Direito Civil Comentado - Art.
1.025, 1.026, 1.027
Da
Relação Com Terceiros - VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Subtítulo
II –
Da Sociedade Personificada (Art. 1.022 ao 1.027) Capítulo I –
Da Sociedade
Simples – Seção IV – Da Relação Com Terceiros
Art. 1.025. O sócio, admitido em sociedade
já constituída, não se exime das dívidas sociais anteriores à admissão.
O ingresso à sociedade,
obrigatoriamente, é considerado um risco calculado. No lecionar de Marcelo Fortes Barbosa
Filho, a execução de um contrato de sociedade pode ser realizada no curso de um
período de tempo longo, o que viabiliza, sempre mantida intacta a mesma
personalidade jurídica, alterações no quadro social, seja em virtude da cessão
da quota social, já tratada pelo CC 1.003, seja por meio da pura e simples
sucessão causa mortis, seja pela
admissão derivada de novo aporte de capital. Disciplina-se, no presente artigo,
ante um de tais eventos, a responsabilidade do sócio “admitido em sociedade já
constituída”, i. é, do cessionário de quota social, do mero sucessor ou do novo
sócio subscritor admitidos a participar do contrato em momento posterior a sua
celebração e à formação da pessoa jurídica. O novo sócio assume, como regra
inafastável e conjugados os artigo antecedentes, responsabilidade pelo conjunto
de todas as obrigações da sociedade, pouco importando se elas foram
constituídas antes de seu ingresso no quadro social. Quando alguém galga a
posição de sócio, todos os riscos correspondentes lhe são impostos, levando
sempre em consideração a situação concreta da pessoa jurídica, a qual ostenta
unidade e continuidade como elementos naturais. É incabível, enfim, a dedução
de defesa perante terceiro credor fundada na época do surgimento da dívida
enfocada e na ausência de contemporânea participação no quadro social. (Marcelo
Fortes Barbosa Filho, apud Código
Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002.
Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1023-24 -
Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/06/2020. Revista e atualizada nesta data
por VD).
Da forma como explicada,
a doutrina de Ricardo Fiuza, assusta a alguém desavisado. Pelo menos confunde
ao neófito. De acordo com esta disposição normativa, se alguém adquirir a
condição de sócio após a sociedade já estar constituída, assumirá ele todas as
obrigações passivas existentes à época de sua admissão. Essa regra é uma
decorrência do princípio da responsabilidade ilimitada, segundo o qual os
sócios devem suportar os ônus e obrigações perante terceiros independentemente
do momento em que se associaram. Já no caso do sócio que se retira da
sociedade, sua responsabilidade subsistirá pelo prazo de dois anos após a sua
saída (CC 1003, parágrafo único), em caráter solidário com o sócio que
ingressou. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p.
535, apud Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 09/06/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Não há lógica na
afirmação de Silvana Aparecida Wierzchón,
em seu artigo Dos Aspectos Relevantes do
Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil, quando alude ao fato
afirmando ser justo o artigo 1.025, em comento, que tira do novo sócio a
responsabilidade pelas dívidas contraídas pela sociedade já existentes antes da
sua admissão, segundo ela “o que não vem
necessitar de maiores esclarecimentos”, uma vez que o que lemos acima – a
afirmação de Ricardo Fiuza “Essa regra é uma decorrência do princípio da responsabilidade
ilimitada, segundo o qual os sócios devem suportar os ônus e obrigações perante
terceiros independentemente do momento em que se associaram.”. A impressão que
dá é de não ter sido bem assimilada a ideia pela autora. (Silvana
Aparecida Wierzchón, em seu artigo Dos Aspectos Relevantes do Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil.
Encontrado no site Jurisway.com.br, Texto
enviado em 19/04/2008. Última edição/atualização em 10/06/2008. Acesso
em 09.06.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.026. O credor particular de sócio
pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre
o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em
liquidação.
Parágrafo único. Se a
sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da quota
do devedor, cujo valor, apurado na forma do CC 1.031, será depositado em
dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação.
Esclarecendo
Marcelo Fortes Barbosa Filho, há, no presente artigo,
uma mudança de foco, avaliando-se a responsabilidade do sócio diante de suas
dívidas pessoais. A quota social faz parte do patrimônio do devedor, mas está
inserida num âmbito maior, integrada ao capital da sociedade, e, pela própria
natureza do contrato aqui tratada, uma execução forçada não pode recair,
imediatamente, sobre ela. A escolha dos sócios, numa sociedade simples, deriva
de seus predicados individuais; constrói-se um ajuste de vontades, intuitu personae. Não é concebível, por
isso, recaia, sem o esgotamento de outras possibilidades, uma execução sobre a
própria quota social e persista sua alienação forçada, o que atingiria o cerne
do contrato de sociedade, tendo o legislador limitado a atuação dos credores.
De início, em favor dos credores, estabeleceram-se, diante da quota social e
sempre por meio de decisão judicial, apenas duas possibilidades de atuação: a)
é viável constritar e adjudicar a parcela dos lucros atribuída ao sócio
devedor, mas, evidentemente, isso depende da prévia apuração de um resultado
positivo ao final de dado exercício; b) em se tratando de uma sociedade
dissolvida, a parte cabível ao sócio devedor na liquidação pode, também, ser, a
fim de efetivar a satisfação do credor, o objeto de constrição e adjudicação,
devendo-se aguardar, para tanto, o término de tal procedimento.
Superadas somente as duas hipóteses anteriores, o credor pode
solicitar seja realizada uma dissolução parcial, penhorando-se e apurando-se
somente a quota do sócio devedor, que, aplicado o CC 1.031, será liquidada,
procedendo-se ao depósito judicial dos valores pecuniários apurados, num prazo
de noventa dias, contado do total implemento da própria liquidação da quota.
Ademais, quaisquer desses procedimentos se submetem a um
pressuposto comum e inafastável: a insuficiência do restante do patrimônio do
sócio devedor. A quota social ou os direitos desta derivados só podem ser
atingidos caso seja plenamente constatado que não há outros meios de satisfazer
o crédito executado. Em suma, o credor não pode, desde logo, partir contra os
direitos de sócio do devedor, permanecendo eles como última alternativa.
É preciso fazer outra ressalva. Sempre que a penhora tiver sido
concretizada, a arrematação ou a adjudicação da quota (esta prevista, agora,
expressamente, pelo art. 685-A do CPC/1973, introduzido pela Lei n.
11.382/2006), correspondendo hoje ao art. 876 do CPC/2015, são também
possíveis, mas ostentam efeitos limitados.
A arrematação ou adjudicação da cota social resultam, tão somente,
em uma aquisição forçada dos direitos patrimoniais do sócio frente à sociedade,
implicando que o adquirente seja satisfeito mediante o recebimento de haveres,
após dissolução total ou parcial da sociedade, sem substituição ao devedor,
como se fosse, na qualidade de novo sócio, um sucessor do devedor, a menos que
seja repactuado o contrato social e o adquirente seja, com a aquiescência dos
sócios remanescentes, admitido no quadro social. A qualidade de sócio, esta
sim, é impenhorável e não é passível de aquisição por arrematação ou
adjudicação. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 1023-24 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/06/2020. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Conforme a ilustração da doutrina exposta por Ricardo Fiuza, este
artigo diz respeito à execução dos bens particulares do sócio em virtude de
dívidas pessoais, e não da sociedade, como tratado nos dispositivos anteriores.
Se os bens particulares do sócio devedor forem insuficientes para o pagamento
de suas dívidas, fica facultado ao credor executar os lucros a que o sócio
porventura tiver direito na sociedade, ou, no caso de a sociedade encontrar-se
em processo de dissolução, a parte que o sócio devedor teria direito na
liquidação dos bens patrimoniais, após a quitação de todas as dívidas da
sociedade. Se esta se encontrar em funcionamento regular, ou seja, se não
estiver dissolvida, e não existirem lucros a distribuir, o credor do sócio
poderá requerer, judicialmente, a liquidação das quotas do sócio devedor, na
proporção necessária à satisfação de seu crédito, de acordo com o procedimento
de liquidação previsto no CC 1.031. (Direito Civil -
doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 535-36, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/06/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
O
artigo publicado por Gerson Luiz Carlos Branco no site da conjur.com.br, com o
nome de “A penhora de quotas de
sociedades limitadas e a garantia das obrigações, publicado em 12 de
fevereiro de 2018, mostra todas as nuances do artigo 1.026, interessante, já
que o tema deste artigo é uma intrigante peculiaridade normativa no sistema do
Direito das Obrigações decorrente das dificuldades para executar obrigações
civis quando o patrimônio do devedor é formado unicamente ou substancialmente
por quotas de sociedades limitadas.
Não
obstante o patrimônio do devedor seja a garantia das obrigações, o regime
jurídico e as dificuldades para excutir patrimonialmente o devedor cujo
patrimônio consiste unicamente em quotas de sociedades limitadas acaba por
permitir que o devedor controle ou pelo menos enfraqueça os efeitos do próprio
vínculo obrigacional no seu essencial elemento, que é a garantia.
A
questão tem grande relevância atualmente, tendo em vista um processo crescente
de uso da técnica societária das “sociedades de participação” ou holdings, cujo efeito jurídico vai para além
daqueles previstos pelo Direito Societário.
A
proliferação do uso de holdings por conta de razões tributárias,
de planejamento familiar e mesmo sucessórias é uma tônica social que tem
provocado uma transformação no perfil do patrimônio dos brasileiros nos últimos
anos.
Essa
transformação aumenta a importância da questão aqui suscitada, tendo em vista
que, na contra tendência de um conjunto de reformas realizadas no Direito
brasileiro para reforçar a garantia, a realidade da penhora de quotas traz
inquietantes dificuldades técnicas.
A
primeira grande dificuldade deriva da circunstância de que a personalidade
jurídica e a autonomia patrimonial da sociedade limitada leva o ato de
integralização do capital pelo sócio, seja através de dinheiro ou de qualquer
outro bem, a alterar a natureza da relação jurídica do sócio com os seus bens.
Tomando-se
como exemplo o de um proprietário de bem imóvel que é integralizado no
patrimônio de uma sociedade limitada, verifica-se que esse sujeito passa a ter
uma relação diferente com seu patrimônio. De uma relação jurídica regida pelo
arcabouço do Direito das Coisas, o então proprietário, após transferir a
propriedade do bem para a sociedade, passa a ter uma relação jurídica de
natureza obrigacional que irá regular o que atualmente denominamos de
“titularidade da quota”.
A
titularidade da quota é um direito cuja eficácia é essencialmente obrigacional,
pois concede ao sócio o direito a uma fração de uma universalidade jurídica,
que é o patrimônio da sociedade.
O
milenar Direito das Coisas deixa de incidir, tendo em vista que a quota não é
uma coisa móvel ou imóvel, mas um bem cuja titularidade também não é exercida
como tradicionalmente estudamos no não menos antigo Direito das Obrigações.
O
modo do exercício desse direito é regulado por um capítulo do Direito das
Obrigações que é relativamente novo, o Direito Societário. O Direito
Societário, por sua vez, tem muitas preocupações, não sendo central no seio de
sua doutrina a matéria que é objeto deste artigo, que é a transformação e/ou
enfraquecimento da garantia das obrigações do sócio quotista.
No
processo de transformação da natureza do patrimônio no exemplo do proprietário
do bem imóvel que integraliza no capital da sociedade, observa-se uma
bipartição de efeitos interessantes inexistentes até então, pois a titularidade
das quotas como um efeito patrimonial é separada de uma outra condição,
decorrente do que a doutrina societária denomina de status socii, que entre outros efeitos promove uma
separação entre os poderes políticos de voto e a participação nos órgãos
societários (assembleia, reunião etc.) que têm competência para tomar
as decisões sobre o destino do patrimônio.
Essa
condição é personalíssima e, portanto, não pode ser objeto de constrição
judicial: o Estado não lhe alcança. Os direitos políticos e de participação do
sócio pertencem unicamente a este, não sendo afetados pela penhora das quotas,
conforme entendimento pacífico em nosso ordenamento jurídico, nos moldes de
disposição legal expressa em outros ordenamentos, como é o caso do artigo 239º,
1, parte final, do Código das Sociedades Comerciais português.
Deve-se
acrescer a isso uma característica essencial: o direito do sócio sobre essa fração do patrimônio sofre uma transformação
adicional, que é a aquisição da natureza de crédito subordinado.
Ou
seja, o patrimônio integralizado pelo sócio e que constituirá o patrimônio da
sociedade passa a ser uma dívida da sociedade perante o sócio. Essa dívida não
pode ser cobrada em prejuízo dos credores da própria sociedade, razão pela qual
os créditos dos quotistas são créditos subordinados, que não podem ser exigidos
exceto se a sociedade dispor de recursos para pagar todos os demais credores.
Para usar o jargão do Direito Societário, os créditos dos sócios integram o
passivo não exigível da sociedade.
Como
aqui se está tratando de “garantia”, deve-se dizer que, havendo vínculo
obrigacional e não sendo ela natural, há débito (obrigação) e há
responsabilidade (garantia). Entretanto, a garantia somente pode ser exercida
sobre parte do patrimônio da sociedade, que são os seus lucros ou os fundos
líquidos, que é o resultado positivo derivado de um procedimento de liquidação
após o pagamento de todos os demais credores da sociedade.
A
consequência prática dessa transmutação do patrimônio do sócio e da mudança
jurídica operada é que o credor de um devedor cujo único patrimônio ou cuja
parte valiosa do patrimônio esteja integralizado ou atribuído a uma sociedade
limitada tem grandes dificuldades para realizar o seu crédito.
O
artigo 1.026 Código Civil de 2003 tornou indiscutível a possibilidade da
penhora de quotas, porém estabeleceu que bens dessa natureza somente podem ser
penhorados “na insuficiência de outros bens do devedor”.
Essa
simples disposição já outorga ao devedor a possibilidade lícita de escolher os
bens que possuem maior liquidez ou maior valor, de transferi-los para uma
sociedade limitada e, com isso, limitar substancialmente a possibilidade de
seus credores de realizar os créditos excutindo tais bens, deixando no
patrimônio do devedor bens de menor valor ou de difícil liquidação.
Poder-se-ia
argumentar que o Código Civil, no caput do
artigo 1.026, estabelece que é possível a penhora dos “lucros da sociedade”.
Entretanto, além de a penhora dos “lucros” somente poder ser realizada “na
insuficiência de outros bens do devedor”, faltou precisão ao código, pois não
se podem confundir os lucros da sociedade com os dividendos que a sociedade
delibera distribuir aos sócios.
Em
nenhuma hipótese o credor pode postular a penhora de lucros da sociedade,
pelo simples e singelo fato de que a sociedade não é devedora e que os
lucros são da sociedade, que talvez necessite dos mesmos para cumprir
obrigações perante terceiros.
Lucros
da sociedade não representam necessariamente disponibilidade de caixa, tampouco
disponibilidade de recursos para que estes sejam distribuídos aos sócios e
sejam usados para pagamento de suas dívidas.
A
melhor interpretação do artigo 1.026 nesse aspecto é que o dispositivo faz
referência aos dividendos que a sociedade já deliberou distribuir aos sócios e
que ainda não o fez. Em tal caso, deve-se dizer que o Código Civil criou uma
hierarquia procedimental: a) penhoram-se outros bens do sócio, exceto as
quotas; b) se não houver outros bens, podem ser penhorados os dividendos
deliberados e que ainda não tenham sido pagos; e, na falta desses, c)
penhora-se a quota para que essa seja liquidada, a fim de pagar o credor do
sócio.
Em
síntese, o legislador civil estabeleceu uma hierarquia e um procedimento a ser
seguido para evitar um grande conflito de valores que ocorre quando há penhora
de quotas e liquidação da quota para pagamento dos credores do sócio, que é o
conflito entre o direito de o credor receber o seu crédito e o princípio da
autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, pois, quando ocorre a liquidação
da quota do sócio para pagamento das dívidas do credor, ocorrem dois fenômenos
importantes e indesejados pelo Direito.
O
primeiro fenômeno indesejado é o de que o pagamento pela sociedade das dívidas
do seu sócio caracteriza uma hipótese de terceiro que é coagido a pagar uma
obrigação que não assumiu.
Nesse
sentido, pode-se dizer que é inerente à constituição de toda a sociedade
limitada, no momento em que surge sua personalidade, a submissão implícita
desse patrimônio à condição de garantia das obrigações do seu sócio perante
terceiros, sejam obrigações presentes ou futuras.
Embora
a doutrina do Direito Societário seja resistente a isso e reafirme
constantemente a separação patrimonial entre sócio e sociedade, o elemento que
separa também une.
Por
isso, a sociedade passa a ser uma espécie de garantidora de toda e qualquer
obrigação que o sócio assume, nos limites do valor do patrimônio que lhe foi
atribuído no ato de integralização e no limite da realização de seus
interesses. É um caso excepcional de responsabilidade sem débito!
O
segundo fenômeno indesejado é o de que há outros sujeitos, terceiros que também
sofrem efeitos da execução.
Os
demais sócios da sociedade limitada são terceiros que sofrem os efeitos da
execução, pois a universalidade que também guarda seu patrimônio sofrerá os
efeitos da execução e, consequentemente, o seu patrimônio reflexamente é atingido.
Ademais, a própria perspectiva de ganho pode ser sacrificada para que a
sociedade pague as obrigações de um sócio, ou melhor, para que pague o credor
do sócio, limitando substancialmente as disponibilidades financeiras da
sociedade para realização de seus objetivos sociais.
As
questões societárias daí decorrentes são múltiplas e não cabe aqui
exemplificar, porém decorrem muitos efeitos, inclusive atinentes ao exercício
do controle, direito de voto, redução de liquidez etc.
Também
são terceiros os credores da sociedade, tais como o Fisco, fornecedores,
consumidores, empregados etc., interessados (stakeholders) que podem não receber os seus
créditos ou podem ver diminuídas as atividades da sociedade e,
consequentemente, sua liquidez por conta das dívidas de seu sócio.
Porém,
o Direito não permite que a penhora de quotas e liquidação da sociedade
represente um privilégio ao credor do sócio em detrimento dos credores da
sociedade. Diga-se de passagem, essa impossibilidade é a razão pela qual
por muitos anos o Direito brasileiro não admitia ou restringia severamente a
possibilidade da penhora de quotas.
Os
credores da sociedade possuem um certo grau de proteção por conta da prioridade
de recebimento, pelo menos nos processos de liquidação ou falência, embora sofram
importantes efeitos da penhora de quotas nas hipóteses de redução de liquidez,
capital de giro ou paralisação da atividade da sociedade devedora.
Em
outras palavras, a penhora de quotas representa um importante conflito
valorativo entre os direitos do credor e o sacrifício de terceiros com quem o
devedor mantém relações.
Esse
conflito valorativo é resolvido pela hierarquização feita pelo
artigo 1.026 do Código Civil e também por uma série de disposições do
Código de Processo Civil, as quais tendem a reforçar a penhorabilidade das
quotas das sociedades limitadas e a possibilidade de sua excussão. Entretanto
há um porém, que está refletido nos parágrafos do artigo 861 do diploma
processual, segundo os quais a penhora afeta a “estabilidade financeira da
sociedade” ao ser “excessivamente onerosa”.
Essas
disposições reconhecem que a eficácia do vínculo obrigacional que afeta o sócio
devedor encontra limite nos interesses de uma multiplicidade de terceiros com
quem se vincula ou, caso prefiram, na função social da empresa.
Ao
Código Civil e Código de Processo Civil somem-se as regras da Lei 11.101/2005,
que expressamente estabelecem que os créditos de natureza subordinada não podem
ser satisfeitos prioritariamente. E, sendo o crédito do credor do sócio sub-rogado
na natureza do crédito do sócio, tal crédito também é subordinado e, portanto,
não podem os credores da sociedade serem sacrificados em benefício do crédito
do credor do sócio.
Cabe
ao Direito Civil a tarefa de pensar e aprofundar o estudo sobre a natureza da
quota e os mecanismos para reforço da garantia do vínculo obrigacional dos
credores do sócio, pois, na melhor das hipóteses, o credor de um devedor cujo
patrimônio esteja “protegido” sob uma sociedade limitada é de uma grande
dificuldade, grande demanda de tempo e recursos para que se consiga cobrar o
crédito.
A
tarefa não é fácil, porém precisa ser enfrentada, em razão de que a sociedade
limitada tem sido usada de modo eficiente como instrumento de proteção
patrimonial, o que resulta em uma eficácia enfraquecida da garantia das
obrigações, matéria da mais alta indagação que pouco tem sido discutida pelo
Direito Civil e tangenciada pelo Direito Comercial.
Por
fim, deve-se dizer que estas reflexões são iniciais e estão vinculadas à
pesquisa que está sendo desenvolvida no contexto da Rede de Direito Civil
Contemporâneo, a qual já foi parcialmente publicada em revista científica,
sendo compartilhado neste espaço algumas preocupações do que no início
chamou-se de intrigante peculiaridade normativa, remetendo-se o leitor desta
página para estudos mais aprofundados, se assim o desejar, nas referências
bibliográficas das publicações indicadas em nota. (Gerson
Luiz Carlos Branco no site da
conjur.com.br, com o nome de “A penhora
de quotas de sociedades limitadas e a garantia das obrigações”, publicado
em 12 de fevereiro de 2018, Acesso em 09/06/2020, corrigido
e aplicadas as devidas atualizações VD). *Esta coluna é
produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil
Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim,
Coimbra, Lisboa, Porto, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT e UFBA).
Art. 1.027. Os herdeiros do cônjuge de sócio, ou o cônjuge do
que se separou judicialmente, não podem exigir desde logo a parte que lhes
couber na quota social, mas concorrer à divisão periódica dos lucros, até que
se liquide a sociedade.
Como tenta explicar Marcelo Fortes Barbosa
Filho, tenho em conta a situação de obrigações dos sócios mantidas com
terceiros, o presente artigo, de maneira inovadora, considera duas hipóteses,
tentando delimitar totalmente suas consequências diante da pessoa jurídica. No
caso de sócio contratante casado, uma comunhão de bens, de acordo com o regime
de bens estabelecido, pode ter surgido e, uma vez extinta a comunhão e
realizada partilha em razão do falecimento do cônjuge ou da decretação da
separação judicial ou do divórcio, serão conferidos direitos aos herdeiros do
cônjuge falecido ou a seu cônjuge separado ou divorciado, entre os quais,
conforme o caso, podem estar incluídos aqueles relativos à quota social. Está
vedada, nesse passo, a atribuição da própria quota social, não podendo os
herdeiros do cônjuge falecido ou o cônjuge separado ou divorciado exigir sua
imediata e automática admissão no quadro social, uma vez que a sociedade
simples é sempre contratada intuitu
personae. A partilha só poderá ter como objeto o direito à percepção dos
lucros, a serem distribuídos ao final de cada exercício, se for apurado
resultado positivo. Apenas quando a sociedade for dissolvida e entrar em
liquidação, eles poderão participar da divisão dos bens componentes do capital
social e perceber as quantias remanescentes. Foi dispensado, portanto, aos
herdeiros do cônjuge falecido do sócio ou a seu cônjuge separado ou divorciado
tratamento diferenciado com relação aos credores comuns do sócio, já examinado
no artigo antecedente, restringindo-lhes os meios de satisfazer seus direitos
pessoais à quota social de titularidade daquele cuja comunhão foi extinta.
Acrescente-se que, apesar de o texto legal não se referir expressamente, o
divórcio deve ser englobado em conjunto com a separação judicial, efetivando-se
uma interpretação extensiva, pois a alteração patrimonial enfocada deriva da
partilha do patrimônio comum, o que pode advir tanto de um quanto de outro
fato. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 1025 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/06/2020. Revista e
atualizada nesta data por VD).
A Doutrina de Ricardo Fiuza explica esta norma regular duas situações
distintas: a) o caso de falecimento de sócio e do seu cônjuge, deixando
herdeiros; e b) a hipótese de separação judicial ou divórcio de sócio. Tanto em
uma situação como em outra, deverá ocorrer a partilha dos bens do sócio
falecido ou daquele que extinguiu a sociedade conjugal. Os herdeiros do sócio
falecido podem passar a integrar a sociedade, por sucessão das respectivas
quotas, desde que exista mútuo acordo entre estes e os demais sócios por
sucessão das respectivas quotas, desde que exista mútuo acordo entre estes e os
demais sócios (CC 1.028, III). Mas, no que se refere aos herdeiros do cônjuge
do sócio falecido, estes não terão direito a assumir as quotas e participar da
sociedade, inclusive em respeito ao princípio da affectio societatis,
que implica a prevalência da vontade de manutenção da relação associativa
apenas entre os sócios enquanto assim o desejarem. Portanto, os herdeiros do
cônjuge do sócio ou o cônjuge que anteriormente mantinha sociedade conjugal com
o sócio não terão direito a integrar, automaticamente, a sociedade, como
consequência do resultado da partilha. A partilha em questão não poderá ter
como objeto as quotas detidas pelo sócio na sociedade, mas apenas o direito à
percepção dos lucros que ao sócio falecido ou separado tocariam e que seriam
distribuídos a cada ano, se positivo o resultado social. No caso de a sociedade
entrar em processo de liquidação, então os herdeiros do cônjuge ou o cônjuge
separado, enquanto não ultimada a partilha e no caso de as quotas da sociedade
não terem sido arrecadadas ou colacionadas no processo de separação ou
inventário, então, nessa hipótese, terão eles direito à participação nos bens
sociais que remanescerem e forem distribuídos ou divididos na liquidação. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p.
536, apud Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 09/06/2020,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Em seu artigo “Alguns problemas referentes à
cessão de quotas no novo Código Civil”, Priscila M. P. Corrêa da Fonseca esclarece, ou, pelo
menos tenta dirimir dúvidas, quanto à redação e entendimento do artigo em
comento. O Novo Código Civil, lamentavelmente, perfilhou orientação já agora ultrapassada
pelo Superior Tribunal de Justiça, ao preceituar, no artigo 1.027, que:
“Os herdeiros do cônjuge de
sócio, ou o cônjuge do que se separou judicialmente, não podem exigir desde
logo a parte que lhes couber na quota social, mas concorrer à divisão periódica
dos lucros, até que se liquide a sociedade”.
O codex recém-promulgado, ao que
tudo indica, procurou evitar a dissolução parcial pleiteada pelo ex-cônjuge do
sócio ou herdeiros deste. Afirma-se que a referida norma preserva a empresa,
impedindo que herdeiros do cônjuge de sócio, ou cônjuge separado judicialmente
busquem o recebimento da parcela que eventualmente lhes caiba no patrimônio da
sociedade. Ou seja, o artigo veda aos herdeiros do cônjuge de sócio e ao
ex-consorte de sócio o direito de pleitear o pagamento dos haveres
correspondentes à participação societária havida por meação ou herança. A eles
confere, como se depreende da leitura do texto legal, apenas e tão somente o
direito de receber os dividendos: nenhum outro mais. Àquelas pessoas, com
efeito, não outorga o novo Código Civil o direito de votar, de fiscalizar a
gestão da sociedade etc.
A disposição contida no art.
1.027 conduz, no entanto, à seguinte dúvida: ao prescrever que o ex-cônjuge do
sócio ou os seus herdeiros devam permanecer em tal condição – id est, ligados à sociedade até que
esta, eventualmente, venha a se liquidar – estaria arredando o direito que
sempre se lhes reconheceu de pleitear do sócio (ex-cônjuge, sucessores ou
meeiros) o recebimento dos haveres correspondentes à participação societária
havida por meação ou herança.
Parece intuitivo que não se possa constranger
o ex-cônjuge ou herdeiros deste a ficar indefinidamente jungidos à sociedade,
em situação que se denota, à evidência, inconstitucional – eis que violadora do
comando contido no art. 5º, XX, da Lei Maior. Cuida-se, ademais, de condição
bastante incômoda e iníqua. É que, não tendo qualquer possibilidade de
ingerência sobre a administração e o destino da sociedade, ficarão aqueles à
mercê dos desígnios dos demais sócios, quanto ao único e solitário direito que
o novo Código Civil lhes atribuiu: o de concorrer à divisão periódica dos
lucros até que se liquide a sociedade.
A estranhíssima redação conferida
ao art. 1027 não permite saber, de outra parte, a quem é conferido o direito de
propriedade das quotas em questão, e, por conseguinte, a quem se deverá
atribuir os demais direitos inerentes à condição de sócio enquanto não
liquidada a sociedade.
As incongruências a que conduz o
referido artigo, todavia, não cessam ai. Os herdeiros do cônjuge do sócio
receberão apenas o direito à percepção dos lucros. Todavia, se vierem a herdar
do sócio, nada obsta que recebam as quotas sociais até então detidas pelo de cujus. Diante dessas circunstâncias,
tais herdeiros terão, perante a sociedade, duas situações distintas: a) o
direito de auferir lucros em relação às quotas havidas por força do falecimento
de cônjuge de sócio; b) a titularidade plena das quotas recebidas em razão do
óbito daquele que era efetivamente sócio.
Por fim, o maior absurdo a que
conduz o artigo 1.027 reside na circunstância de que, ao credor do sócio,
permite o novo Código Civil o direito à liquidação da quota do devedor, direito
este que ao herdeiro do cônjuge de sócio ou ao cônjuge do que se separou
judicialmente, não deferiu (art. 1.026, parágrafo único).
Pois bem, as incertezas que
decorrem do dispositivo em exame já se fazem sentir. RICARDO
FIUZA, por
exemplo, chega a afirmar que a partilha, nesses casos, não poderia ter por
objeto as quotas detidas pelo cônjuge ou de cujus na sociedade, mas apenas “o
direito à percepção dos lucros que ao sócio falecido ou separado tocarem”.
Não se pode conceber que tenha
sido intenção do legislador referendar tão despropositadas consequências. E, se
o foi, a injustiça que encerra é de tal ordem, que é preferível que se
interprete a norma como se esta estivesse considerando que a parte cabente aos
herdeiros do cônjuge de sócio ou o cônjuge de que se separou judicialmente
apenas não poderia ser exigida da sociedade. Relativamente a esta é que apenas
teriam direito aqueles à divisão periódica dos lucros, direito este que
remanesceria até a liquidação final da própria sociedade. Frente ao sócio
sempre se faria viável aos herdeiros do cônjuge, como ao ex-consorte, o direito
à apuração e cobrança dos haveres correspondentes à participação societária
herdada ou recebida em meação.
Mas, ainda que assim se entenda,
é importante sublinhar, tal interpretação representa indiscutível retrocesso em
relação a evolução jurisprudencial que, quanto a matéria, já se verificara. E,
mais do que isso, restaria sempre inexplicável a disparidade de tratamento
conferido pelo novo Código Civil ao herdeiro de cônjuge de sócio e ao
ex-consorte, de um lado, e ao credor de sócio, de outro.
Acresça-se a propósito – e vai
aqui mais um paradoxo – que se os herdeiros do sócio de cônjuge ou o
ex-consorte não lograrem receber do sócio o valor correspondente às quotas
recebidas em partilha, nada impede que o façam em Juízo e, nesse caso, nada
obsta também que a penhora venha a incidir sobre as quotas do devedor. E, neste
caso, – e tão somente neste caso, insista-se -, poderão aqueles a quem se
outorgou o direito contemplado no art. 1.027, lograr a liquidação da quota do
sócio, pois que, nesta hipótese, estarão agindo não mais na condição de
herdeiros de cônjuge de sócio ou de seu ex-consorte, mas na de credor
particular de sócio.
No entanto, – e embora não seja
objeto da análise a que ora nos propusemos – é curioso observar que malgrado
aos credores de sócios de sociedades simples e daquelas às quais o respectivo
modelo se aplica – v.g., as
limitadas, tenha conferido o novo Código Civil o direito de liquidação da quota
do devedor, a verdade é que, no que tange aos credores de sócios de sociedades
em nome coletivo, o mesmo direito não outorgou. O artigo 1.043, com efeito, é
expresso ao estabelecer que “O credor particular de sócio não pode, antes de
dissolver-se a sociedade, pretender a liquidação da quota do devedor”. Aliás, o
novo Código Civil sequer o direito à participação nos lucros conferiu a tais
credores, tal como o fez quanto aos herdeiros do cônjuge de sócio ou
ex-consorte.
E se a razão pela qual assim
dispôs o novel diploma reside na responsabilidade solidária e ilimitada do
sócio integrante de sociedade em nome coletivo, por qual motivo assim, também,
não estatuiu o novo Código Civil relativamente aos credores de outros sócios,
com a mesma extensão de responsabilidade, como é o caso dos sócios
comanditados.
Por fim e muito embora também não
seja objeto destes comentários a análise do disposto no art. 1.043, não se pode
deixar de consignar que tal dispositivo consagra uma verdadeira válvula de
escape para o adimplemento das obrigações contraídas pelos sócios da sociedade
em nome coletivo. É que, se o devedor conferir à sociedade em nome coletivo
todo o seu patrimônio, os seus credores, com toda certeza, enquanto não
dissolvida a sociedade, nada receberão por conta dos respectivos créditos: a
eles, com efeito, não se faculta a liquidação da quota, como sequer o
recebimento dos lucros auferidos, enquanto não liquidada definitivamente a
sociedade. Em suma, até que ocorra a referida liquidação, os seus credores
jamais restarão satisfeitos. Teria sido este o intuito do legislador. São estas
as dúvidas, entre muitas outras, que o legislador do novo Código Civil deixou
sem resposta. (Priscila
M. P. Corrêa da Fonseca “Alguns problemas referentes à cessão de
quotas no novo Código Civil – Artigo publicado na Revista do Advogado, nº 71 –
2003. webadmin 13 de março de 2003. Acesso em 09/06/2020, corrigido
e aplicadas as devidas atualizações VD).