terça-feira, 9 de junho de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.025, 1.026, 1.027 Da Relação Com Terceiros - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 1.025, 1.026, 1.027
 Da Relação Com Terceiros - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Subtítulo II –
Da Sociedade Personificada (Art. 1.022 ao 1.027) Capítulo I –
Da Sociedade Simples – Seção IVDa Relação Com Terceiros
 – vargasdigitador.blogspot.com digitadorvargas@outlook.com

Art. 1.025. O sócio, admitido em sociedade já constituída, não se exime das dívidas sociais anteriores à admissão.

O ingresso à sociedade, obrigatoriamente, é considerado um risco calculado. No lecionar de Marcelo Fortes Barbosa Filho, a execução de um contrato de sociedade pode ser realizada no curso de um período de tempo longo, o que viabiliza, sempre mantida intacta a mesma personalidade jurídica, alterações no quadro social, seja em virtude da cessão da quota social, já tratada pelo CC 1.003, seja por meio da pura e simples sucessão causa mortis, seja pela admissão derivada de novo aporte de capital. Disciplina-se, no presente artigo, ante um de tais eventos, a responsabilidade do sócio “admitido em sociedade já constituída”, i. é, do cessionário de quota social, do mero sucessor ou do novo sócio subscritor admitidos a participar do contrato em momento posterior a sua celebração e à formação da pessoa jurídica. O novo sócio assume, como regra inafastável e conjugados os artigo antecedentes, responsabilidade pelo conjunto de todas as obrigações da sociedade, pouco importando se elas foram constituídas antes de seu ingresso no quadro social. Quando alguém galga a posição de sócio, todos os riscos correspondentes lhe são impostos, levando sempre em consideração a situação concreta da pessoa jurídica, a qual ostenta unidade e continuidade como elementos naturais. É incabível, enfim, a dedução de defesa perante terceiro credor fundada na época do surgimento da dívida enfocada e na ausência de contemporânea participação no quadro social. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1023-24 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/06/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Da forma como explicada, a doutrina de Ricardo Fiuza, assusta a alguém desavisado. Pelo menos confunde ao neófito. De acordo com esta disposição normativa, se alguém adquirir a condição de sócio após a sociedade já estar constituída, assumirá ele todas as obrigações passivas existentes à época de sua admissão. Essa regra é uma decorrência do princípio da responsabilidade ilimitada, segundo o qual os sócios devem suportar os ônus e obrigações perante terceiros independentemente do momento em que se associaram. Já no caso do sócio que se retira da sociedade, sua responsabilidade subsistirá pelo prazo de dois anos após a sua saída (CC 1003, parágrafo único), em caráter solidário com o sócio que ingressou. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 535, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Não há lógica na afirmação de Silvana Aparecida Wierzchón, em seu artigo Dos Aspectos Relevantes do Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil, quando alude ao fato afirmando ser justo o artigo 1.025, em comento, que tira do novo sócio a responsabilidade pelas dívidas contraídas pela sociedade já existentes antes da sua admissão, segundo ela “o que não vem necessitar de maiores esclarecimentos”, uma vez que o que lemos acima – a afirmação de Ricardo Fiuza “Essa regra é uma decorrência do princípio da responsabilidade ilimitada, segundo o qual os sócios devem suportar os ônus e obrigações perante terceiros independentemente do momento em que se associaram.”. A impressão que dá é de não ter sido bem assimilada a ideia pela autora. (Silvana Aparecida Wierzchón, em seu artigo Dos Aspectos Relevantes do Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. Encontrado no site Jurisway.com.br, Texto enviado em 19/04/2008. Última edição/atualização em 10/06/2008. Acesso em 09.06.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.026. O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação.

Parágrafo único. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do CC 1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação.

Esclarecendo Marcelo Fortes Barbosa Filho, há, no presente artigo, uma mudança de foco, avaliando-se a responsabilidade do sócio diante de suas dívidas pessoais. A quota social faz parte do patrimônio do devedor, mas está inserida num âmbito maior, integrada ao capital da sociedade, e, pela própria natureza do contrato aqui tratada, uma execução forçada não pode recair, imediatamente, sobre ela. A escolha dos sócios, numa sociedade simples, deriva de seus predicados individuais; constrói-se um ajuste de vontades, intuitu personae. Não é concebível, por isso, recaia, sem o esgotamento de outras possibilidades, uma execução sobre a própria quota social e persista sua alienação forçada, o que atingiria o cerne do contrato de sociedade, tendo o legislador limitado a atuação dos credores. De início, em favor dos credores, estabeleceram-se, diante da quota social e sempre por meio de decisão judicial, apenas duas possibilidades de atuação: a) é viável constritar e adjudicar a parcela dos lucros atribuída ao sócio devedor, mas, evidentemente, isso depende da prévia apuração de um resultado positivo ao final de dado exercício; b) em se tratando de uma sociedade dissolvida, a parte cabível ao sócio devedor na liquidação pode, também, ser, a fim de efetivar a satisfação do credor, o objeto de constrição e adjudicação, devendo-se aguardar, para tanto, o término de tal procedimento.

Superadas somente as duas hipóteses anteriores, o credor pode solicitar seja realizada uma dissolução parcial, penhorando-se e apurando-se somente a quota do sócio devedor, que, aplicado o CC 1.031, será liquidada, procedendo-se ao depósito judicial dos valores pecuniários apurados, num prazo de noventa dias, contado do total implemento da própria liquidação da quota.

Ademais, quaisquer desses procedimentos se submetem a um pressuposto comum e inafastável: a insuficiência do restante do patrimônio do sócio devedor. A quota social ou os direitos desta derivados só podem ser atingidos caso seja plenamente constatado que não há outros meios de satisfazer o crédito executado. Em suma, o credor não pode, desde logo, partir contra os direitos de sócio do devedor, permanecendo eles como última alternativa.

É preciso fazer outra ressalva. Sempre que a penhora tiver sido concretizada, a arrematação ou a adjudicação da quota (esta prevista, agora, expressamente, pelo art. 685-A do CPC/1973, introduzido pela Lei n. 11.382/2006), correspondendo hoje ao art. 876 do CPC/2015, são também possíveis, mas ostentam efeitos limitados.

A arrematação ou adjudicação da cota social resultam, tão somente, em uma aquisição forçada dos direitos patrimoniais do sócio frente à sociedade, implicando que o adquirente seja satisfeito mediante o recebimento de haveres, após dissolução total ou parcial da sociedade, sem substituição ao devedor, como se fosse, na qualidade de novo sócio, um sucessor do devedor, a menos que seja repactuado o contrato social e o adquirente seja, com a aquiescência dos sócios remanescentes, admitido no quadro social. A qualidade de sócio, esta sim, é impenhorável e não é passível de aquisição por arrematação ou adjudicação. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1023-24 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/06/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Conforme a ilustração da doutrina exposta por Ricardo Fiuza, este artigo diz respeito à execução dos bens particulares do sócio em virtude de dívidas pessoais, e não da sociedade, como tratado nos dispositivos anteriores. Se os bens particulares do sócio devedor forem insuficientes para o pagamento de suas dívidas, fica facultado ao credor executar os lucros a que o sócio porventura tiver direito na sociedade, ou, no caso de a sociedade encontrar-se em processo de dissolução, a parte que o sócio devedor teria direito na liquidação dos bens patrimoniais, após a quitação de todas as dívidas da sociedade. Se esta se encontrar em funcionamento regular, ou seja, se não estiver dissolvida, e não existirem lucros a distribuir, o credor do sócio poderá requerer, judicialmente, a liquidação das quotas do sócio devedor, na proporção necessária à satisfação de seu crédito, de acordo com o procedimento de liquidação previsto no CC 1.031. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 535-36, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

O artigo publicado por Gerson Luiz Carlos Branco no site da conjur.com.br, com o nome de “A penhora de quotas de sociedades limitadas e a garantia das obrigações, publicado em 12 de fevereiro de 2018, mostra todas as nuances do artigo 1.026, interessante, já que o tema deste artigo é uma intrigante peculiaridade normativa no sistema do Direito das Obrigações decorrente das dificuldades para executar obrigações civis quando o patrimônio do devedor é formado unicamente ou substancialmente por quotas de sociedades limitadas.

Não obstante o patrimônio do devedor seja a garantia das obrigações, o regime jurídico e as dificuldades para excutir patrimonialmente o devedor cujo patrimônio consiste unicamente em quotas de sociedades limitadas acaba por permitir que o devedor controle ou pelo menos enfraqueça os efeitos do próprio vínculo obrigacional no seu essencial elemento, que é a garantia.

A questão tem grande relevância atualmente, tendo em vista um processo crescente de uso da técnica societária das “sociedades de participação” ou holdings, cujo efeito jurídico vai para além daqueles previstos pelo Direito Societário.

A proliferação do uso de holdings por conta de razões tributárias, de planejamento familiar e mesmo sucessórias é uma tônica social que tem provocado uma transformação no perfil do patrimônio dos brasileiros nos últimos anos.

Essa transformação aumenta a importância da questão aqui suscitada, tendo em vista que, na contra tendência de um conjunto de reformas realizadas no Direito brasileiro para reforçar a garantia, a realidade da penhora de quotas traz inquietantes dificuldades técnicas.

A primeira grande dificuldade deriva da circunstância de que a personalidade jurídica e a autonomia patrimonial da sociedade limitada leva o ato de integralização do capital pelo sócio, seja através de dinheiro ou de qualquer outro bem, a alterar a natureza da relação jurídica do sócio com os seus bens.

Tomando-se como exemplo o de um proprietário de bem imóvel que é integralizado no patrimônio de uma sociedade limitada, verifica-se que esse sujeito passa a ter uma relação diferente com seu patrimônio. De uma relação jurídica regida pelo arcabouço do Direito das Coisas, o então proprietário, após transferir a propriedade do bem para a sociedade, passa a ter uma relação jurídica de natureza obrigacional que irá regular o que atualmente denominamos de “titularidade da quota”.

A titularidade da quota é um direito cuja eficácia é essencialmente obrigacional, pois concede ao sócio o direito a uma fração de uma universalidade jurídica, que é o patrimônio da sociedade.

O milenar Direito das Coisas deixa de incidir, tendo em vista que a quota não é uma coisa móvel ou imóvel, mas um bem cuja titularidade também não é exercida como tradicionalmente estudamos no não menos antigo Direito das Obrigações.

O modo do exercício desse direito é regulado por um capítulo do Direito das Obrigações que é relativamente novo, o Direito Societário. O Direito Societário, por sua vez, tem muitas preocupações, não sendo central no seio de sua doutrina a matéria que é objeto deste artigo, que é a transformação e/ou enfraquecimento da garantia das obrigações do sócio quotista.

No processo de transformação da natureza do patrimônio no exemplo do proprietário do bem imóvel que integraliza no capital da sociedade, observa-se uma bipartição de efeitos interessantes inexistentes até então, pois a titularidade das quotas como um efeito patrimonial é separada de uma outra condição, decorrente do que a doutrina societária denomina de status socii, que entre outros efeitos promove uma separação entre os poderes políticos de voto e a participação nos órgãos societários (assembleia, reunião etc.) que têm competência para tomar as decisões sobre o destino do patrimônio.
Essa condição é personalíssima e, portanto, não pode ser objeto de constrição judicial: o Estado não lhe alcança. Os direitos políticos e de participação do sócio pertencem unicamente a este, não sendo afetados pela penhora das quotas, conforme entendimento pacífico em nosso ordenamento jurídico, nos moldes de disposição legal expressa em outros ordenamentos, como é o caso do artigo 239º, 1, parte final, do Código das Sociedades Comerciais português.

Deve-se acrescer a isso uma característica essencial: o direito do sócio sobre essa  fração do patrimônio sofre uma transformação adicional, que é a aquisição da natureza de crédito subordinado.

Ou seja, o patrimônio integralizado pelo sócio e que constituirá o patrimônio da sociedade passa a ser uma dívida da sociedade perante o sócio. Essa dívida não pode ser cobrada em prejuízo dos credores da própria sociedade, razão pela qual os créditos dos quotistas são créditos subordinados, que não podem ser exigidos exceto se a sociedade dispor de recursos para pagar todos os demais credores. Para usar o jargão do Direito Societário, os créditos dos sócios integram o passivo não exigível da sociedade.

Como aqui se está tratando de “garantia”, deve-se dizer que, havendo vínculo obrigacional e não sendo ela natural, há débito (obrigação) e há responsabilidade (garantia). Entretanto, a garantia somente pode ser exercida sobre parte do patrimônio da sociedade, que são os seus lucros ou os fundos líquidos, que é o resultado positivo derivado de um procedimento de liquidação após o pagamento de todos os demais credores da sociedade.

A consequência prática dessa transmutação do patrimônio do sócio e da mudança jurídica operada é que o credor de um devedor cujo único patrimônio ou cuja parte valiosa do patrimônio esteja integralizado ou atribuído a uma sociedade limitada tem grandes dificuldades para realizar o seu crédito.

O artigo 1.026 Código Civil de 2003 tornou indiscutível a possibilidade da penhora de quotas, porém estabeleceu que bens dessa natureza somente podem ser penhorados “na insuficiência de outros bens do devedor”.

Essa simples disposição já outorga ao devedor a possibilidade lícita de escolher os bens que possuem maior liquidez ou maior valor, de transferi-los para uma sociedade limitada e, com isso, limitar substancialmente a possibilidade de seus credores de realizar os créditos excutindo tais bens, deixando no patrimônio do devedor bens de menor valor ou de difícil liquidação.

Poder-se-ia argumentar que o Código Civil, no caput do artigo 1.026, estabelece que é possível a penhora dos “lucros da sociedade”. Entretanto, além de a penhora dos “lucros” somente poder ser realizada “na insuficiência de outros bens do devedor”, faltou precisão ao código, pois não se podem confundir os lucros da sociedade com os dividendos que a sociedade delibera distribuir aos sócios.

Em nenhuma hipótese o credor pode postular a penhora de lucros da sociedade, pelo simples e singelo fato de que a sociedade não é devedora e que os lucros são da sociedade, que talvez necessite dos mesmos para cumprir obrigações perante terceiros.

Lucros da sociedade não representam necessariamente disponibilidade de caixa, tampouco disponibilidade de recursos para que estes sejam distribuídos aos sócios e sejam usados para pagamento de suas dívidas.

A melhor interpretação do artigo 1.026 nesse aspecto é que o dispositivo faz referência aos dividendos que a sociedade já deliberou distribuir aos sócios e que ainda não o fez. Em tal caso, deve-se dizer que o Código Civil criou uma hierarquia procedimental: a) penhoram-se outros bens do sócio, exceto as quotas; b) se não houver outros bens, podem ser penhorados os dividendos deliberados e que ainda não tenham sido pagos; e, na falta desses, c) penhora-se a quota para que essa seja liquidada, a fim de pagar o credor do sócio.

Em síntese, o legislador civil estabeleceu uma hierarquia e um procedimento a ser seguido para evitar um grande conflito de valores que ocorre quando há penhora de quotas e liquidação da quota para pagamento dos credores do sócio, que é o conflito entre o direito de o credor receber o seu crédito e o princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, pois, quando ocorre a liquidação da quota do sócio para pagamento das dívidas do credor, ocorrem dois fenômenos importantes e indesejados pelo Direito.

O primeiro fenômeno indesejado é o de que o pagamento pela sociedade das dívidas do seu sócio caracteriza uma hipótese de terceiro que é coagido a pagar uma obrigação que não assumiu.

Nesse sentido, pode-se dizer que é inerente à constituição de toda a sociedade limitada, no momento em que surge sua personalidade, a submissão implícita desse patrimônio à condição de garantia das obrigações do seu sócio perante terceiros, sejam obrigações presentes ou futuras.

Embora a doutrina do Direito Societário seja resistente a isso e reafirme constantemente a separação patrimonial entre sócio e sociedade, o elemento que separa também une.

Por isso, a sociedade passa a ser uma espécie de garantidora de toda e qualquer obrigação que o sócio assume, nos limites do valor do patrimônio que lhe foi atribuído no ato de integralização e no limite da realização de seus interesses. É um caso excepcional de responsabilidade sem débito!

O segundo fenômeno indesejado é o de que há outros sujeitos, terceiros que também sofrem efeitos da execução.

Os demais sócios da sociedade limitada são terceiros que sofrem os efeitos da execução, pois a universalidade que também guarda seu patrimônio sofrerá os efeitos da execução e, consequentemente, o seu patrimônio reflexamente é atingido. Ademais, a própria perspectiva de ganho pode ser sacrificada para que a sociedade pague as obrigações de um sócio, ou melhor, para que pague o credor do sócio, limitando substancialmente as disponibilidades financeiras da sociedade para realização de seus objetivos sociais.

As questões societárias daí decorrentes são múltiplas e não cabe aqui exemplificar, porém decorrem muitos efeitos, inclusive atinentes ao exercício do controle, direito de voto, redução de liquidez etc.

Também são terceiros os credores da sociedade, tais como o Fisco, fornecedores, consumidores, empregados etc., interessados (stakeholders) que podem não receber os seus créditos ou podem ver diminuídas as atividades da sociedade e, consequentemente, sua liquidez por conta das dívidas de seu sócio.

Porém, o Direito não permite que a penhora de quotas e liquidação da sociedade represente um privilégio ao credor do sócio em detrimento dos credores da sociedade. Diga-se de passagem, essa impossibilidade é a razão pela qual por muitos anos o Direito brasileiro não admitia ou restringia severamente a possibilidade da penhora de quotas.

Os credores da sociedade possuem um certo grau de proteção por conta da prioridade de recebimento, pelo menos nos processos de liquidação ou falência, embora sofram importantes efeitos da penhora de quotas nas hipóteses de redução de liquidez, capital de giro ou paralisação da atividade da sociedade devedora.

Em outras palavras, a penhora de quotas representa um importante conflito valorativo entre os direitos do credor e o sacrifício de terceiros com quem o devedor mantém relações.

Esse conflito valorativo é resolvido pela hierarquização feita pelo artigo 1.026 do Código Civil e também por uma série de disposições do Código de Processo Civil, as quais tendem a reforçar a penhorabilidade das quotas das sociedades limitadas e a possibilidade de sua excussão. Entretanto há um porém, que está refletido nos parágrafos do artigo 861 do diploma processual, segundo os quais a penhora afeta a “estabilidade financeira da sociedade” ao ser “excessivamente onerosa”.

Essas disposições reconhecem que a eficácia do vínculo obrigacional que afeta o sócio devedor encontra limite nos interesses de uma multiplicidade de terceiros com quem se vincula ou, caso prefiram, na função social da empresa.

Ao Código Civil e Código de Processo Civil somem-se as regras da Lei 11.101/2005, que expressamente estabelecem que os créditos de natureza subordinada não podem ser satisfeitos prioritariamente. E, sendo o crédito do credor do sócio sub-rogado na natureza do crédito do sócio, tal crédito também é subordinado e, portanto, não podem os credores da sociedade serem sacrificados em benefício do crédito do credor do sócio.

Cabe ao Direito Civil a tarefa de pensar e aprofundar o estudo sobre a natureza da quota e os mecanismos para reforço da garantia do vínculo obrigacional dos credores do sócio, pois, na melhor das hipóteses, o credor de um devedor cujo patrimônio esteja “protegido” sob uma sociedade limitada é de uma grande dificuldade, grande demanda de tempo e recursos para que se consiga cobrar o crédito.

A tarefa não é fácil, porém precisa ser enfrentada, em razão de que a sociedade limitada tem sido usada de modo eficiente como instrumento de proteção patrimonial, o que resulta em uma eficácia enfraquecida da garantia das obrigações, matéria da mais alta indagação que pouco tem sido discutida pelo Direito Civil e tangenciada pelo Direito Comercial.

Por fim, deve-se dizer que estas reflexões são iniciais e estão vinculadas à pesquisa que está sendo desenvolvida no contexto da Rede de Direito Civil Contemporâneo, a qual já foi parcialmente publicada em revista científica, sendo compartilhado neste espaço algumas preocupações do que no início chamou-se de intrigante peculiaridade normativa, remetendo-se o leitor desta página para estudos mais aprofundados, se assim o desejar, nas referências bibliográficas das publicações indicadas em nota. (Gerson Luiz Carlos Branco no site da conjur.com.br, com o nome de “A penhora de quotas de sociedades limitadas e a garantia das obrigações”, publicado em 12 de fevereiro de 2018, Acesso em 09/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). *Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT e UFBA).

Art. 1.027. Os herdeiros do cônjuge de sócio, ou o cônjuge do que se separou judicialmente, não podem exigir desde logo a parte que lhes couber na quota social, mas concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se liquide a sociedade.

Como tenta explicar Marcelo Fortes Barbosa Filho, tenho em conta a situação de obrigações dos sócios mantidas com terceiros, o presente artigo, de maneira inovadora, considera duas hipóteses, tentando delimitar totalmente suas consequências diante da pessoa jurídica. No caso de sócio contratante casado, uma comunhão de bens, de acordo com o regime de bens estabelecido, pode ter surgido e, uma vez extinta a comunhão e realizada partilha em razão do falecimento do cônjuge ou da decretação da separação judicial ou do divórcio, serão conferidos direitos aos herdeiros do cônjuge falecido ou a seu cônjuge separado ou divorciado, entre os quais, conforme o caso, podem estar incluídos aqueles relativos à quota social. Está vedada, nesse passo, a atribuição da própria quota social, não podendo os herdeiros do cônjuge falecido ou o cônjuge separado ou divorciado exigir sua imediata e automática admissão no quadro social, uma vez que a sociedade simples é sempre contratada intuitu personae. A partilha só poderá ter como objeto o direito à percepção dos lucros, a serem distribuídos ao final de cada exercício, se for apurado resultado positivo. Apenas quando a sociedade for dissolvida e entrar em liquidação, eles poderão participar da divisão dos bens componentes do capital social e perceber as quantias remanescentes. Foi dispensado, portanto, aos herdeiros do cônjuge falecido do sócio ou a seu cônjuge separado ou divorciado tratamento diferenciado com relação aos credores comuns do sócio, já examinado no artigo antecedente, restringindo-lhes os meios de satisfazer seus direitos pessoais à quota social de titularidade daquele cuja comunhão foi extinta. Acrescente-se que, apesar de o texto legal não se referir expressamente, o divórcio deve ser englobado em conjunto com a separação judicial, efetivando-se uma interpretação extensiva, pois a alteração patrimonial enfocada deriva da partilha do patrimônio comum, o que pode advir tanto de um quanto de outro fato. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1025 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 09/06/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

A Doutrina de Ricardo Fiuza explica esta norma regular duas situações distintas: a) o caso de falecimento de sócio e do seu cônjuge, deixando herdeiros; e b) a hipótese de separação judicial ou divórcio de sócio. Tanto em uma situação como em outra, deverá ocorrer a partilha dos bens do sócio falecido ou daquele que extinguiu a sociedade conjugal. Os herdeiros do sócio falecido podem passar a integrar a sociedade, por sucessão das respectivas quotas, desde que exista mútuo acordo entre estes e os demais sócios por sucessão das respectivas quotas, desde que exista mútuo acordo entre estes e os demais sócios (CC 1.028, III). Mas, no que se refere aos herdeiros do cônjuge do sócio falecido, estes não terão direito a assumir as quotas e participar da sociedade, inclusive em respeito ao princípio da affectio societatis, que implica a prevalência da vontade de manutenção da relação associativa apenas entre os sócios enquanto assim o desejarem. Portanto, os herdeiros do cônjuge do sócio ou o cônjuge que anteriormente mantinha sociedade conjugal com o sócio não terão direito a integrar, automaticamente, a sociedade, como consequência do resultado da partilha. A partilha em questão não poderá ter como objeto as quotas detidas pelo sócio na sociedade, mas apenas o direito à percepção dos lucros que ao sócio falecido ou separado tocariam e que seriam distribuídos a cada ano, se positivo o resultado social. No caso de a sociedade entrar em processo de liquidação, então os herdeiros do cônjuge ou o cônjuge separado, enquanto não ultimada a partilha e no caso de as quotas da sociedade não terem sido arrecadadas ou colacionadas no processo de separação ou inventário, então, nessa hipótese, terão eles direito à participação nos bens sociais que remanescerem e forem distribuídos ou divididos na liquidação. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 536, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em seu artigo “Alguns problemas referentes à cessão de quotas no novo Código Civil”, Priscila M. P. Corrêa da Fonseca esclarece, ou, pelo menos tenta dirimir dúvidas, quanto à redação e entendimento do artigo em comento. O Novo Código Civil, lamentavelmente, perfilhou orientação já agora ultrapassada pelo Superior Tribunal de Justiça, ao preceituar, no artigo 1.027, que:

“Os herdeiros do cônjuge de sócio, ou o cônjuge do que se separou judicialmente, não podem exigir desde logo a parte que lhes couber na quota social, mas concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se liquide a sociedade”.

O codex recém-promulgado, ao que tudo indica, procurou evitar a dissolução parcial pleiteada pelo ex-cônjuge do sócio ou herdeiros deste. Afirma-se que a referida norma preserva a empresa, impedindo que herdeiros do cônjuge de sócio, ou cônjuge separado judicialmente busquem o recebimento da parcela que eventualmente lhes caiba no patrimônio da sociedade. Ou seja, o artigo veda aos herdeiros do cônjuge de sócio e ao ex-consorte de sócio o direito de pleitear o pagamento dos haveres correspondentes à participação societária havida por meação ou herança. A eles confere, como se depreende da leitura do texto legal, apenas e tão somente o direito de receber os dividendos: nenhum outro mais. Àquelas pessoas, com efeito, não outorga o novo Código Civil o direito de votar, de fiscalizar a gestão da sociedade etc.

A disposição contida no art. 1.027 conduz, no entanto, à seguinte dúvida: ao prescrever que o ex-cônjuge do sócio ou os seus herdeiros devam permanecer em tal condição – id est, ligados à sociedade até que esta, eventualmente, venha a se liquidar – estaria arredando o direito que sempre se lhes reconheceu de pleitear do sócio (ex-cônjuge, sucessores ou meeiros) o recebimento dos haveres correspondentes à participação societária havida por meação ou herança.

 Parece intuitivo que não se possa constranger o ex-cônjuge ou herdeiros deste a ficar indefinidamente jungidos à sociedade, em situação que se denota, à evidência, inconstitucional – eis que violadora do comando contido no art. 5º, XX, da Lei Maior. Cuida-se, ademais, de condição bastante incômoda e iníqua. É que, não tendo qualquer possibilidade de ingerência sobre a administração e o destino da sociedade, ficarão aqueles à mercê dos desígnios dos demais sócios, quanto ao único e solitário direito que o novo Código Civil lhes atribuiu: o de concorrer à divisão periódica dos lucros até que se liquide a sociedade.

A estranhíssima redação conferida ao art. 1027 não permite saber, de outra parte, a quem é conferido o direito de propriedade das quotas em questão, e, por conseguinte, a quem se deverá atribuir os demais direitos inerentes à condição de sócio enquanto não liquidada a sociedade.

As incongruências a que conduz o referido artigo, todavia, não cessam ai. Os herdeiros do cônjuge do sócio receberão apenas o direito à percepção dos lucros. Todavia, se vierem a herdar do sócio, nada obsta que recebam as quotas sociais até então detidas pelo de cujus. Diante dessas circunstâncias, tais herdeiros terão, perante a sociedade, duas situações distintas: a) o direito de auferir lucros em relação às quotas havidas por força do falecimento de cônjuge de sócio; b) a titularidade plena das quotas recebidas em razão do óbito daquele que era efetivamente sócio.

Por fim, o maior absurdo a que conduz o artigo 1.027 reside na circunstância de que, ao credor do sócio, permite o novo Código Civil o direito à liquidação da quota do devedor, direito este que ao herdeiro do cônjuge de sócio ou ao cônjuge do que se separou judicialmente, não deferiu (art. 1.026, parágrafo único).

Pois bem, as incertezas que decorrem do dispositivo em exame já se fazem sentir. RICARDO FIUZA, por exemplo, chega a afirmar que a partilha, nesses casos, não poderia ter por objeto as quotas detidas pelo cônjuge ou de cujus na sociedade, mas apenas “o direito à percepção dos lucros que ao sócio falecido ou separado tocarem”.

Não se pode conceber que tenha sido intenção do legislador referendar tão despropositadas consequências. E, se o foi, a injustiça que encerra é de tal ordem, que é preferível que se interprete a norma como se esta estivesse considerando que a parte cabente aos herdeiros do cônjuge de sócio ou o cônjuge de que se separou judicialmente apenas não poderia ser exigida da sociedade. Relativamente a esta é que apenas teriam direito aqueles à divisão periódica dos lucros, direito este que remanesceria até a liquidação final da própria sociedade. Frente ao sócio sempre se faria viável aos herdeiros do cônjuge, como ao ex-consorte, o direito à apuração e cobrança dos haveres correspondentes à participação societária herdada ou recebida em meação.

Mas, ainda que assim se entenda, é importante sublinhar, tal interpretação representa indiscutível retrocesso em relação a evolução jurisprudencial que, quanto a matéria, já se verificara. E, mais do que isso, restaria sempre inexplicável a disparidade de tratamento conferido pelo novo Código Civil ao herdeiro de cônjuge de sócio e ao ex-consorte, de um lado, e ao credor de sócio, de outro.

Acresça-se a propósito – e vai aqui mais um paradoxo – que se os herdeiros do sócio de cônjuge ou o ex-consorte não lograrem receber do sócio o valor correspondente às quotas recebidas em partilha, nada impede que o façam em Juízo e, nesse caso, nada obsta também que a penhora venha a incidir sobre as quotas do devedor. E, neste caso, – e tão somente neste caso, insista-se -, poderão aqueles a quem se outorgou o direito contemplado no art. 1.027, lograr a liquidação da quota do sócio, pois que, nesta hipótese, estarão agindo não mais na condição de herdeiros de cônjuge de sócio ou de seu ex-consorte, mas na de credor particular de sócio.

No entanto, – e embora não seja objeto da análise a que ora nos propusemos – é curioso observar que malgrado aos credores de sócios de sociedades simples e daquelas às quais o respectivo modelo se aplica – v.g., as limitadas, tenha conferido o novo Código Civil o direito de liquidação da quota do devedor, a verdade é que, no que tange aos credores de sócios de sociedades em nome coletivo, o mesmo direito não outorgou. O artigo 1.043, com efeito, é expresso ao estabelecer que “O credor particular de sócio não pode, antes de dissolver-se a sociedade, pretender a liquidação da quota do devedor”. Aliás, o novo Código Civil sequer o direito à participação nos lucros conferiu a tais credores, tal como o fez quanto aos herdeiros do cônjuge de sócio ou ex-consorte.

E se a razão pela qual assim dispôs o novel diploma reside na responsabilidade solidária e ilimitada do sócio integrante de sociedade em nome coletivo, por qual motivo assim, também, não estatuiu o novo Código Civil relativamente aos credores de outros sócios, com a mesma extensão de responsabilidade, como é o caso dos sócios comanditados.

Por fim e muito embora também não seja objeto destes comentários a análise do disposto no art. 1.043, não se pode deixar de consignar que tal dispositivo consagra uma verdadeira válvula de escape para o adimplemento das obrigações contraídas pelos sócios da sociedade em nome coletivo. É que, se o devedor conferir à sociedade em nome coletivo todo o seu patrimônio, os seus credores, com toda certeza, enquanto não dissolvida a sociedade, nada receberão por conta dos respectivos créditos: a eles, com efeito, não se faculta a liquidação da quota, como sequer o recebimento dos lucros auferidos, enquanto não liquidada definitivamente a sociedade. Em suma, até que ocorra a referida liquidação, os seus credores jamais restarão satisfeitos. Teria sido este o intuito do legislador. São estas as dúvidas, entre muitas outras, que o legislador do novo Código Civil deixou sem resposta. (Priscila M. P. Corrêa da Fonseca “Alguns problemas referentes à cessão de quotas no novo Código Civil – Artigo publicado na Revista do Advogado, nº 71 – 2003. webadmin Acesso em 09/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).



segunda-feira, 8 de junho de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.022, 1.023, 1.024 - continua Da Relação Com Terceiros - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 1.022, 1.023, 1.024 - continua
 Da Relação Com Terceiros - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Subtítulo II –
Da Sociedade Personificada (Art. 1.022 ao 1.027) Capítulo I –
Da Sociedade Simples – Seção IVDa Relação Com Terceiros
 – vargasdigitador.blogspot.com digitadorvargas@outlook.com

Art. 1.022. A sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por intermédio de qualquer administrador.

Quanto à função administrativa, Marcelo Fortes Barbosa Filho esclarece que a Sociedade, como pessoa jurídica, constitui um ente imaterial, de existência ideal, não podendo, diretamente, relacionar-se com os demais sujeitos de direito e, por si só, realizar as operações próprias à consecução do objeto social. Todo e qualquer relacionamento da sociedade com terceiros é efetivado por intermédio de seus órgãos de administração. Aos administradores cabe presentar a sociedade, dando-lhe vida e possibilitando seja obtido sucesso patrimonial na realização do objeto social. As operações mediadas pelos administradores induzem a aquisição de direitos pela pessoa jurídica, tal qual o nascimento de obrigações, mediante a celebração de contratos ou como consequência de atos unilaterais, vinculando-a.

Presentando a pessoa jurídica, os administradores, encarregados da gestão, agem pela própria sociedade; são, por assim dizer, seus braços e suas pernas. Podem ser repartidas, entre os administradores, as diversas incumbências peculiares à gestão, fixando, de maneira explícita, no contrato social ou em instrumento apartado de nomeação, a extensão dos poderes de presentação conferidos, inclusive quanto à atuação judicial da pessoa jurídica. São, então, conferidos poderes especiais a um ou a alguns dos administradores, com a exclusão dos demais, os quais, sob pena de caracterização do excesso e da responsabilidade pessoal do administrador, precisam ser respeitados com rigor. Inexistente qualquer disposição específica, cada um dos administradores ostentará poderes amplos de presentação e poderá, regularmente, praticar todos os atos dependentes da manutenção de relacionamento com terceiros. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1022 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 08/06/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em sua doutrina, Ricardo Fiuza amplia a função e importância do administrador, quando afirma que a representação da sociedade perante terceiros, em especial para a prática dos atos próprios à execução do objeto social, deve competir a um sócio ou gerente investido de poderes. Essa disposição distingue dois tipos de administradores na sociedade: a) o administrador com poderes especiais ou específicos para a prática de determinados atos; e b) o administrador com poderes genéricos e não discriminativos, o qual poderá praticar qualquer ato de representação da sociedade para fins de aquisição de direitos, assunção de obrigações e exercício de poderes de representação judicial ativa e passiva. Seja de um modo ou de outro, a sociedade somente se relaciona perante terceiros, e os atos pertinentes são eficazes na medida da regularidade de sua representação, respondendo pessoalmente o sócio que praticar ato sem dispor dos poderes necessários, se o contrato social e a atribuição de poderes de representação estiverem inscritos ou o instrumento de mandato averbado no Registro Civil das Pessoas Jurídicas. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 534, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 08/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

A respeito das relações com terceiros, que começa no CC 1.022 e vai até o CC 1.027, Silvana Aparecida Wierzchón cita Fiuza, como já havia sido disposto acima: “A representação da sociedade perante terceiros, em especial para a prática dos atos próprios à execução do objeto social, deve competir a um sócio ou gerente investido de poderes. Essa disposição distingue dois tipos de administradores na sociedade: a) o administrador com poderes especiais ou específicos para a prática de determinados atos; e b) o administrador com poderes genéricos e não discriminativos, o qual poderá praticar qualquer ato de representação da sociedade para fins de aquisição de direitos, assunção de obrigações e exercício de poderes de representação ativa e passiva. Seja de um modo ou de outro, a sociedade somente se relaciona perante terceiros, e os atos pertinentes são eficazes na medida da regularidade de sua representação...” (2002, p. 923). (Silvana Aparecida Wierzchón, em seu artigo Dos Aspectos Relevantes do Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. Encontrado no site Jurisway.com.br, Texto enviado em 19/04/2008. Última edição/atualização em 10/06/2008. Acesso em 08.06.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.023. Se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem os sócios pelo saldo, na proporção em que participem das perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária.

Iluminando com Barbosa Filho, o presente artigo pretende estabelecer a fórmula básica de responsabilidade do sócio perante terceiros na sociedade simples, aplicável sempre, seja qual for a forma típica adotada como embalagem (invólucro externo) da pessoa jurídica. Firmou-se, nesse sentido, uma subsidiariedade. As dívidas nascidas das operações sociais vinculam, diretamente, a pessoa jurídica, de maneira que o terceiro credor deve, em primeiro lugar, atuar contra a própria sociedade e esgotar todos os meios disponíveis para, com seu patrimônio, satisfazer seus direitos. Apenas quando persistente a insuficiência do patrimônio da sociedade e esgotados os meios disponíveis, os sócios responderão pela dívida feita em nome da pessoa jurídica. Surge, então, uma responsabilidade especial, relativa ao saldo do inadimplemento (parcela que não foi paga pela sociedade) e distribuída em conformidade com a repartição de perdas sociais apuradas, conforme o disposto no contrato celebrado. Na generalidade dos casos, dado o texto do CC 1.007, os sócios responderão, portanto, proporcionalmente à quota social, i. é, cada um dos sócios arcando, em separado, com a parcela correspondente ao percentual de sua participação no capital. Assim, a não ser ante cláusula contrária inserida no contrato social, quanto maior a participação no capital ou quanto maior a quota social, maior será o ônus derivado de uma eventual responsabilidade subsidiária. Está prevista também, aqui, a possibilidade de ser instituída, conforme a expressa vontade dos sócios contratantes, uma relação de solidariedade, o que deve, na prática, se mostrar uma raridade. A solidariedade pode, então, surgir sob duas formas. Pode-se adotar uma fórmula mais branda, oferecendo como salvaguarda, em favor de terceiros, mesmo mantida a subsidiariedade da responsabilidade patrimonial dos sócios, o envolvimento comum e unificado do patrimônio pessoal de todos os sócios, ou uma fórmula mais radical, rompendo a separação patrimonial entre sócio e sociedade e afirmando-se, então, a total solidariedade, excluída, por completo, a subsidiariedade, permanecendo cada sócio, a exemplo do previsto para as sociedades em nome coletivo (CC 1.039, in fine), solidária e ilimitadamente, responsável pelas dívidas sociais. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1022-23 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 08/06/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Alerta e amplia a doutrina de Ricardo Fiuza ser a responsabilidade dos sócios na sociedade simples ilimitada, ainda que subsidiária, ou seja, se os bens da sociedade não forem suficientes para o pagamento de dívidas contraídas perante seus credores, os bens particulares dos sócios poderão ser alcançados pela execução, até a integral liquidação das obrigações contraídas. Nesse caso, cada sócio responderá pelas dívidas da sociedade proporcionalmente a sua participação no capital social. O contrato social, todavia, poderá estabelecer cláusula de responsabilidade solidária, a qual independe da participação de cada sócio no capital, respondendo todos, em conjunto, perante os credores, pelo pagamento das dívidas da sociedade. Caso os sócios de sociedade simples pretendam limitar suas responsabilidades por dívidas sociais, podem eles constituir a sociedade segundo um dos tipos previstos nos CC 1.039 a 1.092, que regulam as sociedades empresárias (v. CC 983). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 535, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 08/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Para a titular do artigo “Dos Aspectos Relevantes do Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil”, importante é se lembrar que o autor VENOSA faz remissão a tal dispositivo existente no Código Comercial: “Art. 1395 – São dívidas da sociedade as obrigações contraídas conjuntamente por todos os sócios, ou por algum deles no exercício do mandato social”; e também 1023: “Art. 1396 – Se o cabedal social não cobrir as dívidas da sociedade, por elas responderão os associados, na proporção em que houverem de participar nas perdas sociais. Parágrafo Único – Se um dos sócios for insolvente, sua parte na dívida será na mesma razão distribuída entre os outros” (2002, p. 252-253). (Silvana Aparecida Wierzchón, em seu artigo Dos Aspectos Relevantes do Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. Encontrado no site Jurisway.com.br, Texto enviado em 19/04/2008. Última edição/atualização em 10/06/2008. Acesso em 08.06.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.

Sem maior importância para Marcelo Fortes Barbosa Filho, reafirma-se, aqui, simplesmente, a regra geral de responsabilidade dos sócios na sociedade simples, já exposta no artigo antecedente. Os sócios assumem, com respeito às dívidas sociais, responsabilidade solidária e, portanto, esgotados os meios de satisfação de um crédito em face da própria devedora, a pessoa jurídica, faculta-se, ao credor, efetivar o adimplemento forçado com bens incluídos no patrimônio individual dos sócios. Não há, é preciso lembrar, limitação ao exercício da subsidiariedade, sendo os sócios chamados, seja mediante rateio, seja mediante solidariedade, a pagar o todo, o valor integral do saldo apurado. Se o credor se voltar, logo de início, contra um ou mais sócios, pode ser aposto um benefício de ordem, obstando a pretensão executiva, dada a falta de pressuposto material. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1023 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 08/06/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza, a responsabilidade subsidiária do sócio decorre da regra da responsabilidade ilimitada. A sociedade, juntamente com seus sócios, devem responder pelo integral pagamento de todas as dívidas contraídas em decorrência do exercício da atividade econômica desempenhada. Todavia, os bens particulares dos sócios somente poderão ser alcançados pelos credores após a execução de todos os bens, créditos e direitos constantes do patrimônio da sociedade. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 535, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 08/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo Silvana Aparecida Wierzchón, no CC 1.024 tem-se, in verbis que: "Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais” (CÓDIGO CIVIL, 2003, p. 214).

Necessidade não havia de disposição expressa, de acordo com OLIVEIRA (2003) arredando a constrição sobre bens da sociedade e bens particulares dos sócios por dívidas particulares. Garantia das dívidas da sociedade, as quotas não podem responder por dívidas dos sócios; se o pudesse, aberta estaria a burla, em detrimento de terceiros de boa fé.

Coloca, inclusive o autor, ser oportuno o comentário de Rubens Requião a este respeito: "... o que se precisa ter em mente, na hipótese em exposição, é a certeza de que os fundos sociais não pertencem ao quotista, mas à sociedade. Sustentar-se o contrário é pôr-se abaixo toda a teoria da personificação jurídica e negar-se a autonomia do seu patrimônio em relação aos seus componentes"(In: OLIVEIRA, 2003, p. 08); e noutro lance: "Entre o sócio e a sociedade ergue-se a personalidade jurídica desta, com a sua consequente autonomia patrimonial. Por isso, pertencendo o patrimônio à sociedade, não pode o credor particular do sócio penhorá-lo para o pagamento de seu crédito". (Silvana Aparecida Wierzchón, em seu artigo Dos Aspectos Relevantes do Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. Encontrado no site Jurisway.com.br, Texto enviado em 19/04/2008. Última edição/atualização em 10/06/2008. Acesso em 08.06.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 5 de junho de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.019, 1.020, 1.021 Da Administração - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 1.019, 1.020, 1.021
 Da Administração - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Subtítulo II –
Da Sociedade Personificada (Art. 1.010 ao 1.021) Capítulo I –
Da Sociedade Simples – Seção IIIDa Administração
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Art. 1.019. São irrevogáveis os poderes do sócio investido na administração por cláusula expressa do contrato social, salvo justa causa, reconhecida judicialmente, a pedido de qualquer dos sócios.

Parágrafo único. São revogáveis, a qualquer tempo, os poderes conferidos a sócio por ato separado, ou a quem não seja sócio.

Infirmando um poder por justa causa, como apontado por Marcelo Fortes Barbosa Filho, trata o presente artigo da revogação dos poderes de gestão conferidos a dado administrador, firmando duas regras, diferenciadas de acordo com a forma de atribuição e a identidade do titular de tais poderes. Em um primeiro plano, ficou estabelecida a irrevogabilidade dos poderes conferidos a um sócio por meio de específica cláusula do contrato social, o que se conjuga ao disposto nos CC 997, VI, VII, e, CC 999. Firmada a necessidade da unanimidade para a alteração das disposições relativas ao exercício da administração inseridas no contrato social, o sócio investido pelo próprio contrato não poderia ser meramente destituído, pois elas se incluem no núcleo do próprio ajuste e, supostamente, motivaram a vinculação de um ou mais sócios contratantes. Diante apenas da caracterização de uma justa causa, quando o sócio-administrador houver tomado decisões ruinosas ou praticado atos ilícitos, violadores do contrato ou da lei, pode outro sócio postular, em juízo, a supressão das atribuições de gestão originárias, caracterizando um litígio interno à pessoa jurídica. Caso julgada procedente a ação proposta, estará reconhecida a inaptidão do sócio e o contrato será coativamente alterado pelo comando judicial emitido, ensejando, uma vez expedido o mandado, averbação na inscrição da sociedade simples. Num segundo plano, consideradas todas as demais hipóteses, i. é, quando o sócio-administrador houver sido nomeado por instrumento particular ou público separado ou quando uma pessoa estranha ao quadro social for designada administrador, assenta-se, como regra, a revogabilidade dos poderes de gestão. Nessas circunstâncias, bastará seja aprovada, por maioria de votos, uma específica deliberação para que se concretize a substituição ou a simples destituição do administrador. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1020 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/06/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Corroborando com a ideia da infirmação da regra como acima citado, por VD, a doutrina de Fiuza cita a instituição de norma de duas regras básicas, a saber: a) os poderes conferidos ao sócio administrador pelo contrato social, em princípio, são irrevogáveis; e, b) se a delegação dos poderes de gerência for atribuída por ato em separado, mediante procuração, e não pelo contrato social, tal delegação torna-se revogável a qualquer tempo. Deve ser levado em consideração, contudo, que o contrato social pode alterar a regra de atribuição dos poderes de administração da sociedade (CC 997, VI e VII), para substituição consensual dos administradores, desde que por deliberação unânime dos sócios (CC 999). Não havendo modificação da designação dos administradores pelo contrato social, a delegação dos poderes de gerência é irrevogável, somente podendo ser promovida mediante ação judicial de destituição do sócio administrador, por justa causa, ação esta de iniciativa de qualquer dos sócios. Nas hipóteses de delegação de poderes de administração por meio de instrumento de mandato, para outro sócio ou para terceiro não sócio, essa delegação é revogável a qualquer tempo, independentemente de justo motivo. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 533, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Escreve Silvana Aparecida Wierzchón,CAMPINHO, faz comentários de relevância a este respeito que permite-se, outrossim, dentro dos limites de seus poderes, que o gestor constitua procuradores ad negotia em nome da sociedade. Segundo o autor: “Ao constituir mandatários da pessoa jurídica, impõe-se-lhe especificar, no respectivo instrumento, os atos e operações que os procuradores poderão realizar. Não exige a lei que a procuração seja averbada no registro da sociedade” (2002, p. 117), contudo, refere-se aqui o autor Campinho, ao CC 118, havendo, sim, mudanças no próximo bloco, (interjeição alocada por VG, apontando modificações, sim, quanto ao bom entendimento da redação do CC 119, como vê-se na sequência).

“Daí para o artigo seguinte nada muda em questão à divergências que venham ocorrer do contrato social, ou seja, tudo deve estar contido no ato constitutivo da sociedade. Este artigo 1019 e seu parágrafo único são comentados pelo autor FIUZA no sentido de que existem duas regras básicas: a) os poderes conferidos ao sócio administrador pelo contrato social, em princípio, são irrevogáveis; b) se a delegação dos poderes de gerência for atribuída por ato em separado, mediante procuração, e não pelo contrato social, tal delegação é revogável a qualquer tempo. (2002, p. 921).

“O relator do Novo Código citado alhures foi bastante categórico e deixou bastante clara esta questão, não havendo de maiores esclarecimentos a este respeito.” O autor Vargas Digitador diverge da afirmação da nobre colega Silvana Aparecida Wierzchón, haja vista versões dadas como se vê acima: “Infirmando um poder por justa causa, como apontado por Marcelo Fortes Barbosa Filho, trata o presente artigo da revogação dos poderes de gestão conferidos a dado administrador, firmando duas regras, diferenciadas de acordo com a forma de atribuição e a identidade do titular de tais poderes. Em um primeiro plano, ficou estabelecida a irrevogabilidade dos poderes conferidos a um sócio por meio de específica cláusula do contrato social, o que se conjuga ao disposto nos CC 997, VI, VII, e, CC 999 (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1020 - Barueri, SP: Manole, 2010), e na sequência: “Corroborando com a ideia da infirmação da regra como acima citado, por VD, a doutrina de Fiuza cita a instituição de norma de duas regras básicas, a saber: a) os poderes conferidos ao sócio administrador pelo contrato social, em princípio, são irrevogáveis; e, b) se a delegação dos poderes de gerência for atribuída por ato em separado, mediante procuração, e não pelo contrato social, tal delegação torna-se revogável a qualquer tempo. Deve ser levado em consideração, contudo, que o contrato social pode alterar a regra de atribuição dos poderes de administração da sociedade (CC 997, VI e VII), para substituição consensual dos administradores, desde que por deliberação unânime dos sócios (CC 999). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 533, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).  (Silvana Aparecida Wierzchón, em seu artigo Dos Aspectos Relevantes do Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. Encontrado no site Jurisway.com.br, Texto enviado em 19/04/2008. Última edição/atualização em 10/06/2008. Acesso em 05.06.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações, data vênia, por VD).

Art. 1.020. Os administradores são obrigados a prestar aos sócios contras justificadas de sua administração, e apresentar-lhes o inventário anualmente, bem como o balanço patrimonial e o de resultado econômico.

A função conferida aos administradores resguarda uma importância ímpar na visão de Barbosa Filho, uma vez que, por meio de sua atuação, efetiva-se o relacionamento entre a pessoa jurídica e os terceiros e são viabilizados os negócios sociais. Diante do tamanho de suas atribuições e dispondo de valores alheios, lhe é importo, naturalmente, o dever de prestar contas, demonstrando, ao final de cada período máximo de um ano, qual destinação foi dada al capital alocado pelos sócios e quais foram os consequentes lucros ou prejuízos. Tal prestação de contas deve ser feita sempre por escrito e de maneira formal, em consonância com as regras técnicas e contábeis vigentes, apresentadas as justificativas tidas como pertinentes. Exige-se, no mínimo, nas sociedades simples, a apresentação de três peças específicas: a) inventario de bens; b) balanço patrimonial; c) demonstrativo de resultados. O primeiro (inventário) corresponde a uma relação exaustiva e minuciosa dos bens componentes do cabedal social, seja qual for sua espécie (imóveis ou móveis; corpóreos ou incorpóreos). O segundo (balanço) encerra, de maneira sintética e estática, todos os componentes do patrimônio da sociedade, sejam eles positivos (ativo), sejam eles negativos (passivo), demonstrando a situação dos bens, direitos e obrigações e indicando o valor líquido de todo o patrimônio em determinado momento. O terceiro (demonstrativo) efetiva a consolidação do resultado de cada uma das operações realizadas em dado período pela sociedade, para que, ao final, seja auferida a presença de lucro ou prejuízo. A ausência da prestação de contas e a apresentação de contas formal ou materialmente irregulares constituem faltas gravíssimas, dada a violação a deveres fundamentais ao exercício da gestão, e podem ensejar não só a responsabilização, como também a destituição do administrador. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1020-21 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/06/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

A visão exposta na doutrina de Ricardo Fiuza, em relação ao CC 1.020, traz corpo às suas afirmativas ao artigo anterior: “a norma deste artigo institui duas regras básicas, a saber: a) os poderes conferidos ao sócio administrador pelo contrato social, em princípio, são irrevogáveis; e b) se a delegação dos poderes de gerência for atribuída por ato em separado, mediante procuração, e não pelo contrato social, tal delegação é revogável a qualquer tempo.” Deve ser levado em consideração, contudo que o contrato social pode alterar a regra de atribuição dos poderes de administração da sociedade (CC 997, VI), para substituição consensual dos administradores, desde que por deliberação unânime dos sócios (CC 999), como apontado no CC 1.019. Não havendo modificação da designação dos administradores pelo contrato social, a delegação de poderes de gerência é irrevogável, somente podendo ser promovida mediante ação judicial de destituição do sócio administrador, por justa causa, ação esta de inciativa de qualquer dos sócios. Nas hipóteses de delegação dos poderes de administração por meio de instrumento de mandato, para outro sócio ou para terceiro não sócio, essa delegação é revogável a qualquer tempo, independentemente de justo motivo. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 533, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Dando sequência ao enfoque de Silvana Aparecida Wierzchón, em seu artigo Dos Aspectos Relevantes do Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil, partindo-se assim para o artigo 1020, observa-se que a prestação de contas a que se refere este artigo estava prevista no artigo 290 do Código Comercial de 1850, e continua valendo no artigo 109, inciso III da Lei das S/A. FIUZA, mais uma vez, expressa que todos os sócios devem prestar contas dos resultados da sociedade aos demais, no mínimo uma vez por ano. Complementa este raciocínio o artigo 1021, in verbis: “Salvo estipulação que determine época própria, o sócio pode, a qualquer tempo, examinar os livros e documentos, e o estado da caixa e da carteira da sociedade” (CÓDIGO CIVIL, 2003, p. 214). (Silvana Aparecida Wierzchón, em seu artigo Dos Aspectos Relevantes do Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. Encontrado no site Jurisway.com.br, Texto enviado em 19/04/2008. Última edição/atualização em 10/06/2008. Acesso em 05.06.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.021. Salvo estipulação que determine época própria, o sócio pode, a qualquer tempo, examinar os livros e documentos, e o estado da caixa e da carteira da sociedade.

Encerrando a seção com Marcelo Fortes Barbosa Filho, nas sociedades simples, tal qual ocorre, em geral, nas sociedades empresárias de pessoas, não há um órgão permanente e específico para fiscalizar a atuação dos administradores. Nesse âmbito, dentre os direitos naturalmente derivados da posição de sócio está, por isso, o de fiscalizar a gestão social, verificando não só a lisura dos procedimentos adotados, mas, também a adequação e a eficiência na consecução dos negócios e das operações. Esse direito precisa, evidentemente, ser disciplinado para evitar situações patológicas, de paralisia dos administradores diante de constantes e vastas exigências feitas ou de divulgação de informações confidenciais e estratégicas. Assim, permite-se aos sócios, independentemente de sua participação no capital social, o acesso livre aos livros e documentos contábeis, sejam estes de natureza obrigatória ou facultativa, e às informações relativas aos montantes plena e imediatamente disponíveis e mantidos em caixa, bem como àqueles referentes à carteira de recebíveis da sociedade, i. é, aos créditos de titularidade da pessoa jurídica e suas características fundamentais (valor, data de vencimento e identidade do devedor). Com base em tais elementos, será possível averiguar a regularidade dos atos praticados e qual o estado de saúde financeira da sociedade, formulando juízos de valor acerca do conjunto de atos de administração consumados. Permanece estabelecido, como regra geral, o acesso “a qualquer tempo”, de maneira que, excetuada a presença de cláusula contratual limitativa, os administradores não podem jamais negar a consulta à documentação descrita no texto legal, podendo ser, inclusive, compelidos a sua exibição e ao fornecimento das informações aqui assinadas, mediante o ajuizamento de medida judicial adequada. Os sócios podem, no entanto, prever expressamente, no contrato social, épocas determinadas para a exibição de documentos e para o fornecimento de informações, quando ficará, só então, franqueado o exercício amplo da atividade fiscalizatória. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1021-22 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 05/06/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo o histórico, a redação da norma é a mesma do projeto original. Ressaltando que o Código Civil de 1916 não dispunha sobre a fiscalização dos atos de administração pelos demais sócios, estabelecendo, apenas, tal como art. 1.391, o direito de indenização pelos prejuízos resultantes de atos praticados pelos sócios administradores.

Como explicita a Doutrina de Ricardo Fiuza, em princípio, a época própria para que os sócios exerçam o direito de fiscalização dos atos de gestão e administração da sociedade será por ocasião da apresentação do balanço patrimonial anual. Se, contraste, não estipular época própria para a prestação de contas da administração, todo sócio de sociedade, independentemente de seu percentual de participação no capital social, tem direito a examinar livros, registros contábeis e documentos, como contratos, ordem de compra, notas fiscais e correspondências constantes dos arquivos dos órgãos de administração. Para o pelo conhecimento da situação patrimonial e os negócios realizados pela sociedade, tem o sócio também a prerrogativa de examinar as contas correntes bancárias e os registros do fluxo de caixa da sociedade, bem como de suas carteiras de fornecedores e clientes. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 534, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 05/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em sua primorosa atuação, Silvana Aparecida Wierzchón lembra, o autor COELHO traz que o contrato social pode prever a instalação de um conselho fiscalizador até mesmo, para averiguar as prestações de contas; comenta ele: “O conselho poderá escolher, para auxiliá-lo no exame de livros, contas e demonstrativos, um contabilista, cuja remuneração será aprovada pelos sócios, em assembleia” (2003, p. 164). FIUZA, amplamente coloca a época adequada para que os sócios façam a fiscalização dos atos da administração da sociedade será por ocasião da apresentação do balanço patrimonial, sendo que qualquer sócio tem o direito de fazer tal fiscalização, independentemente do número de quotas que possua (2002).

De uma maneira bem geral, traz o SEBRAE comentários a respeito da administração na sociedade simples de bastante relevância: “O sócio-gerente deixa de ser o principal personagem responsável pelos atos da empresa. Em seu lugar, assume a figura do Administrador. O gerente passa a ter uma função secundária na empresa, isto é, passa a ser preposto do Administrador” (2003, p. 15).

Como observado, o administrador pode até mesmo, se assim o preferir, nomear o empregado de sua confiança para exercer a função de gerente. Esse mesmo administrador será nomeado em contrato ou em instrumento separado, devendo, neste caso, como visto, averba-lo no órgão de registro. Os poderes que cabem aos sócios são irrevogáveis, quando instituídos no contrato social, salvo justa causa, quando reconhecida judicialmente de acordo com o artigo 1.019, e excetuando-se o que coloca o seu parágrafo único, que diz ser revogáveis, a qualquer tempo, quando os poderes conferidos ao sócio for por ato separado, ou a quem não seja sócio. (Silvana Aparecida Wierzchón, em seu artigo Dos Aspectos Relevantes do Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. Encontrado no site Jurisway.com.br, Texto enviado em 19/04/2008. Última edição/atualização em 10/06/2008. Acesso em 05.06.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 4 de junho de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.016, 1.017, 1.018 - continua Da Administração - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 1.016, 1.017, 1.018 - continua
 Da Administração - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Subtítulo II –
Da Sociedade Personificada (Art. 1.010 ao 1.021) Capítulo I –
Da Sociedade Simples – Seção IIIDa Administração
 – vargasdigitador.blogspot.com digitadorvargas@outlook.com

Art. 1.016. Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções.

Está aqui, estratificada, a principal regra regente da responsabilidade dos administradores, como aponta Barbosa Filho. Dos administradores, é exigida, de acordo com o CC 1.011, a manutenção de um padrão de conduta de retidão e cuidado próprio ao “homem ativo e probo” (bom homem de negócios) e, com base em tal paradigma jurídico, cabe avaliar, quando o prejuízo for resultante de uma operação realizada, se as perdas podem ser consideradas de responsabilidade daqueles a quem a gestão é atribuída. Persistentes uma conduta negligente, imprudente ou imperita (CC 181) ou, com mais razão, a intenção de prejudicar, materializando a culpa em sentido amplo, surge, conjugada ao dano emergente ou ao lucro cessante, a responsabilidade civil. Há o dever de indenizar a pessoa jurídica e, eventualmente, terceiros, o que é atribuído não apenas ao administrador faltoso, mas ao conjunto de todos os encarregados da gestão social, conforme o texto do presente artigo. Forma-se, assim, entre todos uma relação de solidariedade, protegendo mais firmemente a própria sociedade e os terceiros, descabida, mesmo inserida a cláusula contratual expressa e contrária, a exclusão de quaisquer dos administradores. Odos eles colocarão seu patrimônio pessoal à disposição do adimplemento da obrigação gerada pelo ilícito consumado. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1018 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/06/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No Código Civil de 1916, no art. 1.380, já existia a estipulação da obrigação de o sócio ressarcir a sociedade dos prejuízos causados por atos praticados com culpa. Já seu art. 1.398 estabelecia regra sobre a mesma matéria, mas para esclarecer que a solidariedade somente existiria se o ato fosse praticado em proveito da sociedade, e isso com relação a todos os sócios e não apenas aos sócios administradores. A redação do dispositivo é a mesma do anteprojeto original. Emenda do Senado Federal propôs que se acrescentasse a expressão “ou dolo”, mas a emenda veio a ser posteriormente rejeitada pela Câmara dos Deputados.

Consequentemente, na visão de Ricardo Fiuza, todo administrador de sociedade é responsável pelos atos que praticar, podendo ser responsabilizado pessoalmente por atos que, por culpa sua, possam vir a causar danos à sociedade. Se a administração da sociedade competir a dois ou mais sócios, estes são subsidiariamente responsáveis entre si, perante os demais sócios e perante terceiros, pelas dívidas e obrigações contraídas em razão de negócios realizados e obrigações contraídas de modo negligente, com imprudência ou imperícia, caracterizadores de atos ilícitos culposos (CC 186). A expressão “culpa”, evidentemente, é empregada em sentido amplo, abrangendo a culpa em sentido estrito e o dolo. Aliás, não faria sentido que a responsabilidade decorre de conduta imprudente, negligente ou imperita, mas não existisse em casos, mais graves, de intenção consciente e deliberada de causar prejuízo. Assim, a palavra “culpa” empregada no texto é a culpa em sentido amplo, onde já está incluído o dolo. A utilização da expressão em seu sentido mais amplo segue a linha tradicional, utilizada no Código de 1916, e que deve, sempre que possível, ser preservada. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 531-32, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

De forma objetiva, Silvana Aparecida Wierzchón, em seu artigo Dos Aspectos Relevantes do Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil, estampa o artigo 1016 do Novo Código Civil, que trata da questão da responsabilidade solidária dos administradores perante a sociedade e terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções, tem artigo correlato no Código Civil de 1916, como faz remissão o autor VENOSAin verbis: “Art. 1398 – Os sócios não são solidariamente obrigados pelas dívidas sociais, nem os atos de um, não autorizado, obrigam os outros, salvo redundando em proveito da sociedade” (2002, p. 251).

Como observado, os atos que o sócio administrador vier a cometer são de sua inteira responsabilidade, e segundo FIUZA (2002) caso a administração couber a dois sócios ou mais, eles são solidariamente responsáveis entre si, perante os demais sócios e também aos terceiros, pelas dívidas que porventura vierem a assumir de maneira errônea, caracterizando atos ilícitos culposos. Nesse sentido, regulamenta o artigo 1.016, que coloca ainda a expressão “culpa”, que de acordo com o mesmo autor é empregada de maneira ampla, tanto no sentido estrito quanto no dolo. “Aliás – diz FIUZA, não faria sentido que a responsabilidade decorresse de conduta imprudente, negligente ou imperita, mas não existisse em casos, mais graves, de intenção consciente e deliberada de causar prejuízo” (2002, p. 919). (Silvana Aparecida Wierzchón, em seu artigo Dos Aspectos Relevantes do Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. Encontrado no site Jurisway.com.br, Texto enviado em 19/04/2008. Última edição/atualização em 10/06/2008. Acesso em 04.06.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.017. O administrador que, sem consentimento escrito dos sócios, aplicar créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros, terá de restituí-los à sociedade, ou pagar o equivalente, como todos os lucros resultantes, e, se houver prejuízo, por ele também responderá.

Parágrafo único. Fica sujeito às sanções o administrador que, tendo em qualquer operação interesse contrário ao da sociedade, tome parte na correspondente deliberação.

Claramente, o caput do artigo em comento, trata da hipótese de desvio de poder, como corrobora a visão de Marcelo Fortes Barbosa Filho, resultante da inadequada conduta do administrador, o qual usurpa suas funções como membro de um órgão da pessoa jurídica e passa, em desacordo com os fins estatuídos no contrato social, a utilizar os bens integrantes do patrimônio da sociedade em favor próprio ou, ainda, para beneficiar terceiros, sempre em descompasso com o interesse social. Ora, a sociedade foi contratada e constituída para dar vida a dado empreendimento comum, projetado pelos sócios, inclusive com o fornecimento de bens para compor o capital social, não se concebendo a regularidade de procedimento tão destoante do conteúdo do acordo de vontades feito, a menos que os sócios, expressamente, mediante a elaboração de instrumento particular ou público, forneçam sua aquiescência. Fica caracterizado um ilícito e, naturalmente, o administrador permanece obrigado a recompor integralmente o patrimônio da pessoa jurídica, restituindo, se for o caso, bens e indenizando os lucros perdidos. O ressarcimento deverá ser o mais completo possível, de maneira que, não sendo viável a restituição, dada, por exemplo, a natureza consumível do bem, ou emergente algum dano, haverá a conversão em dinheiro. No parágrafo único, a disciplina do conflito de interesses, antes tratado no § 3º do art. 1.010, foi retomada, mantido o foco na atuação dos administradores e não mais na dos sócios. O administrador, também, em regra, fica, quando estiver presente interesse individual e contrastante de si próprio, proibido de executar quaisquer operações em nome e por conta da pessoa jurídica. Violada tal regra, nasce o dever de ressarcir a sociedade, retornando-lhe, por completo, sua eventual perda patrimonial. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1019 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/06/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como aponta Fiuza em sua doutrina, o patrimônio da sociedade, formado a partir da integralização de seu capital, somente pode ser aplicado para os fins a que se destina a sociedade e para atender ao interesse social, fixado para a consecução de seu objeto.

Havendo aplicação de créditos ou utilização de bens da sociedade em proveito do sócio administrador ou de terceiro, está ocorrendo desvio de finalidade, situação que se enquadra na consagrada teoria da ultra vires societatis, que estabelece sanções para todo sócio que se valer da sociedade ou dos bens sociais para obter vantagens individuais em detrimento da própria sociedade e dos demais sócios. Nesses casos, terá o sócio que agiu contra o interesse social a obrigação de restituir os bens indevidamente utilizados em proveito pessoal ou reparar os prejuízos causados, acrescidos, inclusive, dos lucros porventura obtidos. O parágrafo único desse dispositivo impede, também, o administrador da sociedade de participar de qualquer deliberação em que tenha interesse direito ou indireto, que possa importar em vantagem a seu favor em detrimento do patrimônio societário. Verificada tal hipótese, o administrador responde pessoalmente, devendo ressarcir a sociedade da vantagem indevidamente auferida contra o interesse da sociedade. Existe, aqui, um dever jurídico de abstenção do administrador, quando a deliberação possa prejudicar ou desfalcar o patrimônio social em operações e negócios em que tenha ele interesse. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 532, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Também deixa claro Silvana Aparecida Wierzchón, a questão do desvio de finalidade, ao comentar o artigo em pauta. A questão concernente ao artigo 1017 é praticamente a mesma, no entanto, referenciando-se à aplicação de créditos ou bens sociais da sociedade em proveito próprio ou de terceiros, caso em que deverá restituir ou pagar o equivalente, com todos os lucros à sociedade, e em se havendo prejuízo, arcando por eles, ficando inclusive sujeito às sanções previstas (como colocado no parágrafo único do referido artigo). (Silvana Aparecida Wierzchón, em seu artigo Dos Aspectos Relevantes do Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. Encontrado no site Jurisway.com.br, Texto enviado em 19/04/2008. Última edição/atualização em 10/06/2008. Acesso em 04.06.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.018. Ao administrador é vedado fazer-se substituir no exercício de suas funções, sendo-lhe facultado, nos limites de seus poderes, constituir mandatários da sociedade, especificados no instrumento os atos e operações que poderão praticar.

Em uma sociedade simples, os poderes conferidos aos administradores são indelegáveis, de maneira que cada um deles não pode, simplesmente, fazer-se substituir por outrem, repassando suas atribuições. Assim explana Marcelo Fortes Barbosa Filho, quando aponta os poderes de gerência decorrentes da presenta de determinados atributos pessoais, tais quais a honestidade, o conhecimento técnico e a habilidade negocial. Quando esses predicados são tidos como presentes em determinado indivíduo, ele, por isso, é feito administrador. A decisão dos sócios parte, concretamente, da identidade da pessoa eleita, sendo assim, intuitu personae, o que impede a transmissão, mesmo parcial, do exercício da gestão. É proibida a criação de “administradores-delegados” ou “administradores de segundo grau”. Isso não quer dizer que os administradores sejam obrigados a atuar sempre pessoalmente, por si mesmo. A lei faculta-lhes a constituição de mandatários, incumbidos de atuar em nome e por conta da sociedade (pessoa jurídica), que os auxiliem a desincumbir todos os seus deveres da maneira mais eficiente possível. Os mandatários, evidentemente, não poderão ostentar poderes superiores aos dos próprios administradores e exige-se, imprescindível a elaboração de instrumento particular ou público de procuração, em que deverá permanecer especificado, com os pormenores suficientes, o âmbito dos atos e operações em que a representação se operará validamente. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1019 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 04/06/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Espancando a ideia acima, corrobora Fiuza em sua Doutrina, afirmando ser o exercício das funções de administração e gerência da sociedade indelegável, somente competindo ao sócio que receber tal atribuição nos termos do contrato social. Poderá o sócio administrador, todavia, nos limites de seus poderes e desde que autorizado pelo contrato social, delegar poderes a terceiros, mediante procuração pública ou particular (v. CC 653 a 691), especificando ou detalhando no instrumento de mandato os atos e operações que poderão praticar em nome da sociedade. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 532, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 04/06/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na sequência de Silvana Aparecida Wierzchón, em seu artigo Dos Aspectos Relevantes do Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil, quanto ao artigo 1018, o autor FIUZA faz a seguinte consideração: “O exercício das funções de administração e gerência da sociedade é indelegável, somente competindo ao sócio que receber tal atribuição nos termos do contrato social” (2002, p. 920).

CAMPINHO, faz comentários de relevância a este respeito que permite-se, outrossim, dentro dos limites de seus poderes, que o gestor constitua procuradores ad negotia em nome da sociedade. Segundo o autor: “Ao constituir mandatários da pessoa jurídica, impõe-se-lhe especificar, no respectivo instrumento, os atos e operações que os procuradores poderão realizar. Não exige a lei que a procuração seja averbada no registro da sociedade” (2002, p. 117). Daí para o artigo seguinte nada muda em questão à divergências que venham ocorrer do contrato social, ou seja, tudo deve estar contido no ato constitutivo da sociedade. (Silvana Aparecida Wierzchón, em seu artigo Dos Aspectos Relevantes do Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. Encontrado no site Jurisway.com.br, Texto enviado em 19/04/2008. Última edição/atualização em 10/06/2008. Acesso em 04.06.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).