpridas, independentemente, de quem seja o devedor. Ilustrativamente, tem-se o quadro pintado por um pintor famoso, hipótese em que não se visa a uma tela qualquer, mas sim a uma tela elaborada, especificamente, por um determinado artista. Em regra, todas as obrigações são fungíveis. Caso as partes desejem caracterizá-las como personalíssimas, deverão fazer estipulação expressa no título que der origem à obrigação. Pereira, no entanto, defende uma interpretação ampliativa da questão, sugerindo que, ainda que inexista convenção específica, há que se reconhecer a natureza pessoa da obrigação quando assim determinarem as circunstâncias. (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria Geral das Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, op. cit., p. 59).

De acordo com Hamid Charaf Bdine Jr, nas obrigações de fazer, a prestação consiste em uma atividade humana (um trabalho físico, intelectual ou mesmo a prática de um ato ou negócio jurídico). Distinguem-se das obrigações de dar porque compreendem essa conduta humana como antecedente lógico de uma eventual obrigação de entrega. Nas obrigações de dar, essa entrega não é precedida de uma atividade humana consistente em fazer. A distinção, portanto, está posta no fazer, que não se identifica quando a obrigação for apenas de dar. É obrigação de fazer a de um cantor que comparece a determinado local no dia estabelecido para um espetáculo. Do mesmo modo, será de fazer a obrigação do pintor que entrega um quadro na data estabelecida. Neste último caso, a entrega do quadro pode caracterizar uma obrigação de dar, mas será de fazer em razão da atividade artística obrigatoriamente desenvolvida antes da entrega. Mas a obrigação será apenas de dar se a prestação consiste em entregar um veículo cujo preço já tenha sido recebido pelo vendedor. A inexecução da obrigação de dar coisa certa e da de fazer ou não fazer autoriza a aplicação da multa no processo de execução (arts. 621, parágrafo único, do CPC/1973 com correspondência no art. 806 do CPC/2015, e 645 do CPC/1973, com correspondência no art. 814, do CPC/2015, respectivamente, nota VD). Assim como os bens (art. 85 do CC), as obrigações de fazer também podem ser fungíveis ou infungíveis. Serão fungíveis sempre que a atividade devida puder ser efetivada por terceiro, e não pelo próprio devedor. Infungíveis, quando isso não for possível, i.é., quando aquele que se obrigou não puder ser substituído por outro que exerça atividade equivalente à sua. Fungível é a obrigação de consertar determinado veículo, pois diversos mecânicos são capazes da mesma tarefa. Mas é infungível a substituição do cantor Ney Matogrosso em um espetáculo, tendo em vista suas características individuais. Nos casos em que a obrigação é fungível, não há necessidade de converter a execução da obrigação de fazer em perdas e danos, pois será possível obter o mesmo resultado previsto originalmente. No entanto, se a obrigação é infungível – tal como são as mencionadas nesse dispositivo -, obrigatoriamente o credor deverá se satisfazer com as perdas e danos decorrentes do inadimplemento. A obrigação de outorga de escritura definitiva, ou de praticar determinado negócio jurídico, deve ser havida como obrigação fungível, pois pode ser suprida por deliberação judicial tal como especificamente previsto no art. 461-A do CPC/1973, com correspondência no art. 498, no CPC/2015. Com acerto, Gustavo Bierambaum (“Classificacão: obrigações de dar, fazer e não fazer”. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional, coord. Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro. Renovar), 2005, p. 139) adverte que a conversão em perdas e danos é solução a ser evitada, pois melhor será, em geral, a obtenção da própria prestação devida, e registra que ela será a preferível sempre que “o cumprimento forçado dessa obrigação não resultar em violência à liberdade do devedor”. Vale notar, nesse aspecto, que para compelir o devedor ao cumprimento da obrigação de fazer infungível será de significativa valia a multa de que trata o art. 461, § 5º do CPC/1973, com correspondência no CPC/2015, artigos 139 e 536, nota VD). (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p 198 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 248. Se a prestação do fato, tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolver-se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos.

A obrigação de fazer pode tornar-se impossível sem culpa do devedor, afirma Charaf Bdine Jr. Nesse caso, as partes devem ser restituídas ao estado em que se encontravam antes da impossibilidade, sem a obrigação de indenizar perdas e danos. Contudo, haverá obrigação de indenizar perdas e danos se o devedor for o culpado da impossibilidade. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p 199 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Então, tem-se que, impossibilitando-se a prestação de fazer, sem culpa do devedor, a obrigação resolve-se para ambas as partes e retorna-se ao status quo ante. De outro lado, se o devedor der causa à impossibilidade, o credor não poderá exigir dele a execução material da obrigação, mas terá a prerrogativa de cobrar as perdas e danos que tal fato lhe gerou.

Veja-se a Jurisprudência: “CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OBRIGAÇÃO DE CONSTRUTOR/EMPREITEIRO. NATUREZA DA OBRIGAÇÃO. MORTE DO CONSTRUTOR/EMPREITEIRO. TRANSMISSÃO DA OBRIGAÇÃO AOS HERDEIROS E SUCESSORES. DEPENDÊNCIA DO OBJETO DO CONTRATO. – Quando o que mais importa para a obra é que seja feita exclusivamente por determinado empreiteiro ou construtor, a obrigação desse é personalíssima e não se transmite aos seus herdeiros e sucessores, conforme dispunha o art. 878 do CC/1916 e agora dispõe a segunda parte do art. 626 do CC/2002. -Em regra, a obrigação do empreiteiro ou construtor não é personalíssima, porquanto a obra pode ser executada por várias pessoas, como ocorre em geral, a exemplo das obras feitas mediante concorrência pública com a participação de várias construtoras e das pequenas construções feitas mediante a escolha do empreiteiro que oferecer o menor preço. – Na presente hipótese, com a morte do construtor, a sua obrigação transmitiu-se aos seus herdeiros, pois a obra não demandava habilidades técnicas exclusivas do falecido. Recurso especial provido” (STJ, 3ª T. REsp n. 703.244-SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 15.4.2008). (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 21.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 249. Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor manda-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da indenização cabível.

Parágrafo único. Em caso de urgência, pode o credor, independentemente de autorização judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido.

Na avaliação de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, em se tratando de obrigação de fazer fungível, embora não se possa obrigar o devedor a prestar, efetivamente, aquilo a que se obrigou, o devedor terá a prerrogativa de ter a prestação cumprida por outrem à custa do devedor ou ainda se sub-rogar no equivalente ao valor da prestação descumprida. Importante destacar que, em ambos os casos, o credor terá o direito de ser ressarcido de eventuais perdas e danos que a inexecução da obrigação lhe gerou. Entretanto, há que se observar que, embora haja ao credor a faculdade de optar pela conversão da obrigação de fazer em perdas e danos, prerrogativa semelhante inexiste ao devedor. Em outros termos, diversamente do que há ao credor, não subsiste qualquer alternativa ao devedor na escolha entre cumprir a obrigação de fazer ou arcar com as perdas e danos decorrentes da inexecução. A conversão da obrigatio faciendi em perdas e danos dá-se apenas na medida em que seu cumprimento específico importe em alguma espécie de violência física ao devedor. Não sendo esse o caso, é a execução da obrigação de fazer que deve prevalecer. Como exemplo de tanto, pode-se mencionar a possibilidade de que o juiz supra a obrigação do devedor e emita a declaração de vontade suficiente para a celebração de determinado negócio jurídico. Nesses casos, a sentença sub-roga-se no lugar do ato devido.

E continua, referente ao parágrafo único do artigo 249, ora comentado: dado que a autotutela, em regra, não é admitida no sistema nacional, o credor terá de recorrer ao poder jurisdicional, para fazer cumprir eventual prestação de fazer a que o devedor se recuse a executar. Todavia, o parágrafo único do art. 249 excepciona essa regra geral, permitindo que o credor, em caso de urgência (i.é, quando não houver tempo suficiente para que se aguarde a prolação de uma sentença, sem prejuízo de seu direito), busque o cumprimento da prestação de fazer por si ou por terceiro, com ulterior possibilidade de cobrar perdas e danos do devedor. Note-se que, se o credor se exceder na execução de tal ato, ele poderá se apenado por abuso de direito, na forma do artigo 187 do Código Civil. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 21.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Comenta a respeito do art. 249, Bdine Jr, tratar-se este artigo das obrigações fungíveis – as que podem ser executadas por terceiro -, admitindo que a recusa ou a mora do devedor autoriza o credor a obter a prestação por intermédio da atuação de outra pessoa. A execução do serviço por terceiro haverá de ser custeada pelo que seria pago ao credor. Observe-se que, além da remuneração do terceiro, o devedor inadimplente deverá pagar a indenização das perdas e danos que provocou. Importante alteração desse artigo em relação ao seu equivalente do Código de 1916, é que neste a execução por terceiro impedia a cumulação com o pedido de perdas e danos, enquanto o dispositivo em vigor expressamente autoriza a cumulação. É preciso observar que não se autoriza o credor a postular a devolução do dinheiro pago e, além disso, a condenação do inadimplente a pagar ao terceiro; o presente artigo autoriza a indenização de outros prejuízos que o inadimplemento lhe cause – decorrentes do atraso na conclusão da obrigação de fazer, por exemplo -, mas jamais que se enriqueça à custa do inadimplente. E haveria enriquecimento se ele recebesse de volta o que pagou e ainda obrigasse o inadimplente a pagar ao terceiro o adimplemento da obrigação. Assim sendo, se o terceiro que executar a tarefa devida por ele cobrar preço superior ao que ele recebeu, a diferença correrá por sua conta, na medida em que corresponde a prejuízo do credor, que receberia o serviço pelo preço inferior acordado com o devedor inadimplente. Outra importante novidade está consagrada no parágrafo único desse dispositivo, que deve ser compreendido e interpretado com cautela, como comenta Everaldo Augusto Cambler. Cuida-se da autotutela que já era prevista no Código Civil de 1916 em relação à proteção possessória (art. 502), repetida no parágrafo primeiro do art. 1.210 do Código Civil em vigor. A autotutela é um meio de proteção de direito que dispensa a intervenção judicial. Para ser utilizado, depende da presença dos seguintes requisitos: a) que o caso justifique a urgência; b) que o credor se utilize apenas dos meios necessários indispensáveis para evitar o dano decorrente do inadimplemento do devedor; e c) que não haja condições de obter a intervenção judicial. Tais requisitos resultam da necessidade de limitar à justiça privada as hipóteses excepcionais. Dessa forma, se o cumprimento da obrigação não precisar ser imediato, ou se houver possibilidade de obter a intervenção judicial, não há razão para que o credor faça justiça por suas próprias mãos. Se o credor se exceder na execução do fato, não levando em conta que deve fazê-lo do modo menos gravoso para o devedor, poderá haver abuso de direito tal como definido no art. 187 do Código Civil (CAMBLER, Everaldo Augusto. Comentários ao Código civil brasileiro. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. III, p. 109). É possível imaginar determinadas hipóteses em que a urgência do cumprimento da prestação torne imperiosa a execução do fato imediatamente: determinado município contrata empresa para executar serviços de reparo no esgoto municipal. Contudo, embora a necessidade do reparo já fosse conhecida, a empresa contratada atrasa o cumprimento de sua tarefa e, em certo fim de semana, o agravamento do problema compromete o bairro residencial servido pela rede de esgoto a ser consertada. A urgência e a impossibilidade de intervenção judicial, bem como os danos consideráveis suportados pelos munícipes, autorizam a municipalidade a mandar outra empresa executar a tarefa devida pela empresa inadimplente, que estará obrigada a suportar o preço pago para o terceiro executor, ressarcindo a credora. Também seria adequado invocar exemplo frequente em nossos tribunais. Aquele em que determinado consumidor não é atendido pelo hospital conveniado com seu plano médico. Em decorrência da urgência do procedimento, poderá exigir tratamento de terceiros, carreando as despesas correspondentes ao administrador do plano, obrigado a lhe dar a indispensável cobertura. Dispositivo equivalente a esse será encontrado no parágrafo único do art. 251 do Código Civil, que se distingue do presente apenas porque se refere à obrigação de não fazer. A regra em exame expressamente autoriza a cumulação dos pedidos de execução e de indenização, sem utilizar a conjunção “ou” do art. 881 do Código Civil de 1916, o qual parecia indicar que as alternativas eram excludentes, isto é, ou o credor postulava a execução ou a indenização, embora seja possível que a execução forçada da obrigação não exclua eventuais prejuízos decorrentes do inadimplemento. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., pp. 200-201 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 13.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

sábado, 16 de março de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 246 – Das Obrigações de Dar Coisa Incerta – VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 246
– Das Obrigações de Dar Coisa Incerta
 – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título I – Das Modalidades das Obrigações (art. 233 a 285)
Capítulo I – Das Obrigações de Dar – Seção II – Das Obrigações
De Dar Coisa Incerta - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 246. Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito.

Como nos aponta Clóvis Beviláqua, nas obrigações de dar coisa incerta, a posição do devedor com relação aos riscos da coisa agrava-se. Sob essa modalidade, até o momento da escolha (ou concentração) – em que os bens a serem entregues serão individualizados -, todos os riscos, até mesmo aqueles de natureza fortuita ou de força maior, ficam por conta do devedor. Efetuada a escolha, passa-se a aplicar as regras atinentes à entrega de coisa certa (CC, arts. 233 a 242). Essa disciplina é reflexo do princípio segundo o qual o gênero nunca perece (genus nunquam perit). Sobre esse aspecto, Beviláqua explicava que “[...] se a coisa incerta for determinada pelo gênero, não perecerá, porque o gênero não perece (genera nor pereunt). Antes de individualizada a coisa pela escolha do credor ou do devedor, conforme a este ou aquele competir fazê-la, não há uma coisa, que se diga objeto da prestação, que se possa, determinadamente, exigir ao devedor. Se alguma do mesmo gênero da prometida perecer, não é devida, porque ainda nenhuma, precisamente o é. Depois da escolha, a coisa individualiza-se, torna-se certa”1. Assim, se o devedor obrigou- se a entregar mil sacas de farinha de trigo, não poderá esquivar-se do cumprimento da obrigação, alegando que não as tem em seu poder ou de que elas tenham se perdido em parte ou no todo. De outro modo, situação idêntica não se repete, caso o devedor tenha se obrigado a entregar quadro de pintor famoso. Nessa hipótese, perdendo-se o quadro, resolve-se a situação, variando-se as consequências conforme as regras para a obrigação de dar coisa certa. (Beviláqua, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, Estácio de Sá, Rio de Janeiro, 1984, p. 12).

Deve-se notar, no entanto, como desenvolve Washington de Barros Monteiro, que o princípio, segundo o qual o gênero não perece comporta temperamentos. Nos casos em que, embora a obrigação seja genérica, porém o gênero seja limitado (genus limitatum), o perecimento ou a inviabilidade de todos os exemplares daquele acarretará na extinção da obrigação. Assim, são considerados bens de gênero limitado os bois de determinada fazenda, o vinho de certa vindima, os livros de determinada edição, entre outros. (Monteiro, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, Saraiva: São Paulo, 2001, p. 85)

Por óbvio, em todos esses exemplos, a extinção, sem culpa do devedor, daquele grupo de coisas entre as quais o objeto da obrigação estava inserido acarreta em sua extinção. A esse respeito, Gomes elogia a redação do Código Civil alemão o qual esclareceu que a responsabilidade do devedor nestes casos persistiria enquanto fosse possível uma prestação do gênero. (Gomes, Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, p. 230).

Repare-se que, também nessas situações da vida, a solução legal obedece ao princípio de que a coisa perece ao dono.

Ilustrando com vários autores, Hamid Charaf Bdine Jr, aduz que até o momento da escolha – ou, mais especificamente, como assegura o artigo antecedente, até a cientificação da escolha -, não há individualização do bem a ser entregue pelo devedor, de modo que não é possível admitir o perecimento ou a deterioração para a resolução da obrigação. Com efeito, até a escolha, o bem indicado pelo gênero e pela quantidade ode ser encontrado para a satisfação da obrigação devida, sendo irrelevante que o bem separado pelo devedor, com o objetivo de dar cumprimento à obrigação, venha a se perder ou deteriorar. É essencial para que a escolha produza efeitos em relação ao credor que ela seja exteriorizada, permitindo que se possa saber exatamente qual o bem que será entregue ao credor (art. 245 do CC). Adverte Caio Mário da Silva Pereira que somente por exceção se poderá dizer que determinado gênero desapareceu completamente (Pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, 20, ed., atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. II, p. 56.). Enquanto houver possibilidade de encontrar quantidade suficiente do gênero da coisa indicada para cumprimento da prestação, o adimplemento será possível. Talvez a regra não possa ser aplicada com extremo rigor em hipóteses específicas, em que, a despeito de a obrigação recair sobre a entrega de coisa incerta e de o ajuste ser celebrado entre as partes, seja possível extrair que a universalidade sobre a qual recairá a escolha integra gênero restrito (MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado, Campinas, Bookseller, 2003, t. XXII, p. 134-5). Nesse caso, se todos os bens perecerem ou se deteriorarem sem culpa do devedor, será aplicável à hipótese a solução própria das obrigações de dar coisa certa (arts. 234 e 235 do CC) (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria Geral das Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, op. cit., p. 57.) Caso o perecimento ou a deterioração resultarem de culpa do devedor, as soluções serão as que se estabelecem nos arts. 234, segunda parte, e 236. Basta imaginar que determinada viúva de um marceneiro se obriga a entregar ao credor uma das várias mesas confeccionadas por ele. No entanto, antes da data da entrega, os móveis são furtados, de maneira que a infungibilidade da obrigação irá impedi-la de cumprir tal obrigação, sendo irrelevante que se tratasse de obrigação de coisa incerta, determinada apenas pelo gênero e pela quantidade (CRUZ, Gisela Sampaio da. “Obrigações alternativas e com faculdade alternativa. Obrigações de meio e de resultado”. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional, coord. Gustavo Tepedino, Rio de Janeiro. Renovar, 2005, p. 150-I). O tema também foi enfrentado por Gustavo Bierambaum que aponta outra exceção à regra em exame: mercadoria que deixa de ser fabricada entre o momento da celebração do negócio e o da concentração – momento da identificação da coisa, que passa a ser certa – (“Classificacão: obrigações de dar, fazer e não fazer”. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional, coord. Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro. Renovar, 2005, p. 132). (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p 195 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 13.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

quinta-feira, 14 de março de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 243, 244, 245 – Das Obrigações de Dar Coisa Incerta – VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 243, 244, 245
– Das Obrigações de Dar Coisa Incerta
 – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título I – Das Modalidades das Obrigações (art. 233 a 285)
Capítulo I – Das Obrigações de Dar – Seção II – Das Obrigações
De Dar Coisa Incerta - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 243. A coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade.

Conforme leciona Gustavo Bierambaum, a obrigação de dar coisa incerta só é possível se o credor e o devedor tiverem condições mínimas de identificar o bem a ser entregue. Essa identificação mínima reside na indicação do gênero e da quantidade. Verifique-se que tanto um quanto outro devem ser indicados, pois não se trata de requisitos alternativos, na medida em que a presença de apenas um deles não permitirá a escolha ou concentração – ato pelo qual se identifica a coisa incerta, que, neste momento, se torna certa e passa a ser regida pelas regras aplicáveis à obrigação de dar coisa certa. Basta imaginar que a obrigação de entregar cem sacas de café é obrigação de dar coisa incerta, pois não há especificação do tipo de café a ser entregue, de modo que diversos deles poderão representar o atendimento da prestação. Não é suficiente afirmar que o objeto da prestação é cem sacas (quantidade), sem especificar o gênero do produto, pois a obrigação será inexequível. Do mesmo modo, não basta dizer que deverão ser entregues sacas de café colombiano (gênero), sem a indicação da quantidade delas. Não sendo a prestação determinável – pelo gênero e pela quantidade -, ao menos haverá que reconhecer a invalidade do negócio nos termos do disposto nos arts. 166, II, c/c 104, II do Código Civil. A obrigação de dar coisa incerta não se confunde com as obrigações alternativas (arts. 252 e 256 do CC), nas quais as prestações são especificadas e não se identificam apenas pelo gênero e pela quantidade. Essencialmente, nas alternativas, as prestações colocadas á escolha de um dos contratantes são, em si, certas e determinadas, não sendo, necessariamente, do mesmo gênero (BIERAMBAUM, Gustavo, “Classificacão: obrigações de dar, fazer e não fazer”. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional, coord. Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro. Renovar, 2005, p. 133).

No entender de Caio Mário da Silva Pereira, para que as obrigações de dar coisa incerta sejam possíveis, deverão estar, cumulativamente, indicados, no título correspondente, o gênero e a quantidade do bem objeto da obrigação. Sem a presença de qualquer um deles, impossibilita-se o ato de escolha ou concentração, por meio do qual é identificada a coisa incerta, a qual, nesse momento, torna-se certa. Nesse aspecto, Pereira preleciona que “o estado de indeterminação é transitório, sob pena de faltar objeto à obrigação. O devedor não pode ser compelido à prestação genérica. Até o momento da execução, a obrigação de gênero deverá converter-se em entrega de coisa certa”. Assim, nos casos em que não for possível proceder-se com a escolha, deverá ser decretada invalidade do negócio (CC, arts. 104, II e 166, II). (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria Geral das Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, p. 56.)

Art. 244. Nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade, a escolha pertence ao devedor, se o contrário não resultar do título da obrigação; mas não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a prestar o melhor.

Segundo Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, faculta-se às partes a escolha tanto de quem deverá escolher, como do momento em que a escolha será realizada. Na falta de indicação precisa, a escolha caberá ao devedor e quedar-se-á concretizada no momento da entrega do bem. E estendem-se que na individuação dos bens a serem entregues, inexistindo qualquer indicação precisa, deve-se escolher os bens que guardem as qualidades médias das coisas de seu gênero. Por questão de boa-fé (CC, arts. 113 e 422), não poderá o devedor optar pelas piores, nem o credor exigir as melhores. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 13.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de Hamid Charaf Bdine Jr, ilustrando artigo onde cita Caio Mário da Silva Pereira, esse dispositivo se aplica aos casos em que a coisa a ser entregue é determinada apenas pelo gênero e pela quantidade. Assegura que a escolha deverá ser feita pelo devedor, se o título não dispuser de modo diverso. Trata-se de norma de natureza dispositiva, uma vez que nada impede que as partes decidam atribuir a escolha ao credor ou à terceira pessoa. Nos casos em que o devedor é quem escolhe o bem a ser entregue, isto e, quem decide qual a coisa certa dentre as várias alternativas fixadas pelo gênero e pela quantidade, o dispositivo em exame estabelece que ele deverá optar pelo bem de qualidade intermediária, pois não poderá dar bem da pior qualidade, nem estará obrigado a dar da melhor. No tratamento do legado, no direito das sucessões, o Código Civil, em seu art. 1.929, estabelece que, se o legado foi determinado pelo gênero, a escolha será feita pelo herdeiro, que também deverá optar por bem de qualidade intermediária. O art. 1.930 determina que se aplique a mesma regra quando a escolha do legado for deixada ao arbítrio de terceiro ou, quando esse não quiser ou não puder exercer a escolha, do juiz. O art. 244 deve ser interpretado segundo o princípio de que o devedor deve escolher entre as várias alternativas possíveis, um bem de qualidade intermediária (Pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, 20, ed., atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. II, p. 56). O fato de o artigo indicar que o devedor não pode escolher a coisa pior poderá dar ao intérprete a impressão de que ele está autorizado a entregar o penúltimo bem na ordem de gradação. Ou seja, havendo dez bens, o devedor pode escolher o que estiver em nono lugar em uma hipotética tabela de classificação. A interpretação que melhor atende à finalidade do dispositivo, contudo, é a que considera que ele estará sempre obrigado a entregar um bem de qualidade intermediária. Essa conclusão está adequada à boa-fé objetiva – o dever de agir como homem reto, leal e solidário, atento aos interesses do outro contratante (art. 422 do CC). Nada impede, porém, adverte Caio Mário, que as partes convencionem que será entregue o pior ou o melhor dentre as coisas do gênero (op cit., p. 56). Gustavo Bierambaum, a nosso ver com razão, discorda de Sílvio Rodrigues e sustenta que também o credor que tiver a opção de escolha não poderá eleger o melhor dos bens disponíveis (“Classificação: obrigações de dar, fazer e não fazer”. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional, coord. Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro. Renovar, 2005, p. 130). (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p 195 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 11.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 245. Cientificado da escolha o credor, vigorará o disposto na Seção antecedente.

Seguindo na esteira do Hamid Charaf Bdine Jr, após a escolha do bem a ser entregue, ele estará individualizado e deixará de ser incerto. Em consequência, as regras que se aplicam à solução do cumprimento da obrigação são aquelas da seção antecedente destinadas às obrigações de dar coisa certa. O dispositivo deixa assentado que somente após a cientificação do credor tornar-se-á a coisa objeto da obrigação. O art. 876 do Código civil de 1916 estabelecia a própria escolha como momento a partir do qual incidiam as regras da seção anterior, o que permitia a interpretação de que o devedor podia fazer a escolha e aplicar as regras da obrigação de dar coisa certa antes mesmo de o credor saber qual bem especificamente lhe seria entregue. Outra questão que o dispositivo pode suscitar é o fato de ele cuidar apenas da identificação da escolha ao credor, sem disciplinar os casos em que a faculdade de escolher é dele, e não do devedor. É certo, porém, que nesse caso a escolha do credor tornará certa a obrigação apenas a partir do momento em que for cientificado o devedor. Até essa oportunidade, a escolha feita pelo credor não pode ser oponível ao devedor. Do mesmo modo, acrescenta Renan Lotufo, “se a concentração for da competência do credor ou de terceiro, aplicar-se-á outra regra, qual seja, ela somente obterá eficácia no instante em que for comunicada ao devedor ou a ambos, quando a escolha for de terceiro. Do contrário, conforme Antunes Varela (Das obrigações em geral, p. 850), o devedor não saberia que coisas lhe podiam ser exigidas, nem o credor com que coisas poderia contar” (Código Civil comentado. São Paulo, Saraiva, 2003, v. II, p. 44). Não se diga, porém, que a cientificação da escolha referida no presente dispositivo seja suficiente para caracterizar a mora. É possível que o momento da escolha não coincida com o do cumprimento efetivo, de maneira que, a despeito de a escolha ter sido cientificada ao interessado, ele ainda não fará jus à entrega. Assim, se um criador de cães é obrigado a entregar um animal ao adquirente no prazo de noventa dias, o fato de lhe comunicar qual o cão que lhe será entregue não implica que não possa aguardar o decurso do prazo estipulado para fazer a entrega. Nessa hipótese, é válida a escolha e a obrigação passa a ser de entrega de coisa certa. As regras a respeito da mora e do inadimplemento absoluto passam a ser as relativas à obrigação de dar coisa certa (arts. 233 e ss, do CC). (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p 195 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 13.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na comunhão de Caio Mário da Silva Pereira, o ato de escolha é, conforme determinado no art. 246, o divisor de águas nas obrigações de entregar coisa incerta. Antes da individuação, o devedor continua obrigado a cumprir a obrigação, independentemente de qualquer dano que se abata à coisa; após a escolha, havendo a perda da coisa sem que haja culpa ou dolo de sua parte, a obrigação resolve-se. Desse modo, faz-se imperioso que o ato da escolha seja positivado de maneira inequívoca. Não basta que o devedor separe o bem a ser entregue ao credor, mas que, efetivamente, venha a coloca-lo à disposição do credor. Inexistindo indicação diversa em contrato, o credor deverá ser notificado da escolha, por via judicial ou extrajudicial.

E conclui, com a escolha, a relação obrigacional passa a ser regida pelas normas atinentes às obrigações de dar coisa certa (CC, arts. 233 a 242). Nesse sentido, Pereira destaca que o estado de indeterminação “cessará, pois, com a escolha, a qual se verifica e se reputa consumada, tanto no momento em que o devedor efetiva a entrega real da coisa, como ainda quando diligencia praticar o necessário á prestação”. (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria Geral das Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, p. 56.)

De forma mais abrangente, Hamid Charaf Bdine Jr, afirma que até o momento da escolha – ou, mais especificamente, como assegura o artigo antecedente, até a cientificação da escolha -, não há individualização do bem a ser entregue pelo devedor, de modo que não é possível admitir o perecimento ou a deterioração para a resolução da obrigação. Com efeito, até a escolha, o bem indicado pelo gênero e pela quantidade pode ser encontrado para a satisfação da obrigação devida, sendo irrelevante que o bem separado pelo devedor, com o objetivo de dar cumprimento à obrigação, venha a se perder ou deteriorar. É essencial para que a escolha produza efeitos em relação ao credor que ela seja exteriorizada, permitindo que se possa saber exatamente qual o bem que será entregue ao credor (art. 245 do CC). Adverte Caio Mário da Silva Pereira que somente por exceção se poderá dizer que determinado gênero desapareceu completamente (Instituições de direito civil, 20, ed., atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. II, p. 57). Enquanto houver possibilidade de encontrar quantidade suficiente do gênero da coisa indicada para cumprimento da prestação, o adimplemento será possível. Talvez a regra não possa ser aplicada com extremo rigor em hipóteses específicas, em que, a despeito de a obrigação recair sobre a entrega de coisa incerta e de o ajuste ser celebrado entre as partes, seja possível extrair que a universalidade sobre a qual recairá a escolha integra gênero restrito (MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado, Campinas, Bookseller, 2003, t. XXII, p. 134-5). Nesse caso, se todos os bens perecerem ou se deteriorarem sem culpa do devedor, será aplicável à hipótese a solução própria das obrigações de dar coisa certa (arts. 234 e 235 do CC) (PEREIRA, Caio Mário. Op cit., p. 57). Caso o perecimento ou a deterioração resultarem de culpa do devedor, as soluções serão as que se estabelecem nos arts 234, segunda parte, e 236. Basta imaginar que determinada viúva de um marceneiro se obriga a entregar ao credor uma das várias mesas confeccionadas por ele. No entanto, antes da data da entrega, os móveis são furtados, de maneira que a infungibilidade da obrigação irá impedi-la de cumprir tal obrigação, sendo irrelevante que se tratasse de obrigação de coisa incerta, determinada apenas pelo gênero e pela quantidade (CRUZ, Gisela Sampaio da. “Obrigações alternativas e com faculdade alternativa. Obrigações de meio e de resultado”. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional, coord. Gustavo Tepedino, Rio de Janeiro. Renovar, 2005, p. 150-I). O tema também foi enfrentado por Gustavo Bierambaum que aponta outra exceção à regra em exame: mercadoria que deixa de ser fabricada entre o momento da celebração do negócio e o da concentração – momento da identificação da coisa, que passa a ser certa – (“Classificacão: obrigações de dar, fazer e não fazer”. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional, coord. Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro. Renovar, 2005, p. 132). (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p 195 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 13.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

quarta-feira, 13 de março de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 241, 242 – Das Benfeitorias – Obrigação de Dar - VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 241, 242
– Das Benfeitorias – Obrigação de Dar -  VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título I – Das Modalidades das Obrigações (art. 233 a 285)
Capítulo I – Das Obrigações de Dar – Seção I – Das Obrigações
De Dar Coisa Certa - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 241. Se, no caso do art. 238, sobrevier melhoramento ou acréscimo à coisa, sem despesa ou trabalho do devedor, lucrará o credor, desobrigado de indenização.
No entendimento de Hamid Charaf Bdine Jr, a menção refere-se aos casos mencionados no art. 238, i.é, à obrigação de restituir. O bem encontra-se em poder do devedor, mas é de propriedade do credor, de modo que tudo o que a ele for acrescido a este pertencerá, pois, o acessório segue o principal. No entanto, para que não haja enriquecimento sem causa do credor à custa do devedor, se os melhoramentos ou acréscimos resultarem de despesa ou trabalho do devedor, estará aquele obrigado a indenizá-lo – o que se extrai da norma a contrario sensu – e está disciplinado no artigo seguinte. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p 193 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 11.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Sob o enfoque de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, nas obrigações de restituir, diversamente do que se dá na obrigação de dar coisa certa (CC, art. 237), as melhorias acrescem ao patrimônio do credor da obrigação (dono), sem que nada possa ser cobrado pelo devedor. Para maiores esclarecimentos, vide comentários ao artigo 237 supracitado. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 11.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 242. Se para o melhoramento, ou aumento, empregou o devedor trabalho ou dispêndio, o caso se regulará pelas normas deste Código atinentes às benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa-fé ou de má-fé.
Parágrafo único. Quanto aos frutos percebidos, observar-se-á, do mesmo modo, o disposto neste Código, acerca do possuidor de boa-fé ou de má-fé.
Nas palavras de Hamid Charaf Bdine Jr cuida-se de disciplinar o modo pelo qual se vai apurar o valor da indenização que o credor pagará ao devedor por melhoramentos ou acréscimos decorrentes de seu trabalho ou com despesas suportadas por este. As normas escolhidas pelo legislador são as atinentes às benfeitorias realizadas pelo possuidor, que se encontram disciplinadas nos arts. 1.219 a 1.222 do Código Civil. Do mesmo modo, no que tange aos frutos do bem a restituir, adotar-se-ão as regras dos arts. 1.214 a 1.216 do mesmo Livro. Segundo Roberto Gonçalves, “citando o devedor de boa-fé, tem direito à indenização dos melhoramentos ou aumentos necessários e úteis, quanto aos voluptuários, se não for pago o respectivo valor, [o devedor] pode levantá-los (jus tollendi) quando o puder sem detrimento da coisa e se o credor não preferir ficar com eles, indenizando o seu valor” (Direito civil brasileiro. São Paulo, Saraiva, 2004, v. II, p. 50). (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p 194 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 11.03.2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Verbagracie Jurisprudência: Comodato de imóvel. Realização de melhorias pelo comodatário. Pleito de ressarcimento de valores. Retomada do bem. Comodatário que, na condição de possuidor de boa-fé, tem direito à indenização pelas benfeitorias úteis e necessárias empregadas no imóvel, sob pena de enriquecimento indevido do proprietário. Aplicação dos arts. 242 e 1.219 do CC. Recurso provido para o fim de julgar procedente o pedido. (Turmas Recursais – RS, Rec. Cível n. 71.001.121.979, 3ª T. Recursal Cível, rel. Eugênio Facchini Neto, j. 27.02.2007, DJ 14.03.2007).

Aplicam-se as regras atinentes à distribuição de frutos aos possuidores, variando conforme esteja o devedor de boa ou de má-fé (CC, arts. 1214 a 1.216).

No diapasão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, o devedor da obrigação de restituir coisa certa poderá pleitear ressarcimento por melhoramentos e acrescido ao bem somente na hipótese de haver concorrido para eles com seu trabalho ou dispêndios. Tal regra é lógica da vedação do sistema ao enriquecimento sem causa (CC. Art. 884). Aplicam-se à hipótese as regras atinentes às benfeitorias realizadas por possuidor (CC, arts. 1.219 a 1.222). (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina, apud Direito.com em 13.03.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).