sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 521, 522, 523, continua - Da Venda com Reserva de Domínio – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 521, 522, 523, continua
- Da Venda com Reserva de Domínio
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção II – Das Cláusulas Especiais à Compra e Venda –
Subseção IV – Da Venda com Reserva de Domínio
 - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 521. Na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar para si a propriedade, até que o preço esteja integralmente pago.

Bastante esclarecedor o ensinamento de Nelson Rosenvald, quando diz que a modalidade da reserva de domínio consiste em pacto adjeto à compra e venda, em que o vendedor mantém consigo a propriedade da coisa móvel sob a condição suspensiva do pagamento integral das prestações pelo comprador.

A reserva de domínio e usualmente empregada no comércio, em vendas a prestação, nas quais o vendedor utiliza o mecanismo como garantia de adimplemento, eis que a transferência da propriedade é postergada do momento da tradição para o tempo da quitação. Nada impede, contudo, que a venda seja realizada com base em única prestação, em época posterior à contratação (v.g., compra de televisor com pagamento do preço em noventa dias após o contrato).

Estruturalmente, o aludido negócio jurídico propicia o desdobramento da posse – posse direta para o comprador e indireta para o vendedor, ainda proprietário -, bem como evidencia uma espécie de propriedade resolúvel, na qual o implemento da condição suspensiva do pagamento (evento futuro e incerto), permitirá a transferência da propriedade da coisa móvel. A condição não se prende à transferência da posse (tradição), mas da propriedade.

A reserva de domínio se aproxima do modelo da propriedade fiduciária (CC 1.361 a 1.368), como espécies de negócio fiduciário. O desdobramento da posse e a propriedade condicional são comuns a ambas, bem como o desiderato de propiciar a circulação massiva de propriedade mobiliária.

Todavia, algumas distinções são evidentes. A propriedade fiduciária gera a a imediata transferência da propriedade do fiduciante (alienante) ao credor fiduciário (adquirente), como premissa para que o vendedor possa imediatamente receber o preço e se satisfazer. Ou seja, o vendedor não integra a relação jurídica de direito real, restringindo-se o negócio fiduciário ao comprador e ao financiador, que recebe a propriedade resolúvel da coisa móvel como garantia do pagamento realizado ao vendedor. Já na reserva de domínio, a relação jurídica se circunscreve a vendedor e comprador, pois o próprio alienante realiza o financiamento da aquisição em prestações, subordinando-se a passagem da propriedade a uma condição suspensiva.

Ademais, há previsão legal de propriedade fiduciária imobiliária (Lei n. 9.514/97), sendo certo que a reserva de domínio abrange apenas os bens móveis. Se anteriormente a propriedade fiduciária era reservada a instituições financeiras, hoje o CC 1.361 não opera mais ressalvas quanto à legitimidade para o negócio, aproximando-a da reserva de domínio, aberta para qualquer pessoa física ou jurídica. Por fim, nem se cogite de qualquer discussão acerca de eventual prisão civil na venda com reserva de domínio, pois o comprador não é qualificado como depositário, excluindo-se a aplicação do CC 652 em caso de inadimplemento.

Há também certa proximidade entre a reserva de domínio e o arrendamento mercantil. O leasing consiste em um contrato misto, envolvendo as figuras da locação, mútuo e compra e venda. O arrendante loca o bem móvel ao arrendatário, exercendo este a posse direta da coisa mediante pagamento de prestações que objetivam amortizar o empréstimo para a compra do bem pelo arrendador. Ao tempo do adimplemento surgirão três opções para o arrendatário: restituir o bem, sem devolução das prestações; renovar a locação, frequentemente com substituição por outro bem móvel mais moderno; adquirir a propriedade da coisa através do pagamento de um valor residual.

Em comum com a reserva de domínio é o fato de ambos tratarem de relações envolvendo direitos obrigacionais com imediata transferência da posse direta ao comprador para fins de fruição da coisa. Porém, no leasing   a retribuição auferida pelo arrendador mantém a natureza de aluguel, enquanto na reserva de domínio o pagamento de prestações consiste em amortização da compra pelo valor do bem, o que dispensa a existência de um valor residual ao tempo da integralização do preço. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 579-580 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 20/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No diapasão da doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, a cláusula de reserva de domínio é cláusula especial de reforço de garantia ao vendedor, instituída agora no CC/2002, quando, por mais de sessenta anos, teve sua regulação pelo Decreto n. 1.027, de 2-1-1039.

O instituto da compra e venda sob essa modalidade é tratada, ainda no Código de Processo Civil de 1939 (arts. 342 e 343), no CPC/1973 (arts. 1.071 e 1.072) sem correspondência no CPC/2015, e na legislação registral (Lei n. 6.015/73), que exige o registro do contrato para valer contra terceiros, como já previsto no antigo Decreto n. 4.857, de 9-11-1939 (Art. 12). Pelo pactum reservati domini, o vendedor mantém em seu favor a propriedade da coisa vendida, enquanto não efetuado o pagamento integral do preço, diferida a passagem do domínio para determinado dia, quando satisfeita a prestação final do preço. O presente artigo limita o pacto da reserva de domínio somente na venda de coisa móvel, porque apenas a ela se refere, não obstante a Lei n. 9.524, de 20-11-1997, haver instituído a alienação fiduciária de coisa imóvel, cuidando da caução e da cessão fiduciária de direitos relativos a imóveis (art. 17, II e III), acrescentando, ainda, o item 35 ao inciso II e o item 17 ao inciso II, ambos do art. 167 da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73).

Segundo leciona Amoldo Wald, “a venda a crédito em reserva de domínio só é conhecida no Direito brasileiro, em relação aos moveis, por existirem outras técnicas protetoras do vendedor nas alienações imobiliárias (promessa de compra e venda, hipoteca etc.)”. por igual, explica Jefferson Daibert: “O objeto deverá ser sempre coisa imóvel, certa, individuada e inconfundível com outras da mesma espécie, portanto, infringível”.

O instituto jurídico, em sua estrutura, exige a integração de cinco elementos, apontados por Nicolau Balbino filho e citados por Macedo de Campos, como característicos essenciais: a venda deve ser em prestações; o objeto individuado sobre o qual recai a venda deve ser infungível; a entrega ao comprador do bem negociado deve ser efetuada pelo vendedor; o pagamento do preço, definido em prestações, deve ser efetuado no prazo convencionado, e o domínio da coisa vendida, após o pagamento do preço, deve ser transmitido pelo vendedor ao comprador.

Direito comparado: A venda com cláusula de reserva da propriedade, alienação sob condição suspensiva, é tratada pelo Código civil português, nas disposições gerais dos contratos (Art. 409, I e 10) (Antonio Macedo de Campos, Comentários à Lei de Registros Públicos, 2. aI., São Paulo, Jalovi, 1981, v. 2 (p. 136-7); Amoldo Wald, Curso de direito civil brasileiro – obrigações e contratos, 10, ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1992 (p. 265); Jefferson Daibert, Dos contratos – parte especial das obrigações, Rio de Janeiro, forense, 1973 (p. 207). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 277-278 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No domínio de Marco Túlio de Carvalho Rocha, contrato de compra e venda de coisa móvel, a prestação, no qual o vendedor reserva-se o domínio da coisa vendida até o momento da integralização do pagamento do preço.

A cláusula de reserva de domínio foi introduzida legislativamente pelo art. 3º do Decreto-lei n. 869/38 e visava a propiciar maior garantia ao vendedor no comércio de bens de consumo duráveis. O contrato de compra e venda não transfere a propriedade do bem vendido. A transferência da propriedade ocorre por um dos “modos” previstos na lei: o registro do título aquisitivo nas vendas de imóveis e a entrega da coisa nas vendas de bens móveis. Com a cláusula de reserva de domínio, pode o vendedor entregar a coisa ao comprador sem transferir-lhe o domínio. Essa técnica visa a permitir ao vendedor valer-se de medidas processuais rápidas para retomar a posse do bem, caso o comprador não integralize o pagamento do preço. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 20.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 522. A cláusula de reserva de domínio será estipulada por escrito e depende de registro no domicílio do comprador para valer contra terceiros.

Nós ensinamentos de Nelson Rosenvald, a reserva de domínio demanda formalidades. A forma escrita é requisito de validade do negócio jurídico, a teor do exposto no CC. 104, III, sob pena de nulidade contatual (CC, 166, IV). Enquanto quase toda venda de bem móvel se basta com a forma verbal seguida da tradição, a reserva de domínio requer instrumento público o particular, seja qual for o valor do bem.

Ademais, o registro no cartório de títulos e documentos (LRP, art. 129, item 5º) é fundamental para gerar eficácia da reserva de domínio perante terceiros no que concerne aos bens moveis em geral. Tratando-se de veículos, assim como se observa na propriedade fiduciária e no arrendamento mercantil, caberá a anotação do gravame no certificado de registro do veículo (CRV), sob pena de inoponibilidade do contrato perante terceiros que adquiram o bem sem que tenha sido preenchido o requisito de publicidade do contrato (Súmula n. 92 do STJ). Ou seja, a ausência do registro não opera negativamente no plano de validade, mas é fator de ineficácia relativa da relação obrigacional perante terceiros de boa-fé.

O registro também é importante para converter a coisa móvel em patrimônio em afetação. Vale dizer que, apesar de a propriedade remanescer com o vendedor até o pagamento, não servirá aos seus credores como garantia de débitos, pois a coisa já se encontra afetada ao direito eventual do comprador, que poderá exercer atos conservatórios contra terceiros que efetuem constrições sobre o bem (CC 130), desde que tenha sido promovido o registro. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 581- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 20/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo Fiuza, a norma estabelece que nas vendas a crédito ou em prestações com reserva de domínio a estipulação da cláusula contratual não prescinde, por óbvio, da forma escrita, e menciona, ainda, a necessidade de registro perante o Registro de Títulos e Documentos, já previsto pelo art. 129, item 52, da Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6.015/73), para surtir efeitos em relação a terceiros (511, REsp 17.546-SP).

É firme o posicionamento jurisprudencial, reconh3ecendo os direitos de terceiro de boa-fé: “Processo civil. I. Prova. Quem pensa ter adquirido a propriedade plena de veículo automotor, e se vê surpreendido pela apreensão judicial do bem, que se encontrava gravado com reserva de domínio, só precisa instruir a ação de indenização contra o Estado com o certificado de registro fornecido, sem qualquer ressalva, pelo Detran (STJ, 2’ T., REsp 21.503-SP, rel. MM Ari Pargendler, 0.1 de 2941996). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 279 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Marco Túlio de Carvalho Rocha a cláusula de reserva de domínio é oponível erga omnes. Para tanto, exige a lei que ao contrato seja dada a necessária publicidade mediante seu registro no local próprio, i.é, no registro de títulos e documentos do domicílio do comprador (Lei n. 6.015, Lei dos Registros Públicos, art. 130) (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 20.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 523. Não pode ser objeto de venda com reserva de domínio a coisa insuscetível de caracterização perfeita, para a estremá-la de outras congêneres. Na dúvida, decide-se a favor do terceiro adquirente de boa-fé.

Trilhando no caminho de Nelson Rosenvald, quando o legislador utiliza a expressão “caracterização perfeita” para qualificar o bem objeto da venda com reserva de domínio, procura ressaltar ser fundamental a natureza infungível da coisa adquirida. Ou seja, o negócio jurídico inevitavelmente será realizado com a entrega de coisa que não possa ser substituída por outa da mesma espécie, qualidade e quantidade (CC 85), devendo ser identificada e especializada em seus atributos essenciais. Excluem-se os bens consumíveis, obviamente pelo seu próprio atributo de autodestruição.

O requisito da infungibilidade é determinado por algumas razoes: a) propicia o registro do bem no cartório de títulos e documentos; b) permite a localização e recuperação da coisa em caso de inadimplemento do comprador, por causa de sua perfeita identificação; e c) facilita o tráfego jurídico do bem, pois permitirá sucessivas tradições da coisa com base em sua singularidade.

A parte derradeira do artigo em comento será de escassa aplicação, afinal dificilmente se efetivará registro de bem fungível. Nesse caso, o terceiro adquirente será beneficiado pela boa-fé diante da impossibilidade do vendedor de precisar as qualidades exatas da coisa que foi transferida ao terceiro pelo comprador. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 581- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 20/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Trilhando pelos caminhos de Nelson Rosenvald, a individualização completa e perficiente do bem é elemento essencial para a validade da cláusula de reserva. A sua caracterização perfeita é pressuposto necessário, de modo a distingui-la de outras coisas do mesmo gênero ou similares.

Essa exigência – cientifica Jefferson Daibert – é perfeitamente explicável. Aduz com clareza: “Se o comprador se tornar inadimplente, o juiz deverá determinar a apreensão da coisa e isto somente será possível diante de sua caracterização detalhada”. (Jefferson Dabert, Dos contratos – parte especial das obrigações, Rio de Janeiro, forense, 1973 (p. 207). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 279 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 20/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o direito do vendedor de se reintegrar na posse da coisa vendida mediante busca e apreensão somente pode ser exercido se a coisa for infungível, ou seja, se ela puder ser individualizada por meio de suas características. Se o bem não for suscetível de individualização e, portanto, se não puder ser identificado como aquele que foi objeto da venda, torna-se impossível ao vendedor-proprietário busca-lo junto ao comprador ou a terceiro a quem tenha sido alienado. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 20.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 519, 520 - Da Preempção ou Preferência – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 519, 520
- Da Preempção ou Preferência
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção II – Das Cláusulas Especiais à Compra e Venda –
Subseção III – Da Preempção ou Preferência
 - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 519. Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa.

Como ensina Nelson Rosenvald, aqui o Código Civil cuida do interessantíssimo tema da retrocessão. Traduz-se no dever do poder público de colocar à disposição do expropriado o imóvel que fora desapropriado, nos casos em que não se lhe concedeu a finalidade visada pela necessidade ou utilidade pública ou do interesse social.

Cuida-se de sanção dirigida à administração pública como consequência da recusa em atender à especial vinculação do bem expropriado. O bem será oferecido ao particular, a fim de que delibere acerca da recompra pelo preço atual da coisa.

Contudo, o artigo em análise é claro ao afirmar que, mesmo não tendo sido concedida a destinação originária, se ficar provada a sua utilização em qualquer obra ou serviço público, restará inviabilizada a possibilidade de retrocessão (v.g., substituir a construção da creche por um posto de saúde), pois fica mantido o motivo superior que justificou o ato. Ou seja, a retrocessão requer a tredestinção ilícita, i.é, o desvio de poder que conduz o bem a uma finalidade contrária à do interesse público ou a sua transferência a terceiro, denotando a desistência na desapropriação.

Ao contrário do disciplinado nos artigos anteriores, cuida-se de hipótese de direito de preferência legal e não convencional. Ademais, não se indeniza o prejuízo somente com perdas e danos (CC 518), mas com a própria reaquisição da propriedade em razão do desinteresse superveniente do expropriante.

Ninguém pode duvidar da manutenção da retrocessão no direito vigente. Apesar de não ser inserida na Lei de Desapropriações (Decreto-lei n. 3.365/41), mantém-se no Código Civil, que é o local adequado para tratar de um modelo do direito privado. Não se olvide de que a desapropriação é a máxima restrição ao direito de propriedade, sento apenas justificada pela função social que lhe é inerente (CF, 5º, XXII, XXIII e XXIV). Portanto, nada mais natural que a possibilidade de retorno do bem imóvel ao proprietário quando é frustrada a finalidade pública para a qual se pretendeu dirigir o bem.

A retrocessão é direito real ou obrigacional? Pela própria estrutura da retrocessão, ela não se acomoda perfeitamente nem a um nem a outro setor. Assume aspectos obrigacionais por se situar no campo do direito de preferência, matéria alusiva aos contratos, relações de cunho obrigacional. Todavia, não sendo concedida nenhuma finalidade pública ao bem, o expropriado não receberá uma indenização – o que ocorreria em sede obrigacional, mas poderá postular a ação de preferência (não a reivindicatória), reavendo a coisa para si. Porém, isso não convola a retrocessão em direito real, podendo-se admitir uma eficácia real do direito obrigacional, pois a desapropriação geraria uma espécie de propriedade resolúvel do poder público, condicionada à satisfação do interesse público. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 578/579 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 19/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como esclarece a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, ao lado da preferência voluntária ou convencional (negocial), referida pelo art.. 513, tem-se presente, no dispositivo, a preferência legal, em favor do ex proprietário da coisa expropriada, também chamada retrocessão, obrigando o Poder Público expropriante, em não a tendo destinado para a finalidade que pronunciou a desapropriação, ou não a utilizando em obras e serviços públicos, oferece-la ao seu anterior titular, recompondo o direito de propriedade afetado. A retrocessão significa, como sustenta a doutrina, o direito que o titular do bem expropriado tem de reincorpora-lo ao seu patrimônio, quando desviado inteiramente o seu uso e destinação de interesse público ou social. A sua aplicação deve-se, inclusive, à efetividade do princípio da moralidade que deve reger a administração pública (CF, 37)

A jurisprudência tem ultimamente, no tema da infringência ao CC 1.150 de 1.916, definido que “resolve-se em perdas e danos o conflito surgido com o desvio de finalidade do bem expropriado” (STJ, 4’ T., REsp 43.651-SP, rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 5-6-2000). Também assentou o STJ: “A ação de retrocessão é de natureza ‘real’, não se lhe aplicando a prescrição quinquenal prevista no Decreto n. 20.190/32. A transferência do imóvel desapropriado a terceiro (pessoa privada) constitui-se em desvio de finalidade pública, justificando o direito a retrocessão a ser postulado pelo proprietário expropriado” (REsp 62.506-PR, I’ I., Rel. Mm Demócrito Reinado, DJ de 19-6-1995). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 277 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 19/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Conforme ensina Marco Túlio de Carvalho Rocha, o artigo 519 cuida de matéria pertencente ao Direito Administrativo e que já não deveria mais ser regulada pelo Código Civil: o direito de retrocessão que toca ao desapropriado em caso de não-utilização do bem pelo expropriante (tredestinção). Sobre a matéria, confira-se a Lei das Desapropriações. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 19.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 520. O direito de preferência não se pode ceder nem passa aos herdeiros.

Como mostra Nelson Rosenvald, aqui se vê que o direito de preferência é intuitu personae e não se transmite aos herdeiros do vendedor. Ademais, não pode ser objeto de cessão por negócio jurídico inter vivos. A morte do vendedor é o termo da preempção, exceto se foi instituído em favor de duas ou mais pessoas – como na venda de bem em condomínio -, quando somente se extinguirá com a morte do último vendedor, adiante da indivisibilidade da obrigação.

Vê-se que o mesmo fenômeno não ocorre na retrovenda, pois o direito de retrato é cessível e transmissível a herdeiros e legatários do vendedor, a teor do CC 507. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 579 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 19/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo a orientação de Ricardo Fiuza, o direito de prelação é direito personalíssimo, inábil de transmissibilidade, não podendo ser objeto de cessão e tampouco os herdeiros do preemptor o sucedem no seu exercício. No seu elevado magistério, Augusto Zenun sustenta, porém, o seguinte: “(...) no tocante à herança, pode dar-se a sucessão quanto à preferência do vendedor, se há cláusula expressa nesse sentido, podendo os herdeiros suceder na preferência, diante da falta do vendedor”.

Melhor seria a solução dada pelo Código Civil Alemão (art. 514) ao efetuar o preceito quando haja estipulação em contrário ou fixação de prazo para o exercício do direito de prelação, o que importa em tratamento equivalente à disciplina da retrovenda, onde o direito de retrato é cessível e transmissível (art. 507), com prazo decadencial estabelecido. (Augusto Zenun, Da compra e venda e da troca, Rio de Janeiro, Forense, 2001 (p. 79-80); João Luiz Alves, Código Civil anotado (p. 778). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 277 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 19/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Tem-se na esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha, que o direito de preferência é personalíssimo: cabe apenas ao antigo proprietário que o ressalvou quando da venda do bem que lhe pertencia. Não se transfere a terceiros, nem por cessão, nem por herança. Falecido o titular do direito de preferência, este estará extinto. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 19.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Arts 516, 517, 518, continua - Da Preempção ou Preferência – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Arts 516, 517, 518, continua
- Da Preempção ou Preferência
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção II – Das Cláusulas Especiais à Compra e Venda –
Subseção III – Da Preempção ou Preferência
 - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 516. Inexistindo prazo estipulado, o direito de preempção caducará, se a coisa for móvel, não se exercendo nos três dias, e, se for imóvel, não se exercendo nos sessenta dias subsequentes à data em que o comprador tiver notificado o vendedor.

Conforme esclarece Nelson Rosenvald, se as partes não ajustarem prazo convencional de decadência e houver intenção do comprador em vender a coisa antes do tempo fixado no parágrafo único do art. 513, deverá ele notificar o vendedor com a concessão de prazo para exercício da preferência de três dias, se móvel ou sessenta dias, se imóvel. Caso não exista manifestação nesses prazos, subentende-se a renúncia do direito.

Esses prazos são os que a lei entendeu como razoáveis, oferecendo-os supletivamente em caso de a interpelação do comprador ao vendedor não assinalar termos mais amplos ou mais restritos. Contudo, se o vendedor demonstrar, pelas peculiaridades do caso, que a complexidade da proposta demanda maior tempo para o exercício da prelação, poderá o magistrado reputar como abusiva a interpelação que conceda prazo exíguo. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 576 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 18/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o parágrafo único do art. 513 estabelece o prazo mínimo para o exercício do direito de preferência, a partir de quando afrontado o vendedor. Não existindo, todavia, prazo estipulado na cláusula de preempção, reduz-se, sensivelmente, o tempo para a caducidade do direito de prelação a partir de quando o comprador tiver notificado o vendedor.

A não manifestação no prazo correspondente, i.é, não se operando dentro dele, a aceitação, implica renúncia tácita ao direito de preferência. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 276 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 18/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Observe-se que os três comentários incluindo o de Marco Túlio de Carvalho Rocha apontam para o artigo 513, que estabelece prazos máximos de eficácia de cláusula de preferência; o presente dispositivo estabelece o prazo que tem o titular do direito de preferência para manifestar o interesse na aquisição do bem depois de notificado: se se tratar de bem móvel, a resposta deve ser dada em 3 dias; se o bem for imóvel, a resposta deve ser dada em 60 dias.

Estres prazos são supletivos, i.é, negocialmente, podem as partes estabelecer outros maiores ou menores do que estes.

Vencidos o prazo de resposta, sem que o titular do direito de preferência tenha se manifestado positivamente quanto ao exercício dela, fica livre o proprietário para vende-la a terceiros nas mesmas condições previstas na notificação. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 18.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 517. Quando o direito de preempção for estipulado a favor de dois ou mais indivíduos em comum, só pode ser exercido em relação à coisa no seu todo. Se alguma das pessoas, a quem ele toque, perder ou não exercer o seu direito, poderão as demais utilizá-lo na forma sobredita.

Merece atenção o artigo, pois seguindo a esteira de Nelson Rosenvald, caso a coisa tenha sido vendida por condôminos com cláusula de preempção, provavelmente a dita preferência tocará a todos. Nesse caso, se um ou alguns não manifestam o desejo de comprar o bem, veda-se a um dos condôminos a aquisição de apenas uma parte do bem divisível ou de uma fração ideal do bem indivisível, pois a lei impõe uma indivisibilidade atendendo à própria razão determinante do negócio jurídico (CC 258).

Em outras palavras, se A, B e C vendem um terreno a D e, ao tempo em que este deseja vender o imóvel ao terceiro E, por R$ 90.000,00, apenas o condômino A manifesta o desejo de exercitar a preferência, não será lícito que A adquira apenas um terço do terreno, pois privará D de realizar um negócio jurídico sobre a totalidade do imóvel com E.

Mas, se o condômino A isoladamente, exercitar o direito de preferência sobre o total do imóvel, será bem-sucedido em sua empreitada, com arrimo na permissão da parte final do dispositivo. Enfim, não se admite a prelação parcial por qualquer dos condôminos, somente a prelação total. Hipótese distinta se dá quando o comprador tenha adquirido cotas dos vendedores; nesse caso, o vendedor poderá comprar a sua parte e não necessariamente o imóvel. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 577 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 18/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, quando a cláusula de preempção estabelecer preferência conjunta a dois ou mais vendedores (então condôminos), o direito de prelação terá de ser exercido considerando a coisa vendida no seu todo, tal coo fora alienada. Desse modo, cada um o exercerá sobre o bem considerado em sua integralidade, nada importando a proporção do quinhão que dispunha ao tempo da venda, não podendo incidir a preferência sobre quotas ideais correspondentes, o mesmo sucederá, à falta do não-exercício do direito, ou de suas perdas por parte de qualquer um dos preferentes, ficando os demais com o exercício conjunto pelo total da coisa preempção desde que igualmente tenham exercido a preferência no prazo. Verificada a preferência uniforme, o exercício dos preferentes haverá de ser concomitante ou simultâneo, i.é, dentro do único prazo e atinente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 276 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 18/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No mesmo diapasão segue Marco Túlio de Carvalho Rocha quando o direito de preferência pode tocar a mais de uma pessoa, quando a coisa fosse objeto de condomínio entre os vendedores. Neste caso, caso um ou alguns dos antigos proprietários queiram exercer a preferência, deverão fazê-lo em relação à coisa toda. O fato de algum dos titulares do direito de preferência não possuírem interesse em exercê-la não autoriza os demais a exercer o direito somente sobre parte da coisa, ainda que ela seja divisível. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 18.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 518. Não responderá por perdas e danos o comprador, se alienar a coisa sem ter dado ao vendedor ciência do preço e das vantagens que por ela lhe oferecem. Responderá solidariamente o adquirente, se tiver procedido de má-fé.

Seguindo orientação de Nelson Rosenvald, essa norma desperta polêmica. Ao contrário do que se observa no pacto de retrovenda (CC 504), na venda de fração ideal de bem indivisível em condomínio (CC 504) e na locação (art. 33 da ei n. 8.245/91), a inobservância do direito de preferência por parte do comprador não outorga ao vendedor o poder de desfazer o negócio jurídico mediante o depósito da quantia paga pelo terceiro.

Mantendo a solução do Código Bevilaqua, optou o legislador por responsabilizar o comprador por perdas e danos, no prazo prescricional do CC 205, porém sem o desfazimento da compra e venda lesiva ao direito de preempção. Em termos doutrinários, vê-se que a opção da lei foi contemplar o pacto de preempção com efeitos meramente obrigacionais e restritos a comprador e vendedor, sem alcançar terceiros. Trata-se de hipótese contrária àquelas elencadas no tópico pregresso, em que as relações contratuais possuem eficácia real – mesmo que não sejam direitos reais -, em razão de sua oponibilidade erga omines.

A única novidade é a permissão para acionar o adquirente com solidariedade passiva com o comprador, caso tenha procedido de má-fé, ou seja, caso sabidamente tivesse noção da existência da cláusula e mesmo assim praticasse o negócio jurídico. Aliás, em sede de bens imóveis, o registro do contrato e a publicidade da cláusula de preempção geram presunção absoluta de má-fé.

A nosso viso, mesmo diante do silêncio do Código Civil, será possível o comprador adjudicar a coisa no caso de demonstração da alienação do princípio da função social externa do contrato (CC 421), que impede uma pessoa de ofender, conscientemente, um contrato do qual não faça parte, sabotando a sua normal execução.

O terceiro lesa o contrato entre comprador e vendedor quando, conhecedor da cláusula de preempção, simplesmente a ignora e realiza um novo contrato com o comprador. Em suma, a sociedade não pode se portar de modo a ignorar a existência de contratos firmados. Isso explica uma tendência em prestigiar a oponibilidade erga omnes das relações contratuais, com a imposição de um dever genérico de abstenção por parte de terceiros da prática de relações contratuais que possam afetar a segurança e a certeza dos contratos estabelecidos.

Não se trata aqui de revogar a tradicional relatividade dos contratos, pois os seus efeitos obrigacionais compreendem apenas os seus protagonistas, mas de atenuar os seus efeitos perante a coletividade, prestigiando-se uma oponibilidade geral, à maneira pela qual tradicionalmente vislumbramos nos direitos reais.

Assim, sendo a função social uma cláusula geral, na qual o magistrado delibera pelas consequências mais adequadas à concretude do caso, sua mobilidade permitirá que seja oxigenado o rigor do art. 518 e que se obtenha a invalidação do segundo contrato caso o vendedor tenha ciência da alienação e deposite o preço em iguais condições. Não se olvide de que a cláusula geral é norma de ordem pública, sendo aplicável de ofício pelo magistrado (CC 2.035, parágrafo único) (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 577-578 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 18/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para Ricardo Fiuza, a Responsabilidade por perdas e danos dimana do evento alienação (ou a ele equiparado), quando, ocorrido este, o comprador não houver ao vendedor dado ciência do preço e das vantagens que lhe oferecem pela coisa, preterindo o favorecido pela cláusula de preempção. A Previsão Legal confirma o direito da preempção como direito pessoa, cabendo ao vendedor apenas reclamar perdas e danos, provando-se os prejuízos decorrentes da inobservância ao seu direito preferente.

Se o terceiro adquirente tinha conhecimento prévio da preempção, responderá solidariamente pela obrigação de indenizar, por ter agido de má-fé juntamente com o comprador, responsabilizando pelo inadimplemento da obrigação de dar preferência ao vendedor para readquirir a coisa preempta. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 277 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 18/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Seguindo a trilha de Marco Túlio de Carvalho Rocha, se o comprador não respeitar o direito de preferência do vendedor responderá por perdas e danos que causar a este. Uma vez que o vendedor tenha alienado a coisa a terceiro, este, se tiver agido de má-fé, ficará solidariamente obrigado pela indenização devida ao vendedor lesado.

O dispositivo não menciona, mas tal como numa promessa de compra e venda, tem o titular o direito à adjudicação compulsória do bem, uma vez que pague o respectivo valor. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 18.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 17 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 513, 514, 515 - continua - Da Preempção ou Preferência – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 513, 514, 515 - continua
- Da Preempção ou Preferência
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção II – Das Cláusulas Especiais à Compra e Venda –
Subseção III – Da Preempção ou Preferência
 - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 513. A preempção, ou preferência, impõe ao comprador a obrigação de oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que este use de seu direito de prelação na compra, tanto por tanto.

Parágrafo único. O prazo para exercer o direito de preferência não poderá exceder a centro e oitenta dias, se a coisa for móvel, ou a dois anos, se imóvel.

Em importante ensinamento Nelson Rosenvald a preempção ou preferência como uma espécie de pacto à compra e venda, que assegura ao vendedor o direito de prelação, em igualdade de condições com terceiros, caso o comprador do bem móvel ou imóvel queira futuramente vendê-lo ou dá-lo em pagamento.

Aproxima-se da retrovenda, mas sem extremado rigor, pois não submete o comprador ao poder de recompra do vendedor, mas somente obriga aquele a lhe conceder preferência caso tenha o desejo de vender a coisa a terceiros. Ademais, na retrovenda a opção pela compra gera a resolução da propriedade, enquanto no direito de preferência surge uma nova aquisição.

Aliás, cremos que não existe condição suspensiva ou resolutiva nesse instituto. O negócio é perfeito e acabado, mas o comprador realiza uma promessa unilateral de contratar (CC 466), em que surgem dois requisitos determinantes o desejo do comprador de vender (condição resolutiva) e a vontade do vendedor de recomprar (condição suspensiva). Faltando uma delas, não se concretiza a cláusula.

O artigo em comento impõe ao comprador a obrigação de franquear a coisa ao vendedor para que ofereça, se quiser, igual preço e idênticas condições àquelas dispensadas por terceiro. a notificação consubstanciará somente o valor e as vantagens oferecidas pelo terceiro (CC 518).

O parágrafo único concebeu um prazo decadencial de 180 dias para bens móveis (contados da tradição) e de dois anos para imóveis (a contar do registro) para o exercício do direito de preferência. Superado esse prazo, o comprador ficará livre para vender a quem bem entender, sucumbindo a prelação. Nada impede que as partes ajustem prazo decadencial convencional inferior ao descrito na norma.

A outro giro, infere-se da leitura do artigo que a preempção não poderá ser utilizada em outro negócio jurídico a não ser a compra e venda e como modo indireto de adimplemento na dação em pagamento. Apesar de usualmente cogitarmos de bem imóvel, não há restrições à prelação de bens móveis e também incorpóreos. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 575 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 17/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Correspondendo ao caput do art. 1.149 do CC de 1916, segundo Ricardo Fiuza, a preempção ou preferência é cláusula especial à compra e venda garantidora ao vendedor do direito de recomprar a coisa vendida, se o adquirente resolver vende-la ou oferece-la à dação em pagamento. Diferencia-se da retrovenda, porque nesta última o vendedor da coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobra-la, independente da vontade do comprador, e por versar também sobre coisa móvel, consoante explicita o parágrafo introduzido.

Desatendida a preferência, sujeita-se o comprador que alienou a coisa ou deu-a em pagamento a responder por perdas e danos, não resolvendo, como no direito de retrato, a venda ao terceiro adquirente (CC 597). Eis o magistério de João Alves da Silva: “A cláusula de preempção não é uma condição suspensiva, nem resolutiva: não suspende a plena aquisição do domínio pelo comprador nem faz resolver a venda, como no pacto de retrovenda ou de melhor comprador. É uma simples promessa unilateral de revender ao vendedor, em condições iguais às aceitas pelo comprador, oferecidas por terceiro. Por isso, só assegura ao vendedor um direito pessoal, que se resolve em perdas e danos, pelo inadimplemento da obrigação do comprador”. A alienação da coisa sem a prévia ciência ao vendedor, acerca do preço e das vantagens que por ela lhe oferecem, acarretará, contudo, responsabilidade solidária ao terceiro adquirente, se este tiver procedido de má-fé (CC 518).

A oferta ao vendedor primitivo, titular da preempção, para que exercite o seu direito de preferência, será feita mediante notificação judicial ou extrajudicial. Cumpre notar que ela deverá conter todas as condições do negócio (novo contrato), dispondo sobre preço, forma de pagamento, vantagens oferecidas por terceiro e outros elementos integrativos da proposta.

Os prazos decadenciais, conforme o objeto, para o exercício do direito de prelação são modificados significativamente, em confronto com o ditado pelo art. 1.153 do CC/1916 (v. art. 516). (João Luiz Alves, Código Civil da República dos Estados Unidos do Brasil anotado. Rio de Janeiro, E Briguiet, 1917) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 274 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 17/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha, deve-se atentar para o fato de, por limitar o direito de disposição que tem o proprietário sobre a coisa adquirida, a lei estabelece prazo máximo de eficácia da cláusula: 180 dias, no caso de a preferência recair sobre bem móvel; 2 anos, caso tenha por objeto bem imóvel. Vencidos tais prazos o comprador não mais estará obrigado a dar a preferência ao antigo proprietário. Tais limites são de ordem pública, não podem ser aumentados por disposição contratual. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 17.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 514. O vendedor pode também exercer o seu direito de prelação intimando o comprador, quando lhe constar que este vai vender a coisa.

Orientações relevantes de Nelson Rosenvald, obriga-nos a redobrada atenção ao contrato, pois, assim como o comprador fica obrigado a oferecer a coisa ao vendedor quando desejar negociá-la, caberá ao vendedor que desconfie da intenção do comprador em vender e exercer o direito de prelação, intimando o comprador para lhe conceder o direito de preferência.

Se realmente existia o intuito de vender – que pode ser aferido por diversas maneiras, o comprador, quando intimado -, não mais poderá desistir de oferecer a coisa ao vendedor, sob pena de ser condenado a indenizar pelo abuso do direito na modalidade do venire contra factum proprium, eis que a conduta ativa de oferecer a coisa a terceiros, que atraiu a legítima confiança do vendedor na possibilidade de recompra, foi traída pela segunda conduta, na qual o comprador retirou a proposta injustificadamente. Trata-se de evidente afronta ao princípio da boa-fé objetiva, tutelada como ato ilícito pelo CC 187. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 575 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 17/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na Doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o dispositivo cuida da iniciativa da prelação pelo antigo vendedor, uma vez bastante ciente que o atual proprietário pretenda vender a coisa (ou dá-la em pagamento). Utiliza-se de faculdade ao exercício do seu direito de preferência sobre a coisa em venda ou ilação, antecipando-se à oferta obrigatória que haveria de ser feita pelo vendedor potencial a ele preferente. A intimação serve para evidenciar o seu interesse de recomprar a coisa, tanto por tanto (CC 515). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 274 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 17/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de Marco Túlio de Carvalho Rocha, uma vez que tome conhecimento do intuito do comprador de alienar a coisa adquirida, não necessita o titular do direito de preferência aguardar ser notificado pelo comprador, mas pode tomar a iniciativa de intimá-lo com a mesma finalidade. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 17.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 515. Aquele que exerce a preferência está, sob pena de a perder, obrigado a pagar, em condições iguais, o preço encontrado, ou o ajustado.

Sob o prisma de Nelson Rosenvald, o artigo especifica que, além da vontade do comprador de vender e do vendedor de comprar, essencial é que se mantenha uma paridade entre as posições do terceiro e do vendedor, de modo que este só tenha êxito na recompra em caso de oferecer idênticas condições de pagamento, tanto no valores como nos prazos e demais vantagens que são oferecidas ao comprador.

Uma primeira leitura da parte final do dispositivo poderia gerar contradições. As expressões “preço encontrado” e “preço ajustado” podem não significar a mesma coisa. A primeira expressão dá a ideia de equivalência entre o que oferecem o vendedor e o terceiro. porém, “preço ajustado” poderia exprimir aquilo que comprador e vendedor fixaram como preço de recompra, independentemente de qualquer oferta de terceiros.

Contudo, tal interpretação literal não resiste à finalidade do instituto, que pretende resguardar a preferência, termo que sempre traz uma ideia de comparação com outro, jamais de exclusão. Outrossim, a ideia do “tanto por tanto” que encerra o CC 513 demonstra que sempre será observada a paridade entre o terceiro e o vendedor.

Por fim, a referência direta ao pagamento de um preço afasta a possibilidade de admissão do direito de preferência nos contratos de troca e permuta, que se aproxima do direito na venda, mas dispensa o pressuposto do preço. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 576 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 17/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para a Doutrina de Nelson Rosenvald, o exercício do direito de prelação na compra pelo antigo proprietário da coisa (preemptor) obriga-o a concorrer com terceiros em igualdade de condições sujeitando-se a pagar, tanto por tanto, o preço exibido ou ajustado, para fazer valer a preferência. De conseguinte, havendo o comprador (atual proprietário) oferecido, em precedência, ao vendedor (ex proprietário) a coisa que aquele vai vender (CC 513), cumpre-lhe manifestar o interesse de exercer ou não o seu direito. Caso o exercite, o preferente aceitante obriga-se a pagar o preço nas mesmas condições ajustadas pelo vendedor com eventual terceiro interessado, constituindo essa obrigação a substância do instituto da preempção.

O exercício da preferência, no prazo ajustado ou no prazo legal (ausente a estipulação de prazo convencional) apresenta-se como um ato complexo. Não é suficiente a pretensão manifesta evidenciando o interesse real de o vendedor readquirir a coisa vendida, preço por preço, ou em iguais condições. Assim, é necessário que, no termo fixado, seja pago o preço da coisa sob pena da perda da preferência. Pondera João Luiz Alves, comentando o CC de 1916: “Declarando que quer exercer a preferência, i. é, que aceita a coisa – tanto por tanto – (Art. 1.149), assume o vendedor a obrigação de comprar, i. é, de pagar o preço na forma ajustada. O inadimplemento dessa obrigação determina contra o vendedor não só a perda do direito de preferência, para o futuro, na hipóteses de não se realizar a compra pelo terceiro, com quem fora ajustada, mas ainda a responsabilidade por perdas e danos que, no caso ocorram, como as que resultam do fato de não poder o comprador realizar o negócio com o terceiro, afastado pela declaração do vendedor, de que entendia exercer a preempção e aceitar o contrato nas condições ajustadas etc? Augusto Zenun é afirmativo: “A preferência tem de ser exercida por meio de depósito fixado, começando tão logo seja afrontado, vale dizer, estiver um frente ao outro; prazo que não se estica, pois é de caducidades não de prescrição”. O entendimento está conforme a jurisprudência ‘Na venda de imóvel vinculado ao instituto jurídico da preempção, o preço a ser depositado pelo comprador, ‘quando afrontado’, corresponderá ao valor do bem conforme a oferta. (...)” (grifo nosso) (STJ – Resp 2.223-RS).

A oferta ao preferente, compreendendo todos os elementos da proposta (preço, prazo, condições) ou das vantagens oferecidas ao proponente pela coisa, exige seriedade e correção, não podendo ser alterada perante terceiros, sob penas de o antigo comprador, obrigado à oferta preferencial, responder por perdas e danos.

A lei n. 8.245, de 18-10-1991, dispondo sobre as locações de imóveis urbanos, cuidou do direito de preferência do inquilino, ditando-o como preferência legal (art. 27). Nesse passo, a jurisprudência assinala: “(...) Direito de preempção ou perdas e danos. Não levado a registro o contrato de locação não é exercitável o direito de preferência pelo locatário. Cabendo, contudo, se preterido esse direito, perdas e danos. Art. 313. Lei n. 8.245/91” (STJ, 9T., REsp 130.008-SP, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ de 15-9-1997).

A jurisprudência tem orientado: “Preempção. Exercício do direito. Distinção entre preço para depósito e preço para pagamento. Na venda de imóvel vinculado ao instituto jurídico da preempção, o preço a ser depositado pelo comprador, quando afrontado, corresponderá ao valor do bem conforme a oferta. Para efeito de conceituação, distingue-se depósito do preço, como manifestação da preferência na pré-compra, e pagamento do preço na compra e venda definitiva, nesta incluindo-se os acessórios ao preço e a correção monetária do valor do depósito’ (STJ, 31 T., REsp 2.223-RS, Rel. Min. Gueiros Leite, DJ de 1-10-1990) (João Luiz Alves, Código civil da República dos Estados Unidos do Brasil anotado, Rio de Janeiro, F. Briguiet. 1917 (p. 787),; Augusto Zenun, Da compra e venda e da troca, Rio de Janeiro, forense, 2001 (p. 75). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 275 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 17/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Resumindo seu comentário a respeito do que dispõe o art. 513, Marco Túlio de Carvalho Rocha, afirma que o direito de preferencia é o de adquirir a coisa nas mesmas condições em que ela é ofertada a terceiros, “tanto por tanto”. As condições dizem respeito ao valor total, ao prazo de pagamento, ao número de parcelas e tudo o mais que condicione o pagamento do preço. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 17.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).