segunda-feira, 23 de abril de 2018

CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 505 – Não Fazem Coisa Julgada – Vargas, Paulo S. R.



CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 505 – Não Fazem Coisa JulgadaVargas, Paulo S. R.

PARTE ESPECIAL- LIVRO I – DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TÍTULO I – DO PROCEDIMENTO COMUM CAPÍTULO XIII  – DA SENTENÇA E DA COISA JULGADA – Seção V – Da Coisa Julgada - vargasdigitador.blogspot.com

Art 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo:

I – se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;

II – nos demais casos prescritos em lei.

Correspondência no CPC/1973, art 471, repetindo a mesma redação:

1.    LIMITES TEMPORAIS DA COISA JULGADA MATERIAL

O art 505, caput, do CPC, consagra a regra do sistema processual: já tendo o juiz decidido a causa, ela não poderá ser decidida novamente, nem por ele mesmo nem por outro juiz. A norma vem a corroborar os efeitos negativos e positivos da coisa julgada material. Os incisos do dispositivo legal, entretanto, preveem, ao menos aparentemente, exceções à regra consagrada no caput do dispositivo. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 844. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

2.    EFEITO NEGATIVO DA COISA JULGADA

A imutabilidade gerada pela coisa julgada material impede que a mesma causa seja novamente enfrentada judicialmente em novo processo. Por mesma causa, entende-se a repetição da mesma demanda, ou seja, um novo processo com as mesmas partes (ainda que em polos invertidos), mesma causa de pedir (próxima e remota) e mesmo pedido (imediato e mediato) de um processo anterior já decidido por sentença de mérito transitada em julgado, tendo sido gerada coisa julgada material. O julgamento no mérito desse segundo processo seria um atentado à economia processual, bem como fonte de perito a harmonização dos julgados. Na realidade, mesmo que a segunda decisão seja no mesmo sentido da primeira, nada justifica que a demanda prossiga, sendo o efeito negativo da coisa julgada o impedimento de novo julgamento de mérito, independentemente do seu teor.

          Importante salientar que nessa análise entre diferentes processos, deve-se considerar a parte no sentido material, e não no sentido processual, de forma que, havendo substituição processual em hipótese de legitimação extraordinária concorrente, a propositura de novo processo com a mesma parte contrária, mesma causa de pedir e mesmo pedido, ainda que com outra parte processual defendendo o mesmo direito, já defendido anteriormente não afasta o efeito negativo da coisa julgada. No caso de ações civis públicas movidas pelo Ministério Público e por uma associação, contra o mesmo réu, com uma mesma causa de pedir e em mesmo pedido, serão consideradas dois processos com a mesma ação.

          Havendo a modificação de qualquer um desses elementos da demanda, ainda que parcialmente (p. ex., novos fatos jurídicos com a manutenção da mesma fundamentação jurídica), afasta-se qualquer impedimento ao novo julgamento, considerando-se tratar de nova demanda, ainda que consideravelmente parecida com aquela que já foi julgada e cuja decisão está protegida pela coisa julgada material.

          Esse impedimento de novo julgamento exige que a causa seja exatamente a mesma, sendo entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência que a função negativa só é gerada quando aplicável, ao caso concreto, a teoria da tríplice identidade (tria eadem) (STJ, 5ª Turma, AgRg no REsp 680.956/RJ, rel. Min. Laurita Vaz, j. 28.10.2008, DJe 17.11.2008; REsp 730.696/RS, 1ª Turma, rel. Min. Luiz Fux, j. 24/10/2006, DJ 01.02.2007). tratando-se de matéria de ordem pública, o juiz deve de ofício extinguir o processo posterior sem a resolução do mérito, em respeito à coisa julgada já formada, nos termos do art 485, V, do CPC analisado. Como nem sempre é possível ao juiz conhecer a existência do primeiro processo e a consequente coisa julgada material, caberá ao réu a alegação em matéria preliminar de contestação, ainda que tal matéria não sofra preclusão, podendo ser alegada a qualquer momento do processo.

          A repetição de uma mesma demanda em novo processo só pode ser derivada de extrema má-fé da parte ou de ignorância de seu patrono, que pode desconhecer a existência do primeiro processo por não ter sido informado por seu cliente da existência de processo anteriormente julgado. Seja como for, o réu terá todo o interesse em informar o juízo sobre a existência da coisa julgada (para evitar uma nova derrota ou para evitar que uma vitória se torne derrota), o que levará o segundo processo à extinção sem resolução do mérito (art 485, V, do CPC).

          Interessante questão se coloca na hipótese de não ser reconhecida a coisa julgada material, tendo trâmite regular o segundo processo, também com sentença de mérito transitada em julgado. Como se pode facilmente notar, haverá, nessa hipótese, a rara situação de conflito de coisas julgadas materiais, devendo-se determinar qual delas prevalecerá. Para parcela doutrinária, a coisa julgada não pode ser afastada, salvo nas exceções previstas pela ação rescisória (art 966 do CPC), tratando-se de elemento essencial ao nosso estado democrático de direito. Nesse entendimento, a segunda coisa julgada é juridicamente inexistente, devendo sempre prevalecer a primeira.

          Outra parcela doutrinária entende que durante o prazo de ação rescisória da segunda prevalece a primeira coisa julgada, mas, decorrido esse prazo e obtida em ambas a chamada “coisa julgada soberana”, passa a prevalecer a segunda (posterior substitui anterior). Essa corrente doutrinária – que é a mais acertada – lembra que o art 966, IV, do CPC prevê a ação rescisória contra a decisão que afronta a coisa julgada material, o que demonstra de forma inequívoca que a segunda coisa julgada existe juridicamente (não se concebe a desconstituição de decisão inexistente), embora seja viciada (STJ, 1ª Seção, AR 3.130, rel. Min. Luiz Fux, rel. p/acórdão Teori Albino Zavascki, j. 26.11.2008, DJ 15.12.2008). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 844/845. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

3.    FUNÇÃO POSITIVA DA COISA JULGADA

Conforme já afirmado, somente a má-fé ou ignorância leva a parte a ingressar om processo repetindo ação já protegida pela coisa julgada material, sendo rara essa ocorrência na praxe forense. Mas a imutabilidade da coisa julgada não se exaure em sua função negativa, compreendendo também uma função positiva, que diferentemente da primeira não impede o juiz de julgar o mérito da segunda demanda, apenas o vincula ao que já foi decidido em demanda anterior, com decisão protegida pela coisa julgada material (Informativo 426/STJ: 4ª Turma, REsp 593.154/MG, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 09.03.2010, DJ 01.02.2011).

          Como se nota com facilidade, a geração da função positiva da coisa julgada não ocorre na repetição de demandas em diferentes processos – campo para a aplicação da função negativa da coisa julgada -, mas em demandas diferentes, nas quais, entretanto, existe uma mesma relação jurídica que já foi decidida no primeiro processo e em razão disso está protegida pela coisa julgada. Em vez da teoria da tríplice identidade, aplica-se a teoria da identidade da relação jurídica.

          Na função positiva da coisa julgada, portanto, inexiste obstáculo ao julgamento de mérito do segundo processo, mas nesse julgamento o juiz estará vinculado obrigatoriamente em sua fundamentação ao já resolvido em processo anterior e protegido pela coisa julgada material. Reconhecida como existente uma relação jurídica (por exemplo, paternidade) e sendo tal reconhecimento imutável em razão da coisa julgada, surgindo discussão incidental a respeito dessa relação jurídica em outra demanda (por exemplo, pedido de alimentos), o juiz estará obrigado a também reconhecê-la como existente, em respeito à coisa julgada (STJ, 1ª Seção, AR 3.130, rel. Min. Luiz Fux, rel. p/acórdão Teori Albino Zavascki, j. 26/11/2008, DJ 15.12.2008).

          Quanto à função positiva da coisa julgada, é importante lembrar: toda sentença tem um elemento declaratório, que ficará protegido pela coisa julgada material. Mesmo num pedido constitutivo ou condenatório, o juiz antes de condenar, modificar, extinguir ou criar uma relação jurídica, declara que o autor tem o direito material àquela condenação ou constituição. Também aqui é importante a função positiva da coisa julgada, a impedir que, em nova demanda, a parte derrotada modifique os elementos da demanda anterior para escapar dos rigores do efeito negativo da coisa julgada, buscando discutir novamente o elemento declaratório da sentença já transitada em julgado. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 845/846. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

4.    COISA JULGADA EM RELAÇÃO JURÍDICA DE TRATO CONTINUADO

O art 505, I, do CPC, prevê a possibilidade de pedido de revisão do instituído na sentença na hipótese de modificação superveniente no estado de fato ou de direito, sempre que a sentença resolver relação jurídica continuativa. Dessa forma, legitima-se a modificação do conteúdo de sentenças tais como as que decidem as demandas de alimentos ou revisionais de aluguel, mesmo que ocorrido seu trânsito em julgado. É indiscutível que essa espécie de sentença, como qualquer outra, transita em julgado, produzindo coisa julgada formal, sendo absolutamente equivocado o art 15 da Lei 5.478/1968 a prever que a sentença proferida no processo de alimentos não transita em julgado. Esgotadas as vias recursais contra a decisão, é indiscutível a ocorrência do trânsito em julgado.

          Sendo indiscutível a existência de coisa julgada formal, e considerando-se ser de mérito tais sentenças, a pergunta que encontra diferentes respostas na doutrina é a respeito da existência de coisa julgada material. O questionamento fundamenta-se na possibilidade de revisão da decisão a qualquer momento, ainda que sob condição; será tal circunstância compatível com a imutabilidade e indiscutibilidade prometida pela coisa julgada material?

          Para parcela minoritária da doutrina, a possibilidade de revisão da decisão, ainda que limitada à ocorrência de modificações supervenientes de fato ou de direito, é incompatível com a segurança jurídica advinda da coisa julgada material, de forma que o art 505, I, do CPC afasta a coisa julgada material das sentenças que resolvem relação jurídica continuativa. Outra parcela doutrinária defende a existência de uma coisa julgada material especial, gerada por uma sentença de mérito que contém implicitamente a cláusula reduz sic stantibus, ou seja, a imutabilidade da decisão estaria condicionada à manutenção da situação de fato e de direito (Informativo 400/STJ: 4ª Turma, REsp 594.238/RJ, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 04.08.2009, DJ 17.08.2009).

          Nenhuma das posições doutrinárias examinadas é correta, sendo preferível uma terceira corrente, atualmente majoritária, que defende a existência de coisa julgada material nas sentenças que resolvem relação jurídica continuativa coo em qualquer outra sentença de mérito. Essa corrente doutrinária aponta que a decisão é imutável e indiscutível, e a possibilidade de sua revisão, condicionada à modificação do estado de fato ou de direito, é permitida tao somente em razão da modificação da causa de pedir, de forma a afastar a tríplice identidade, indispensável para a aplicação da função negativa da coisa julgada material. Assim, a sentença de alimentos ou da ação revisional de aluguel só pode ser modificada quando existir uma nova causa de pedir (novos fatos ou novo direito) que legitime tal modificação. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 846. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

5.    DEMAIS CASOS

Mesmo que a relação jurídica de direito material não seja contemplada pelo inciso I do art 505 do CPC, existem outras formas de exceção à regra prevista no caput do dispositivo legal: (a) ação rescisória, prevista nos arts 966 e seguintes do Livro analisado do CPC; (b) querela nullitatis, prevista nos arts 525, § 1º, I e 535, I, ambos do mesmo Livro do CPC comentado, e plicável a outras hipóteses de vício transrescisórios; (c) a relativização da coisa julgada inconstitucional prevista no art 525, § 12º e art 535, § 5º, do atual CPC. Ainda que não esteja consagrada em lei, vem se admitindo, de forma excepcional, a chamada relativização da coisa julgada injusta inconstitucional, o que também será uma exceção à regra consagrada no art 505, caput, do CPC, (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 847. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

6.    COISA JULGADA INJUSTA INCONSTITUCIONAL

Essa forma de relativização, diferentemente da anteriormente analisada, não tem uma expressa previsão legal, sendo criação doutrinaria e jurisprudencial, ainda que já se tenha sugerido que, ao menos em termos procedimentais, seja possível a aplicação subsidiária dos arts 525, § 12 e art 535, § 5º, ambos deste CPC. Também encontra adeptos e críticos ardorosos, existindo espaço até mesmo para uma corrente intermediária, que aceita a proposta de relativização desde que com tratamento legislativo específico, única forma de evitar abusos desmedidos e injustificáveis.

          Fundamentalmente, trata-se da possibilidade de sentença de mérito transitada em julgado causar uma extrema injustiça, com ofensa clara e direta a preceitos e valores constitucionais fundamentais. Reconhecendo ser a coisa julgada material instituto processual, responsável pela tutela da segurança jurídica, sendo esse também um importante direito fundamental previsto na Constituição Federal, a doutrina que defende a sua relativização entende que a coisa julgada não pode ser um valor absoluto, que a priori e em qualquer situação se mostre mais importante do que outros valores constitucionais. A proposta é que se realize, no caso concreto, uma ponderação entre a manutenção da segurança jurídica e a manutenção da ofensa a direito fundamental garantido pela Constituição Federal. Nesse juízo de proporcionalidade entre valores constitucionais, seria legítimo o afastamento da coisa julgada quando se mostrar, no caso concreto, mais benéfico à proteção do valor constitucional afrontado pela sentença protegida pela coisa julgada material.

          Naturalmente, o mero erro na decisão transitada em julgado não dá ensejo à relativização da coisa julgada, porque nesse caso, a segurança jurídica se sobrepõe à justiça da decisão (Informativo 556/STJ, 4ª Turma, REsp 1.163.649-SP, Rel Min. Marco Buzzi, julgado em 16/09/2014, DJe 27/02/2015).

          Como já observado pela melhor doutrina, a corrente que defende essa relativização se divide em dois grupos, que apesar de fundamentos diferentes sempre chegam à mesma conclusão: (a) os que defendem a inexistência da coisa julgada material em determinadas hipóteses de extrema injustiça inconstitucional da sentença, de forma que o afastamento da decisão nem mesmo poderia ser tratado como uma espécie de relativização; (b) os que concordam que mesmo diante dessa extrema injustiça existe coisa julgada material, mas que o seu afastamento é necessário e justificável em razão da proteção de outros valores constitucionais. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 847. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

          Entre os defensores da inexistência de coisa julgada nessas circunstâncias, é interessante notar que existem doutrinadores que situam o vício gerado pela sentença extremamente injusta no plano da eficácia da validade e da existência jurídica. A conclusão é sempre a mesma, qual seja a de que não havendo a coisa julgada no caso concreto não se trata propriamente de relativizá-la, mas somente de declarar sua ineficácia, nulidade ou inexistência, sempre com o objetivo de impedir a execução da decisão.

          Cândido Rangel Dinamarco situa o vício no plano da eficácia, afirmando que determinadas sentenças padecem de vícios tao extremos que impedem a geração de seus efeitos, em especial o efeito executivo (sanção executiva). Vale-se de criação de Pontes de Miranda, no tocante às impossibilidades cognoscitiva, lógica e jurídica, interessando ao presente estudo a impossibilidade jurídica de a sentença gerar efeitos.

          Seriam assim sentenças juridicamente impossíveis de gerar efeitos aquelas que contrariam valores jurídicos essenciais ao sistema, tais como as que representarem: (a) afronta à razoabilidade e proporcionalidade; (b) ofensa à moralidade administrativa (absurda lesão ao Estado); (c) afronta ao valor justo da indenização por desapropriação (STJ, 1ª Turma, REsp 765.566/RN, rel. Min. Luiz Fux, j. 19.04.2007, DJ 31.05.2007); (d) afronta aos direitos fundamentais do homem; (e) afronta ao meio ambiente equilibrado.

          Considerando que a coisa julgada é a qualidade da sentença que torna os efeitos imutáveis e indiscutíveis, entende o processualista paulista que a incapacidade dessas sentenças de produzirem efeitos é suficiente para não existir coisa julgada nesses casos. Não havendo qualquer efeito para ser protegido pela coisa julgada material, o fenômeno processual simplesmente não existiria, visto que não é possível uma qualidade sem objeto, ou um manto protetor sem nada a ser protegido no caso concreto (STJ, 1ª Turma, REsp 622.405/SP, rel. Min. Denise Arruda, j. 14.08.2007, DJ 20.09.2007).

          Humberto Theodoro Jr. E Juliana Cordeiro de Faria situam o vício causado pela extrema injustiça inconstitucional no plano da validade, afirmando que a sentença que padece de tal vício é nula,não se sujeitando a prazos prescricionais ou decadenciais. aparentemente tratar-se-ia de nulidade absoluta de tamanha gravidade que não poderia se considerar a sentença imutável e indiscutível, o que criaria uma mera aparência de coisa julgada. Seria hipótese semelhante ao vício ou à inexistência de citação, que apesar de gerar uma nulidade absoluta, reveste-se de tamanha gravidade que não se convalida nem mesmo após o vencimento do prazo da ação rescisória (vício transrescisório).

          Há decisão do Superior Tribunal de Justiça que adota esse entendimento ao afirmar que, diante de uma nulidade absoluta insanável, causadora de prejuízos ao patrimônio público, há apenas uma aparência de coisa julgada. A demanda tratava de desapropriação e, para demonstrar a absoluta incerteza quanto ao meio de se relativizar a coisa julgada, o Superior Tribunal de Justiça aceitou uma ação civil pública com tal desiderato (Informativo 425, 2ª Turma, REsp 1.015.133-MT, rel. originária Min. Eliana Calmon, rel. p/acórdão Min. Castro Meira, j. 02.03.2010, DJe 23/04/2010).

          Tereza Arruda Alvin Wambier e José Miguel Garcia Medina situam o vício ora analisado no plano da existência, afirmando que a sentença nesse caso é juridicamente inexistente, e por essa razão não se poderá falar no caso concreto de coisa julgada material. Entendem que as sentenças que Dinamarco chama de “juridicamente impossíveis”, na realidade, são inexistentes porque proferidas em processos em que falta ao autor a possibilidade jurídica do pedido. A ausência de condição da ação faz com que o autor não tenha exercido o direito de ação, e sim mero direito de petição, e não existindo direito de ação no caso concreto, não houve efetivamente processo, devendo a sentença ser considerada juridicamente inexistente.

          Entre as críticas encontradas na doutrina a respeito da tese da relativização da coisa julgada injusta inconstitucional, coloca-se em primeiro plano a função primordial para o Estado de Direito da coisa julgada. Afirma-se que a segurança jurídica advinda da coisa julgada é essencial para a estabilização das relações jurídicas, sem o que não se sobrevive em sociedade democrática. Nessa toada, fala-se também que a segurança jurídica prometida pela coisa julgada é essencial à promessa de inafastabilidade da jurisdição, porque a tutela jurisdicional passível de revisão sem prazo nem forma procedimental afasta a própria razão de ser desse princípio constitucional (Informativo 379/STJ, 1ª T. REsp 612.937-SP, rel. Francisco Falcão, j. 02.12.2008, DJ 15.12.2008).

          Não convence a essa parcela da doutrina o argumento de que o afastamento da coisa julgada material reserva-se para situações excepcionais e que a segurança jurídica não seria afetada de forma significativa, podendo ser afastada somente em casos de rara ocorrência prática. Dois pontos são afirmados para fundamentar o receio observado nessa parcela da doutrina.

          Primeiro, a constatação de que, aberta uma exceção, será incontrolável a busca pela relativização da coisa julgada, chegando até mesmo a se falar em vírus do relativismo a contaminar todo o sistema jurídico. A relativização, nesse caso, seria na realidade o fim da coisa julgada material. Outro aspecto lembrado pela doutrina é que a justiça é conceito subjetivo, sendo impossível determinar com precisão para todos e de maneira uníssona o que seja justo ou não. Dessa forma, a relativização da coisa julgada se prestaria a eternizar os conflitos, considerando-se que a alegação de extrema injustiça inconstitucional apta a afastar a primeira coisa julgada também poderia ser apresentada para afastar a coisa julgada da decisão que a afastou, e assim sucessivamente. Em busca de valor utópico e inalcançável  - justiça – manter-se-ia aberta a porta do Poder Judiciário para intermináveis discussões a respeito da mesma lide, eternizando os conflitos de interesses levados a julgamento.

          Por fim, na ausência de previsão legal, a relativização da coisa injusta inconstitucional incidentalmente em ação idêntica àquela já decidida com sentença de mérito com trânsito em julgado, ou ainda por meio de mera ação declaratória ou embargos à execução, gera grave incompatibilidade lógica. O reconhecimento do vício pelo juiz de primeiro grau poderá no caso concreto afastar decisão que transitou em julgado em grau hierárquico superior, sendo flagrantemente ofensivo às regras de competência e à hierarquia jurisdicional que um juiz de primeiro grau de jurisdição afirme que a decisão proferida por tribunal é extremamente injusta e que por isso deve ser desconstituída. Para realçar o absurdo da situação, basta imaginar uma demanda julgada em seu mérito em última instância pelo Supremo Tribunal Federal, tendo sua decisão desconstituída por juízo de primeiro grau.

          Entre os críticos da teoria da relativização da coisa julgada injusta inconstitucional, se encontram doutrinadores que percebem o descontrole com que vem sendo aplicada a tese atualmente, passando a defender uma modificação legislativa para que se determine com maior precisão os específicos casos em que seria realizada, bem como aforma procedimental mais adequada.

          Para as ações de investigação de paternidade decididas antes da existência do exame de DNA, exemplo recorrente dos defensores da relativização, há doutrina que defenda a aplicação, por meio de lei, da coisa julgada secundum probationis, já existente na tutela coletiva. Em apertada votação, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça se manifestou no sentido de que a flexibilização da coisa julgada nesse caso depende de a decisão transitada em julgado ser resultado da ausência ou insuficiência de provas, não sendo o suficiente para afastar a coisa julgada material o simples advento de nova técnica pericial, como o exame de DNA. Outra parcela defende a ampliação do significado de documento novo para a propositura da ação rescisória, com prazo decadencial de dois anos a ser contado a partir do momento em que a parte obtenha o exame de DNA. (STJ, REsp 706.987/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, rel. p/acórdão Min. Ari Pargendler, j. 14.05.2008, DJe 10.10.2008. pelo respeito à coisa julgada: Informativo 384/STJ, 4ª T. REsp 960.805-RS. Rel. Aldir Passarinho Jr., j. 17.02.2009, DJe 18.05.2009. Admitindo nova ação quando a paternidade não for expressamente afastada na primeira ação: Informativo 354, 3ª T., Resp 826.698-MS, Rel. Nancy Andrighi, j. 06.05.2008, DJ 23.05.2008.

Propostas mais genéricas apontam para a modificação do art 966 do CPC, com a inclusão de mais uma causa de cabimento da ação rescisória, justamente de sentença que ofenda norma ou valores constitucionais. Também se fala em mudança do prazo para a interposição da ação rescisória, ou ao menos do termo inicial de contagem de prazo em determinadas situações. Existe ainda proposta para que seja revisado o sistema de proteção à coisa julgada pela remodelação da ação rescisória e uma sistematização adequada da querela nullitatis.

          Registre-se que em decisão inédita o Supremo Tribunal Federal se manifestou no sentido de admitir a relativização da coisa julgada em ação de investigação de paternidade em virtude de exame de DNA não realizado na primeira demanda. O tribunal, por maioria de votos, no cotejo entre a coisa julgada e o princípio da dignidade da pessoa humana, consubstanciado no direito à informação genética, preferiu prestigiar o segundo valor envolvido (Informativos 622,629 e 631/STF: Tribunal Pleno, RE 363.889/DF, rel. Min. Dias Toffoli, j. 02.06.2011, DJe 16.12.2009. No mesmo sentido: Informativo 512/STJ: 4ª Turma, REsp 1.223.610/RS, rel. Min. Maria Isabel Galotti, j. 06.12.2012, DJe 07.03.2013). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 847/850. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

domingo, 22 de abril de 2018

CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 504 – Não Fazem Coisa Julgada – Vargas, Paulo S. R.



CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 504 – Não Fazem Coisa JulgadaVargas, Paulo S. R.


PARTE ESPECIAL- LIVRO I – DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TÍTULO I – DO PROCEDIMENTO COMUM CAPÍTULO XIII  – DA SENTENÇA E DA COISA JULGADA – Seção V – Da Coisa Julgada - vargasdigitador.blogspot.com

Art 504. Não fazem coisa julgada:

I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;

II – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença.

Correspondência no CPC/1973, art 469, com idêntica redação.

1.     LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA

Historicamente, se entende que somente o dispositivo da sentença de mérito torna-se imutável e indiscutível, admitindo-se que os fundamentos da decisão possam voltar a ser discutidos em outro processo, inclusive com a adoção pelo juiz de posicionamento contrário ao que restou consignado em demanda anterior. É natural que essa rediscussão dos fundamentos da decisão seja admitida somente se não colocar em perigo o previsto no dispositivo da decisão protegida pela coisa julgada material. Afirma-se, corretamente que a coisa julgada material não se importa com contradições lógicas entre duas decisões de dois dispositivos em sentido contrário. A missão de evitar as contradições lógicas – mesmos fatos e fundamentos jurídicos considerados de maneira diferente em distintas decisões judiciais – é destinado a outros institutos processuais, tais como a prejudicialidade, conexão, continência, litisconsórcio, intervenções de terceiro e tutela coletiva.

          O art 504 do CPC, com desnecessárias repetições, confirma que somente o dispositivo torna-se imutável e indiscutível em razão da coisa julgada material, prevendo que não fazem coisa julgada: (I) os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; (II) a verdade dos fatos estabelecida como fundamento da sentença.

          Na realidade, os motivos e a verdade dos fatos fazem parte da fundamentação da sentença, e por isso não produzem coisa julgada material. Não precisaria ser dito tanto para dizer tao pouco; bastaria ao dispositivo apontar sem rodeios que somente o dispositivo da sentença faz coisa julgada material. Ou seja, somente o dispositivo da sentença produz coisa julgada material, nunca a fundamentação, por mais relevante que se apresente no caso concreto. (STJ, 1ª Turma, REsp 900.561/SP, rel. Min. Denise Arruda, j. 24.06.2008, DJe 01.08.2008).

          Essa realidade foi parcialmente modificada pelo art 503, § 1º, do CPC, que prevê a coisa julgada material da solução da questão prejudicial desde que preenchidos os requisitos legais. Não há dúvida de que a solução da questão prejudicial faz parte da fundamentação da sentença, mas em razão do previsto no dispositivo legal indicado poderá produzir coisa julgada material. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 842/843. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

2.    TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES

Cumpre lembrar a tese defendida por renomados constitucionalistas de que, no processo objetivo, por meio do qual se faz o controle concentrado de constitucionalidade, os motivos determinantes da decisão também se tornam imutáveis, vinculando juízes em outras demandas a essa espécie de fundamentação. Fala-se, nesse caso, de transcendência dos motivos determinantes ou de efeito transcendente de motivos determinantes, afirmando-se que, no controle concentrado de constitucionalidade das leis, o efeito vinculante não se limita ao dispositivo, atingindo também os fundamentos principais da decisão.

          O Supremo Tribunal Federal vinha aplicando a tese ora analisada, mas atualmente o entendimento do tribunal se modificou (STF, Tribunal Pleno, Rcl 11.479 AgR/CE, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 19.12.2012, DJe 25.02.2013) de forma que a teoria subsiste apenas no ambiente doutrinário, sem encontrar aplicação na praxe forense. Como consequência prática da inadmissão da teoria ora analisada pelo Supremo Tribunal Federal, encontra-se o não cabimento da reclamação constitucional contra decisão que apenas contrariar fundamentos no controle de constitucionalidade sem agredir o dispositivo da decisão. (STF, 1ª Turma, Rcl 11.478 AgR/CE, rel. Min. Marco Aurélio, j. 05.06.2012, DJe 21.06.2012). é esperado que esse entendimento venha a ser modificado pela Corte Constitucional em razão do disposto no art 927, I, do CPC, sendo nesse sentido o Enunciado 168 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC): “Os fundamentos determinantes do julgamento de ação de controle concentrado de constitucionalidade realizado pelo STF caracterizam a ratio decidendi do precedente e possuem efeito vinculante para todos os órgãos jurisdicionais”. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 843. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

sexta-feira, 20 de abril de 2018

CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 503 - Da Coisa Julgada – Vargas, Paulo S. R.



CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 503 - Da Coisa JulgadaVargas, Paulo S. R.


PARTE ESPECIAL- LIVRO I – DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TÍTULO I – DO PROCEDIMENTO COMUM CAPÍTULO XIII  – DA SENTENÇA E DA COISA JULGADA – Seção V – Da Coisa Julgada - vargasdigitador.blogspot.com

Art 503. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.

§ 1º. O disposto no caput aplica-se à resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo, se:

I – dessa resolução depender o julgamento do mérito;

II – a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia;

III – o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal.

§ 2º. A hipótese dos § 1º não se aplica se no processo houver restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial.

Correspondência no CPC/1973, art 468, caput, com a seguinte redação:

Art 468. A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas.

Demais itens sem correspondência no CPC/1973.

1.     COISA JULGADA DA RESOLUÇÃO DA QUESTÃO PREJUDICIAL

Nos termos do art 503, caput, do CPC, a decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida. Essa é a regra, excepcionada pelo § 1º, que permite que a coisa julgada material alcance a resolução da questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo. A expressa menção à decisão expressamente decidida impede a coisa julgada implícita de decisão que resolve a questão prejudicial.

          Correta a conclusão do Enunciado 165 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), de que a coisa julgada da decisão da questão prejudicial independe de pedido expresso da parte, bastando para que ocorra o preenchimento dos requisitos legais. Também, correta a conclusão do Enunciado 313 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) no sentido de que os requisitos legais para a formação da coisa julgada, na circunstância ora analisada, são cumulativos. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 840. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

2.    REQUISITOS PARA A GERAÇAO DA COISA JULGADA

Havendo, no processo, questão prejudicial, o juiz obrigatoriamente a decidirá antes de resolver o mérito, mas, para que essa decisão gere coisa julgada material, devem ser observados, no caso concreto, os requisitos previstos pelos incisos do art 503, § 1º, do CPC. O § 2º do mesmo dispositivo funciona como requisito negativo.

          Não me oponho à opção do projeto de estender a autoridade da coisa julgada à decisão da questão prejudicial, mas desconsiderar que ela faça parte dos motivos da decisão é ficção jurídica com a qual não estou disposto a conviver. Dessa forma, a questão prejudicial será resolvida na fundamentação da decisão, mas excepcionalmente fará coisa julgada material desde que preenchidos os requisitos legais. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 840. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

3.     JULGAMENTO DO MÉRITO DEPENDER DA RESOLUÇÃO DA QUESTÃO PREJUDICIAL

Nos termos do art 503, § 1º, I, do CPC, a resolução da questão prejudicial só faz coisa julgada se dessa resolução depender o julgamento do mérito. Justamente em razão do próprio conceito de questão prejudicial, é preciso se interpretar o dispositivo legal de forma que se dê a ele alguma utilidade prática.

          Sou adeptos da distinção entre questão preliminar e prejudicial pela sua natureza, versando a primeira sobre direito processual e a segunda, sobre direito material. Ocorre, entretanto, que o tema é controvertido na doutrina e, para aqueles que entendem pela possibilidade de questão prejudicial processual, o art 503, § 1º, I, do CPC é aplicável para afastar a coisa julgada de sua resolução.

          Por outro lado, também é possível aplicar-se o dispositivo para afastar a coisa julgada de questão prejudicial resolvida obiter dictum, ou seja, que o julgador decida apenas como exercício de retórica, apenas para completar seu raciocínio decisório, sem, portanto, desempenhar papel fundamental da formação da decisão. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 840. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

4.    CONTRADITÓRIO PRÉVIO E EFETIVO

No inciso II do art 503, § 1º, do CPC, exige-se que a respeito da questão prejudicial tenha havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia. Entendo que tal exigência só cabe na hipótese de revelia, e ainda assim se o réu revel deixar de comparecer ao processo, já que tal comparecimento, mesmo tardio, poderá garantir o respeito ao contraditório. De qualquer forma, o surgimento de questão prejudicial, diante de revelia do réu, é fenômeno raro porque a controvérsia do ponto se dá em regra na contestação apresentada pelo réu, sendo apenas excepcional a controvérsia surgir de outra espécie de resposta ou por outro sujeito processual. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 840/841. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

5.    COMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO

A exigência contida no inciso III é indispensável para que a coisa julgada material não seja resultante de atividade de juízo absolutamente incompetente. Nos termos do dispositivo, o juízo deve ter competência em razão da matéria e da pessoa para resolver a questão prejudicial como questão principal. A justificável preocupação do legislador evitará, por exemplo, que uma decisão incidental proferida por juízo trabalhista, que reconhece a união estável dos réus, numa ação trabalhista movida por empregada domestica para condená-los solidariamente, faça coisa julgada material. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 841. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

6.    REQUISITO NEGATIVO

Embora não faça parte dos incisos do art 503 do CPC, o § 2º também prevê requisito para que a decisão de questão prejudicial produza coisa julgada material, ao exigir que não existam no processo restrições probatórias por exemplo, nos procedimentos sumários documentais, como ocorre no mandado de segurança e nos Juizados Especiais em que existem limitações à prova testemunhal e pericial ou limitações à cognição (cognição sumária em sua profundidade (sentido vertical), como ocorre na tutela provisória, e/ou limitada em sua extensão (sentido horizontal), como ocorre, por exemplo, na ação de desapropriação, consignatória e no inventario, que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial.

          Num processo em trâmite perante os Juizados Especiais, por exemplo, apesar da limitação no número de testemunhas e da impossibilidade de produção de prova pericial complexa, é possível que uma questão prejudicial seja resolvida com base em prova exclusivamente documental. Nesse caso, as limitações probatórias não terão afetado a resolução da questão prejudicial, de forma que, desde que preenchidos os requisitos do § 1º do art 503 do CPC, haverá formação de coisa julgada material.

          Outro exemplo, pode ser colhido na ação de desapropriação. Ainda que a defesa  nesse tipo de processo, seja limitada ao preço, admite-se também que o réu alegue, em sua contestação, a ilegalidade do decreto desapropriatório, ou seja, que alegue que a desapropriação será uma questão prejudicial exclusivamente de direito, de forma que mesmo diante das limitações cognitivas desse tipo de processo, sendo resolvida pelo juiz, deverá produzir coisa julgada material.

          E é justamente nesse ponto que me causa curiosidade a efetiva aplicabilidade do § 2º do art 503 do CPC. Sendo a solução da questão prejudicial indispensável para a solução do mérito, caso as limitações probatórias ou cognitivas do processo impeçam o juiz de decidi-la, será caso de extinção do processo sem resolução do mérito, quando obviamente, não haverá coisa julgada material alguma. Por outro lado, não sendo tais limitações um impeditivo a tal decisão, a solução da questão prejudicial fará coisa julgada material.

          Sob essa perspectiva de análise, o art 503, § 2º do CPC, é inútil, porque quando as limitações lá apontadas impedirem o juiz de formar seu convencimento pleno a respeito da questão prejudicial, será hipótese de extinção terminativa. E quando não criarem obstáculo, a coisa julgado deverá ser formada com o preenchimento dos requisitos previstos no § 1º do art 503 do CPC.

          Por fim, acredito que a limitação, ora analisada, se limite a restrições probatórias impostas pela lei. No caso de o juiz indeferir pedido de prova no caso concreto, a respeito de fato relacionado à questão prejudicial com cognição exauriente, e se indeferiu prova é porque não a atendeu necessária à formação de seu convencimento. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 841/842. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

quinta-feira, 19 de abril de 2018

CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 502 - Da Coisa Julgada – Vargas, Paulo S. R.



CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 - COMENTADO – Art 502 - Da Coisa JulgadaVargas, Paulo S. R.


PARTE ESPECIAL- LIVRO I – DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TÍTULO I – DO PROCEDIMENTO COMUM CAPÍTULO XIII  – DA SENTENÇA E DA COISA JULGADA – Seção V – Da Coisa Julgada - vargasdigitador.blogspot.com

Art 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.

Correspondência no CPC/1973, art 467, com a seguinte redação:

Art 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.

1.    COISA JULGADA FORMAL E COISA JULGADA MATERIAL

Em todo processo, independentemente de sua natureza, haverá a prolação de uma sentença (ou acórdão nas ações de competência originária dos tribunais), que em determinado momento torna-se imutável e indiscutível dentro do processo em que foi proferida. Para tanto, basta que não seja interposto o recurso cabível ou ainda que todos os recursos cabíveis já tenham sido interpostos e decididos. Na excepcional hipótese de aplicação do art 496 do CPC, ainda que não seja interposta apelação contra a sentença, haverá o reexame necessário, de forma que o processo só chegará ao seu final, após essa análise obrigatória da decisão pelo tribunal de segundo grau. A partir do momento em que não form mais cabível qualquer recurso ou tendo ocorrido o exaurimento das vias recursais, a sentença transita em julgado.

          Esse impedimento de modificação da decisão por qualquer meio processual, dentro do processo em que foi proferida, é chamado tradicionalmente de coisa julgada formal, ou ainda de preclusão máxima, considerando-se tratar de fenômeno processual endoprocessual. Como se pode notar, qualquer que seja a espécie de sentença – terminativa ou definitiva – proferida em qualquer espécie de processo – conhecimento (jurisdição contenciosa e voluntária), execução, cautelar – haverá num determinado momento processual o trânsito em julgado e, como consequência, a coisa julgada formal.

          Se todas as sentenças produzem coisa julgada formal, o mesmo não pode ser afirmado a respeito da coisa julgada material. No momento do trânsito em julgado e da consequente geração da coisa julgada formal, determinadas sentenças também produzirão, nesse momento procedimental, a coisa julgada material, com projeção para o do processo, tornando a decisão imutável e indiscutível além dos limites do processo em que foi proferida. Pela coisa julgada material, a decisão não mais poderá ser alterada ou desconsiderada em outros processos.

          Essa imutabilidade gerada para fora do processo, resultante da coisa julgada material, atinge tao somente as sentenças de mérito proferidas mediante cognição exauriente, de forma que haverá apenas coisa julgada formal nas sentenças terminativas ou mesmo em sentenças de mérito, desde que proferidas mediante cognição sumaria, como ocorre para a maioria doutrinária na sentença cautelar. Como se nota, a coisa julgada material depende da coisa julgada formal, mas o inverso não acontece. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 836/837. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

2.    COISA JULGADA TOTAL E PARCIAL

Havendo na sentença vários capítulos, a parte sucumbente poderá em seu recurso optar por impugnar todos eles (recurso total) ou somente alguns (recurso parcial). Esses diferentes capítulos poderão ser autônomos e independentes ou apenas autônomos, sendo tal distinção de suma importância para inúmeras consequências processuais, interessando, nesse momento, a formação da coisa julgada.

          Sendo os capítulos tao somente autônomos, ainda que a parte impugne somente parcela deles, não há que falar em coisa julgada do capitulo não impugnado, porque em razão do efeito expansivo objetivo externo do recurso, dependendo do resultado de seu julgamento, o capitulo não impugnado poderá ser reformado. Tome-se, como exemplo, o capítulo não impugnado que condena a parte ao pagamento das verbas de sucumbência; é natural que, sendo essa parte vitoriosa no recurso em que impugna o capítulo principal (por exemplo, sua condenação a pagar), consequentemente o capítulo referente às verbas de sucumbência, ainda que não impugnado, será reformado.

          Para considerável parcela doutrinária, sendo os capítulos autônomos e independentes, a impugnação de somente alguns deles faz com que os capítulos não impugnados transitem em julgado. Sendo capítulos de mérito, com o trânsito em julgado produzirão coisa julgada material, de forma que essa corrente doutrinária entende perfeitamente possível que a coisa julgada material se forme de maneira fragmentada, já tendo a tese tido acolhida pelo Supremo Tribunal Federal (STF, Tribunal Pleno, AP 470 QO/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 13.11.2013, DJe 19.02.2014) inclusive com a indicação de diferentes termos iniciais para o prazo da ação rescisória (STJ, 1ª Turma, RE 666.589/DF, rel Min. Marco Aurélio, j. 05.03.2014, DJe 03.06.2014).

          Registre-se que, apesar do correto raciocínio desenvolvido pelos renomados doutrinadores que defendem a tese da “coisa julgada parcial”, o Superior Tribunal de Justiça rejeita o entendimento, firme no sentido de que o trânsito em julgado (e por consequência a coisa julgada material nas sentenças de mérito proferidas com cognição exauriente) só ocorre após o julgamento do último recurso interposto, independentemente do âmbito de devolução desse recurso ou dos anteriores, para se evitar o inconveniente de vários trânsitos em julgado no mesmo processo (STJ, Corte Especial, Resp 736.650/MT, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 20.08.2014, DJe 01.09.2014). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 837. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

3.    CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

A doutrina é unânime em associar a coisa julgada material à imutabilidade da decisão judicial de mérito que não pode ser mais modificada por recursos ou pelo reexame necessário, na específica hipótese prevista pelo art 496 do CPC. Existe, entretanto, robusta polêmica a respeito do que exatamente se torna imutável em razão do fenômeno da coisa julgada material, sendo possível destacar três correntes doutrinárias.

          Majoritariamente, a doutrina pátria adota o entendimento de Liebman, afirmando que a coisa julgada é uma qualidade da sentença que torna seus efeitos imutáveis e indiscutíveis. Para essa parcela doutrinária, após o trânsito em julgado da sentença – ou acórdão – de mérito, os efeitos projetados no plano prático por essa decisão não mais poderão ser discutidos em outra demanda, ou mesmo pelo legislador, o que seria suficiente para concluir que tais efeitos não poderão ser modificados, estando protegidos pelo “manto” da coisa julgada material. A intangibilidade das situações jurídicas criadas ou declaradas, portanto, seria a principal característica da coisa julgada material.

          Em crítica a essa corrente doutrinária, parcela da doutrina entende que os efeitos da sentença de mérito transitada em julgado não se tornam imutáveis, bastando para chegar a tal conclusão a verificação empírica de que tais efeitos poderão ser modificados por ato ou fato superveniente, mormente pela vontade das partes.

          O efeito principal da sentença condenatória, que é permitir a prática de atos materiais de execução, só pode ser gerado uma vez, sendo inadmissível a existência de sucessivas execuções fundadas numa mesma sentença. Na sentença declaratória, a certeza jurídica pode ser afastada por ato das partes, como na hipótese de dívida declarada e posteriormente quitada pelo devedor ou na ação de investigação de paternidade julgada improcedente com o posterior registro voluntário realizado pelo réu da paternidade do autor. Por fim, da sentença constitutiva, é possível voltar à mesma situação jurídica existente antes da coisa julgada material, servindo de exemplo o novo casamento entre pessoas divorciadas judicialmente.

          Para essa corrente doutrinária, é o conteúdo da decisão, contida em sua parte dispositiva, que se torna imutável e indiscutível em razão da coisa julgada material. Antes da coisa julgada, a sentença era mutável e com o fenômeno jurídico ora analisado passa por uma modificação de sua condição jurídica, tornando-se imutável. A coisa julgada, portanto, não seria uma qualidade da sentença que opera sobre seus efeitos, mas uma situação jurídica que torna uma sentença imutável e indiscutível.

          Para uma terceira parcela doutrinária, firme em lições do direito alemão, toda sentença tem um elemento declaratório, consubstanciado na aplicação da norma abstrata da lei ao caso concreto. Esse elemento declaratório tem como efeito a certeza jurídica de que, diante dos fatos alegados e considerados pelo juiz, o direito material conforme declarado pela sentença existe. Nesse sentido, reconhecendo que outros efeitos da sentença poderão ser modificados por ato e fatos supervenientes, mormente pela vontade das partes, essa corrente doutrinária limita aos efeitos da declaração da norma abstrata ao caso concreto, a imutabilidade própria da coisa julgada.

          É interessante perceber que mesmo os defensores da corrente doutrinária apoiada nas lições de Liebman reconhecem que, tratando-se de direitos disponíveis, as partes poderão dispor de seu direito, mesmo após o seu reconhecimento por meio de sentença de mérito transitada em julgado, ou seja, da coisa julgada material. Ainda assim, esses doutrinadores continuam a entender que a coisa julgada material é uma qualidade da sentença que torna imutáveis os seus efeitos, à luz das condições fáticas e jurídicas de sua prolação, ou seja, quanto a direitos e obrigações existentes ou inexistentes à época da prolação da sentença.

          Apesar da notória discussão doutrinária, uma análise profunda das três principais correntes doutrinárias expostas é suficiente para se notar que existem mais semelhanças do que diferenças entre os doutrinadores. Todos reconhecem que toda sentença tem um elemento declaratório, consubstanciado na subsunção da norma abstrata ao caso concreto, considerado pelo aspecto de elemento que compõe o conteúdo da decisão ou que gera efeitos práticos para fora do processo, torna-se imutável e indiscutível. Parecem também concordar que eventos futuros referentes à vontade das partes, poderão modificar outros efeitos gerados pela sentença, como ocorre no efeito condenatório no caso de pagamento da dívida ou do novo casamento no caso de divórcio.

          O CPC, em seu art 502, que conceitua a coisa julgada, substitui uma palavra e uma expressão do art 467 do CPC/1973. Em vez de prever que a coisa julgada é a eficácia da sentença que a torna imutável e indiscutível, o dispositivo legal sugerido menciona a autoridade da sentença. Acredito que a substituição do termo “eficácia” por “autoridade” busca deixar clara a distinção entre coisa julgada e efeitos da decisão. Substitui também “sentença” (espécie) por “decisão de mérito” (gênero), o que deve ser elogiado, considerando-se que sempre houve outras decisões de mérito aptas a transitar em julgado e produzir coisa julgada material, como as decisões monocráticas finais de relator e acórdãos de tribunal. Por outro lado, o dispositivo implicitamente reconhece a existência de decisões interlocutórias de mérito, com capacidade de geração de coisa julgada material. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 837/839. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).