quinta-feira, 9 de março de 2017

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 7º VARGAS, Paulo S.R.

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 7º


VARGAS, Paulo S.R.

LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil
PARTE GERAL
LIVRO I – DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS
TÍTULO ÚNICO – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS
CAPÍTULO I – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL

Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.
·         Sem correspondência no CPC 1973.

1.    PRINCÍPIO DA ISONOMIA

A previsão do art. 7º do CPC ao assegurar às partes paridade de tratamento no curso do processo se limita a repetir a regra já consagrada no art. 125, I, do CPC/1973. Inova apenas ao prever que ao tratar as partes com isonomia o juiz deverá zelar pelo efetivo contraditório, no que parece ser uma consequência natural da conduta isonômica a ser adotada pelo juiz. Afinal, a isonomia processual é o que garante às partes uma “paridade de armas”, como forma de manter equilibrada a disputa judicial entre elas, o que só será obtido no caso concreto com o respeito ao efetivo contraditório. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 16, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O dispositivo consagra em termos mais restritos, limitados aos sujeitos processuais, a regra de que a lei deve tratar todos de forma igual, consagrada no art. 5º, caput, e inciso I, da CF.
A isonomia no tratamento processual das partes é forma, inclusive, de o juiz demonstrar a sua imparcialidade, porque demonstra que não há favorecimento de qualquer uma delas. O prazo para as contrarrazões nos recursos é sempre igual ao prazo dos recursos, ambas as partes têm direito a todos os meios de provas e serão intimadas para a audiência, na qual poderão igualmente participar etc. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 16/17, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

2.    ISONOMIA REAL

O princípio da isonomia, entretanto, não pode se esgotar num aspecto formal, pelo qual basta tratar todos igualmente que estará garantida a igualdade das partes, porque essa forma de ver o fenômeno está fundada na incorreta premissa de que todos sejam iguais. É natural que, havendo uma igualdade entre as partes, o tratamento também deva ser igual, mas a isonomia entre sujeitos desiguais só pode ser atingida por meio de um tratamento também desigual, na medida dessa desigualdade. O objetivo primordial na isonomia é permitir que concretamente as partes atuem no processo dentro do limite do possível, no mesmo patamar. Por isso, alguns sujeitos, seja pela sua qualidade, seja pela natureza do direito que discutem em juízo, têm algumas prerrogativas que diferenciam seu tratamento processual dos demais sujeitos, como forma de equilibrar a disputa processual. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 17, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O beneficiário da assistência judiciária é tratado de forma diferente dqaquele que não é pobre na acepção jurídica do termo no tocante ao pagamento das custas processuais, porque naturalmente essa é a única forma de equilibrar a situação desses dois sujeitos no processo. Do mesmo modo, algumas hipóteses de hipossuficiência justificam um tratamento diferenciado, como ocorre na proteção do consumidor em juízo, sendo legitimo que o juiz facilite a defesa de seu interesse no processo, conforme expressa previsão do art. 6º, VIII, do CDC, ou ainda com o incapaz, que terá direito a representante processual, presença do Ministério Público como fiscal da ordem jurídica (art. 178, II, do CPC) e não operará com relação a ele o efeito da presunção de veracidade na revelia (art. 345, II, do CPC). É correto que tenham prazo em dobro ou litisconsortes com patronos diferentes, de diferentes escritórios em processos que não tenham autos eletrônicos (art. 229 do CPC), em razão de notável dificuldade de acesso aos autos nesses casos. Algumas espécies de hipossuficiência justificam que determinados sujeitos tenham a prerrogativa de litigarem no foro de seu domicílio, como ocorre com o consumidor (art. 101, do CDC).

3.    FAZENDA PÚBLICA EM JUÍZO

Em termos de tratamento processual diferenciado ninguém supera a Fazenda Pública, sendo interessante notar que os autores que não concordam com o tratamento diferenciado mencionam privilégios (Dinamarco, Instituições, v. 1, p. 211) da Fazenda Pública, enquanto aqueles que defendem a diferenciação preferem falar em prerrogativas (Carneiro da Cunha, A Fazenda, p. 34). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 17, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Para os defensores desse tratamento processual diferenciado, o legislador está tão somente aplicando a tese da isonomia real, sem nenhum benefício injustificado em favor da Fazenda Pública. São fundamentalmente dois os argumentos: as dificuldades na atividade jurisdicional em razão de problemas estruturais conjugados ao colossal volume de trabalho e a natureza do direito defendido em juízo, que é um direito da coletividade, a todos sendo interessantes essas prerrogativas para que a Fazenda Pública bem desempenhe sua atuação no processo. Os críticos não entendem justificável o tratamento diferenciado, chegando a se considerar a Fazenda Pública como uma superparte no processo, que tudo pode e contra ela nada se pode, em nítida e indesejável ofensa ao princípio da isonomia. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 17/18, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

São diversos indicativos desse tratamento diferenciado: (a) o prazo em dobro para se manifestar nos autos, nos termos do art. 183, caput, do CPC; (b) isenção do recolhimento de preparo e do adiantamento de quaisquer custas judiciais; (c) dispensa da caução prévia para a propositura da ação rescisória; (d) dispensa do depósito da multa para continuar recorrendo na hipótese do art. 1.021, § 5º, e 1.028, § 3º, do CPC; (e) possibilidade de ser condenado a pagar honorários em valor inferior a 10% sobre o valor da condenação (art. 85, § 3º, do CPC); (f) intimação pessoal dos procuradores e advogados da União (art. 6º da Lei 9.028/1995) e dos procuradores federais e do Banco Central do Brasil (art. 17 da Lei 10.910/2004), regra abandonada pelo art. 9º da Lei 11.419/2006 (processo eletrônico) e art. 8º, § 1º, da Lei 10.259/2001 (Juizados Especiais Federais); (g) reexame necessário nos termos do art. 496, I, do CPC. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 18, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

quarta-feira, 8 de março de 2017

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 6º VARGAS, Paulo S.R.

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 6º

VARGAS, Paulo S.R.

LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil

PARTE GERAL
LIVRO I – DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS
TÍTULO ÚNICO – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS
CAPÍTULO I – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL

Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que sotenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
·         Sem correspondência no CPC 1973.

1.    PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO

No art. 6º, CPC, consagra-se o princípio da cooperação, passando a exigir expressa previsão legal para que todos os sujeitos do processo cooperem entre si para que se obtenha a solução do processo com efetividade e em tempo razoável. Como o dispositivo prevê a cooperação como dever, é natural que o desrespeito gere alguma espécie de sanção, mas não há qualquer previsão nesse sentido no dispositivo ora analisado. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 14, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Aspecto interessante é a indicação expressa de que a cooperação entre as partes é voltada para a obtenção de uma decisão de mérito justa, efetiva e proferida em tempo razoável. Positivamente, tem-se a consagração legal de que a decisão de mérito – decisão típica do processo – deve ser o objetivo das partes e do juízo. Negativamente, a inexplicável ausência de tal princípio para a atividade executiva, pois no cumprimento de sentença a execução ocorre depois da sentença de mérito, e no processo de execução não existe sentença de mérito, salvo em situações excepcionais de acolhimento de defesas incidentais de mérito. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 14, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Seja como for, tratando-se de princípio que independe de expressa previsão legal, a redação aparentemente limitadora do dispositivo ora analisado não é suficiente para afastar o princípio da cooperação de toda atividade jurisdicional, inclusive a executiva. Superada a incongruência do texto legal em excluir – ou apenas tentar – a execução do alcance do princípio da cooperação, o seu conteúdo não merece elogios. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 15, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Pela redação do art. 6º do CPC todos os sujeitos processuais devem colaborar entre si, o que, ao menos em tese, envolveria a colaboração das partes com o juiz, do juiz com as partes e das partes entre si.
A colaboração das partes com o juiz vem naturalmente de sua participação no processo, levando aos autos alegações e provas que auxiliarão o juiz na formação de seu convencimento. Quanto mais ativa a parte na defesa de seus interesses mais colaborará com o juiz, desde que, é claro, atue com a boa-fé exigida pelo art. 5º do CPC. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 15, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

A colaboração do juiz com as partes exige do juiz uma participação mais efetiva, entrosando-se com as partes de forma que o resultado do processo seja o resultado dessa atuação conjunta de todos os sujeitos processuais. O juiz passa a ser um integrante do debate que se estabelece na demanda, prestigiando esse debate entre todos, com a ideia central de que, quanto mais cooperação houver entre os sujeitos processuais, a qualidade da prestação jurisdicional será melhor. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 15, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

A doutrina nacional que já enfrentou o tema divisa fundamentalmente três vertentes desse princípio da cooperação, entendidas como verdadeiros deveres do juiz na condução do processo: (i) dever de esclarecimento, consubstanciado na atividade do juiz de requerer às partes esclarecimentos sobre suas alegações e pedidos, o que naturalmente evita a decretação de nulidades e a equivocada interpretação do juiz a respeito de uma conduta assumida pela parte; (ii) dever de consultar, exigindo que o juiz sempre consulte as partes antes de proferir decisão, em tema já tratado quanto ao conhecimento de matérias e questões de ofícios; (iii) dever de prevenir, apontando às partes eventuais deficiências e permitindo suas devidas correções, evitando-se assim a declaração de nulidade, dando-se ênfase ao processo como genuíno mecanismo técnico de proteção de direito material. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 15, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

A terceira relação de cooperação sugerida pelo art. 6º do CPC é mais complexa. Teriam realmente as partes o dever de cooperarem entre si para a obtenção de decisão de mérito justa e efetiva?
Não se pode esquecer que as partes estarão no processo naturalmente em posições antagônicas, sendo difícil crer que uma colabora com a outra tendo como resultado a contrariedade de seus interesses. Nas palavras da melhor doutrina, “não se trata da aplicação da cooperação/colaboração das partes entre si e com o juiz, proposta há muito defendida por correntes doutrinárias estrangeiras, que ainda partem da premissa estatalista (socializadora) de subserviência das partes em relação a um juiz visto como figura prevalecente. Nem mesmo de uma visão romântica que induziria a crença de que as pessoas no processo querem, por vínculos de solidariedade, chegar ao resultado mais correto para o ordenamento jurídico. Essa utópica solidariedade processual não existe (nem nunca existiu); as partes querem ganhar e o juiz dar vazão à sua pesada carga de trabalho”.
Seguir a tendência de legislações estrangeiras, em especial a alemã, na propositura de um sistema coparticipativo/cooperativo é benéfico ao processo porque, centrando-se em deveres do juiz, permite uma participação mais ativa das partes na condução do processo e aumenta as chances de influenciarem de maneira efetiva na formação do convencimento judicial. Sob esse ponto de vista, é salutar falar em princípio cooperativo e o art. 6º do CPC deve ser saudado. (Daniel Amorim Assumpção Neves, pp. 15/16, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Por outro lado, interpretar o dispositivo legal como previsão que exige das partas uma cooperação entre si, outorgando-lhes um dever que contraria seus próprios interesses defendidos em juízo, é utopia e tornará o dispositivo morto.
Por mais forte que seja a afirmação, entendo equivocada a frase estampada tempos atrás em adesivo distribuído pela Ordem de Advogados do Brasil aos advogados paulistas: “Sem advogado não se faz justiça”. Entendo que os advogados não devem procurar justiça, mas defender os interesses de seu cliente, parte no processo. Respeitando os princípios da boa-fé e da lealdade processual, cabe ao juiz fazer justiça e ao advogado buscar convencê—lo de que suas razões são as mais justas. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 16, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O art. 6º do CPC deve ser lido levando-se essa realidade em vista. Se já não é hoje mais politicamente correto afirmar que o processo é uma guerra – donde se fala em “paridade de armas” -, não se pode descartar o caráter litigioso do processo, tampouco o fato de que os interesses das partes são contrários e não tem qualquer sentido lógico, moral ou jurídico, exigir que uma delas sacrifique seus interesses em prol da parte contrária, contribuindo conscientemente para sua derrota.

Significa que será extremamente positiva a novidade consagrada no dispositivo ora comentado se sua interpretação for feita à luz de antiga e acertada lição de Piero Calamendrei: “O advogado que pretendesse exercer seu ministério com imparcialidade não só constituiria uma incômoda duplicada do juiz, mas seria deste o pior inimigo; porque, não preenchendo sua função de contrapor ao partidarismo do contraditor a reação equilibradora de um partidarismo em sentido inverso, favoreceria, acreditando ajudar a justiça, o triunfo da injustiça adversária”. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 16, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm). 

terça-feira, 7 de março de 2017

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 5º VARGAS, Paulo S.R.

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 5º

VARGAS, Paulo S.R.

LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil
PARTE GERAL
LIVRO I – DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS
TÍTULO ÚNICO – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS
CAPÍTULO I – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL

Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.
Correspondência CPC/1973, art. 14: São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo:
II – proceder com lealdade e boa-fé;

1.    BOA FÉ E LEALDADE PROCESSUAL

Apesar da valoração do princípio da cooperação, inclusive consagrado no art. 6º do CPC, devidamente analisado no item anterior, é inegável que as partes atuam na defesa de seus interesses, colaborando com o juízo na medida em que essa colaboração lhes auxilie a se sagrarem vitoriosas na demanda. Acreditar que as partes atuam de forma desinteressada, sempre na busca da melhor da melhor tutela jurisdicional possível, ainda, que contrária aos seus interesses, é pensamento ingênuo e muito distante da realidade. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 11, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Negar a característica de um jogo ao processo é fechar os olhos a uma realidade bem evidente, vista diariamente na praxe forense. O processo, ao colocar frente a frente pessoas com interesses diametralmente opostos – ao menos na jurisdição contenciosa – e no mais das vezes com ânimos exaltados, invariavelmente não se transforma em busca pacífica e cooperativa na busca da verdade e, por consequência, da justiça, que fatalmente interessa a um dos litigantes, mas não ao outro. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 11/12, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Há conflito, há interesses confrontantes, há desejo de sobrepor-se à parte contrária. O patrono da parte, responsável pela defesa dos interesses de seu constituinte, não pode se esquecer de que se encontra no processo justamente exercitando tal mister e que uma eventual postura isonômica e imparcial sua colocaria em risco o princípio de igualdade entre as partes. Como já ensina lição clássica de Calamandrei, o pior advogado é aquele que se esquece de seu cliente e pensa ser o juiz da causa. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 12, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Assemelhando-se o processo a um jogo, é necessário que algumas regras sejam estabelecidas, aliás, como em qualquer outra atividade humana que coloque contentores frente a frente. Os deveres de proceder com lealdade e com boa-fé, presentes em diversos artigos do Código de Processo Civil, prestam-se a evitar os exageros no exercício da ampla defesa, prevendo condutas que violam a boa-fé e a lealdade processual e indicando quais são as sanções correspondentes. Como ensina a melhor doutrina, ainda que por vezes não se mostre fácil no caso concreto, deve existir uma linha de equilíbrio entre os deveres éticos e a ampla defesa de interesses, (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 12, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

2.    PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA

O art. 5º deste CPC consagrou de forma expressa entre nós o princípio da boa-fé objetiva, de forma que todos os sujeitos processuais devem adotar uma conduta no processo em respeito à lealdade e à boa-fé processual. Sendo objetiva, a exigência de conduta de boa-fé independe da existência de boas ou más intenções. Conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça a boa-fé objetiva se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social que impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse modelo, agindo como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal (STJ, 3ª Turma, REsp 803.481/GO, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 28/06/2007, DJ 01/08/2007 p. 462).  

No plano do direito material contratual o estudo da boa-fé objetiva esta em estágio bastante evoluído, em especial quanto aos conceitos parcelares da boa-fé objetiva. Cumpre analisar como a realidade contratual da boa-fé objetiva aplica-se ao processo. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 12, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

A supressio (Verwirkung) significa a supressão, por renúncia tácita, de um direito ou de uma posição jurídica, pelo seu não exercício com o passar dos tempos. Esse fenômeno é aplicável ao processo quando se perde um poder processual em razão de seu não exercício por tempo suficiente para incutir na parte contrária a confiança legítima de que esse poder não mais será exercido. Segundo o Superior Tribunal de Justiça não se admite a chamada “nulidade de algibeira ou de bolso” (STJ, 3ª Turma, EDcl no REsp 1.424.304/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 12/08/2014, DJe 26/08/2014), ou seja, a parte, embora tenha o direito de alegar a nulidade, mantém-se inerte durante longo período, deixando para exercer seu direito somente no momento em que melhor lhe convir. Nesse caso, entende-se que a parte renunciou tacitamente ao seu direito de alegar a nulidade, inclusive a absoluta (STJ, 4ª Turma, AgRg na PET no AResp 204.145/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 23/06/2015, DJe 29/06/2015) A surrectio é o outro lado da moeda, significando o surgimento de um direito em razão de comportamento negligente da outra parte. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 12, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O termo tu quoque designa a situação de abuso que se verifica quando um sujeito viola uma norma jurídica, e posteriormente, tenta tirar proveito da situação em benefício próprio. Trata-se de postulado ético que obsta que alguém faça com outrem o que não quer que seja feito consigo mesmo, sendo a expressão derivada de expressão de Júlio César ao notar que seu filho adotivo Brutus estava entre os que atentavam contra sua vida: “To quoque, filli?”  ou “Tu quoque, Brute, fili mi?”. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 13, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Não pode a parte criar dolosamente situações de vícios processuais para posteriormente tentar tirar proveito de tal situação. Por essa razão, prevê o art. 276 do CPC, que a parte responsável pela criação do vício processual não tem legitimidade para alegá-lo em juízo. Acredito que essa vedação não alcance as matérias de ordem pública, podendo, por exemplo, o autor alegar a incompetência absoluta do juízo mesmo que tenha sido o responsável pelo vício. Nesse caso o Maximo que o sistema permite é a condenação do autor por ato de litigância de má-fé. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 13, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

A exceptio doli é considerada como sendo a defesa da parte contra ações dolosas da parte contrária, sendo a boa-fé nesse caso utilizada como defesa. No processo vem sendo entendida como a exceção que a parte tem para paralisar o comportamento de quem age dolosamente contra si. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 13, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

A máxima venire contra factum proprium  impede que determinada pessoa exerça direito do qual é titular contrariando um comportamento anterior, já que tal conduta despreza a confiança e o dever de lealdade. Segundo a melhor doutrina, há quatro pressupostos para aplicação da proibição do comportamento contraditório: (a) uma conduta inicial; (b) a legítima confiança de outrem na conservação do sentido objetivo dessa conduta (c) um comportamento contraditório com este sentido objetivo; (d) um dano ou um potencial de dano decorrente da contradição. No processo é máxima amplamente consagrada, inclusive pelo legislador, como ocorre na aquiescência prevista no art. 1.000 do CPC, pela jurisprudência, que não admite o comportamento contraditório das partes (STJ, 4ª Turma, AgRg no AResp 646.158/SC, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 04/08/2015) e pela doutrina. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 13, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

A proibição de comportamento contraditório também é aplicável ao juiz, conforme acertadamente aponta o Enunciado 376 do FPPC: “A vedação de comportamento contraditório aplica-se ao órgão jurisdicional”. Assim, não pode o juiz indeferir um pedido de produção da prova entendendo não ser necessária a dilação probatória para posterior mente sentenciar o processo com base na regra do ônus da prova porque faltou prova para a formação de seu convencimento. O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, entende nula decisão proferida em tal circunstância, mas se vale do fundamento do cerceamento do direito de defesa (STJ, 3ª Turma, REsp 1.502.989/RJ, rel. Min. Ricardo Vilas Bôas Cueva, j. 13/10/2015). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 13, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Até mesmo em diferentes processos pode-se falar na aplicação da proibição de comportamentos contraditórios do juiz. Não pode o juiz, sem justificativa expressa e plausível, adotar diferentes entendimentos para a mesma questão processual em diferentes processos. Como se explicar à luz da boa-fé objetiva a conduta de juiz que em processos que versam sobre a mesma situação fático-jurídica os decide de forma diversa? (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 13, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

No plano do direito material o duty to mitigate the loss (“dever imposto ao credor de mitigar suas perdas”), também vem sendo entendido como conceito parcelar da boa-fé objetiva, como se pode notar do Enunciado 169 CJF/STJ: “O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo”. Esse dever é amplamente aplicável ao processo, sendo exemplo clássico a conduta da parte que, abandonando a busca pelo direito material, permanece inerte durante longo período de tempo para depois pleitear multa milionária a título de astreintes. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 13, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Também o abuso do direito configura violação ao princípio da boa-fé objetiva  consagrado no art. 5º do CPC. O agravo interno manifestamente inadmissível ou julgado improcedente em votação unânime gera as sanções previstas no art. 1.021, §4º, do CP e os embargos de declaração manifestamente protelatórios geram as sanções previstas pelo art. 1.026, §§ 2º e 3º, do CPC. É considerado ato atentatório à dignidade da justiça a produção de prova desnecessária à defesa do interesse (art. 77, III, do CPC). É considerado ato de litigância de má-fé e a dedução de pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso (art. 80, VII, do CPC). A perempção extingue o direito de ação em razão do abuso em seu exercício. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 14, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

3.    SANÇÕES PROCESSUAIS

É natural que se existe um dever de lealdade e boa-fé processual o seu descumprimento gere a aplicaçao de sanções processuais. Sua aplicação independe de pedido das partes (STJ, 3ª Turma, REsp 1.125.169/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 17/05/2011, DJe 23/05/2011) e geralmente é representada pela aplicação de multas que tem como base de cálculo um percentual do valor da causa ou do proveito econômico pretendido pelo autor.

Há, entretanto, outras sanções aplicáveis diferentes da multa, como a proibição de carga dos autos (art. 234, §2, do CPC), a determinação de que expressões injuriosas ou xingamentos sejam riscados, nos termos do artigo 78, §2º, do CPC, e a tutela provisória da evidência fundada em manifesto propósito protelatório ou abuso do direito de defesa (art. 311, I, do CPC). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 14, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

segunda-feira, 6 de março de 2017

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 4º VARGAS, Paulo S.R.

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 4º

VARGAS, Paulo S.R.

LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil
PARTE GERAL
LIVRO I – DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS
TÍTULO ÚNICO – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS
CAPÍTULO I – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL

Art. 4º. As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
·         Sem correspondência no CPC 1973

1.    DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO

Com a Emenda constitucional 45/2004, o direito a um processo sem dilações indevidas foi expressamente alçado à qualidade de direito fundamental, ainda que para parcela da doutrina o art. 5º, LXXVIII, da CF só tenha vindo a consagrar realidade plenamente identificável no princípio do devido processo legal. A expressa previsão constitucional, que trata do tema como o direito à “razoável duração do processo”, deve ser saudada, ainda que com reservas, porque atualmente não resta dúvida quanto à condição de garantia fundamental do direito a um processo sem dilações indevidas. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 8, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
O princípio da duração razoável do processo, consagrada no art. 5º, LXXVIII, da CF, encontra-se previsto no art. 4º, do CPC. Segundo o dispositivo. Segundo o dispositivo legal, as partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral do processo, incluída a atividade satisfativa. A novidade com relação ao dispositivo constitucional é a inclusão expressa da atividade executiva entre aquelas a merecerem a duração razoável. Reza o ditado popular que aquilo que abunda não prejudica, mas é extremamente duvidoso que, mesmo diante da omissão legal, a execução não seja incluída no ideal de duração razoável do processo. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 9, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
É notório que o processo brasileiro – e nisso ele está acompanhado de vários outros países ricos e pobres – demora muito, o que não só sacrifica o direito das partes, como enfraquece politicamente o Estado. Há tentativas constantes de modificação legislativa infraconstitucional, como se pode notar por todas as reformas por que passou nosso Código de Processo Civil, que em sua maioria foram feitas com o ideal de prestigiar a celeridade processual. O próprio art. 5º, LXXVIII, da CF, aponta que a razoável duração do processo será obtida com os meios que admitam a celeridade de sua tramitação. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 9, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Deve ser lembrado que a celeridade nem sempre é possível, como também nem sempre é saudável para a qualidade da prestação jurisdicional. Não se deve confundir duração razoável do processo com celeridade do procedimento. O legislador não pode sacrificar direitos fundamentais das partes visando somente a obtenção de celeridade processual, sob pena de criar situações ilegais e extremamente injustas. É natural que a excessiva demora gere um sentimento de frustração em todos os que trabalham com o processo civil, fazendo com que o valor da celeridade tenha atualmente posição de destaque. Essa preocupação com a demora excessiva do processo é excelente, desde que se note que, a depender do caso concreto a celeridade prejudicará direitos fundamentais das partes, bem como poderá sacrificar a qualidade do resultado da prestação jurisdicional.  As demandas mais complexas exigem mais atividades dos advogados, mais demoradas, sem que com isso se possa imaginar ofensa ao princípio constitucional ora analisado. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 9, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Por outro lado, a doutrina especializada no tema defende corretamente que, além da complexidade da demanda, o comportamento dos litigantes é essencial para a verificação da dilação indevida do processo, não se podendo apontar ofensa ao princípio ora analisado por atrasos imputados à atuação dolosa das partes. Caberá ao juiz punir severamente tal comportamento, sob pena de compactuar, com a sua omissão, para a dilação indevida do processo. Mas a má-fé é uma anomalia que não deve ser considerada para fins de determinação de tempo justo do processo. Que fique claro: é óbvio que a má-fé pode atrasar o processo, mas o princípio ora analisado deve ser respeitado mesmo quando as partes atuam de boa-fé, e sendo essa atuação intensa e frequente, naturalmente o processo deverá demorar mais. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 9, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Mais recentemente a Corte Europeia de Direitos Humanos passou a adotar mais um interessante critério na definição do tempo razoável do processo, em jurisprudência que pode ser aplicada ao direito brasileiro. Trata-se da relevância do direito posto em juízo para a vida da parte prejudicada pela excessiva demora do processo. É claro que uma demora no processo afeta de maneira mais séria e profunda uma parte presa injustamente do que uma parte que espera a satisfação de um direito de crédito, devendo tal aspecto também ser considerado na definição do que seja no caso concreto uma duração razoável do processo. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 9, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
E o que ocorre se um processo não tramitar em um tempo razoável? Não tenho dúvida de que nesse caso o Estado tem responsabilidade pelo ressarcimento dos danos experimentados pela parte.
Os processualistas fazem o que podem sugerindo modificações na lei processual – nem todas de qualidade, diga-se de passagem – e o processo continua moroso. Não se querendo desprezar esse trabalho exaustivo daqueles que pensam em inovações para a melhora da qualidade da prestação jurisdicional, em especial no tocante à celeridade, será mesmo procedimental nosso problema? Será mesmo que nosso Código de Processo Civil é o grande responsável pela demora excessiva na duração dos processos? (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 10, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Enquanto o estado brasileiro, por meio do Poder executivo e seu lacaio, o Poder Legislativo, continuarem a ver o Poder Judiciário como um estorvo, este Poder não terá condições materiais para enfrentar o cada vez maior número de processos. O que falta é dinheiro, estrutura e organização profissional, temas estranhos ao processo civil. Sem isso, continuará somente como promessa vazia o direito a um processo com duração razoável. Triste é constatar que o Estado brasileiro, em especial o Poder Executivo, não deseja um Poder Judiciário ágil e eficaz, porque, sendo um dos clientes preferenciais do Poder Judiciário, em regra como demandado, para o Poder Executivo quanto mais tempo demorar o processo melhor será, afinal, o governante de plantão provavelmente não mais estará no cargo ao final do processo; logo, o problema já não será mais dele. Enquanto nossos governantes tiverem tacanha e imediatista visão, dificilmente as coisas melhorarão em termos de celeridade processual, apesar do esforço elogiável dos responsáveis pelas constantes mudanças procedimentais do processo civil. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 10, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
De qualquer forma, é inegável o esforço do legislador em criar institutos processuais voltados a um processo mais rápido: (a) julgamento antecipado do mérito (art. 355 do CPC); (b) procedimento sumaríssimo (Lei 9.099/1995); (c) procedimento monitório (arts. 700 a 702 do CPC); (d) julgamento de improcedência liminar (art. 332 do CPC); (e) julgamentos monocráticos do relator (art. 932 do CPC; (f) prova emprestada (art. 372 do CPC); (g) processo sincrético; (h) comunicação dos atos processuais por via eletrônica; (i) repressão à chicana processual (art. 77, §2º, CPC); (j) julgamento dos recursos especiais e extraordinários repetitivos (arts. 1.036 a 1.041 do CPC); (l) incidente de resolução de demandas repetitivas (arts. 976 a 987 do CPC; (m) incentivo à prática de atos processuais pelo meio eletrônico  (arts. 170; 171; 183, §1º; 194, 205, §3º; 228, §2º; 232; 235, §1º; 246, V; 263; 270; 334, §7º; 513, §2º, III; 837; 854, §§6º e 9º; 876, §1º, III; 879, II; 880, §3º; 892; 915, §4º; 945; 979; 1.019, III; 1038, §1º, todos do CPC); (n) previsão espressa da tutela da evidência (art. 311 do CPC; (o) aumento da eficácia vinculante de precedentes e súmulas (art. 927, CPC). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 10, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

2.    PRIMAZIA NO JULGAMENTO DO MÉRITO

O processo (ou fase) de conhecimento foi projetado pelo legislador para resultar em um julgamento de mérito. Por essa razão, essa espécie de julgamento é considerada o fim normal dessa espécie de processo ou fase procedimental. Naturalmente, nem sempre isso é possível no caso concreto, devendo o sistema conviver com o fim anômalo do processo ou fase de conhecimento, que se dá por meio da sentença terminativa (art. 485, CPC). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 10, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
            Tendo sido o objetivo do legislador ao criar o processo ou fase de conhecimento um julgamento de mérito, naturalmente essa forma de final é preferível à anômala extinção sem tal julgamento, motivada por vícios formais. Somente essa distinção entre fim normal e anômalo já seria suficiente para demonstrar que há um natural interesse no julgamento do mérito no processo ou fase de conhecimento, considerando-se ser sempre preferível o normal ao anômalo. A solução definitiva da crise jurídica, derivada da coisa julgada material, que dependerá de uma decisão de mérito transitada em julgado, é outra evidente vantagem no julgamento de mérito quando comparado com a sentença terminativa. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 10/11, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Pelas óbvias razões apresentadas, cabe ao juiz fazer o possível para evitar a necessidade de prolatar uma sentença terminativa no caso concreto, buscando com todo o esforço chegar a um julgamento do mérito. Essa é uma realidade incontestável, e bem representada pelo art. 282, §2º, do CPC ao prever que o juiz, sempre que puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração de nulidade, deve ignorar o vício formal e proferir decisão de mérito. É a prevalência do julgamento de mérito aliada ao princípio da instrumentalidade das formas. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 11, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
O art. 6º do CPC, ao prever que todos devem cooperar para que se obtenha decisão de mérito, consagra de forma expressa o princípio da primazia no julgamento do mérito, que antes de tal previsão era um princípio não escrito. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 11, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
A concretização do princípio é encontrada em diversas passagens do CPC, que dá especial ênfase à oportunidade concedida às partes para o saneamento de vícios que impeçam o julgamento do mérito (arts. 139, IX, 317 e 319 CPC, inclusive no ambiente recursal (arts. 932, parágrafo único, e 1007, §§ 2º e 4º, CPC), quando o vício formal pode inclusive ser desprezado se não for reputado grave (art. 1.029, §3º, CPC). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 11, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Também derivada do princípio ora analisado, é a previsão do art. 485, §7º, CPC, que atribui a todo recurso de apelação contra sentença terminativa o efeito regressivo. Ou seja, diante da apelação, o juiz terá a oportunidade de anular sua sentença terminativa e dar prosseguimento ao processo para o julgamento do mérito. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 11, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

domingo, 5 de março de 2017

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – Art. 3º VARGAS, Paulo S.R.

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – Art. 3º

VARGAS, Paulo S.R.

LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil
PARTE GERAL
LIVRO I – DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS
TÍTULO ÚNICO – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS
CAPÍTULO I – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL

Art. 3º. Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
§1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.
§2º O Estado promoverá sempre que possível a solução consensual dos conflitos.
§3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

1.    PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO

No art. 3º, caput, do CPC atual, repete-se a promessa constitucional consagrada no art. 5º, XXXV, da CF, de que não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. O princípio tem dois aspectos: a relação entre a jurisdição e a solução administrativa de conflitos e o acesso à ordem jurídica justa, que dá novos contornos ao princípio, firme no entendimento de que a inafastabilidade somente existirá concretamente por meio do oferecimento de um processo que efetivamente tutele o interesse da parte titular do direito material. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 6, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
  No primeiro aspecto, é entendimento tranquilo que o interessado em provocar o Poder Judiciário em razão de lesão ou ameaça de lesão a direito não é obrigado a procurar antes disso os possíveis mecanismos administrativos de solução de conflito. Ainda que seja possível a instauração de um processo administrativo, isso não será impedimento para a procura do Poder Judiciário. E mais: o interessado também não precisa esgotar a via administrativa de solução de conflitos, podendo perfeitamente procurá-la e, a qualquer momento, buscar o Poder Judiciário (Súmula 89/STJ: “A ação acidentária prescinde do exaurimento da via administrativa”). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 6, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
        No segundo aspecto, numa visão moderna do princípio, a inafastabilidade da jurisdição deve ser compreendida à luz do “acesso à ordem jurídica justa”, (ou “acesso à tutela jurisdicional adequada”). Trata-se de um sistema processual fundado em quatro vigas mestras voltado a tornar concreta a promessa constitucional que também está prevista no art. 3º, caput, deste Código: (a) amplo acesso ao processo, em especial para os hipossuficientes econômicos e para os direitos transindividuais; (b) ampla participação e efetiva influência no convencimento do juiz, que serão obtidas com a adoção do contraditório real e do princípio da cooperação; (c) decisão com justiça, com aplicação da lei sempre levando-se em consideração os princípios constitucionais de justiça e os direitos fundamentais; e (d) eficácia da decisão, o que se obtém com um processo mais célere, com a tutela de urgência com sanções pelo descumprimento e com a adoção de formas executivas indiretas e de sub-rogação, inclusive atípicas. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 6/7, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

2.    JUSTIÇA DESPORTIVA

         A regra de que não é necessário processo administrativo prévio para que seja admitida a busca pela tutela jurisdicional, derivada do princípio da inafastabilidade da jurisdição, é expressamente excepcionada pela Constituição Federal em seu art. 217, §1º, que prevê a necessidade de esgotamento das vias de solução da Justiça Desportiva como condição de buscar a tutela jurisdicional. Como o próprio texto da norma constitucional disciplina, o Poder Judiciário tem competência para resolver conflitos que envolvam questões desportivas, exigindo-se tão somente o exaurimento prévio do processo administrativo na Justiça Desportiva. E tal exaurimento se dá com o trânsito em julgado da decisão administrativa, não sendo, portanto, necessária a interposição de todos os recursos previstos na legislação desportiva. Afinal, o recurso é um direito e um ônus e não dever. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 7, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

3.    AÇÕES CONTRA O INSS PLEITEANDO CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS

Interessante é a leitura do princípio feita pelos tribunais superiores quanto ao prévio requerimento administrativo perante o INSS para a obtenção de benefício previdenciário. Segundo o entendimento, o interesse processual do segurado e a utilidade da prestação jurisdicional concretizam-se nas hipóteses de recusa de recebimento do requerimento e de negativa de concessão do benefício previdenciário, seja pelo concreto indeferimento do pedido seja pela notória resistência da autarquia à tese jurídica esposada. Com efeito, se o segurado postulasse sua pretensão diretamente no Poder Judiciário, sem requerer administrativamente o objeto da ação, correr-se-ia o risco de a Justiça Federal substituir definitivamente a Administração Previdenciária (STF, Pleno, RE 631.240/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 03/09/2014; Informativo: 520/STJ, 2ª Turma. AgRg no REsp. 1.341.269-PR, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 9/4/2013). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 7, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

4.    ARBITRAGEM

A permissão da arbitragem na forma da lei prevista no §1º do art. 3º do CPC remete ao art. 1º da Lei 9.307/1996, que estabelece requisitos formais para que o conflito de interesses possa ser resolvido por meio da arbitragem. Dessa forma, somente as pessoas capazes em litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis podem se valer da arbitragem. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 7, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
            O Superior Tribunal de Justiça, valendo-se da distinção entre interesse público primário e secundário admite que conflitos que envolvem a Fazenda Pública sejam decididos por meio da arbitragem desde que o direito material seja disponível, ou seja, sempre que a relação jurídica da qual participe a Fazenda Pública tenha natureza contratual ou privada a exigência do art. 1º da Lei 9.307/1996 estará atendida (STJ, 1ª Seção, MS 11.308/DF, rel. Min. Luiz Fux, j. 09/04/2008, DJe 19/05/2008).  (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 7, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

5.    SOLUÇÃO CONSENSUAL DOS CONFLITOS

Consagrando tendência fortemente sentida entre os operadores do Direito, o § 2º do art. 3º do CPC incita o Estado a promover, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. Ainda que o Estado possa assim proceder também fora do processo, entendo que se tratando de norma incluída no Código de Processo Civil o mais racional seja ter como destinatário da norma o Estado-juiz. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 8, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Registro que não concordo com a parcela doutrinária que prefere renomear essas formas de solução dos conflitos de “meios adequados” de solução dos conflitos, porque adequado é resolver o conflito, não se podendo afirmar a priori ser um meio mais adequado do que outro. Se esses são os meios adequados, o que seria a jurisdição? O meio inadequado de solução de conflitos? Compreendo que atualmente não seja mais apropriado falar em meios alternativos, o que daria uma ideia de subsidiariedade a tais meios de solução de conflitos, mas certamente chamá-los de “meios adequados” está bem longe de um nome adequado. Por isso sempre preferi chamá-los simplesmente de equivalentes jurisdicionais. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 8, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

6.    SUJEITOS APTOS A ESTIMULAR A SOLUÇÃO CONSENSUAL DE CONFLITOS.

Dando ênfase à conciliação e à mediação, sem, entretanto, excluir outros métodos de solução consensual de conflitos, o §3º do CPC cria o dever de estimulá-los a juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 8, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Apesar de criar um dever ao se valer do termo “deverão”, a norma não traz – e nem poderia – qualquer sanção para seu descumprimento, servindo mais como um enunciado de propósitos do que como uma norma jurídica. Se é correto dizer que os agentes relacionados aos conflitos de interesses precisam incorporar um espírito conciliador e deixar um pouco de lado a postura de combate muito arraigada em nossa formação jurídica, não menos verdade é que uma mera norma legal como a presente terá nenhuma utilidade prática para se atingir tal objetivo. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 8, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).