sexta-feira, 24 de abril de 2015

DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR – 2. QUEM É O PROFESSOR UNIVERSITÁRIO – 2ª AULA – DIREITO FAMESC 8º PERÍODO PROFESSORA NEUZA - VARGAS DIGITADOR



DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR – ANTÔNIO CARLOS GIL – ATLAS S.A.2015 – PREFÁCIO – 2. QUEM É O PROFESSOR UNIVERSITÁRIO – 2ª AULA – DIREITO FAMESC 8º PERÍODO  PROFESSORA NEUZA -  VARGAS DIGITADOR

2. Quem é o professor universitário

Vimos no Capítulo 1 que a eficácia do Ensino Superior depende de múltiplos fatores, que podem, no entanto, ser agrupados em três categorias de variáveis; relacionadas aos alunos, aos professores e à organização do curso. Seria muito difícil, ou esmo impossível, definir qual desses fatores é mais importante, até mesmo porque estão intimamente relacionados. Classicamente, porém, no processo de ensino tem sido atribuída maior importância ao professor. Tanto é que este aparece na maioria dos trabalhos publicados nos últimos três séculos como a figura mais importante no processo de ensino. Mas esta situação vem se alterando significativamente, pois a tendência mais evidente na literatura pedagógica nas últimas décadas tem sido a de relativizar o papel do professor no ensino. Sobretudo depois que Rogers (1985, p, 125) escreveu que ensinar “é uma atividade relativamente sem importância e vastamente supervalorizada” e propôs que o professor se transformasse em “facilitador da aprendizagem”.

Mas, apesar de todas as críticas feitas ao papel do professor, ele ainda continua presente em todos os níveis de ensino. Não foi substituído por computadores, teleconferências ou máquinas de ensinar. Sua presença em sala de aula ainda é requerida e clama-se cada vez mais por sua qualificação profissional. Assim este capítulo é dedicado à discussão do papel do professor universitário dos dias atuais. Após estudá-lo cuidadosamente, você será capaz de:

·       Reconhecer os papéis desempenhados pelo professor universitário;
·       Identificar as habilidades e as atitudes requeridas para o exercício da profissão de professor universitário;
·       Analisar os ciclos de vida do professor universitário;
·       Contrastar tipos de professor universitário.

2.1 Como se prepara o professor universitário no Brasil

Durante muito tempo, não se manifestou em nosso país preocupação com a formação do professor para atuar no Ensino Superior. As crenças amplamente difundidas de que “quem sabe (para si – grifo de Vargas digitador), sabe ensinar”  e “o bom professor nasce feito” contribuíram para que a seleção de professores para os cursos superiores fosse determinada principalmente pela competência no exercício da profissão correspondente. Assim ocorreu com os cursos de Direito, Medicina e Engenharia, instalados ao longo do século XIX e início do século XX. Mas com a criação das primeiras universidades, na década de 1930, verificou-se a disposição de órgãos governamentais para o desenvolvimento de ações para conferir maior competência técnica aos professores universitários. Assim, foram dados os primeiros passos da pós-graduação no Brasil, com a proposta do Estatuto das Universidades Brasileiras, em que o Ministro Francisco Campos propunha a implantação de uma pós-graduação nos moldes europeus (SANTOS, 2003).

A efetiva implantação da pós-graduação no Brasil, no entanto, deu-se em 1965, com o Parecer n. 977, do então Conselho Federal de Educação. Esse parecer definiu dois sentidos para a pós-graduação: o lato sensu e o stricto sensu. O strictu caracteriza a pós-graduação constituída por cursos necessários à realização dos fins essenciais da universidade, como a criação de ciência e geração de tecnologia. O lato caracteriza os cursos destinados ao domínio científico e técnico de uma área limitada do saber ou de uma profissão. O stricto sensu, por sua vez, foi definido em dois níveis mestrado e doutorado.

A obtenção de graus de mestre e de doutor logo se tornou requisito para acesso aos cargos de carreira nas universidades públicas, sobretudo com a edição da Lei n. 5.540, de 28 de novembro de 1968, que instituiu a reforma Universitária. Já as escolas particulares passaram a contar principalmente com professores com cursos de especialização (lato sensu).

O Conselho Federal de Educação, pela Resolução n. 20/77, estabeleceu em seu art. 5º que, para a aceitação de docentes, além da qualificação básica, seriam considerados, entre outros, os seguintes fatores:

“a) título de Doutor ou de Mestre obtido em curso credenciado no País ou no exterior, a critério do Conselho, ou ainda, título de Livre-docente obtido conforme a legislação específica;

b) aproveitamento em disciplinas preponderantemente em área de concentração de curso de pós-graduação senso strictu, no País, ou em instituição idônea no País ou exterior, a critério do Conselho, com carga horária comprovada, de pelo menos trezentas e sessenta (360) horas;

c) aproveitamento, baseado em frequência e provas, em cursos de especialização ou aperfeiçoamento, na forma definida em Resolução específica deste Conselho;

d) exercício efetivo de atividade técnico profissional, ou de atividade docente de nível superior comprovada, durante no mínimo dois (2) anos;

e) trabalhos publicados de real valor.”

A mesma resolução estabeleceu que a aceitação de professor responsável estaria subordinada ao cumprimento da alínea “a” deste artigo, ou ao preenchimento simultâneo de uma das condições das alíneas “b” ou “c”. e a de professor auxiliar condicionada ao preenchimento da exigência da alínea “b” ou “c”.

Em 1983, o Conselho Federal de educação, por intermédio da Resolução n. 12/83, fixou as condições para validade dos certificados desses cursos. Estabeleceu que teriam a duração mínima de 360 horas e que pelo menos 60 horas da carga horária seriam utilizadas com disciplinas de formação didático-pedagógica. Assim, a conclusão de um curso de especialização tornou-se o principal meio de preparação de Docentes para o Ensino Superior, notadamente nas instituições particulares. Mas esses dispositivos foram alterados pela Resolução CNE/CES nº 01, de 3 de abril de 2001, que suprimiu a exigência de disciplinas pedagógicas. Seus concluintes, no entanto, continuam habilitados para ministrar aulas em cursos superiores.

A Lei n. 9.394, de 2º de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e as bases da educação nacional, ampliou as exigências para o exercício do magistério superior, pois estabelece:

Art. 66. A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado.

Parágrafo único. O notório saber, reconhecido por faculdade com curso de doutorado em área afim, poderá suprir a exigência de título acadêmico.

A mesma lei estabelece que as universidades deverão apresentar “um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado” e, “um terço do corpo docente em regime de tempo integral” (art. 52, incisos I e II).

Embora os cursos de mestrado sejam considerados  atualmente o principal meio institucional de preparação de professores para o Ensino Superior, não contemplam de modo geral a formação pedagógica. Poucos são os programas de mestrado que oferecem disciplinas dessa natureza. A principal alegação é a de que a Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal para o Ensino Superior (CADES) estabelece que o tempo médio para a conclusão de um curso de mestrado é de dois anos. Assim, não seria cômodo para um candidato ao grau de mestre cursar disciplinas de caráter didático-pedagógico, além das correspondentes ao seu centro de interesse e ainda desenvolver as atividades necessárias para a conclusão da pesquisa.

Os programas de mestrado têm como objetivo proporcionar a seus participantes conhecimentos e habilidades para a realização de pesquisas científicas, o que constitui sem dúvida um dos mais importantes requisitos de um professor nesse nível de ensino, pois o que se espera é que ele não seja apenas um reprodutor, mas também construtor de conhecimentos. Mas a inexistência de disciplinas de caráter didático-pedagógico nesses programas deixa uma lacuna em sua formação.

Numa tentativa de suprir essa lacuna, algumas instituições universitárias oferecem cursos de Metodologia do Ensino Superior e didática do Ensino Superior. Esses cursos, que geralmente têm carga horária de pelo menos 360 horas, são considerados de pós-graduação lato sensu e incluem disciplinas como Psicologia da Aprendizagem, Planejamento de Ensino, Didática e Metodologia de Ensino. Para os participantes motivados para o aprimoramento de suas competências pedagógicas, costumam oferecer bons resultados. Mas são conhecidos casos de instituições de Ensino Superior que os têm oferecido a seus próprios professores com a finalidade de “qualificá-los”, com resultados muito aquém do desejado.

2.2 Que papéis desempenha o professor universitário

A qualificação de um profissional tema ver com uma série de fatores. As descrições de cargo propostas pelos administradores envolvem um conjunto de traços classificados como aptidões, conhecimentos específicos e experiência profissional, dentre outros. Assim, pode-se dizer, do ponto de vista administrativo, que um profissional está qualificado para o desempenho de atribuições cometidas a seu cargo quando é capaz de desempenhar os papéis para que são requeridos. Ou, de um ponto de vista mais sociológico, quando seu comportamento corresponde ao que se espera dele em, decorrência do status atribuído a seu cargo.

Para que se possa avaliar adequadamente o desempenho de um professor universitário torna-se necessário identificar os seus papéis, o que não constitui tarefa fácil, pois a profissão de professor é bastante complexa, visto que implica o desempenho de múltiplos papéis. Em decorrência ainda do dinamismo dessa tentativa de caracterizar os papéis dos professores universitários tende a ser inevitavelmente incompleta.

Durante muito tempo, admitiu-se que o papel fundamental do professor era o de ensinar. E provavelmente a maioria das pessoas ainda concorde com isso. Mas não há consenso entre os especialistas em educação. Para os educadores influenciados pelas ideias de Carl Rogers, por exemplo, o principal papel do professor não e o de ensinar, mas o de ajudar o estudante a aprender.

Diversos autores têm se dedicado ao estudo dos papéis a serem desempenhados pelos professores universitários. McKeachie (1986), um dos mais conhecidos autores no campo da Didática do Ensino Superior, na oitava edição de seu Teaching tips, definiu seis papéis do professor universitário: especialista, autoridade formal, agente de socialização, facilitador, egoideal e pessoa. Já Goodyear e seus colaboradores (2001), mais recentemente, considerando as mudanças verificadas no âmbito da tecnologia da educação, definiram sete papéis para os professores: facilitado do conteúdo, pesquisador, assessor, facilitador do processo, designer, tecnólogo e consultor.

Como o Ensino Superior se caracteriza por intenso dinamismo, a relação dos professores universitários pode ser significativamente ampliada. Tanto é que para a elaboração deste trabalho foram identificados 27 países diferentes, que são apresentados a seguir:

Administrador. O professor desempenha papel de Administrador no sentido estrito do conceito definido no âmbito da administração Científica, já que suas atividades envolvem planejamento, organização, monitoração e avaliação do processo de ensino-aprendizagem.

Especialista. O professor universitário é especialista num determinado campo do conhecimento. Não há como admitir que um professor universitário possa dispor apenas de conhecimentos genéricos sobre a matéria que leciona.  Isto porque ao longo das aulas é requisitado a fornecer aos estudantes informações que não estão diretamente relacionadas ao conteúdo proposto.

Aprendiz.  Já está longe o tempo em que o professor, após sua formatura, sentia-se seguro para transmitir os conhecimentos referentes à sua disciplina. Os conhecimentos evoluem tão rapidamente que os professores, para se sentirem aptos para lecionar, precisam estar constantemente aprendendo; não apenas r4eaqlizando novos cursos, mas também aprendendo com a experiência de seus colegas e dos estudantes.

Membro de equipe. Durante muito tempo, o trabalho do professor foi considerado do tipo solitário. Cada vez mais, no entanto, ele precisa contar com a colaboração de seus colegas. Para isto, é necessário que se sinta membro de uma equipe e aja como tal.

Participante. Mais do que condutor, o professor é um participante do processo de ensino-aprendizagem. Não há como deixar de ouvir os estudantes em relação à definição dos objetivos do curso, ao estabelecimento de metas, à utilização de estratégias de ensino e mesmo em relação aos procedimentos a serem utilizados para avaliação.

Didata. A Didática deve ser entendida não apenas como ciência e técnica, mas também como arte do ensino. Dessa forma, a atuação do professor enquanto didata precisa envolver aspectos artísticos do ensino.

Educador. Embora o termo educador seja utilizado com frequência como sinônimo de professor, na realidade são diferentes. O papel de educador é um dos mais complexos. Utilizando uma metáfora proposta por Rubem Alves (2000), os educadores são como uma árvore frondosa, são formados com o tempo. São mais raros que os professores, porque agregam tudo oo que se espera de um mestre: a paciência, a sabedoria, a crítica, a solidez dos valores. Em suma: o espírito engajado pelas raízes grossas e uma copa com diâmetro largo para abrigar várias possibilidades de absorção de conhecimentos.

Diagnosticador de necessidades. A motivação dos estudantes depende fundamentalmente de suas necessidades. Assim, cabe ao professor identificar suas necessidades para que os conteúdos ministrados correspondam às suas expectativas.

Conferencista. Este é um dos mais tradicionais papéis do professor universitário. A aula expositiva ainda constitui um dos métodos mais utilizados no Ensino Superior. Embora os especialistas reconheçam que seja utilizada em demasia, ainda é muito importante para providenciar informações que  não estão facilmente disponíveis nos livros, para relatar experiências pessoais e para proporcionar uma visão global da matéria a ser ministrada.

Modelo profissional. Os estudantes aprendem não apenas o que os seus professores dizem, mas também o que fazem em sua prática profissional e os conhecimentos, habilidades e atitudes que exibe. Por isso são adotados como modelos profissionais por muitos estudantes.

Modelo de professor. Para os estudantes que pretendem exercer o magistério superior, o principal modelo de professor é o daquele com que mais se identificaram ao longo de seu curso de graduação ou que mais despertaram sua atenção pela conduta em sala de aula.

Facilitador da aprendizagem. A postura mais centrada nos estudantes requer profundas alterações no papel do professor. Já está longe o tempo em que o professor era visto principalmente como fornecedor de informações. Hoje, ele é visto mais como facilitador da aprendizagem; como alguém que ajuda o estudante a aprender.

Assessor do estudante. As escolas necessitam atualmente de professores com conhecimentos especiais para proporcionar assessoramento aos estudantes em relação a atividades que são importantes para o seu desenvolvimento. Trabalhos escritos, projetos, atividades de pesquisa, de laboratório e mesmo de leitura requerem assessoramento constante do professor. Estudantes que já se iniciaram na vida profissional de modo especial, tendem a solicitar auxílio de seus professores para a solução de problemas.

Mentor. O professor não é solicitado pelos estudantes apenas para fornecer informações acerca da matéria que lecionam, mas também acerca dos múltiplos aspectos que envolvem a profissão que decidiram seguir. O professor representa para muitos estudantes um exemplo de profissional bem-sucedido. Cabe-lhe, portanto, dialogar com os jovens, estimulando-os e orientado-os em seu caminho em direção ao sucesso profissional.

Avaliador. O papel de avaliador é um dos mais críticos no desempenho das atribuições do professor. Mas não há como deixar de considerá-lo, pois, no contexto da educação moderna, a avaliação não tem apenas caráter seletivo, mas também está diretamente vinculada ao processo de aprendizagem.

Assessor de currículo. O professor tem responsabilidade não apenas em relação ao planejamento e à implementação dos programas educacionais, mas também no que se refere à efetividade do ensino ministrado e aos seus currículos. Para garantir a unidade do curso, é necessário que cada professor esteja inteirado dos objetivos e conteúdos das disciplinas que compõem o currídulo do curso, que seja capaz de Analisá-lo como  como um todo eo propor as mudanças necessárias para que se torne mais efetivo.

Preparador de material. Uma das características da educação moderna é o incremento dos recursos de ensino. As novas tecnologias de comunicação, por sua vez, contribuem significativamente para a ampliação desses recursos. Dessa forma, requerem-se do professor universitário habilidades para selecionar, adaptar e produzir recursos de ensino.

Elaborador de guias de estudo. Professores do passado preparavam apostilas. Esse procedimento nos dias de hoje é execrado, e não sem razão. Mas cabe ao professor elaborar guias de estudo que indiquem aos estudantes o que devem aprender e como adquirir a competência necessária para tanto.

Líder. O professor determina os objetivos e os meios para alcançá-los mediante a definição da estrutura e dos padrões de excelência e a avaliação do desempenho dos estudantes. Mas é necessário que a observância desses meios se dê pelo prestígio do professor e por sua aceitação pelos estudantes. O que significa que este deve atuar como líder, muito mais do que como autoridade formal.

Agente de socialização. O professor em qualquer nível constitui um dos mais importantes agentes da socialização. Cabe, portanto, ao professor universitário proporcionar aos alunos o aprendizado de normas e valores sociais, sobretudo aqueles relacionados à cidadania e à vida profissional.

Instrutor. Identifica-se frequentemente o instrutor com o profissional envolvido em programas simples de treinamento. Mas cabe ao professor universitário, em muitas disciplinas, atuar também como instrutor. Sobretudo naquelas de caráter mais prático, em que os objetivos principais relacionam-se ao desenvolvimento de habilidades psicomotoras.

Animador de grupos. Quando o professor se vale de jogos e simulações como estratégias para facilitar a aprendizagem, seu papel passa a ser o de animador de grupos. O que ele precisa nesses momentos é promover o envolvimento dos alunos nas atividades programadas. Precisa, para tanto, dominar técnicas de trabalho em grupo.

Pesquisador.  O professor está constantemente produzindo novos conhecimentos para utilizar em suas aulas. Ele desenvolve não apenas pesquisa bibliográfica, mas também pesquisas de campo, que envolvem, na maioria das vezes, participação dos alunos, sem contar também que as atividades de pesquisa são hoje reconhecidas como estratégias de ensino, já que é possível aprender pela pesquisa.

Pessoa. Este papel, que é um dos mais básicos para qualquer infivíduo, nem sempre é considerado por quem lida com a escola do ponto de vista essencialmente técnico. Mas há que se reconhecer que o professor é acima de tudo uma pessoa, com crenças, valores e interesses e que no desempenho de suas funções relaciona-se com os estudantes e com muitas outras pessoas.

Planejador de disciplina. Compete ao professor elaborar planos de disciplina, o que implica determinar os seus objetivos, selecionar os conteúdos, define as estratégias e recursos de ensino e os procedimentos de avaliação. Em virtude do dinamismo requerido pela universidade contemporânea, esses planos requerem do professor contínua reformulação.

Coach. O professor universitário é também um profissional que se compromete, no âmbito da escola, a apoiar os alunos, ajudando-os a  descobrir seu potencial de trabalho e a superar obstáculos, tais como crenças, atitudes e condutas que possam atrapalhar o caminho para sua realização profissional e social.

Conselheiro. Há alunos que apresentam problemas, tais como desempenho abaixo da média, número elevado de faltas, dificuldades de relacionamento. Assim, cabe ao professor aatuar como conselheiro, ajudando os alunos na identificação das causas do prlblema e no reconhecimento da necessidade de mudar. O aconselhamento refe-se não apenas às questões relacionadas à disciplina que o professor ministra, mas também com a promoção de valores democráticos e com práticas cidadãs.

2.3 Características do professor eficaz

São muitos os trabalhos que se propõem a apresentar os atributos do bom professor. Mas quando se considera que são tantos os papéis que lhe cabe desempenhar, percebe-se que sua identificação não constitui tarefa das mais fáceis. Alem disso, como a definição de papeis refere-se ao comportamento esperado de atores sociais, muito do que vê, sendo escrito a esse respeito caracteriza-se por notável conteúdo valorativo. Tanto é que há autores que se sentem à vontade para escrever sobre o assunto com fundamento apenas em suas crenças religiosas ou filosóficas. Por exemplo, São João Batista de La Salle (1651-1719), fundador da Congregação das Escolas Cristãs, reconhecido pela Igreja Católica como o Padroeiro Universal dos Educadores, elaborou um pequeno livro com o título As doze virtudes do bom professor (GRANDE, 1962). Trata-se, naturalmente, de um manual fundamentado numa visão católica de ensino, que marcou a vida do autor, mas que ainda influencia os educadores dessa congregação.

Nos dias atuais, poucos são os autores que se propõem a definir as condutas desejadas dos professores com base em argumentos religiosos, a não ser quando se dirigem especificamente às comunidades religiosas de que fazem parte. Mas a análise de obras publicadas recentemente que têm como propósito definir o perfil desejado do professor mostra como ainda existe a preocupação com a apresentação das principais virtudes do professor. Basta considerar alguns títulos, tais como: O que faz um bom professor (HASSET, 2000), Quais são os dez traços do professor altamente eficaz? (McEWAN, 2002), Os sete papéis do professor (POTENZA, 2000) e Os doze papéis do professor (HARDEN, CROSBY, 2000).

Cada uma dessas obras apresenta um certo número de características desejadas do bom professor. Todas naturalmente refletem o ponto de vista de seus autores. O trabalho de Elaine McEwan (2002), por exemplo, apresenta dez traços que no seu entender caracterizam o professor altamente eficaz.

Os três primeiros traços são os pessoais:

1 – É apaixonado e dirigido para a missão.  Ele sente tanto uma vocação para ensinar quanto uma paixão para ajudar os alunos a aprender e a crescer.

2- É positivo e real. Ele demonstra qualidades de humanidade, empatia, respeito e justiça no relacionamento com estudantes, pais e colegas.

3 - É um professor-líder. Ele afeta positivamente as vidas dos estudantes dos pais e dos colegas.

Os três traços seguinte referem-se aos resultados pretendidos:

4 – está constantemente alerta ao que ocorre na classe. Ele está permanentemente sintonizado com a classe, está ciente do que nela ocorre e detém completo controle de três aspectos críticos em sala de aula: administração e organização da classe, engajamento dos estudantes e administração do tempo.

5 – tem estilo. ele manifesta um estilo pessoal e único, que é capaz de produzir drama, entusiasmo, vivacidade, humor, carisma, criatividade e romantismo no ensino.

6 – É motivador. Ele confia em sua própria habilidade para fazer a diferença na vida dos estudantes e implacavelmente pressiona e persuade os estudantes a manter o comportamento e as expectativas no nível mais alto possível.

7 – apresenta eficácia instrucional. Ele é um comunicador competente, com um amplo repertório de habilidades essenciais, comportamentos, modelos e princípios que conduzem ao aprendizado mesmo os estudantes mais relutantes. Ele é competente para planejar as aulas, apresentar seu conteúdo, administrar o clima da classe e avaliar os estudantes.

Os três últimos traços referem-se à sua vida intelectual:

8 – Detém conhecimento teórico. Ele apresenta não apenas amplo domínio do conteúdo da disciplina, mas também dos resultados pretendidos pela escola e pela sociedade.

9 – Possui a sabedoria das ruas. Ele possui aqueles conhecimentos sociais derivados da experiência do dia-a-dia: Conhece os estudantes, a escola e a comunidade em que leciona e utiliza esses conhecimentos para solucionar problemas no cenário educativo.

10 – tem muita capacidade intelectual. Ele é metacognitivo, estratégico, reflexivo, comunicativo e responsivo.

As abordagens fundamentadas em traços pessoais têm recebido muitas críticas de cientistas sociais, pois sugerem que os bons professores, assim como os bons líderes e bons governantes, “já nascem feitos”. Mas mostram-se ainda muito atraentes. Em muitos processos seletivos para professores do Ensino Superior traços pessoas assumem importante peso. Por isso, é comum encontrar livros que apresentam listas de características ou atributos que os professores deveriam ter. O quadro 2.1, de caráter meramente descritivo apresenta dezenas de “características do bom professor” identificadas em trabalhos de diferentes autores que escreveram sobre o assunto.

Quadro 2.1 Características do professor eficaz.

Bem humorado
Gentil
Tem apreço pelos estudantes
Torna as aulas interessantes
Expõe com clareza
Estimulante
Comunica altas expectativas
Encoraja iniciativas
Apaixonado pela disciplina
Questionador

Desafia a pensar

Oferece aplicações práticas
Demonstra interesse pelos estudantes
Paciente
Interessado no crescimento dos estudantes
Oferece feedback
Sensível às necessidades dos alunos

Ouve os estudantes
Trata igualmente os estudantes
Ajuda os estudantes a pensar
Organizado
Entusiasmado
Amigável
Reconhece suas limitações
É preparado para cada classe
Acessível aos estudantes
Aprecia a diversidade étnica e cultural
Tem habilidade para se comunicar no nível dos estudantes


Empático
Não se mostra superior
Reconhece as diferenças individuais
Inovador
Respeita  e tem apreço pelos estudantes
         

Uma simples análise dessas características é suficiente para reconhecê-las como de alguma importância no processo didático. Mas, se todas forem requeridas de cada professor, o modelo mais próximo desse profissional seria certamente o do super-homem.

A maioria das obras referentes às características do bom professor fundamenta-se na observação, na experiência pessoal ou na visão de mundo de seus autores. Mas também há trabalhos derivados de pesquisas empíricas que procuraram avaliar a satisfação dos estudantes com o ensino proporcionado por seus professores. Um importante trabalho com estas características foi desenvolvido por Lowman (2004), mediante observações de um grupo de cerca de 25 professores reconhecidos como exemplares, de diversas disciplinas, em diversas faculdades e universidades norte-americanas, na década de 1980.

Estes estudos levaram à construção do Modelo Bidimensional do Ensino Universitário Efetivo, segundo o qual a qualidade do ensino resulta de duas dimensões: da habilidade de um professor universitário em criar um estímulo intelectual (Dimensão 1) e da empatia interpessoal com os estudantes (Dimensão 2). A habilidade para criar estímulo intelectual apresenta dois componentes: a clareza da aoresentação do professor e seu impacto emocional sobre os estudantes. A clareza relaciona-se com o que se apresenta e o impacto emocional com o modo pelo qual o material é apresentado. A empatia interpessoal, por sua vez, refere-se à habilidade para comunicar-se com os estudantes de modo a aumentar a motivação, o prazer e o aprendizado autônomo.

Em relação à dimensão de estímulo intelectual, os professores podem ser classificados em três níveis:

          Alto. Extremamente claro e estimulante. Todo o conteúdo é extremamente bem organizado e apresentado em linguagem clara, de forma envolvente, com grande energia e forte sensação de tensão dramática. Os estudantes sabem para onde o professor está indo e podem distinguir o conteúdo importante do não importante. Os estudantes experimentam um sentimento de excitação em relação às ideias apresentadas e, geralmente, odeiam perder as aulas. Os cursos e os professores são rovavelmente definidos como “ótimos” ou “fantásticos”.

          Moderado. Razoavelmente claro e interessante. As aulas são apresentadas de maneira interessante, com um nível moderado de energia. O professor parece moderadamente entusiástico e envolvido com o ensino. A aula é moderadamente interessante e prazerosa para a maioria dos estudantes. O curso e o professor são provavelmente definidos como “bons” ou “sólidos”.

          Baixo. Vago e monótono. Parte das aulas é apresentada com clareza, mas outras são vagas e confusas. Os estudantes têm pouca ideia de para onde o professor está indo ou por que o material é apresentado daquela maneira e frequentemente experimentam confusão ou incerteza. O curso e o professor são provavelmente chamados de “enfadonhos” ou “horríveis”.

Em relação ao relacionamento interpessoal, os professores odem ser classificados também em três níveis:

Alto. Extremamente caloroso, aberto, centrado no estudante e previsível. O professor parece ter grande interesse nos estudantes como pessoas e grande sensibilidade para captar suas mensagens sutis em relação à matéria ou à sua apresentação. Ele encoraja os estudantes a fazer questionamentos e parece interessado em que expressem seus próprios pontos de vista. Os estudantes provavelmente descrevem o professor como uma pessoa “fantástica”.

Moderado. Relativamente caloroso, acessível, democrático e previsível, o professor é amigável com os estudantes, mas não faz grande esforço para conhecer a maioria deles. Ele anuncia as regra e discute as possíveis reações dos estudantes. Os estudantes provavelmente descrevem o professor como uma pessoa “legal” ou simpática.

Baixo. Frio, distante, altamente controlador e pode ser imprevisível. O professor mostra pouco interesse nos estudantes como pessoas; conhece poucos por seus nomes e pode não reconhecer muitos deles fora da classe. Ele é ocasionalmente sarcástico ou abertamente desdenhoso em relação aos estudantes e parece irritado quando os estudantes fazem perguntas. É provável que os estudantes o descrevam utilizando palavrões.

Mediante a combinação das duas dimensões, obtêm-se nove estilos de atuação, que compõem o modelo bidimensional completo (Quadro 2.2). convém lembrar, no entanto, que esses nove estilos são generalizações e não permite a descrição exata de todos os professores universitários, já que há professores que individualmente podem apresentar elementos de mais de um estilo.

Lowman enumerou as combinações em ordem crescente de sua efetividade total. Deu-se preferência aqui a numerá-las de acordo com as duas dimensões consideradas. Assim, o estilo 1.1 corresponde ao professor mais inadequado e o 3.3 ao completamente adequado. Professores com estilos 1.2 e 2.1 não podem ser considerados competentes, já que não apresentam desempenho satisfatório em relação a uma das dimensões consideradas. Já os professores com os estilos 1.3, 2.2 e 3.1 podem ser considerados medianamente competentes. Mas convém ressaltar que constituem estilos muito diferentes entre si. O estilo 2.2 corresponde aos professores com moderados níveis de relacionamento interpessoal e de estímulo intelectual. Já os professores dos estilos 1.3 e 3.1 representam as menos comuns das combinações. As autoridades intelectuais são capazes de criar estímulo intelectual e fazer progredir alunos que confiam em sua própria capacidade de trabalho, mas não se mostram eficientes com alunos com menor grau de maturidade. Já os “socráticos” poderão se mostrar adequados na condução de seminários, mas apresentarão dificuldade em classes maiores ou em disciplinas que requerem amplas preleções. Os professores dos estilos 2.3 e 3.2, por fim, podem ser considerados exemplares, embora não correspondam ao máximo esperado de um professor, pois são apenas medianos em relação a uma das duas dimensões consideradas.

Quadro 2.2 Estilos de atuação de professores sendo o Modelo Bidimensional de Ensino Universitário efetivo.
Relacionamento interpessoal
Estímulo intelectual
Baixo
Moderado
Alto
Alto
(1.3) Autoridades intelectuais

Ótimos para alguns cursos e estudantes
(2.3) Palestrantes exemplares

Qualificados para grandes classes de iniciantes
(3.3) Completamente exemplares


Excelentes para qualquer estudante ou situação
Moderado

(1.2) Adequados

Minimamente adequados para muitos estudantes em aulas expositivas
(2.2) Competentes

Eficientes para a maioria dos estudantes e cursos

(3.2) Facilitadores
Exemplares

Qualificados para classes menores e em cursos mais avançados
Baixo
(1.1)      Inadequados

Incapazes de apresentar bem a matéria ou de motivar os estudantes
(2.1) Marginais

Incapazes de apresentar bem a matéria, mas apreciados por alguns estudantes
(3.1) Socráticos

Ótimo para alguns estudantes e situações, mas não para a maioria
Fonte: Adaptado de Lowman, 2004, p. 46-48.

2.4 Ciclos da vida do professor

O professores experimentam, ao longo de sua vida profissional, diferentes expectativas, preocupações, satisfações e frustrações. Por isso, torna-se possível falar em ciclos da vida do professor. Um estudo clássico foi o desenvolvido com professores do ensino secundário por Huberman (1989), na Suiça. Esse trabalho, que foi produto de pesquisa empírica, apresenta cinco etapas de desenvolvimento de professores. Apesar de se referir a uma população de professores muito diferente da nossa e por tratar-se de professores do ensino secundário, mostra-se útil para o entendimento das percepções que os professores assumem ao longo de sua vida.

De acordo com esse estudo, os professores passam pelos seguintes ciclos:

1.     Entrada na Carreira (1 a 3 anos). Essa etapa, que corresponde ao período em que o professor estabelece os contatos iniciais com as classes, inclui duas fases: a de sobrevivência e a de descobrimento. A sobrevivência caracteriza-se pelo reconhecimento das diferenças entre os ideais e a realidade, e envolve a preocupação consigo mesmo.

A do descobrimento traduz o entusiasmo inicial por estar exercendo a profissão, o orgulho de ter a própria classe e de fazer parte de um corpo profissional. Essa experiência de entrada na carreira pode ser percebida pelos professores como fácil ou difícil, em virtude de fatores pessoais ou institucionais. Mas os que a acham fácil são os que mantêm relacionamentos positivos com os estudantes, apresentam considerável senso de domínio do ensino e conseguem manter o entusiasmo inicial. Já os que a acham difícil, associam-na sobretudo a uma carga horária excessiva. À ansiedade, a dificuldades com os estudantes e ao grande investimento de tempo.

2.     Estabilização (de 4 a 6 anos). Esta etapa geralmente coincide com a conquista da estabilidade profissional e com o estabelecimento de um compromisso deliberado com a profissão. O professor experimenta um sentimento crescente de competência pedagógica, apresenta maior facilidade no relacionamento com os alunos, domina as técnicas instrucionais e é capaz de selecionar materiais e métodos apropriados para o desenvolvimento dos alunos. O professor passa a preocupar-se menos consigo e mais com os objetivos pedagógicos, sentindo-se mais à vontade para enfrentar situações complexas ou inesperadas. Esta fase envolve o estabelecimento de um estilo próprio como professor e a consolidação de um repertório pedagógico que lhe traz crescente confiança. Os professores nesta etapa atuam de forma mais independente e de modo geral sentem-se razoavelmente bem integrados com os colegas e começam a pensar na promoção.

3.     Diversificação, ativismo ou questionamento (7 a 25 anos). Os percursos individuais dos professores são muito semelhantes nas duas primeiras fases, mas costumam divergir nas subsequentes. Alguns professores passam para uma fase de diversificação, caracterizada pela melhora da capacidade docente e pela diversificação dos métodos de ensino. Outros para uma fase de ativismo, centrando seus esforços na busca de promoção pessoal e no desempenho de funções administrativas. Um terceiro grupo de professores para uma se de questionamento, que se caracteriza pela gradativa diminuição de seus compromissos profissionais. Alguns abandonam a docência ou passam a dedicar-se a atividades paralelas. Para os professores deste grupo, esta fase supõe algum tipo de reformulação, que pode se caracterizar tanto por um ligeiro sentimento de rotina quanto por uma verdadeira crise existencial em relação à continuação na carreira. Esse questionamento, porém, não é sentido da mesma forma pelos homens e pelas mulheres. Para os homens, relaciona-se principalmente com a progressão na carreira. Para as mulheres, esse período, que costuma ocorrer mais tarde, relaciona-se mais aos aspectos desfavoráveis da função ou às más condições de trabalho.


4.     Serenidade e distanciamento afetivo ou conservadorismo (entre 25 e 35 anos). Este é um período que pode ser de mudança mais ou menos traumática para os professores, que frequentemente se questionam sobre a própria eficácia como docentes. Trata-se menos de uma fase distinta da carreira que de um estado de espírito, que é característico dos professores na faixa de 45 a 55 anos. Podem ser identificados dois grupos de professores neste estágio. Os professores do primeiro grupo caracterização pela serenidade  distanciamento afetivo. Estes se sentem menos enérgicos e até mesmo menos capacitados, porém mais relaxados e menos preocupados com os problemas cotidianos da classe. Mas, ao mesmo tempo em que apresentam mais serenidade, experimentam, também, um distanciamento afetivo com relação aos alunos, o que se explica, em parte, porque os alunos que veem os professores mais jovens como um irmão mais velho não aceitam este mesmo papel de um professor que em a mesma idade que seus pais. Esse distanciamento afetivo entre professores e estudantes também se explica pelo fato de pertencerem a gerações diferentes e, portanto, a diferentes subculturas, em que o diálogo torna-se mais difícil. Os professores do segundo grupo constituem um grupo considerável de professores que se caracterizam pelo conservadorismo e pelas lamentações, principalmente em termos de nostalgia do passado. Esses professores apresentam grande resistência à inovação e à aceitação da mudança tanto dos alunos e colegas quanto do próprio sistema. Queixam-se também dos colegas, principalmente dos mais jovens, que consideram menos sérios e menos empenhados.

5.     Desinvestimento (entre 35 e 40 anos). Esta etapa, que é muito semelhante à observada na maioria das profissões, caracteriza-se pela liberdade progressiva dos professores do investimento no trabalho para se dedicarem mais a si próprios, aos interesses fora da escola e a ma vida social de maior reflexão. Este perfil do professor no fim da carreira pode ser entendido como uma evolução das tendências correspondentes à etapa anterior. O período de serenidade conduz a um recuo face às ambições e aos ideais do início da carreira. O período de conservantismo, por sua vez, corresponde a uma discordância em relação ao que acontece na escola ou no sistema escolar. Encontram-se três padrões de reação diante dessa etapa: (a) positivo, caracterizado pelo interesse em especializar-se ainda mais e pela preocupação com a aprendizagem dos alunos; (b) defensivo, caracterizado por um nível de otimismo bem menor que o anterior e por uma atitude menos generosa em relação às experiências passadas; e (c) de desencantamento, caracterizado pelo cansaço e desencanto com respeito às experiências passadas, podendo representar uma frustração para os professores mais moços.

2.5 Como Classificar os professores universitários

Os professores universitários são muito diferentes quando à sua postura em relação ao ensino. Por isso, alguns pesquisadores definiram sistemas para classificá-los. Uma interessante classificação, fundamentada em pesquisa empírica, é a que foi elaborada por Axelrod (1973) . ele os classifica em duas grandes categorias. A primeira é constituída pelos professores cujo estilo de ensino não requer nem encoraja o questionamento dos estudantes. Este estilo é designado como o de formas didáticas. A outra categoria inclui os professores cujo estilo de ensinar requer o questionamento dos estudantes para completar com sucesso as tarefas relacionadas à aprendizagem. Este estilo é designado como o de formas evocativas. Os professores que alcançam sucesso com o estilo didático são chamados de artesãos e os que atingiram a excelência com o estilo evocativo são chamados de artistas. Mas, segundo Axelrod, mesmo os professores que utilizam as formas evocativas de ensinar diferem significativamente entre si. Há os que enfatizam os conteúdos, que “ensinam o que sabem”. Há os que se centram em si mesmos, que “ensinam o que são”. E há os que se centram nos alunos, que “trabalham com os estudantes como pessoas”.

Muitas outras classificações de professores podem ser encontradas. Cada uma delas fundamentada em algum critério, referindo-se, portanto, a uma das múltiplas dimensões da profissão de professor. Algumas até mesmo elaboradas com muito humor, como a de Ferracini, que os classifica em: “professor desanimado”, “professor saudosista”, “professor critiqueiro”, “professor alienado”, “professor policial”, “professor sem mais’” (“professor e nada mais”), “professor celetista” (não tem nome, mas número de matrícula), “professor sonhador”, professor-bico”, “professor leigo”, “professor ideologizador”, “professor terrorista” e “professor autoritário”. Classificações como esta auxiliam na análise do contraste entre os diferentes tipos de professores, já que permitem identificar sem maiores dificuldades alguns tipos de professor. Mas também contribuem para uma visão simplista e caricatural dos professores.

Nenhuma das classificações propostas mostra-se absolutamente satisfatória. Primeiramente porque elas são elaboradas segundo determinado princípio de classificação. Depois porque a atividade de professor é muito complexa, tornando-se pouco provável que as categorias sejam suficientemente exaustivas e um professor, uma vez classifica numa delas,não o possa ser numa outra. Mas apresenta-se ainda outra classificação (GIL, 2000), que tem como fundamento o elemento mais enfatizado pelo professor no desempenho de suas atribuições. Assim, os professores podem ser classificados segundo a ênfase colocada na norma, na sua autoridade funcional, nos objetivos,no conteúdo, nas estratégias, nos recursos, na avaliação, no relacionamento com os estudantes, nas competências dos estudantes e nos aspectos sociais.

Os professores com estilo centrado na norma desenvolvem suas ações em observância ao que é definido pela escola e pelas autoridades educacionais. Consideram a legislação vigente e a ela procuram ajustar sua atuação pedagógica, sem maiores questionamentos.

O estilo centrado na autoridade funcional é característica de professores detentores de personalidade autoritária, egocêntrica ou egoísta, mas é muito mais comum do que muitos possam imaginar, pois a educação brasileira tem sido permeada pelo autoritarismo, o que tem favorecido o ensino centrado na figura do professor que tende a ser visto como dono do saber, que precisa dominar a classe, garantir a disciplina e tem o poder de aprovar ou reprovar os seus alunos.

Os professores cujo estilo centra-se nos objetivos subordinam toda a sua ação pedagógica a um plano de ensino cujo elemento principal é constituído pelos objetivos operacionalmente válidos. Estes professores não são muito numerosos no Ensino Superior brasileiro, em que a principal missão do professor tem sido identificada com a de passar os conteúdos para os alunos, transformando-os em reprodutores de conhecimentos, dificultando-lhes a reflexão.

Também há professores que enfatizam as estratégias de ensino. Estes, antes de definirem os objetivos ou os conteúdos a serem ministrados, escolhem a estratégia que irão adotar. Há professores que se valem exclusivamente de uma porque desconhecem outras. Esta situação ocorre principalmente em relação à exposição, já que para muitos professores lecionar significa expor, e o aprendizado se faz principalmente pela exposição clara e sistemática a alunos motivados e atentos. Mas também há professores que conhecem outras estratégias e manifestam nítida preferência por uma delas. Há professores que propõem a seus alunos discussões em grupo, porque as julgam uma estarégia mais participativa. Também há professores que utilizam com muita frequência jogos e simulações porque percebem muita satisfação nos alunos quando essa estratégia é utilizada. Também há professores que não dispensam a realização de seminários. Lamentavelmente alguns deles o fazem para não terem que preparar nem ministrar aulas.

Em decorrência do crescente desenvolvimento das tecnologias de ensino, muitos professores passaram a conferir grande ênfase nos recursos audiovisuais. De todos os modernos recursos, o preferido atualmente é o projetor multimídia, pois possibilita apresentações muito mais ricas e dinâmicas. Mas muitos professores utilizam exageradamente o recurso e acabam por fazer com que o processo de aprendizagem seja direcionado por ele.

Há professores cuja ênfase maior é colocada na avaliação. Essa postura ainda se manifesta porque durante muitos séculos a educação enfatizou no mundo inteiro a função seletiva. Mas essa concepção está ultrapassada, pois a educação como uma instituição cuja principal função é a de promover o desenvolvimento dos indivíduos e da sociedade. Nesse contexto, a avaliação passa a constituir um elemento do processo da aprendizagem e deixa de term primordialmente função seletiva, que ainda é enfatizada por certo número de professores.

Há professores que enfatizam o relacionamento com o estudante. Essa é a postura característica dos professores identificados com a Educação Humanista, notadamente daqueles influenciados por Carl Rogers. Esses professores colocam sua ênfase nos processos de interação humana. Veem a educação como um processo de crescimento pessoal, interpessoal e grupal em que o professor atua como o facilitador desse crescimento. Creem que a principal preocupação do educador deva ser com a aquisição daquelas atitudes necessárias para a mobilização da dinâmica de “tornar-se pessoa”, para liberar a capacidade de autoaprendizado, com vistas ao desenvolvimento pleno do estudante, qe envolve tanto componentes intelectuais e emocionais.

Também podem ser encontrados professores que enfatizam as competências dos estudantes. Eles se preocupam muito mais com o desenvolvimento de suas habilidades intelectuais e sociais do que com o aprendizado de conteúdos específicos. Os conteúdos são utilizados de forma instrumental, como recursos para as tarefas didáticas, pois a principal preocupação destes professores é ensinar os alunos a aprender.

Por fim, há professores que enfatizam os aspectos sociais do ensino. Consideram os conteúdos, as estratégias de ensino, as expectativas dos alunos e a sua própria visão de educação como componentes do tecido social que refletem uma sociedade historicamente estruturada em classes dominantes e dominadas. Esses professores consideram que a educação vem sendo utilizada pelas classes dominantes para sonsolidar sua posião privilegiada. Sua ação em sala de aula, por sua vez, caracteriza-se por uma postura de engajamento político que sua visão de mundo e da educação exige dele e de seus alunos.

Estas categorias não podem ser consideradas exaustivas. É possível que alguns professores não se enquadrem em nenhuma delas. Também não podem ser consideradas mutuamente exclusivas. Um professor poderá ser classificado em mais de uma delas. Apresenta-se, no entanto, esta classificação com a intenção de que constitua um instrumento que possibilite contrastar os diferentes estilos docentes, já que a ênfase colocada num ou noutro elemento torna-se significativa para análise e avaliação da atuação do professor em classe.

2.6 desafios atuais do professor universitário

As mudanças verificadas no Ensino Superior requerem hoje um profissional com características muito diferentes daquelas que foram reconhecidas como importantes no passado. A docência no Ensino superior não pode ser exercida apenas por especialistas em determinada área do conhecimento que buscam nas aulas uma forma de complementar seu salário. Também não pode ser exercida por pessoas que julgam interessante ostentar o título de “professor universitário” ou que lecionam porque veem a atividade como uma “atividade relaxante” que tem lugar depois de um dia de trabalho árduo.

Requer-se hoje um professor universitário competente. Por competência, entende-se aqui a “faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações etc.) para solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações ligadas a contextos culturais, profissionais e condições sociais” (PERRENOUD, 2000). Essas competências são entendidas menos como potencialidades dos seres humanos e mais como aquisições ou aprendizados construídos. Elas só se efetivam por meio de aprendizados que não ocorrem espontaneamente nem se realizam da mesma forma em cada indivíduo. Logo, os professores precisam aprender estas competências para desenvolvê-las.

Requer-se um professor que disponha de conhecimentos técnicos em determinada área do conhecimento, adquiridos não apenas em cursos de graduação e de pós-graduação, mas também mediante participação em cursos de aperfeiçoamento e de atualização, eventos científicos e intercâmbio com outros especialistas. é necessário também que disponha de conhecimentos decorrentes de trabalhos de pesquisa de campo, de laboratório ou de biblioteca.

Requer-se um professor com visão de futuro, atento à velocidade das transformações tecnológicas, às mudanças sociais, aos novos perfis profissionais que estão se desenhando, às novas exigências do mercado de trabalho e os desafios éticos. Que seja capaz de definir o que será melhor para a formação de um profissional que vai atuar daqui a alguns anos.

Requer-se um professor que aceite deixar de ocupar o centro do cenário do ensino e reconheça os estudantes como parceiros do processo de ensino. Que não se veja como especialista, mas como mediador do processo de aprendizagem. Que tenha a disposição de ser uma ponte entre o aprendiz e a aprendizagem – não uma ponte estática, mas uma ponte “rolante”, que ativamente colabora para que o aprendiz chegue a seus objetivos (MASSETO, 2003)

Requer-se um professor capaz de organizar e dirigir situações de aprendizagem (PERRENOUD, 2000). Que ultrapasse a visão de formação direcionada apenas para o sistema, fundamentando suas convicções em três dimensões básicas: a pessoa, a profissional e a organizacional, que constituem a trilogia da formação contínua: produzir a vida, a profissão e a escola (NÓVOA, 1991).

Requer-se um professor transformador (GIROUX, 1997), que mude o foco do ensinar e passe a se preocupar com o aprender, principalmente como “aprender a apreender” (no original “apreender a aprender”, entendemos ser o contrário  - “aprender a apreender” – grifo de Vargas Digitador). Que abra caminhos coletivos de busca que subsidiem a produção do conhecimento de seus estudantes, auxiliando-os a ultrapassar o papel passivo de repetidores de ensinamentos e a se tornarem críticos e criativos.

Requer-se um professor multicultural (STOER e CORTESÃO, 1999), sensível à heterogeneidade, ao arco-íris de culturas que tem nas mãos quando trabalha com seus alunos. Que não sofra de datanismo cultural, que leva a admitir que tosos os estudantes são idênticos, com saberes e necessidades semelhante e a subaproveitar a riqueza na diversidade de símbolos, significados, padrões e manifestações que se acham presentes na sociedade e nas escolas.

Requer-se um professor intercultural (OUELLET, 1991), capaz de comprar a dinâmica da exclusão social e da marginalização, de desvendar obstáculos, à igualdade de oportunidades, capaz de se comunicar com pessoas de culturas diferentes e de participar na interação social criadora de identidades e de pertença comum à humanidade.

Requer-se um professor reflexivo (SCHON, 1992), que pensa no que faz, que se compromete com a profissão e se sente autônomo; que é capaz de tomar decisões e ter opiniões; que atende aos contextos em que trabalha, interpreta-os e adapta a própria atuação a eles; que seja capaz de levantar dúvidas sobre o funcionamento da escola, a adequação dos currículos e o seu próprio trabalho, que procure saber por que os estudantes têm dificuldade para aprender (ALARCÃO, 2003). Que participe ativamente de sua formação continuada, sem ser instruído e treinado diretamente por outros acima dele na hierarquia administrativa (NÓVOA, 1995). Que olhe para a sua própria prática e para as condições sociais em que está situada; e que na sua prática reflexiva leve em consideração as situações de desigualdades e injustiças no interior da sala de aula e seja compromissada com a prática social (ZEICHNER, 1993).

Requer-se um professor capaz de trabalhar em equipe (PERRENOUD, 2000), que seja capaz de integrar grupos de pesquisa com profissionais de diferentes áreas, participar de projetos multidisciplinares e que aceite o desafio da interdisciplinaridade.

Requer-se um professor capaz de enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão (PERRENOUD, 2000). Que possa contribuir na prevenção da violência na escola e fora dela, lutar contra os preconceitos e as discriminações sexuais, étnicas e sociais, e participar da criação de regras de vida comum referentes à disciplina na escola, às sanções e à apreciação da conduta. Que seja capaz de desenvolver o senso de responsabilidade, solidariedade e o sentimento de justiça.

Requer-se um professor capaz de utilizar novas tecnologias (PERRENOUD, 2000). Que saiba utilizar editores de textos, explorar as potencialidades didáticas dos programas em relação aos objetivos do ensino e seja capaz de comunicar-se a distância por meio da Internet e de outras tecnologias.

Requer-se um profissional aberto para que o que se passa na sociedade, fora da universidade, suas transformações,evoluções e mudanças; atento para as novas formas de participação, as novas conquistas, os novos valores emergente e as novas descobertas (MASETTO, 2003).

Leituras recomendadas

MASETTO, Marcos Tarciso. Competência pedagógica do professor universitário. São Paulo: Summus, 2003.

Neste livro, que se inicia com reflexões acerca da necessidade de se discutir a competência pedagógica e a docência universitária, o autor analisa diversos aspectos da atividade do professor, desde o planejamento e o discernimento de prioridades, passando pela interação entre professor e aluno, recursos técnicos e tecnológicos, até a dimensão política de sua atuação.

NÓVOA, António (Coord.).  Os professores e a sua formação. 3. Ed. Lisboa: Dom Quixote, 1995.

Trata-se de coletânea de renomados autores, como A. NOVOA, G. Sacristán, M. Garcia, T. Pokewitz, Donald Shön, T. Popkewitz, P. Woods e a. P. Gomes, que analisam criticamente o papel do professor.

PERRENOUD, Phillippe. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000.
Este livro foi elaborado para orientar a ação do professor num contexto de constantes transformações. Reúne dez grandes famílias de competências que contribuem para a luta contra o fracasso escolar, o desenvolvimento da cidadania e para a prática reflexiva. Apesar de abordar aspectos referentes principalmente ao ensino fundamental, este livro mostra-se útil também para a reflexão acerca da ação docente no Ensino Superior.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.


O livro discute os saberes que servem de base aos professores para realizarem seu trabalho em sala de aula. São criticados os enfoques anglo-americanos que reduzem o saber dos professores a processos psicológicos, assim como certas visões europeias tecnicistas que alimentam as abordagens por competência e também se posiciona de forma crítica em relação às concepções sociológicas tradicionais que associam os professores a agentes de reprodução das estruturas sociais dominantes.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

CÓDIGO PENAL – DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO, DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL, VARGAS DIGITADOR – DECRETO-LEI N 2.848, DE 07 DE DEZEMBR0 DE 1940 – EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA NOVA PARTE ESPECIAL DO CÓDIGO PENAL - VARGAS DIGITADOR



CÓDIGO PENAL –  DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO, DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL, VARGAS DIGITADOR – DECRETO-LEI N 2.848, DE 07 DE DEZEMBR0 DE 1940 – EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA NOVA PARTE ESPECIAL DO CÓDIGO PENAL - VARGAS DIGITADOR

DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

56. Várias são as inovações introduzidas pelo projeto no setor dos crimes patrimoniais. Não se distingue, para diverso tratamento penal, entre o maior ou menor valor da lesão patrimonial; mas, tratando-se de furto, apropriação indébita ou estelionato, quando a coisa subtraída, desviada ou captada é de pequeno valor, e desde que o agente é criminoso primário, pode o juiz substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um até dois terços, ou aplicar somente a de multa (artigos 155, § 2º, 170, 171, § 1º). Para afastar qualquer dúvida, é expressamente equilibrada à coisa móvel e, consequentemente, reconhecida como possível objeto de furto a “energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico”. Toda energia economicamente utilizável e suscetível de incidir no poder de disposição material e exclusiva de um indivíduo (como por exemplo, a eletricidade, a radioatividade, a energia genética dos reprodutores etc.) pode ser incluída, mesmo do ponto de vista técnico entre as coisas móveis, a cuja regulamentação jurídica, portando, deve ficar sujeita.

Somente quando há emprego de força, grave ameaça ou outro meio tendente a suprimir a resistência pessoal da vítima, passa o furto a ser qualificado roubo. No caso de violência contra a coisa, bem como quando o crime é praticado com escalada ou emprego de chaves falsas, não perde o furto seu nomen juris, embora seja especialmente aumentada a pena, também importa majoração de pena o furto como emprego de destreza ou de meio fraudulento, com abuso de confiança ou concurso de duas ou mais pessoas. O furto com abuso de confiança não deve ser confundido com a apropriação indébita, pois nesta a posse  direta e desvigiada da coisa é precedentemente concedida ao agente pelo próprio dominus.

É prevista como agravante especial do furto a circunstancia de ter sido o crime praticado “durante o período do sossego noturno”.

A violência como elementar do roubo, segundo dispõe o projeto, não é somente a que se emprega para o delito da apprehensio da coisa, mas também a exercida post factum, para assegurar o agente, em seu proveito, ou de terceiro, a detenção da coisa subtraída ou a impunidade.

São declaradas agravantes especiais do roubo as seguintes circunstâncias: ter sido a violência ou ameaça exercida com armas, o concurso de mais de duas pessoas e achar-se a vítima em serviço de transporte de dinheiro, “conhecendo o agente tal circunstância”.

57. A extorsão é definida numa fórmula unitária, suficientemente ampla para abranger todos os casos possíveis na prática. Seu tratamento penal é idêntico ao do roubo, mas, se é praticada mediante sequestro de pessoa, a pena é sensivelmente aumentada. Se do fato resulta a morte do sequestrado, é cominada a mais rigorosa sanção penal do projeto: reclusão por 20 (vinte) a 30 (trinta) anos e multa de vinte a cinquenta contos de réis. Esta excepcional severidade da pena é justificada pelo caráter brutal e alarmante dessa forma de criminalidade nos tempos atuais.

É prevista no artigo 160, cominando-se-lhe a pena de reclusão por 1 (um) a 3 (três) anos e multa de dois a cinco contos de réis, a extorsão indireta, isto é, o fato de “exigir ou receber, como garantia de dívida, abusando da situação de alguém, documento que pode dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro”. Destina-se o novo dispositivo a coibir os torpes e opressivos expedientes a que recorrem, por vezes, os agentes de usura, para garantir-se contra o risco do dinheiro mutuado. São bem conhecidos esses recursos como, por exemplo, o de induzir o necessitado cliente a assinar um contrato simulado de depósito ou a forjar no título de dívida a firma de algum parente abastado, de modo que, não resgatada a dívida no seu vencimento, ficará o mutuário sob a pressão da ameaça de um processo por apreciação indébita ou falsidade.

58. Sob a rubrica “Da usurpação”, o projeto incrimina certos fatos que a lei penal vigente conhece sob diverso nomen juris ou ignora completamente, deixando-os na órbita dos delitos civis. Em quase todas as suas modalidades, a usurpação é uma lesão ao interesse jurídico da inviolabilidade da propriedade imóvel.

Assim, a alteração de limites (artigo 161), a usurpação de águas (artigo 161, § 1º, I) e o esbulho possessório, quando praticados com violência à pessoa, ou mediante grave ameaça, ou concurso de mais de duas pessoas (artigo 161, § 1º, II). O emprego de violência contra a pessoa, na modalidade da invasão possessória, é condição de punibilidade, mas se dele resulta outro crime, haverá um concurso material de crimes, aplicando-se, somadas as respectivas penas (artigo 161, § 2º).

Também constitui crime de usurpação o fato de suprimir ou alterar marca ou qualquer sinal indicativo de propriedade em gado ou rebanho alheio, para dele se apropriar, no todo ou em parte. Não se confunde esta modalidade de usurpação com o abigeato, isto é, o furto de animais: o agente limita-se a empregar meio fraudulento (supressão ou alteração de marca ou sinal) para irrogar-se a propriedade dos animais. Se esse meio fraudulento é usado para dissimular o anterior furto dos animais, já não se tratará de usurpação, o crime continuará com o seu nomen juris, isto é furto.

59. ao cuidar do crime de dano, o projeto adota uma fórmula genérica (“destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia”) e, a seguir, prevê agravantes e modalidades especiais do crime. Estas últimas, mais ou menos estranha à lei vigente, são a “introdução ou abandono de animais em propriedade alheia”, o “dano em coisa de valor artístico, arqueológico ou histórico” e a “alteração de local especialmente protegido”.

Como certos fatos que a lei atual considera variantes de dano não figuram como tais, no projeto. Assim, a destruição de documentos públicos ou particulares (artigo 325, e seu parágrafo único, da Consolidação das leis Penais) passa a constituir crime de falsidade (artigo 305 do projeto) ou contra a administração pública (artigos 314 e 356).

60. A apropriação indébita (furtum improprium) é conceituada, em suas modalidades da mesma forma na lei vigente, mas o projeto contém inovações no capítulo reservado a tal crime. A pena (que passa a ser reclusão por um a quatro anos e multa de quinhentos mil-réis a dez contos de réis) é aumentada de um terço, se ocorre infidelidade do agente como depositário necessário ou judicial, tutor, testamenteiro, ou no desempenho de ofício, emprego ou profissão. Diversamente da lei atual não figura entre as modalidades da apropriação indébita o abigeato, que é, indubitavelmente, um caso de furtum proprium e por isso mesmo, não especialmente previsto no texto do projeto.

É especialmente equiparado à apropriação indébita o fato do inventor do tesouro em prédio alheio que retém para si a quota pertencente ao proprietário deste.

61. O estelionato é assim definido: “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou outro meio fraudulento”. Como ser vê, o dispositivo corrige em três pontos a fórmula genérica do inciso 5º do artigo 338 do Código atual; contempla a hipótese de captação de vantagem para terceiro, declara que a vantagem deve ser ilícita e acentua que a fraude elementar do estelionato não é somente a empregada para induzir alguém em erro, mas também a que serve para manter (fazer subsistir, entreter) um erro preexistente.

Com a fórmula do prometo, já não haverá dúvida que o próprio silêncio, quando malicioso ou intencional, acerca do preexistente erro da vítima, constitui meio fraudulento característico do estelionato.

Entre tais crimes, são incluídos alguns contemplados na lei em vigor, como exempli gratia, a fraude relativa a seguro contra acidentes (artigo 171, § 2º, V) e a “frustração de pagamento de cheques” (artigo 171, § 2º, VI).

A incriminação deste último fato, de par com a da emissão de cheque sem fundo, resulta do raciocínio de que não há distinguir entre um e outro caso, tão criminoso é aquele que3 emite cheque sem provisão como aquele que, embora dispondo de fundos em poder do sacado, maliciosamente os retira antes da apresentação do cheque ou, por outro modo, ilude o pagamento, em prejuízo do portador.

O “abuso de papel em banco”, previsto atualmente como modalidade do estelionato, passa, no projeto, para o setor dos crimes contra a fé pública (artigo 299).

62. A “duplicata simulada” e o “abuso de incapazes” são previstos em artigos distintos. Como forma especial de fraude patrimonial, é também previsto o fato de “abusar, em proveito próprio ou alheio, da inexperiência ou da simplicidade ou inferioridade mental de outrem, induzindo-o à prática de jogo ou aposta, ou à especulação com títulos ou mercadorias, sabendo ou devendo saber que a operação é ruinosa”.

63. Com a rubrica da “fraude no comércio”, são incriminados vários fatos que a lei atual não prevê especialmente. Entre eles figura o de “vender, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada”, devendo entender-se que tal crime constitui “fraude no comércio”, quando não importe crime contra a saúde pública, mais severamente punido.

São destacadas, para o efeito de grande atenuação da pena, certas fraudes de menor gravidade, como sejam a “usurpação de alimentos” (filouterie d’aliments ou grivèlerie dos franceses, ; scrocco, dos italianos, ou Zachprellerei, dos alemães),  a pousada em hotel e a utilização de meio de transporte, sabendo o agente ser-lhe impossível efetuar o pagamento. É expressamente declarado que, em tais casos, dadas as circunstâncias, pode o juiz abster-se de aplicação da pena, ou substituí-la por medida de segurança. Às “fraudes e abusos na fundação e administração das sociedades por ações” (não constituindo qualquer dos fatos crime contra a economia popular definido na legislação especial, que continua em vigor) são minuciosamente previstos, afeiçoando-se o projeto à recente lei sobre as ditas sociedades.

O projeto absteve-se de tratar dos crimes de falência que deverão ser objeto de legislação especial, já em elaboração.

Na sanção relativa à fraudulenta insolvência civil é adotada a alternativa entre privativa  da liberdade (detença) e a pecuniária (multa de quinhentos mil-réis a cinco contos de réis); e a ação penal dependerá de queixa.

64. Em capítulo especial, como crime sui generis contra o patrimônio, e com pena própria, é prevista a receptação (que o Código vigente, na sua parte geral, define como forma de cumplicidade post factum, resultando daí muitas vezes, a aplicação de penas desproporcionadas). O projeto distingue, entre a receptação dolosa e a culposa, que a lei atual injustificadamente equipara. É expressamente declarado que a receptação é punível ainda que não seja conhecido ou passível de pena o autor do crime de que proveio a coisa receptada. Tarando-se de criminoso primário, poderá o juiz, em face das circunstâncias, deixar de aplicar a pena, ou substituí-la por medida de segurança.

Os dispositivos do projeto em relação à circunstância de parentesco, entre os sujeitos ativo e passivo, nos crimes patrimoniais, são mais amplos da que os do direito atual ficando, porém, explícito que o efeito de tal circunstância não aproveita aos coparticipes do parente, assim como não se estende aos casos de roubo, extorsão e, em geral, aos crimes patrimoniais praticados mediante violência contra a pessoa.

DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL


65. Sob esta rubrica é que o projeto alinha os crimes que o direito atual denomina “crimes contra a propriedade literária, artística, industrial e comercial”. São tratados como uma classe autônoma, que se reparte em quatro subclasses: “crimes contra as marcas de indústria e comércio” e “crimes de concorrência desleal”. Tirante uma e outra alienação ou divergência, são reproduzidos os critérios e fórmulas da legislação vigente.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

CÓDIGO PENAL – (...) PARTE ESPECIAL - DA RIXA, DOS CRIMES CONTRA A HONRA, DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE INDIVIDUAL, DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL, DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO, DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DE CORRESPONDÊNCIA, DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DOS SEGREDOS - VARGAS DIGITADOR



CÓDIGO PENAL – (...) PARTE ESPECIAL -  DA RIXA, DOS CRIMES CONTRA A HONRA, DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE INDIVIDUAL, DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL, DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO, DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DE CORRESPONDÊNCIA, DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DOS SEGREDOS - VARGAS DIGITADOR - DECRETO-LEI N 2.848, DE 07 DE DEZEMBR0 DE 1940 – EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA NOVA PARTE ESPECIAL DO CÓDIGO PENAL -  VARGAS DIGITADOR

DA RIXA

48. Ainda outra inovação do projeto, em matéria de crimes conta a pessoa, é a incriminação da rixa, por si mesma, isto é, da luta corporal entre várias pessoas. A ratio essendi da incriminação é dupla: a rixa concretiza um perigo à incolumidade pessoal (e nisto se assemelha aos “crimes de perigo contra a vida e a saúde”) e é uma perturbação da ordem e disciplina da convivência civil.

A participação na rixa é punida independentemente das consequências desta. Se ocorre a morte ou  lesão corporal grave de algum dos contendores, dá-se uma condição de maior punibilidade, isto é, a pena cominada ao simples fato da participação na rixa é especialmente agravada. A pena cominada à rixa em si mesma é aplicável separadamente da pena correspondente ao resultado lesivo (homicídio ou lesão corporal), mas serão ambas aplicadas cumulativamente (como no caso de concurso material) em relação aos contendores que concorrerem para a produção desse resultado.

Segundo se vê do artigo 137, in fine, a participação na rixa deixará de ser crime se o participante visa apenas separar os contendores. É claro que também não haverá crime se a intervenção constituir legítima defesa própria ou de terceiro.

DOS CRIMES CONTRA A HONRA

49. O projeto cuida dos crimes contra a honra somente quando não praticados pela imprensa, pois os chamados “delitos de imprensa” (isto é, os crimes contra a honra praticados por meio da imprensa) continuam a ser objeto de legislação especial.

São definidos como crimes contra a honra a calúnia, a injúria (compreensiva da injúria “por violência ou vias de fato” ou com emprego de meios aviltantes, que a lei atual prevê parcialmente no capítulo das “lesões corporais”) e a “difamação” (que, de modalidade da injúria, como na lei vigente, passa a constituir crime autônomo).

No tratamento de crime de injúria, foi adotado o critério de que a injusta provocação do ofendido ou a reciprocidade das injúrias, se não exclui a pena, autoriza, entretanto, o juiz, conforme as circunstâncias, a abster-se de aplicá-la, no caso de reciprocidade, a aplicá-la somente a um dos injuriadores.

A lides veri ou exceptio veritatis é admitida, para exclusão de crime ou de pena, tanto no caso de calúnia (salvo as exceções enumeradas no § 3º do artigo 138), quanto no de difamação, mas, neste último caso, somente quando o ofendido é agente ou depositário da autoridade pública e a ofensa se refere ao exercício de suas funções, não se tratando do “Presidente da República, ou chefe de Governo estrangeiro em visita ao país”.

Exceção feita da “injúria por violência ou vias de fato”, quando dela resulte lesão corporal, a ação penal, na espécie, depende da queixa, bastando, porém, simples representação, quando o ofendido é qualquer das pessoas indicadas nos nº I e II do art. 141.
Os demais dispositivos coincidem, mas ou menos, com os do direito vigente.
 
DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE INDIVIDUAL

50. Os crimes contra a liberdade individual são objeto do Capítulo VI do título reservado aos crimes contra a pessoa. Subdividem-se em: a) crimes contra a liberdade pessoal; b) crimes contra a inviolabilidade do domicílio; c) crimes contra a inviolabilidade da correspondência; d) crimes contra a inviolabilidade de segredos.

O projeto não considera contra a liberdade individual os chamados crimes eleitorais; estes, por isso mesmo que afetam a ordem política, serão naturalmente insertos, de futuro, no catálogo dos crimes políticos, deixados à legislação especial (artigo 360).

DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL

51. O crime de constrangimento ilegal é previsto no artigo 146, com uma fórmula unitária. Não há indagar, para diverso tratamento penal, se a privação da liberdade de agir foi obtida mediante violência, física ou moral, ou com o emprego de outro qualquer meio, como, por exemplo, se o agente, insidiosamente, faz a vítima ingerir um narcótico. A pena relativa ao constrangimento ilegal, como crime sui generis, é sempre a mesma. Se há emprego da vis corporalis, com resultado lesivo à pessoa da vítima, dá0se um concurso material dos crimes.

A pena é especialmente agravada (inovação do projeto), quando, para a execução do crime, se houverem reunido mais de três pessoas ou tiver havido emprego de armas. É expressamente declarado que não constituem o crime em questão o “tratamento médico arbitrário”, se justificado por iminente perigo de vida, e a “coação exercida para impedir suicídio”.

Na conceituação do crime de ameaça (artigo 147), o projeto diverge, em mais de um ponto da lei atual. Não é preciso que o “mal prometido” constitua crime, bastando que seja injusta e grave. Não se justifica o critério restritivo do direito vigente, pois a ameaça de um mal injusto e grave, embora penalmente indiferente, pode ser, às vezes, mais intimidante que a ameaça de um crime.

Não somente é incriminada a ameaça verbal ou por escrito, mas, também, a ameaça real (isto é, por gestos, v.g.: apontar uma arma de fogo contra alguém) ou simbólica (ex.: afixar à porta da casa de alguém o emblema ou sinal usado por uma associação de criminosos).

Os crimes de cárcere privado e sequestro, salvo sensível majoração da pena, são conceituados como na lei atual.

No artigo 149, é prevista uma entidade criminal ignorada do Código Vigente; o fato de reduzir alguém por qualquer meio, à condição análoga à de escravo, isto é, suprimir-lhe, de fato, o status libertatis, sujeitando-o o agente ao seu completo e discricionário poder. É o crime que os antigos chamavam plagium. Não é desconhecida a sua prática entre nós, notadamente em certos pontos remotos do nosso hinterland.

DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO

52. Com ligeiras diferenças. Os dispositivos referentes ao crime de violação de domicílio repetem critérios da lei atual. Do texto do artigo 150 se depreende, a contrário, que a entrada na casa alheia ou suas dependências deixa de constituir crime, não somente quando precede licença expressa, mas também quando haja consentimento tácito de quem de direito. É especialmente majorada a pena, se o crime é pratica: a) durante a noite; b) em lugar despovoado; c) com emprego de violência ou de armas; d) por duas ou mais pessoas.

Para maior elucidação do conteúdo do crime, é declarado que a expressão “casa” é compreensiva de “qualquer compartimento habitado”, “aposento ocupado de uma habitação coletiva” e “qualquer compartimento, não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade”.

DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DE CORRESPONDÊNCIA

53. O projeto trata a violação de correspondência separadamente da violação de segredos, divergindo, assim, do Código atual, que as engloba num mesmo capítulo. A inviolabilidade da correspondência é um interesse que reclama a tutela penal independentemente dos segredos acaso confiados por esse meio. Na configuração das modalidade do crime de violação de correspondência, são reproduzidos os preceitos da legislação vigente e acrescentados outros, entre os quais o que incrimina especialmente o fato de abusar da condição de sócio empregado ou preposto, em estabelecimento comercial ou industrial, desviando, sonegando, subtraindo, suprimindo, no todo ou em parte, correspondência, ou revelando a estranho o seu conteúdo. Salvo nos casos em que seja atingido interesse da administração pública, só se procederá, em relação a qualquer das modalidades do crime, mediante representação.

DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DOS SEGREDOS

54. Ao incriminar a violação arbitrária de segredos, o projeto mantém-se fiel aos “moldes” do Código em vigor, salvo uma ou outra modificação. Deixa à margem da proteção penal somente os segredos obtidos por confidência oral e não necessária. Não foi seguido o exemplo do Código italiano, que exclui da órbita do ilícito penal até mesmo a violação do segredo obtido por confidência escrita. Não é convincente a argumentação de Rocco: “Entre o segredo confiado oralmente, e o confiado por escrito não há diferença substancial, e como a violação do segredo oral não constitui crime, nem mesmo quando o confidente se tenha obrigado a não revelá-lo, não se compreende porque a diversidade do meio usado, isto é, o escrito, deva tornar punível o fato”. Ora, é indisfarçável a diferença entre divulgar ou revelar a confidência que outrem nos faz verbalmente e a veracidade da comunicação pode ser posta em dúvida, dada a ausência de comprovação material; ao passo que, no segundo, há um corpus, que se impõe à credulidade geral. A traição da confiança, no segundo caso, é evidentemente mais grave do que no primeiro.

Diversamente da lei atual, é incriminada tanto a publicação do conteúdo secreto de correspondência epistolar, por parte do destinatário, quanto o de qualquer outro documento particular, por parte do seu detentor, e não somente, quando daí advenha efetivo dano a alguém (como na lei vigente), senão também quando há simples possibilidade de dano.


55. Definindo o crime de “violação de segredo profissional”, o projeto procura dirimir qualquer incerteza acerca do que sejam confidentes necessários. Incorrerá na sanção penal todo aquele que revelar segredo, de que tenha ciência em razão de “função, ministério, ofício ou profissão”. Assim, já não poderá ser suscitada, como perante a lei vigente, a dúvida sobre se constitui ilícito penal a quebra do “sigilo do confessionário”.

CÓDIGO PENAL - DA PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE - EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA NOVA PARTE ESPECIAL DO CÓDIGO PENAL - (...) PARTE ESPECIAL - VARGAS DIGITADOR



CÓDIGO PENAL – DECRETO-LEI N 2.848, DE 07 DE DEZEMBR0 DE 1940 – EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA NOVA PARTE ESPECIAL DO CÓDIGO PENAL - (...) PARTE ESPECIAL - DA PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE -  VARGAS DIGITADOR

DA PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE

43. Sob esta epígrafe, o projeto contempla uma série de crimes de perigo contra a pessoa, umas já constantes, outros desconhecidos da lei penal vigente. Pelo seu caráter especial, seja quanto ao elemento objetivo, seja quanto ao elemento subjetivo, tais crimes reclamam um capítulo próprio. Do ponto de vista material, reputam-se consumados ou perfeitos desde que a ação ou omissão cria uma situação objetiva de possibilidade de dano à vida ou saúde de alguém. O evento, aqui (como nos crimes de perigo em geral), é a simples exposição a perigo de dano. O dano efetivo pode ser uma condição de maior punibilidade, mas não condiciona o momento consumativo do crime. Por outro lado, o elemento subjetivo é a vontade consciente referida exclusivamente à produção do perigo. A ocorrência do dano não se compreende na volição ou dolo do agente, pois, do contrário, não haveria porque distinguir entre tais crimes e a tentativa de crime de dano.

44. Entre as novas entidades prefiguradas no capítulo em questão, depara-se, em primeiro lugar, com o “contágio venéreo”. Já há mais de meio século, o médico francês Després postulava que se incluísse tal fato  entre as espécies do ilícito penal, como já fazia, aliás, desde 1866, a lei dinamarquesa. Tendo o assunto provocado amplo debate, ninguém mais duvida, atualmente, da legitimidade dessa incriminação. A doença venérea é uma lesão corporal e de compatibilizar gravíssimas, notadamente quando se trata da sífilis. O mal da contaminação (evento lesivo) não fica circunscrito a uma pessoa determinada. O indivíduo que, sabendo-se portador de moléstia venérea, não se priva do ato sexual, cria conscientemente a possibilidade de um contágio extensivo. Justifica-se, portanto, plenamente, não só a incriminação do fato, como o critério de declarar-se suficiente para a consumação do crime a produção do perigo de contaminação. Não há dizer-se que, em grande número de casos, será difícil, senão impossível, a prova de autoria. Quando esta não possa ser averiguada, não haverá ação penal (como acontece, aliás, em relação a qualquer crime); mas a dificuldade de prova não é a razão para queixar-se de incriminar um fato gravemente atentatório de um relevante bem jurídico. Nem igualmente se objete que a incriminação legal pode dar ensejo, na prática, a chantage ou especulação extorsiva. A tal objeção responde cabalmente Jimenez de Asúa (O delito de contágio venéreo): “... Não devemos esquecer em muitos outros crimes, que, nem por isso, deixam de figurar nos Códigos. O melhor remédio é punir severamente os chantagistas, como propõem Le foyer e faux”. Ao conceituar o crime de contágio venéreo, o projeto rejeitou a fórmula híbrida do Código italiano (seguida pelo projeto Alcântara), que configura, no caso, um “crime de dano como dolo de perigo”. Foi preferida a fórmula do Código dinamarquês: o crime se consuma com o simples fato da exposição a perigo de contágio. O eventus damni não é elemento constitutivo do crime de maior punibilidade. O costume é punido não só a título de dolo de perigo, como a título de culpa (isto é, não só quando o agente sabia achar-se infeccionado, como quando devia sabê-lo pelas circunstâncias). Não se faz enumeração taxativa das moléstias venéreas (segundo a lição científica, são elas a sífilis, a blenorragia,  o ulcus molle e o linfogranuloma inguinal, pois isso é mais próprio de regulamento sanitário. Segundo dispôs o projeto (que neste ponto, diverge do seu modelo), a ação penal, na espécie, depende sempre de representação (e não apenas no caso em que o ofendido seja cônjuge do agente). Este critério é justificado pelo raciocínio de que de que, na repressão do crime de que se trata, o streptus judicii, em certos casos, pode ter consequências gravíssimas, em desfavor da própria vítima e da sua família.

45. É especialmente prefigurado, para o efeito de majoração da pena, o caso em que o agente tenha procedido com intenção de transmitir a moléstia venérea. É possível que o rigor técnico exigisse a inclusão de tal hipótese no capítulo das lesões corporais, desde que seu elemento subjetivo é o dolo de dano, mas como se trata, ainda nessa modalidade, de um crime para cuja consumação basta o dano potencial, pareceu à Comissão revisora que não havia despropósito em classificar o fato entre os crimes de perigo contra a pessoa. No caso de dolo de dano, a incriminação é extensiva à criação do perigo de contágio de qualquer moléstia grave.

46. No artigo 132, é igualmente prevista uma entidade criminal estranha à lei atual: “expor a vida ou saúde de outrem, a perigo direto e iminente”, não constituindo o fato crime mais grave. Trata-se de um crime de caráter eminentemente subsidiário. Não o informa o animus necandi ou o animus laedendi, mas apenas a consciência e vontade de expor a vítima a grave perigo. O perigo concreto, que constitui o seu elemento objetivo, é limitado a determinada pessoa, não se confundindo, portanto, o crime em questão com os de perigo comum ou contra a incolumidade pública. O exemplo frequente é típico dessa species criminal é o caso do empreiteiro que, para poupar-se ao dispêndio com medidas técnicas de prudência, na execução de obra, expõe o operário ao risco de grave acidente. Vem daí que Zurcher, ao defender, na espécie, quando da elaboração do Código Penal suíço, um dispositivo incriminador, dizia que este seria um complemento da legislação trabalhista (wir haben geglaubt, dieser Artikel werde einen Teil der Arbeiterschutzgesetz-gebung bilden). Este pensamento muito contribuiu para se formulasse o artigo 132; mas este não visa somente proteger a indenidade do operário, quando em trabalho, senão também a de qualquer outra pessoa. Assim, o crime de que ora se trata não pode deixar de ser reconhecido na ação, por exemplo, de quem dispara uma arma de fogo contra alguém, não sendo atingido o alvo, nem constituindo o fato tentativa de homicídio.

Ao definir os crimes de abandono (artigo 133) a omissão de socorro (artigo 135), o projeto, diversamente da lei atual, não limita a proteção penal aos menores, mas atendendo ao ubi eadem ratio, ibi eadem dispositivo, amplia-a aos incapazes em geral, aos enfermos, inválidos e feridos.


47.  Não contém o projeto dispositivo especial sobre o duelo. Sobre tratar-se de um fato inteiramente alheio aos nossos costumes, não há razão convincente para que se veja no homicídio ou ferimento causado em duelo um crime privilegiado: com ou sem as regras cavalheirescas, a destruição da vida ou lesão da integridade física de um homem não pode merecer transigência alguma do direito penal. Pouco importa o consentimento recíproco dos duelistas, pois, quando estão em jogo direitos inalienáveis, o mutuus consensus não é causa excludente ou sequer minorativa da pena. O desafio para o duelo e a aceitação dele são, em si mesmos, fatos penalmente indiferentes; mas, se não se exaurem como simples jactância, seguindo-se-lhes efetivamente o duelo, os contendores responderão, conforme o resultado, por homicídio (consumado ou tentado) ou lesão corporal.

CÓDIGO PENAL – DECRETO-LEI N 2.848, DE 07 DE DEZEMBR0 DE 1940 – EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA NOVA PARTE ESPECIAL DO CÓDIGO PENAL - (...) PARTE ESPECIAL - DAS LESÕES CORPORAIS - VARGAS DIGITADOR


CÓDIGO PENAL – DECRETO-LEI N 2.848, DE 07 DE DEZEMBR0 DE 1940 – EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA NOVA PARTE ESPECIAL DO CÓDIGO PENAL - (...) PARTE ESPECIAL -  DAS LESÕES CORPORAIS - VARGAS DIGITADOR

DAS LESÕES CORPORAIS

42. O crime de lesão corporal e definido como ofensa à integridade corporal ou saúde, isto é, como todo e qualquer dano ocasionado à normalidade funcional do corpo humano; quer do ponto de vista anatômico, quer do ponto de vista fisiológico ou mental. Continua-se a discriminar, para diverso tratamento penal, entre a lesão de natureza leve e a de natureza grave. Tal como na lei vigente, a lesão corporal grave, por sua vez, é considerada, para o efeito de graduação da pena, segundo sua menor ou maior gravidade objetiva. Entre as lesões de menor gravidade figura (à semelhança do que ocorrer na lei atual) a que produz “incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 (trinta) dias”, mas, como uma lesão pode apresentar gravíssimo perigo (dado o ponto atingido) e, no entanto, ficar curada antes de 1 (um) mês, entendeu o projeto de incluir nessa mesma classe, sem referência à condição de tempo ou a qualquer outra , a lesão que produz “perigo de vida”. Outra inovação é o reconhecimento da gravidade da lesão de que resulte “debilitação permanente de membro, sentido ou função” ou “aceleração de parto”.

Quanto às lesões de maior gravidade, também não é o projeto coincidente com a lei atual, pois que: a) separa, como condições autônomas ou por si sós suficientes para o reconhecimento de maior gravidade, a “incapacidade permanente para o trabalho” ou “enfermidade certa ou provavelmente incurável”; b) delimita o conceito de deformidade (isto é, acentua que esta deve ser “permanente”; c) inclui entre elas a que ocasiona aborto. No § 3º do artigo 129, é especialmente previsto e resolvido o caso em que sobrevém a morte do ofendido, mas evidenciando as circunstâncias que o evento letal não se compreendia no dolo do agente, isto é, o agente não queria esse resultado, nem assumira o risco de produzi-lo, tendo procedido apenas vulnerandi animo.

Costuma-se falar, na hipótese, em “homicídio preterintencional”, para reconhecer-se um grau intermédio entre o homicídio doloso e o homicídio culposo; mas tal denominação, em face do conceito extensivo do dolo, acolhido pelo projeto, torna-se inadequada: ainda quando o evento “morte” não tenha sido, propriamente, abrangido pela intenção do agente, mas este assumiu o risco de produzi-lo, o homicídio é doloso.

A lesão corporal culposa é tratada no artigo 129, § 6º. Em consonância com a lei vigente, não se distingue, aqui, entre a maior ou menor importância do dano material: leve ou grave a lesão, a pena é a mesma, isto é, detenção por 2 (dois) meses a 1 (um) ano (sanção mais severa do que a editada na lei atual). É especialmente agravada a pena nos mesmos casos em que o é a cominada ao homicídio culposo. Deve  notar-se que o caso de multiplicidade do evento lesivo (várias lesões corporais, ou várias mortes, ou lesão corporal e morte), resultante de uma só ação ou omissão culposa, é resolvido segundo a norma genérica do § 1º do artigo 51.


Ao crime de lesões corporais é aplicável o disposto no § 1º do artigo 121 (facultativa diminuição da pena, quando o agente “comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob a influência de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima”). Tratando-se de lesões leves, se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo citado, ou se as lesões são recíprocas, o juiz pode substituir a pena de detenção pela de multa (de duzentos mil-réis a dois contos de réis).