DIREITO CIVIL COMENTADO - Art. 316, 317
Do Objeto do Pagamento e Sua
Prova – VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título
III – DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
(art. 304 a 388) Capítulo I – DO PAGAMENTO –
Seção III –
Do Objeto
do Pagamento e Sua Prova - vargasdigitador.blogspot.com
Art. 316. É lícito convencionar o aumento progressivo de prestações
sucessivas.
Na esteira de Bdine Jr., as prestações
sucessivas podem ser aumentadas progressivamente, desde que haja convenção das
partes nesse sentido. Este dispositivo torna possível a adoção de cláusula de
correção monetária nos negócios jurídicos, o que implica reconhecimento de que
a desvalorização do valor nominal da moeda será afastada mediante a adoção de
um critério que preserve o valor real do dinheiro.
O processo inflacionário faz com que o valor
nominal não se conserve compatível com a evolução dos preços, de modo que o que
se pode comprar com R$ 100,00 em determinado mês custará mais no mês seguinte.
O critério pelo qual o débito de R$ 100,00 será atualizado para a manutenção do
poder de compra equivale à correção monetária.
É assente na doutrina e na jurisprudência que a
correção monetária não aumenta o valor da dívida, pois representa mero
mecanismo destinado a evitar o aviltamento do valor da moeda – assim, apenas
atualiza e recompõe o valor -, de modo que, aparentemente, a correção monetária
não seria o objeto desta regra.
No entanto, o que o presente dispositivo
contempla é o valor nominal referido no artigo anterior, de maneira que o
aumento deste não significa acréscimo do valor substancial da dívida em
dinheiro, mas apenas seu aumento nominal, com consequente manutenção do valor
real, de modo a se destinar também à correção monetária.
O artigo também contempla as hipóteses em que
as partes pactuam determinado aumento real do valor da prestação, como ocorre,
por exemplo, nos contratos de locação de pontos comerciais em shopping center. Esses centros de
compras costumam contratar locação com cláusula que prevê aumento percentual do
valor do aluguel a cada ano ao longo do prazo de duração do pacto. Trata-se de
um aumento progressivo do valor da prestação.
Nada impede que legislação especial, ao
disciplinar matérias relevantes e de interesse social, venha a limitar a
possibilidade da cláusula de atualização monetária, bem como impor limites à
por agressividade do valor das prestações. O fato de haver cláusula dessa
espécie não afasta a incidência das regras dos arts. 317 e 478 do Código Civil.
A denominada cláusula móvel, “pela qual o valor da prestação deve variar
segundo os índices de custo de vida” é utilizada para combater os malefícios da
desvalorização da moeda e não se confunde com as hipóteses dos arts. 317 e 478,
que dependem de circunstâncias supervenientes à celebração do contrato,
irrelevantes para a adoção e incidência da primeira.
A
regra em exame, porém, não exclui a incidência geral da atualização monetária
às dívidas de dinheiro, mesmo que ausente cláusula móvel de aumento progressivo
do valor, pois o instituto “está ancorado na equidade e no princípio geral de
Direito (agora acolhido em cláusula geral, art. 884) que veda o enriquecimento injustificado”
(Martins-Costa, Judith. Comentários ao
novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. V, t. I, 2003, p. 201
e ss.) (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 301. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 30.04.2019.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Enquanto na doutrina de Ricardo Fiuza, o
dispositivo permite a atualização monetária das dívidas em dinheiro e daquelas
de valor, ao dispor sobre a possibilidade de as partes convencionarem o aumento
progressivo das prestações sucessivas. É o que a doutrina convencionou chamar
de “cláusula de escala móvel”, mediante a qual o valor da prestação será automaticamente
reajustado, após determinado lapso de tempo, segundo índice escolhido pelas
partes. A aplicação dessa cláusula serve também para afastar o vetusto
princípio do nominalismo, segundo o qual a obrigação só poderá ser satisfeita
levando-se em conta o seu valor nominal, o que em época de inflação daria azo
ao enriquecimento sem causa de uma das partes. A Lei n. 10.192, de 14.02.2001,
declara nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção de
periodicidade inferior a um ano. (Direito Civil
- doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 180, apud Maria Helena
Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 30/04/2019, VD).
Na esteira de Guimarães e Mezzalina, em razão
da obrigação de que se pague pelo valor nominal (CC, art. 315) – o que, por
vezes, conduziria ao pagamento de prestação de valor menor em tempos de
inflação -, o legislador permitiu às partes que convencionassem as cláusulas
monetárias ou cláusulas de escala móvel.
A Lei n. 6899/81 e o Decreto n.
86.649/81 estabelecem que todas as dívidas cobradas judicialmente, deverão ser
corrigidas, independentemente, de as partes haverem convencionado cláusula de
escala móvel. Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina (Direito Civil Comentado, apud Direito.com em 20.04.2019, corrigido e aplicadas as
devidas atualizações VD).
Art. 317. Quando,
por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da
prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a
pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da
prestação.
No entender de Bdine Jr. podem se verificar razões imprevisíveis que desequilibrem o valor da prestação devida
entre o momento em que ela foi estabelecida e o momento de seu pagamento. Nesse
caso, será possível que o juiz corrija o valor da prestação, assegurando seu
valor real. O dispositivo em exame estabelece os requisitos para essa
intervenção? (a) os motivos devem ser imprevisíveis, mas não há exigência de
que sejam extraordinários, como ocorre no art. 478; (b) a desproporção entre a
prestação devida deve ser manifesta, i.é,
deve ser suficientemente expressiva e estar identificada. Essa desproporção
deve ser verificada levando-se em conta as prestações; ou seja, o critério é
objetivo, não sendo possível a adoção de um critério puramente subjetivo, que leve
em conta a desproporcionalidade e a imprevisibilidade do ponto de vista de quem
está obrigado ao cumprimento da prestação, como ocorre com a hipótese prevista
no art. 6º, V, do Código de Defesa do Consumidor; (c) o reequilíbrio do valor
da prestação deve ser postulado pela parte, sendo vedado ao juiz implementá-lo
de ofício; (d) a existência de uma relação obrigacional duradoura, sucessiva ou
mesmo instantânea, desde que com o adimplemento parcelado; e (e) os
acontecimentos que geraram o desequilíbrio não podem ser imputáveis ao lesado.
A intervenção deve restringir-se ao reequilíbrio das prestações. Este
dispositivo deve ser visto em conjugação com a regra do art. 478 deste Código,
que disciplina a resolução por onerosidade excessiva e não prevê a possibilidade
de reequilíbrio e preservação do contrato, se o réu não se oferecer para
modificar equitativamente as condições do ajuste (art. 479 do CC), salvo se a
prestação couber a apenas uma das partes (art. 480 do CC). Bdine Jr., Hamid
Charaf. Comentário ao artigo 317 do
Código civil, In Peluso, Cezar (coord.).
A conjugação do dispositivo em exame com
os ora referidos autoriza a parte prejudicada pelo desequilíbrio a ajuizar a
ação com o objetivo de preservar o contrato e adequar o valor real da
prestação, sem necessidade de optar pela resolução, como parece sugerir o art.
478.
Renan Lotufo registra que este artigo
“adota a teoria da imprevisão e permite intervenção judicial no reequilíbrio da
obrigação”, observando que o fato “passou despercebido pela maioria da
doutrina” (LOTUFO,
Renan. Código civil comentado. São
Paulo, Saraiva, 2003, v. II, p. 227 e ss.).
Não
há razão para considerar que o art. 317 só se aplique às obrigações de
pagamento em dinheiro. Sua inclusão no capítulo do pagamento em geral, ainda
que ao lado de dispositivos referentes às obrigações de pagar em dinheiro, não
impede que se estenda a incidência da teoria da imprevisão nele consagrada para
outras hipóteses e modalidades de obrigações (ibidem, p. 317 e ss.).
Também
não se restringe aos casos de obrigação oriunda de contrato, sendo
significativos os casos em que o desequilíbrio identifica-se em prestações
impostas por decisão judicial – por exemplo, nas sentenças que condenam o
responsável pela indenização a pagar alimentos a quem o defunto devia -, ou
decorrentes da redução de capacidade de trabalho. Caso a vítima de um acidente
que teve reduzida sua capacidade de trabalho, em razão de motivos
imprevisíveis, retome sua capacidade plena de trabalho, é possível concluir que
a desproporção manifesta entre o valor pago pelo culpado de seu acidente e a
aptidão integral para a atividade profissional autorizam o reequilíbrio do
valor da prestação, reduzindo-se ou eliminando-se a verba alimentar imposta
pela sentença. O dispositivo não se confunde com as hipóteses de lesão e estado
de perigo, na medida em que não se trata de defeito contemporâneo ao surgimento
da obrigação, mas sim de fato imprevisível ocorrido entre o momento de sua constituição
e o do pagamento.
Nada
impede que a arbitragem seja utilizada para adequar o valor da prestação, a
despeito de o dispositivo referir-se expressamente à correção feita pelo juiz.
Em se tratando de obrigação de natureza contratual, a arbitragem tem previsão
expressa na Lei n. 9.307/96. As partes podem convencionar sua utilização,
sobretudo porque esse diploma, de natureza especial, não foi revogado pelo
Código Civil, que é lei geral (art. 2º, § 2º, da LICC). (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 301. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 01.05.2019.
Revista e atualizada nesta data por VD).
A doutrina mostrada por Ricardo Fiuza, aponta que o dispositivo,
invocando o direito anterior, adota a teoria da imprevisão, a fim de permitir
que o valor da prestação seja corrigido por decisão judicial, sempre que houver
desproporção entre o que foi ajustado durante a celebração do contrato e o
valor da prestação na época da execução. Para tanto, é imprescindível que a
causa da desproporção tenha sido realmente imprevisível e que tenha havido
pedido expresso de uma das partes, sendo vedado ao juiz determinar a correção
de ofício. Na vigência do Código Civil de 1916, a ausência desse dispositivo
foi compensada pela jurisprudência com a aplicação da cláusula rebus sic stantibus, do direito romano.
(Direito Civil -
doutrina, Ricardo Fiuza – p. 180, apud Maria Helena
Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word).
A cláusula rebus
sic stantibus, diz Regina Beatriz Lavares da Silva, “É a abreviação da
fórmula contractus qui habent tractun
sucessivum et depenílentiam de finura rebus sic stantibus intelliguntur,
que, na Idade Média, era admitida tacitamente nos contratos com dependência do
futuro e que equivalia a estarem todos os contratos sucessivos ou a termo
dependentes da permanência da situação fática existente na data da celebração
contratual. Como consequência do ‘individualismo’, que passou a prevalecer nas
relações jurídicas, tal entendimento foi relegado ao esquecimento no decorrer
do século XIX, mas ressurgiu com as novas ideias ‘solidaristas’, que começaram
a ganhar vulto desde o início do presente século. Resultou, assim, da antiga
cláusula rebus sic stantibus a
‘teoria da imprevisão’, com a preocupação moral e jurídica de evitar graves
injustiças, ao ser exigido cumprimento de contratos que não tenham execução
imediata, na forma estipulada, admitindo-se sua revisão ou resolução, por meio
de intervenção judicial, se as obrigações assumidas tornarem-se excessivamente
onerosas pela superveniência de fatos anormais e imprevisíveis à época da
vinculação contratual” (Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Cláusula “rebus sic stantibus” ou
teoria da imprevisão, Belém, Cejup, 1989, p. 9).
A regulamentação da cláusula rebus sic stantibus vinha sendo tentada
no Brasil desde 1941, com o primeiro Anteprojeto do Código de Obrigações. O
novo Código, nesse particular, tomou como modelo o Código italiano de 1942,
que, sem se afastar da regra geral pacta
sant servanda, previu a intervenção judicial nos contratos, sempre que
houver desproporção manifesta no valor da prestação, decorrente de fato
imprevisível. Sobre “Teoria da Imprevisão”, vide
ainda comentários ao art. 478. (Direito Civil
- doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 180, apud Maria Helena
Diniz, Novo Código Civil Comentado doc, 16ª
ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 01/05/2019, VD).
No ensinar de Azevedo, acessado no site Direito.com acesso em 01.05.2019, corrigido e aplicadas as
devidas atualizações VD, a leitura do artigo 317 leva à
falsa impressão de que haveria uma dicotomia entre ele e o teor das regras
constantes dos artigos 315 e 478. Afinal, ao se permitir a livre revisão da
prestação pelo juiz para assegurar o valor real da prestação, estar-se-ia a um
só tempo a ignorar o princípio nominalista e outrossim o modelo da onerosidade
excessiva brasileiro. Não obstante, o que se passa é que a interpretação
do artigo 317 deve ser feita à luz dos
artigos 315 e 478, de modo a se concluir que sua aplicação restringe-se às
dívidas pecuniárias, com o objetivo de se promover a “reposição do poder aquisitivo da moeda como meio de pagamento”. A
esse respeito, é importante lembrar que vigora no Direito Brasileiro a distinção entre dívidas pecuniárias (na e quantum debeatur já estão, previamente, fixados) e dívidas de
valor (apenas o na encontra-se
definido, havendo, desse modo, necessidade de se liquidar o quantum devido). Azevedo,
Antônio Junqueira de. Relatório Brasileiro
sobre a revisão contratual apresentado para as jornadas Brasileiras da
Associação Henri Capitant. In Azevedo Junqueira. Novos Estudos e Pareceres de Direito Privado. São Paulo. Saraiva,
2004, p.187.
Defendendo a ausência de dicotomia entre o
artigo 317 e o artigo 315, Pereira esclarece que, “mantendo o artigo, o policiamento das convenções que tendam a
contrabalancear a diferença entre o valor da moeda nacional e o das moedas
estrangeiras, excetuados os casos previstos na legislação especial, o que na
verdade fez, em conjugação com os artigos 315 e 316, foi coibir a livre
estipulação das cláusulas monetárias e das cláusulas econômicas, tal como
constava do Projeto de Código das Obrigações de 1965 (art. 144), excetuados os
casos e limites constantes de lei. Dentre as situações que cabe a estipulação
de reajuste de prestações, citam-se: os contratos de empreitada, incorporação
de edifícios coletivos, financiamento para aquisição de imóvel no Sistema
Financeiro da Habitação, locação de prédios urbanos” (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria Geral das Obrigações, Rio de
Janeiro: Forense, op. cit., p. 192)
Por fim, leciona Leães, a corroborar a
inexistência de dicotomia entre os artigos 317 e 478, há que se levar em conta
localização do artigo 317, no título III (“Do
Adimplemento e Extinção das Obrigações”), seção III (“Do Objeto do Pagamento e Sua Prova”), a indicar que a regra
aplicar-se-ia, genericamente, a todo tipo de obrigação, sendo que a disciplina
do artigo 478 prevaleceria apenas no que se refere a obrigações contratuais,
com exceção de prestações pecuniárias, por se tratar de regra especial. Leães
também destaca que “a disciplina
introduzida pelo art. 317 da nova lei civil não pode ser associada à regulação
da resolução contratual por onerosidade excessiva, que mereceu tratamento
específico e exaustivo do novo Código, nos seus arts. 478 a 480” (Leães,
Luiz Gastão de Barros. Resolução por
onerosidade excessiva. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico
e financeiro, 140, Ano XLIV, out.-dez., 2005 p.28).
Enunciado
17 do CEJ: “A interpretação da expressão
‘motivos imprevisíveis’ constante do art. 317 do novo Código Civil deve abarcar
tanto, causas de desproporção não-previsíveis, como também causas previsíveis,
mas de resultados imprevisíveis” (Direito.com acesso
em 01.05.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).