terça-feira, 14 de abril de 2015

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FONTES DO DIREITO PROCESSUAL PENAL- FONTES FORMAIS E SUBSTANCIAIS, DIRETAS, ORGÂNICAS, INDIRETAS, SECUNDÁRIAS, DIRETAS MEDIATAS OU REMOTAS, VARGAS DIGITADOR.

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – Capítulo 6 – FONTES DO DIREITO PROCESSUAL PENAL- FONTES FORMAIS E SUBSTANCIAIS, DIRETAS, ORGÂNICAS, INDIRETAS, SECUNDÁRIAS, DIRETAS MEDIATAS OU REMOTAS,  VARGAS DIGITADOR.

Sentido da palavra “fonte”

Já se disse que origem e fonte do Direito é a mesma coisa. Para o nosso estudo, entretanto, reservamos à expressão “fontes” do Direito o sentido de formas de exteriorização do Direito. Fonte do Direito, portanto, nada mais são do que as formas pelas quais as regras jurídicas exteriorizam-se; se apresentam. São, enfim, “modos de expressão do Direito”.

As fontes formais e substanciais

G. Battaglini distingue as fontes em formais e substanciais. Aquelas são maneiras de expressão da norma jurídica positiva. Estas constituem a matéria em que se busca o conteúdo do preceito jurídico. Assim, certos princípios universais como o neminem laedere – ninguém pode prejudicar outrem (negativo) são fontes substanciais (cf. Direito penal, trad. Paulo José da Costa Júnior e Ada Pellegrini Grinover. São Paulo, Saraiva, 1964, p. 37).

Classificação das fontes formais

Como classificá-las? Predominante a ideia de que se reduzem a duas: a lei e o costume. Outros ainda acrescentam a jurisprudência, a doutrina e os princípios gerais do Direito.

A lei é, realmente, a principal fonte do Direito. Grosso modo, é por meio da norma jurídica que o Direito se manifesta e se revela. É a principal fonte porque contém em si mesma a norma. Outras fontes, sem que contenham a norma, produzem-na indiretamente e, “otras la producen de una manera secundaria o incidental”.

Com esse entendimento, podemos classificar as fontes formais, de acordo com Miguel Fenech (Derecho procesal penal, Barcelona, Labor, 1952, p. 101), em diretas, que contêm em si a norma, e em supletivas, que são de duas ordens: “indiretas”, indiretas, que sem conterem a norma, produzem-na indiretamente, e “secundárias”, as que a produzem de maneira secundária ou incidental.

Modalidades das fontes diretas

As fontes diretas são constituídas pelas leis – entendendo-se estas em seu sentido mais amplo, isto é, como toda disposição emanada de qualquer órgão estatal na esfera de sua própria competência. Dentro das fontes diretas, fazem-se algumas divisões, atendendo-se à finalidade ou importância das normas processuais nelas contidas.

Desse modo, podemos classificar as fontes diretas em: a) fontes processuais penais principais (CF e CPP); b) fontes processuais penais extravagantes; c) fontes orgânicas principais; e d) fontes orgânicas complementares.

Interessam-nos, apenas, as fontes do Direito Processual Penal Comum.

As fontes processuais penais extravagantes são de duas espécies: complementares e modificativas. São fontes extravagantes complementares: a Lei n. 5.250, de 9-2-1967 (Lei de Imprensa); o Decreto-lei n. 201, de 27-2-1967 (crimes de responsabilidade dos Prefeitos municipais e respectivo processo); a Lei n. 1.079, de 10-4-1950 (crimes de responsabilidade de Preside da República e outras pessoas); a Lei n. 1.521, de 26-12-1951 (crime contra a economia popular); a Lei n. 4.898, de 9-12-1965 (abuso de autoridade); a Lei n. 11.343, de 23-8-2006 (Lei de Tóxicos), que não só define as figuras delituais penais como também estabelece regras para o respectivo processo e julgamento etc. Tais normas, em sua grande maioria, são aplicáveis a “setores que não foram compreendidos pelo Código de Processo Penal.”.

Como fontes extravagantes modificativas, e como tais se entendem as que “modificam, ampliam ou extinguem normas e preceitos do Código”, podemos citar: a Lei n. 1.408, de 9-8-1951 (sobre a contagem dos prazos); a Lei n. 263, de 23-2-1948 (sobre a instituição do Júri); a Lei n. 4.336, de 1º-6-1964 (que acrescentou o § 4º ao art. 600 do CPP); a Lei n. 5.941, de 22-11-1973 (que alterou a redação dos arts. 408 e 594 do CPP); A Lei in. 6.416, de 24-5-1977 (que alterou dispositivos sobre liberdade provisória); a Lei n. 8.035, de 27-04-1990 (sobre fiança); a Lei n. 8.038, de 28-5-1990 (sobre a ação penal originária da alçada do STF e do STJ e sobre o procedimento dos recursos extraordinário e especial); a Lei n. 8.072, de 25-7-1990 (sobre os crimes hediondos); a Lei n. 8.658, de 26-5-1993 (que revogou os arts. 556 a 562 do CPP); a Lei n. 9.099, de 26-9-1995 (que instituiu os Juizados Especiais Criminais); a Lei n. 7.492, de 16-6-1986, sobre crimes contra o sistema financeiro (permitindo à Comissão de Valores Imobiliários intervir, nesses crimes, como assistente da acusação e criando nova circunstância autorizadora da prisão preventiva – magnitude da lesão causada), a Lei n. 7.960, de 21-12-1989, dispondo sobre a prisão temporária; a Lei n. 10.259, de 12-7-2001, que instituiu o Juizado Especial Federal; a Lei n. 9.271, de 17-4-1996 (que deu nova redação aos arts. 366, 367, 368, 369 e 370 do CPP) etc.

Fontes orgânicas

Como fontes orgânicas principais, temos as leis de organização judiciária, porquanto “revelam, em grande parte, as regras pertinentes à nomeação, investidura e atribuições dos órgãos jurisdicionais e seus auxiliares”.

São fontes orgânicas complementares os Regimentos Internos dos Tribunais que contêm normas subsidiárias da legislação processual, como se constata pelos arts. 667, 666, 638 e 618 do CPP. Nesse rol se incluem os Regimentos Internos da Câmara Federal, do Senado e das Assembleias Legislativas, por força do que dispõem os arts. 38, 73 e 79 da Lei n. 1.079, de 10-4-1950 (Lei do impeachement).

Fontes indiretas

Fontes indiretas são aquelas que, embora não contenham a norma, produzem-na indiretamente. Assim, são considerados como tais: os costumes, a jurisprudência e os princípios gerais do Direito.

Fontes secundárias

As fontes secundárias, isto é, as que, sem conterem a norma, produzem-na de maneira secundária ou incidental, têm, também, sua importância. Têm tal qualidade o Direito histórico, o Direito estrangeiro, as construções doutrinárias nacionais ou alienígenas, que, inegavelmente, auxiliam a redação das leis, a sua interpretação e, às vezes, a própria aplicação da norma.

Fontes diretas mediatas ou remotas

A fonte direta remota do Direito Processual Penal pátrio é a legislação portuguesa: as Ordenações Afonsinas, Manuelinas, filipinas.

Proclamada a Independência do Brasil, surgiu a lei de 20-9-1823, determinando vigerem no País as Ordenações, leis, regulamentos, alvarás, decretos e resoluções promulgadas pelos reis de Portugal. A Constituição Imperial, no seu art. 179, XVIII, prometia ao povo brasileiro um Código Civil e um Criminal fundados nas sólidas bases da justiça e da equidade.

Em 1830, surgiu o Código Criminal, vindo a seguir, em 1832, o Código de Processo Criminal. Este diploma trouxe profundas modificações, destacando-se a extinção das devassas, a formação da culpa, que passou a ser pública, a instituição do habeas corpus.

Duas leis posteriores ao Código de Processo Criminal, tiveram repercussão: a de 3-12-1841 e a de 20-9-1871. A primeira, referindo-se, particularmente, às funções da Polícia e ampliando suas atribuições. A segunda, estabelecendo regras sobre fiança, criando o habeas corpus preventivo, estendo essa garantia, na sua feição liberatória ou preventiva, aos estrangeiros, e o inquérito policial, que, pela primeira vez, aparece com esse nomen juris.

Em 1889 modificou-se o regime político do Brasil. A Constituição de 1891 outorgou aos Estados-Membros a competência para legislarem sobre matéria processual civil e penal. Muitos Estados, senão a grande maioria, elaboraram seus estatutos processuais, e outros continuaram sendo regidos pelas leis imperiais (modificadas e completadas por sua legislação esparsa sobre Processo Penal), até que, em 1934, a Carta Política aboliu aquela prerrogativa dos Estados.

A competência para legislar sobre Direito Processual deslocou-se para a União. E, sem embargo daquela abolição, não se empreendeu a realização de um Código de Processo Penal. A Carta Magna de 1937 repetiu a exigência da anterior, e, assim, em 1941, surgiu o nosso atual CPP.


O CPP brasileiro, que começou a vigorar em 1º-1-1942, e que continua vigendo, é dividido em livros; estes, em títulos; os títulos, em capítulos e os capítulos, por sua vez, em artigos, com um total de 811 artigos.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

MANUAL DE PROCESSO PENAL – INTERPRETAÇÃO AUTÊNTICA, DOUTRINAL, JUDICIAL, GRAMATICAL, LÓGICA, SISTEMÁTICA, HISTÓRICA, EXTENSIVA E RESTRITIVA, PROGRESSIVA E ANALÓGICA - VARGAS DIGITADOR.

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – Capítulo 5 – INTERPRETAÇÃO AUTÊNTICA, DOUTRINAL, JUDICIAL, GRAMATICAL, LÓGICA, SISTEMÁTICA, HISTÓRICA, EXTENSIVA E RESTRITIVA, PROGRESSIVA E ANALÓGICA -   VARGAS DIGITADOR.

Noções

Interpretar a lei é descobrir ou revelar a vontade contida na norma jurídica ou, como diz Clóvis é revelar o pensamento que anima as suas palavras.

Considerando o sujeito que interpreta a lei, a interpretação distingue-se em autêntica, doutrinal e judicial. Diz-se autêntica quando realizada pelo próprio legislador.

Pode ser considerada lei interpretativa a Exposição de Motivos que acompanha as grandes leis, como  CP ou o CPP? Uns acham que sim, porquanto ela deve dar um entendimento exato da nova lei. Outros, a nosso ver, com maior razão, opinam negativamente, sob o fundamento de que uma grande lei é obra de vários e a Exposição de Motivos que a acompanha é redigida por uma só pessoa. Na sua redação pode ocorrer que o redator não revele, exatamente, o pensamento que animou os elaboradores.

Interpretação autêntica

A doutrina distingue a interpretação autêntica em contextual e por lei posterior. Se a interpretação é feita no contexto, “mediante disposiciones que mutuamente se aclaran”, diz-se contextual, tal como se vê no art. 150 e parágrafos do CP, notadamente os §§ 4º e 5º, em que o próprio legislador procurou gizar os contornos da palavra “casa”. Se a interpretação se dá por lei posterior – o que constitui a regra -, fala-se em interpretação “por lei posterior”. Veja-se, e a propósito, a Lei n. 4.898/65. Entendeu-se que a “representação” de que tratava e trata esse diploma fosse condição de procedibilidade. Mais tarde, foi promulgada a Lei n. 5.249, de 9-2-1967, dando-lhe o exato sentido: notitia criminis... Interpretação, poi8s, autêntica por lei posterior...

Interpretação doutrinal

Doutrinal é a interpretação feita pelos juris scriptores (juristas), pelos comentadores, pelos doutrinadores. Os Comentários ao Código de Processo Penal, feitos por Espínola Filho, Florêncio de Abreu, Basileu Garcia, Hélio Tornaghi, Frederico Marques, e.g., constituem verdadeira interpretação doutrinal, porquanto, em seus trabalhos, procuram revelar o verdadeiro sentido do dispositivo legal.

A interpretação doutrinal, produto das pesquisas dos juristas, é de valor inexcedível. E seu prestígio será tanto maior quanto maior for a envergadura do jurista.

Interpretação judicial

É aquela levada a efeito pelos Juízes e Tribunais ao aplicarem a lei a um caso concreto. Sua importância é também extraordinária, e quando uniforme, duradoura e repetida, forma a jurisprudência, que, segundo muitos aut0res, pode até ser considerada fonte do direito. Não se deve deslembrar que o Juiz “não pode ser agnóstico em relação às opções que se lhe deparam em sede de interpretação. E ele vive e opera num determinado clima político-constitucional em que a pessoa humana representa o valor supremo; e é à posição desta que o Juiz é chamado a escolher entre duas interpretações antitéticas de uma norma legal” (G. Berttiol,  Instituições de direito e processo penal, trad. Manuel da Costa Andrade, Coimbra. Coimbra Ed., 1974, p. 297).

Interpretação gramatical

Do ponto de vista objetivo, isto é, levando em conta os meios ou expedientes intelectuais empregados para se proceder à interpretação, , esta se distingue em gramatical ou literal, lógica ou teleológica, sistemática e histórica. Outros autores preferem dizer que os elementos “histórico” e “sistemático” são considerados na interpretação lógica ou teleológica.

Gramatical ou literal é a que se inspira no próprio significado das palavras.

Aliás, o art. 2º do CPPM assim dispõe: “A lei de processo penal militar deve ser interpretada no sentido literal de suas expressões. Os termos técnicos hão de ser entendidos em sua acepção especial, salvo se evidentemente empregados com outra significação”.

Quando a lei fala em “queixa”, deve entender-se como tal a peça vestibular da ação penal privada. Esse o seu sentido técnico-jurídico. Entretanto vulgarmente se designa com esse vocábulo a notitia criminis que se leva ao conhecimento da Autoridade Policial. É comum dizer-se: Fulano foi fazer queixa à Polícia... Queixa, aí, está empregada no seu sentido vulgar.

A interpretação gramatical é importantíssima, mas não exclui os outros métodos de interpretação. Em matéria de interpretação, não se pode nem se deve olvidar o ensinamento de Celso: “Scire leges, non hoc est verba earum tenere, sed vim ac potestatem...”.

Interpretação lógica

Quando o intérprete se serve das regras gerais do raciocínio para compreender o espírito da lei e a intenção do legislador, fala-se de interpretação lógica ou teleológica, porquanto visa precisar a genuína finalidade da lei, a vontade nela manifestada.

Interpretação sistemática

Recorre-se a este tipo de interpretação quando a dúvida não recai sobre o sentido de uma expressão ou de uma fórmula da lei, mas sim sobre a regulamentação do fato ou da relação sobre que se deve julgar. Aqui o intérprete deve colocar a norma em relação com o conjunto de todo o Direito vigente e com as regras particulares de Direito que têm pertinência com ela. Assim, p. ex., para saber qual a razão que levou o legislador a permitir a figura do Assistente da Acusação (art. 268 do CPP) nas ações penais públicas, há necessidade de se proceder a uma análise de outros institutos, nomeadamente os recursos. Por que as Súmulas 208 e 210 do STF restringem a atividade recursal do Assistente? Porque nos demais casos seu direito à satisfação do dano não fica afetado... Logo, o legislador permitiu que o ofendido interviesse como Assistente do Ministério Público nos crimes de ação penal pública para preservar o seu direito à satisfação do dano. Do contrário, ter-lhe-ia permitido o uso de outros recursos, comuns às demais partes...

Interpretação histórica

A pesquisa do processo evolutivo da lei, isto é, a história da lei ou a história dos seus precedentes, auxilia o aclaramento da norma. Os projetos de leis, as discussões havidas durante sua elaboração, a Exposição de Motivos, as obras científicas do autor da lei são elementos valiosos de que se vale o intérprete para proceder à interpretação. Diz-se, então, histórico tal método interpretativo.

Interpretação extensiva e restritiva

Quanto aos resultados, a interpretação pode ser extensiva ou restritiva. A linguagem da lei peca ou por excesso ou por defeito. Às vezes, como diz Maggiore, é demasiado genérica (plus dixit quam voluit)  - disse mais do que queria -, de sorte que, aparentemente, compreende relações que permaneceram, na vontade do legislador, excluídas. Outras vezes é demasiado restrita (minus dixit quam voluit) – disse menos do que queria -, de modo que, aparentemente, exclui relações queridas pela própria lei.

Cumpre, então, ao intérprete, para restabelecer o equilíbrio, atribuir à norma, no primeiro caso, um alcance menos amplo; no segundo, mais amplo. Restritiva, repita-se porque restringe a aparente extensão da norma.

Assim, por exemplo, quando o legislador diz, no art. 271 do CPP, que “ao assistente será permitido propor meios de prova”, deve-se entender que está excluída a prova testemunhal, pois, de outro modo, estaria ilidida, por via oblíqua, a regra segundo a qual a Acusação deverá oferecer o rol das testemunhas (se quiser fazê-lo) quando da propositura da ação (art. 41, in fine), como se depreende da leitura do art. 397 do mesmo diploma processual. Atente-se para a circunstância de que o assistente de acusação ingressa em juízo após a instauração da instância penal, como se dessume do art. 268 do CPP, e não antes.

Outras vezes, percebe-se que o legislador minus dixit quam voluit (disse menos do que queria dizer). Urge, assim, fazer as palavras da lei corresponderem ao seu espírito, e, para tanto, deverá o intérprete ampliar o sentido ou alcance daquelas. Fala-se, aí, em interpretação extensiva. Exemplo: o art. 34 do CPP diz que o menor de 21 e maior de 18 pode exercer o direito de queixa. Pergunta-se: poderá exercer, também, o direito de representação? Claro que sim. Quem pode o mais, pode o menos. Na verdade, a representação é um minus em relação à queixa. Observe-se que a expressão “menor de 21 e maior de 18” foi apanhada tal como está no art. 34 do CPP. Hoje, como a maioridade se inicia aos 18 anos, essa disposição caiu no vazio.

Interpretação progressiva

Diz-se progressiva a interpretação quando o intérprete, observando que a expressão contida na norma sofrer alteração ao correr dos anos, procura adaptar-lhe o sentido ao conceito atual. Exemplificando: o § 2º do art. 5º do CPP diz caber recurso ao Chefe de Polícia da decisão do Delegado que indefere requerimento visando à instauração de inquérito. Indaga-se: quem é o Chefe de Polícia? Quando da elaboração do Código de Processo Penal, em 1942, “Chefe de Polícia” era a denominação que se dava aos atuais Secretários da Segurança Pública. Depois, com a organização da Polícia Civil, o Chefe de Polícia passou a ser denominado Secretário da Segurança Pública, e, em face das inúmeras funções que lhe foram afetas, em razão mesmo do aumento populacional e do crescimento da criminalidade, criaram-se outros cargos, como o de Delegado-Geral da Polícia Civil e os de Delegados Seccionais. Assim, aquele recurso, sem prazo para a sua interposição, pode ser dirigido ao Delegado-Geral ou até mesmo ao Delegado Seccional. A finalidade do recurso é pedir a um órgão superior o reexame do ato do Delegado de Polícia que indeferia o requerimento para a instauração de inquérito. E como os Delegados Seccionais, o Delegado-Geral da Polícia Civil, como são chamados em São Paulo, ou que outro nome tenham nos demais Estados, exercem funções mais graduadas, o recurso pode ser dirigido a qualquer deles. Os arts. 298 e 299 do CPP permitem a prisão por via postal, telegráfica e telefônica. Àquela época não havia o fax... Hoje, os Tribunais, normalmente, quando mantêm as sentenças condenatórias, e se for o caso, determinam a prisão via fax. Interpretação progressiva daquelas disposições.

Interpretação analógica

Ao lado da interpretação extensiva e mantendo com esta certa similitude, está a interpretação analógica. Não se deve confundir, contudo, a interpretação analógica com a analogia. A primeira é forma de interpretação; a segunda é integração. Quando se pode proceder à interpretação analógica? Quando a própria lei a determinar. Algumas vezes, a lei penal (a própria lei penal) a permite, e o faz “quando uma cláusula genérica se segue a uma fórmula casuística”, e, nessas hipóteses, “deve entender-se que aquela somente compreende os casos análogos aos destacados por esta, que, do contrário, seria ociosa”. Assim, p. ex., quando o art. 61, II, c, do CP fala em “à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido”, pergunta-se: que outro recurso poderá ser este? Evidentemente deve ser um “recurso” semelhante, análogo à “emboscada”, “à traição”, “à dissimulação”, em molde a dificultar ou tornar impossível a defesa do ofendido.

Não teria sentido que o legislador ali catalogasse todas as hipóteses que guardassem semelhança com a “emboscada”, com a “traição”, com a “dissimulação”. Preferiu, com boa técnica, fazer uso de uma fórmula casuística (à traição, de emboscada, mediante dissimulação) e, em seguida, lançar mão de uma fórmula genérica (ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido), entendendo-se, pois, que o recurso de que lança mão o agente, para se emoldurar no art. 61, II, c, do CP, há de ser semelhante à traição, à emboscada, à dissimulação. E ele o será, evidentemente, se dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido. Na interpretação analógica a vontade da norma é abraçar os casos análogos, semelhantes àqueles por ela regulados. Veja-se, também, e a propósito, o art. 403 do CPP.

Analogia

Analogia é integração. Parte da doutrina entende que existe a plenitude do ordenamento jurídico e, por isso, não se pode cuidar de reintegrá-lo. A maioria, entretanto, entende que o ordenamento jurídico apresenta lacunas, vazios. Tais vazios devem ser preenchidos, e o processo usado para o preenchimento, para inteirar, para completar, para integrar o ordenamento jurídico, chama-se analogia.


Assim é um princípio jurídico segundo o qual a lei estabelecida para determinado fato a outro se aplica, embora por ela não regulado, dada a semelhança em relação ao primeiro. P. ex.: os embargos declaratórios interrompem o prazo para outro eventual recurso? O CPP não trata do assunto. Mas, como o art. 538 do CPC diz que interrompe e como a matéria é análoga, aplicando-se a regra do art. 3º do CPP, podemos dizer que no processo penal ela tem inteiro cabimento. Pode o Juiz penal dar-se por suspeito se for amigo íntimo do pai do acusado? Pela redação do art. 254 do CPP, não. Ali se cuida da amizade íntima como qualquer das partes, e o pai do acusado não é parte. Todavia, numa ação cível, se o Juiz for amigo do pai do autor ou do réu, poderá dar-se por suspeito, alegando motivo de foro íntimo, nos termos do parágrafo unido do art. 135 do CPC. Logo, invocando o art. 3º do CPP, e a situação é análoga à prevista no CPC, nada impede que o Juiz penal, no exemplo dado, dê-se por suspeito.

domingo, 12 de abril de 2015

MANUAL DE PROCESSO PENAL - EFICÁCIA DA LEI PROCESSUAL PENAL NO ESPAÇO – RESSALVAS E EXCEÇÕES – TRATADOS, CONVENÇÕES E REGRAS DE DIREITO INTERNACIONAL - VARGAS DIGITADOR

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – Capítulo 4 – EFICÁCIA DA LEI PROCESSUAL PENAL NO ESPAÇO – RESSALVAS E EXCEÇÕES – TRATADOS, CONVENÇÕES E REGRAS DE DIREITO INTERNACIONAL -  VARGAS DIGITADOR

As leis penais, em algumas hipóteses (art. 7º do CP), incidem sobre os fatos delituosos cometidos fora do nosso território, apresentando, assim, excepcionalmente, uma ultraterritorialidade. Entretanto, no que tange às leis processuais penais, estas não ultrapassam os limites do território do Estado que as promulgou. São eminentemente territoriais. Sendo o Processo Penal o meio de que se valem os Órgãos Jurisdicionais penais para a solução de lides penais, e se eles representam o próprio Estado na sua função de administrar justiça, não pode este exercer seu Poder Soberano além do alcance da sua própria soberania. Por essa mesma razão fica excluída a possibilidade de ser aplicada a lei processual penal de outro país em nosso território. Evidente que quando se afirma que a lei penal admite extraterritorialidade (rectius: ultraterritorialidade), o que se quer dizer com essa expressão é qua a nossa lei penal, às vezes, contrariando o que normalmente acontece, incide, recai sobre fatos cometidos no exterior, e, por outro lado, quando se fala em exclusiva territorialidade da norma processual penal, o que se quer é que é de todo impossível o Juiz exercer o seu poder de solucionar lides fora do nosso território, a não ser em situações especiais, que logo serão vistas mesmo porque, se considerarmos a extraterritorialidade como a aplicação da lei de um Estado no território, a toda evidência nem a lei penal nem a processual apresentarão extraterritorialidade, posto que no campo penal tal medida seria afrontosa à soberania do Estado. Fala-se, isto sim, em ultraterritorialidade.

Mesmo que certos atos processuais devam ser apreciados no exterior, como, v. g., uma citação, intimação, busca e apreensão, ouvida de testemunha etc., aplicável será a lei processual penal do país onde tais devam ser realizados, não podendo ter aplicação a nossa lei de processo. É o domínio da lex fori. Aliás, e muito a propósito, o Código Penal Militar, cominando pena gravíssima, erigiu à categoria de crime, nos arts. 138 e 139, não só “praticar o militar, indevidamente no território nacional, ato de jurisdição de país estrangeiro, ou favorecer a prática de ato dessa natureza”, como também “violar o militar território estrangeiro, com o fim de praticar ato de jurisdição em nome do Brasil”.

É verdade que, às vezes, sobre certos fatos delituosos cometidos fora do território nacional incide a nossa lei penal; esta, contudo, somente será aplicável no território pátrio por meio das nossas normas processuais penais.

Sem embargo disso, Beling, Tornaghi, Garcia-Velasco, entre outros, admitem a possibilidade de ser aplicada a lei processual penal de um Estado fora de seus limites territoriais. Beling faz referencias às seguintes hipóteses:

a)    aplicação da lei processual penal de um Estado em território nullius (de ninguém);

b)    quando houver autorização do Estado onde deva ser praticado o ato processual;


c)     em caso de guerra, em território ocupado (cf. Ernst Beling, Derecho procesal penal, trad. Miguel Fenech, Madrid, Labor, 1945, p. 12; Hélio Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Penal, Rio de Janeiro, Forense, 1956, v. 1. T. 1, p. 80; Garcia-Velasco, Curso de derecho procesal penal. Ed, Universidad de Madrid, 1969, p. 40-1).

Até a década de 30, havia o chamado regime das capitulações ou jurisdições consulares. Era comum, entre países europeus e outros da Ásia e África, a celebração de tratados segundo os quais as autoridades consulares dos países europeus acreditados no Oriente ou Estremo Oriente tinham poderes de investigar as infrações penais e proceder à instrução respectiva, como se fossem Juízes, aplicando a lei penal e a lei processual penal do seu respectivo Estado, desde que se tratasse de infração cometida por um co-nacional. Eventual recurso era dirigido ao Tribunal do respectivo Estado ocidental.

Ressalvas

Dizendo o art. 1º que “o processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este Código”, dá a entender que toda lide de caráter penal que surgir no território pátrio será solucionada de acordo com as normas do CPP. E assim é. Todavia, por razões várias, foram feitas algumas ressalvas. Vejamo-las:

A)    Tratados, convenções e regras de Direito Internacional

Obedecendo a certos tratados ou convenções que o Brasil haja firmado, ou mesmo em atenção a regras de Direito Internacional, a lei processual penal pátria deixa de ser aplicada. Muito embora os fatos tenham sido cometidos no território brasileiro, os tratados, convenções e regras de Direito Internacional criam, na expressão de Mayer, verdadeiros obstáculos processuais, impedindo, assim, a aplicação da lei processual penal brasileira.

Aos crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves públicas estrangeiras, em águas territoriais e espaço aéreo, brasileiros, não se aplicam a lei penal nem a lei processual pátrias.

Inaplicável, também, é nossa lei processual penal aos agentes diplomáticos aqui acreditados. Por agentes diplomáticos compreendem-se não só os encarregados de certa missão especial, os que se acreditam para representar o Governo em conferências, congressos ou outros organismos internacionais, como também aqueles que representam o governo de um Estado perante outro, de maneira permanente. Esses privilégios são irrenunciáveis, porquanto não são concedidos à pessoa, mas à função que exerce.

Os funcionários diplomáticos que vivam em companhia dos respectivos agentes gozam dessas prerrogativas. Os empregados particulares não, pouco importando se da nacionalidade do diplomata. Estendem-se essas prerrogativas aos membros da família do agente diplomático que com ele vivam sob o mesmo teto: os pais, a mulher, os filhos etc. Na hipótese de falecimento do funcionário diplomático, sua família continuará gozando dos mesmos privilégios,por um lapso de tempo razoável, até que abandone o Estado onde se encontre (o assunto está regulado pela Convenção de Havana, em 1928, e que foi promulgada, entre nós, aos 22-10-1929, pelo Dec. N. 18.956).

Desfrutam, também, de iguais privilégios os Chefes de Estado e sua comitiva, quando em território nacional.

E as sedes das embaixadas? Serão consideradas alienígenas? Pela velha e revelha concepção da extraterritorialidade, sim. Hoje, entretanto, as sedes das embaixadas ou legações são consideradas território do país onde se acham situadas, tanto que os crimes aí praticados por pessoas alheias às imunidades sujeitam-se à jurisdição do Estado onde se encontra a embaixada. Apesar disso, mas como consequência da inviolabilidade e imunidade concedidas aos agentes diplomáticos, considera-se também inviolável a sede das embaixadas.

Essa inviolabilidade, todavia, que se estende às sedes dos consulados, seus arquivos e papéis, não vai ao extremo de permitir que o agente diplomático acolha, como refugiados, os acusados ou condenados por delitos de natureza comum, sendo obrigados a entregá-los à autoridade local competente que assim requeira (cf. Dec. N. 18.956, de 1929, art. 17).

É bem verdade que o art. 369 do CPP dispõe que as citações que houverem de ser feitas em legações estrangeiras serão efetuadas mediante carta rogatória. E assim procedeu o legislador pátrio não porque o Brasil entenda que as sedes das embaixadas sejam território estrangeiro, mas tão-somente por cortesia. Uma vez que os diplomatas gozam de imunidade material e formal, o legislador considerou, num gesto delicado e amigo, como fisicamente invioláveis os locais onde funcionam as missões diplomáticas. Assim também os prédios onde residam os quadros diplomáticos, administrativo e técnico. Mas nada impede, antes aconselha, que o legislador venha a permitir que, nesses casos de legações estrangeiras, as citações e intimações possam ser feitas com mais simplicidade, p. ex., por meio de precatória a ser cumprida via Ministério da Justiça. Já os locais consulares “são invioláveis na medida estrita de sua utilização funcional”. Da mesma forma, os arquivos e documentos consulares, a exemplo dos diplomáticos, são invioláveis em qualquer circunstância e onde quer que se encontrem (cf. J. F. Rezek, Direito Internacional público. São Paulo, Saraiva, 1991, p. 173).

Quanto aos cônsules, que exercem simples funções de caráter administrativo, de acordo com a Convenção de Havana, aprovada pelo Brasil, respondem eles, segundo as nossas leis, por eventuais infrações penais que venham a praticar. Todavia, em se tratando de infrações cometidas no exercício de suas funções, ficam eles e os funcionários do Consulado sujeitos às leis do seu país de origem ou, se for cônsul honorário, do país que o nomeou. Nesse mesmo sentido o art 43 da Convenção de Viena, à qual aderimos em 1967. E como foi dito no HC 55.155/SP, impetrado junto ao STF, e ao precedente tratado no HC 49.183, a Convenção de Viena “não confere ao funcionário consular imunidade penal, podendo, pois, ser processado criminalmente, bem como submetido à prisão decorrente de sentença definitiva, não se lhe estendendo as imunidades diplomáticas, mesmo quando, com o consentimento do Estado receptor, seja incumbido de praticar atos diplomáticos” (RTJ, 63/65). Quanto à prisão provisória, de acordo com o art. 41 da Convenção de Viena, “não poderão os cônsules ser detidos ou presos provisoriamente, exceto em caso de crime grave e em decorrência de decisão de autoridade judiciária competente”. Assim, se a pena mínima cominada ao crime não for superior a 1 ano, por óbvio não terá gravidade, tanto que enseja a pena alternativa... A propósito, Informativo STF n. 259, de março de 2002.

B)   Prerrogativas constitucionais do Presidente da República e de outras autoridades

A segunda ressalva feita pelo art. 1º “diz respeito às prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos Ministros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, e dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de responsabilidade”.

As Cartas Políticas que se sucederam à de 1937, sob cuja égide foi promulgado o atual Código de Processo Penal, estenderam aquelas prerrogativas a outras pessoas. A Magna Carta de 1988 e os Estados, em suas Leis Maiores, ampliaram o rol das pessoas que fazem jus às prerrogativas de que trata o inc. II deste art. 1º sob comentário. Assim é que, ao lado do Procurador Geral da República e dos Ministros do STF, a Carta Política incluiu o Advogado-Geral da República e, mais tarde, a Emenda Constitucional n. 23/99 acrescentou os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. Estes, bem como os Ministros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, também se incluem naquele rol: serão processados e julgados pelo Senado Federal (art. 52 da CF). A Emenda Constitucional n. 45/2004 incluiu entre os que são processados e julgados pelo Senado Federal, nos crimes de responsabilidade, os membros dos Conselhos, Nacional de Justiça e do Ministério Público. A Lei n. 10.028, de 19-10-2000, no que tange aos crimes definidos no art. 10 da Lei n. 1.079/50 (contra a lei orçamentária), além das pessoas enumeradas no art. 2º desta lei (Presidente da República, Ministros de Estado, Ministros do STF e Procurador-Geral da República), incluiu (art. 39-A da Lei n. 1.079/50), especificamente, o Presidente do STF e respectivo substituto quando no exercício da Presidência, os Presidentes e respectivos substitutos dos Tribunais Superiores, dos Tribunais de Constas, dos Tribunais Regionais Federais, Eleitorais e do Trabalho, dos Tribunais de Justiça e de alçada dos Estados e do Distrito Federal e os Juízes Diretores de Foro, Advogado-Geral da União, Procuradores-Gerais do Trabalho, Eleitoral e Militar, Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal e os membros do Ministério Público da União e dos Estados, da Advocacia-Geral da União, das Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal, quando no exercício de função de chefia. Nesses casos, a prerrogativa do foro já concedida a essas pessoas será mantida, observando-se o rito da Lei n. 8.038/90, com esta particularidade: a denúncia poderá ser ofertada por qualquer cidadão, ex vi do art. 41-A da Lei n. 1.079/50, incluído pela Lei n. 10.028, de 19-10-2000, mantida a legitimidade do Ministério Público. Essas hipóteses, contudo, não se inserem nas ressalvas de que trata o inc. II do art. 1º do CPP, visto que o processo e o julgamento ficam afetos a Tribunais Superiores, Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça como se fossem crimes comuns, enquanto nos outros crimes de responsabilidade a que se refere o art. 1º, II, do CPP, o processo e julgamento ficam afetos ao Senado Federal, observadas as regras da Lei n. 1.079/50 e os Regimentos da Câmara dos Deputados e do Senado. Não se aplica o Código de Processo Penal. Os Estados também podem, em suas Constituições, fixar o órgão competente para o processo e julgamento de crimes de responsabilidade. De observar, entretanto, que esse poder não é absoluto, uma vez que ele deve ater-se aos princípios adotados na Lex Mater, como se infere do seu art. 25. Enfim: deve ser observado o princípio da simetria. No Estado de São Paulo, p. ex., fazem jus a esse foro especial, nos crimes de responsabilidade, Governador, Vice-Governador, Secretários de Estado, nos crimes de igual natureza conexos aos daqueles, Procurador-Geral de Justiça de Procurador-Geral do Estado. Ressalte-se que essas funções têm correspondência no cenário nacional: Presidente da República, Vice-Presidente, Ministros etc.

Nesses crimes de responsabilidade referidos nas Constituições dos Estados (e cuja definição, obviamente, é da estrita competência da União, nos termos do art. 22, I, da CF), o processo e julgamento são da competência do órgão por elas indicado. No Rio Grande do Sul e no Paraná, por exemplo, o processo e julgamento competem à Assembleia Legislativa. No Piauí, a um órgão misto composto de 5 Deputados e 5 Desembargadores sob a presidência do Presidente do Tribunal de Justiça. No Estado de São Paulo esse órgão misto é constituído de 7 Deputados e 7 Desembargadores sob a presidência do Presidente do Tribunal de Justiça. Nesse processo serão obsevadas: a Lei n. 1.079/50, a Constituição local e os Regimentos do Tribunal de Justiça e da Assembleia Legislativa, e não o Código de Processo Penal. Daí a ressalva.

C)   Justiça Militar

Outra ressalva feita pelo art. 1º do CPP é quanto aos processos da competência da Justiça Militar. A eles não se aplica o CPP. O Direito Processual Penal pátrio, quanto à natureza do direito material que informa a res in judicio deducta (o pedido exposto em juízo), abrange o Direito Processual Penal comum, cuja fonte principal é o CPP (sem falarmos na Constituição, que é a fonte por excelência), o Direito Processual Penal Militar e o Direito Processual Penal Eleitoral. Tratando-se de infrações de caráter militar (crimes militares próprios – que só podem ser cometidos por militares – e impróprios, aqueles que estão definidos não só na lei penal comum como também no Código Penal Militar), observar-se-ão as normas do Código de Processo Militar.

A Justiça Militar é uma Justiça especial, tal como se vê pela redação dos arts. 124 e 125, §§ 4º e 5º, da Magna Carta. Há um Código Penal militar, que define os crimes militares, e um Código de Processo Penal Militar, que é o aplicável na composição das lides da natureza penal militar.

Não se trata de foro excepcional, mas especial. Não traz consigo o foro especial, como bem esclarece Tristão de Alencar Araripe, nenhum privilégio, nenhum favor particular, mas, ao contrário, acarreta maiores exigências, mais severo rigor. Trata-se, no dizer de Astolpho Rezende, de uma jurisdição especial, exigida e adequadamente justificada pela necessidade da disciplina. Disciplina e hierarquia são a razão de estarem os militares sujeitos às leis penais militares e a um processo penal especial.

D)   Tribunal Especial

O art. 1º do CPP, em seu inc. IV,ainda faz outra ressalva: não se pratica o CPP aos processos da competência de Tribunal Especial.

A Constituição de 1937 previa, no art. 122, n. 17, a criação de Tribunal Especial, cuja competência se restringia ao processo e julgamento dos crimes que atentavam contra a personalidade internacional, a estrutura e a segurança do Estado, contra a personalidade internacional, a estrutura e a segurança do Estado, contra a ordem social e, finalmente, dos que atentavam contra a economia popular, sua guarda e seu emprego. Malgrado isso, a Lei n. 244, de 11-9-1936, elaborada sob a égide da Carta de 1934, já havia criado um Tribunal de Segurança Nacional, com competência para julgar os crimes contra a segurança do Estado, constituído de 5 membros escolhidos pelo Presidente da República. Após a Carta de 1937, o Decreto n. 88, de 20-12-1937, modificou a Lei n. 244, de 1936, não só para incluir na sua competência os crimes contra a economia popular, como também para elevar o número de seus membros para 6, sendo 2 Magistrados, 1 Juiz Militar, 1 Oficial do Exército, 1 Oficial da Armada e 1 Advogado, todos da livre escolha do Presidente da República. Tratava-se, pois, de um Tribunal que “rezava pela cartilha do Ditador”.

O processo era especial, pos se tratava de “Justiça de exceção”.

Não se deve confundir, adverte Frederico Marques, a Justiça de exceção com a Justiça especial. Esta, como esclarece Lucchini, “é permanente e orgânica”, enquanto aquela “é transitória e mais ou menos arbitrária”.

Entretanto, antes de a Constituição de 1946 (no seu art. 141, § 26) abolir os Tribunais de Exceção, já no governo José Linhares foi extinto o Tribunal de Segurança Nacional, por força da Lei Constitucional n. 14, de 17-11-1945, e os crimes que eram da sua competência passaram para a de outros Órgãos Jurisdicionais.

E)    Crimes de imprensa

Finalmente, a última ressalva feita pelo art. 1º do CPP, não se aplica este Código aos processos por crime de imprensa.

Tais crimes são da competência da Justiça Comum, e, por isso, em princípio, aplicável seria o CPP. Entretanto entendeu o legislador que os crimes de imprensa deveriam ser tratados em lei extravagante, na qual se estabelecesse o respectivo processo. Era que havia anteriormente e que, por sinal, foi mantido. Hoje, os crimes de imprensa, com o respectivo processo, estão disciplinados na Lei n. 5.250, de 9-2-1967.

Todavia, tal como dispõe o parágrafo único do art. 1º do CPP, este será aplicado, nesses casos, “quando as leis especiais que o regulam não dispuserem de modo diverso”.

F)    Crimes eleitorais

Embora haja omissão na enumeração das ressalvas feitas pelo art. 1º do CPP, podemos dizer ser este inaplicável às infrações eleitorais e às que lhes forem conexas. De fato. Se assim é, por que a omissão? Explica-se: quando na elaboração do CPP, vigia a Constituição de 1937, que não cuidava da Justiça Eleitoral e, muito menos, dos crimes eleitorais, pois o regime, àquela época, era de exceção. Com a Constituição de 1946, criou-se a Justiça Eleitoral (art. 109), e o inc. VII do art. 119 daquele Diploma Maior dispunha competir à justiça Eleitoral o processo e julgamento dos crimes eleitorais e dos comuns que lhes fossem conexos. Daí a elaboração de um Código Eleitoral definindo as figuras delituais penais eleitorais e o respectivo processo, nada obstando, quando este não dispuser de modo diverso, seja o Código de Processo Penal comum subsidiário daquele.

O mesmo princípio foi mantido pela Emenda Constitucional n. 1/69. A Constituição atual, entretanto, no seu art. 121, limitou-se a dizer: “Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais”     , e, como até o momento não foi elaborada lei nesse sentido, tem-se entendido, sem discrepância, que a Carta Política de 1988 recepcionou o Código Eleitoral como se fosse a Lei Complementar, no que respeita à competência. Enquanto não vier a Lei Complementar, sua competência é esta: os crimes eleitorais e os comuns que lhes forem conexos, à dicção do art. 35, II, do Código Eleitoral. Nesses casos, o processo e julgamento ficarão afetos aos Órgãos Jurisdicionais da Justiça eleitoral, sendo que o processo deverá obedecer ao disposto no Código Eleitoral. O procedimento vem traçado nos arts. 355 a 364. Todavia, dispõe o art. 364: “No processo e julgamento dos crimes eleitorais e dos comuns que lhes forem conexos, assim como nos recursos e na execução, que lhes digam respeito, aplicar-se-á, como lei subsidiária ou supletiva, o Código de Processo Penal”.

G)   Outras exceções

O CPP fez, tão-somente, aquelas ressalvas. Entretanto, de lá para cá, foram surgindo leis processuais estabelecendo normas quanto ao processo e julgamento de determinadas infrações penais, de sorte que podemos, também, incluir, naquelas ressalvas, outras leis extravagantes.

Nos denominados “crimes de entorpecentes”, definidos na Lei n. 11.343, de 23-8-2006, a parte alusiva à investigação, ao processo e julgamento está ali regulada.

Nos crimes de abusos de autoridade, o processo e julgamento regulam-se pelo que dispõe a Lei n. 4.898, de 9-12-1965.

Os crimes da competência dos Tribunais (ação penal originária) sujeitam-se a um procedimento diverso, tal como disciplinados nas Leis n. 8.038/90 e 8.658/93, tendo esta última, revogado os arts. 556/562 do CPP.

As infrações de menor potencial ofensivo, assim consideradas “as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos cumulados ou não com multa”, de acordo com o art. 61 da Lei n. 9.099/95, com a redação dada pela Lei n. 11.313/2006, passaram para a alçada do Juizado Especial Criminal, com procedimentos bem distintos.

Além disso, a Lei n. 11.101, de 9-2-2005, ao tratar das falências, estabelece normas especiais sobre o procedimento dos crimes falimentares, prazo prescricional e sua interrupção.


Assim, o Processo Penal, forma compositiva de litígios penais, continua sendo disciplinado pelas normas estabelecidas no CPP, que é a principal fonte do nosso Direito Processual Penal. Ao seu lado, contudo, complementando-o, há essas leis extravagantes, alterando, modificando ou dispondo de maneira especial a respeito do processo e julgamento.

sábado, 11 de abril de 2015

MANUAL DE PROCESSO PENAL - EFICÁCIA DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO - VARGAS DIGITADOR

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – Capítulo 3 – EFICÁCIA DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO -  VARGAS DIGITADOR

Em matéria de lei processual penal, o princípio estabelecido é de que ela “provee únicamente para el futuro, o sea, em orden a todos lós procediementos y a todos lós actos processuales que están aúm por cumplirse em el momento em que entra em vigor, salvo las excepciones establecidas por la misma ley” (cf. Vincenzo Manzini, Tratado de derecho procesal penal, trad. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1951, p. 230).

Entre nós, o princípio é o mesmo, isto é, a lei processual penal tem aplicação imediata. Assim dispõe o art. 2º do nosso CPP: “A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior”. Infere-se, pois, que a lei processual penal não tem, como já se pensou, efeito retroativo.

O simples fato de haver o art. 2º acentuado “... sem prejuízo da validade dos atos realizados na vigência da lei anterior” indica, de logo, não ser retroativa a lei processual penal, pois, se fosse, o legislador teria invalidado os atos processuais praticados até a data da vigência da lei nova. Não o fez. Manteve-os. Logo, não há falar em retroatividade. O princípio é este: tempus regit actum (o tempo rege o ato).


Observe-se, contudo, que há normas processuais com intenso conteúdo penal. Nesses casos, admite-se sua retroatividade, em face da sua dupla natureza. Assim uma norma sobre queixa ou representação, mesmo porque, se esta ou aquela não for feita no prazo legal, haverá decadência, que é causa extintiva da punibilidade, e as normas sobre causa extintiva de punibilidade são de direito penal (logo, retroagem)... Quando surgiu a Lei n. 9.099/95, cujo art. 88 proclamou a necessidade de representação nos casos de lesão corporal leve ou culposa, os Juízes determinaram que as vítimas fosse notificadas a se manifestar, quanto ao seu interesse, ou não, em dar prosseguimento aos processos que estavam em curso. Verdadeira retroatividade. Ao lado dessa retroatividade, há mais: quando se trata de queixa ou de representação, p. ex., o prazo para o seu exercício é contado de acordo com o art. 10 do CP, e não nos termos do art. 798, §§ 1º e 3º, do CPP. E é assim precisamente em face do relevante conteúdo penal que apresentam as normas que cuidam da queixa e da representação.

MANUAL DE PROCESSO PENAL – Capítulo 2- TIPOS DE PROCESSO PENAL – DIREITO PÁTRIO - VARGAS DIGITADOR

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – Capítulo 2- TIPOS DE PROCESSO PENAL – DIREITO PÁTRIO -  VARGAS DIGITADOR

Levando em conta os princípios que o informam, o Processo Penal pode ser acusatório, inquisitivo e misto.

No processo acusatório são traços profundamente marcantes: a) o contraditório, como garantia politicojurídica do cidadão; b) as partes acusadora e acusada, em decorrência do contraditório, encontram-se no mesmo pé de igualdade; c) o processo é público, fiscalizável pelo olho do povo (excepcionalmente se permite uma publicidade restrita ou especial); d) as funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a pessoas distintas, e, logicamente, não é dado ao Juiz iniciar o processo sem provocação da parte (ne procedat judex ex officio -  o Juiz não pode dar início ao processo por sua própria vontade); e) o proce3sso pode ser oral ou escrito; f) existe, em decorrência do contraditório, igualdade de direitos e obrigações entre as partes, pois “non debet licere actori, quod reo non permititur” (não deve ser lícito ao autor o que não permitido ao réu); g) a iniciativa do processo cabe à parte acusadora, que poderá Sr o ofendido ou seu representante legal, qualquer cidadão do povo ou órgão do Estado. Presentemente, a função acusadora, em geral, cabe ao Ministério Público, mas o fato de a acusação ser conferida, também, ao ofendido, nos casos previstos em lei, ou a qualquer do povo, como na hipótese de impeachment, não desnatura o processo acusatório. Seus princípios imanentes continuam íntegros: publicidade, contraditório e, finalmente, acusação e jurisdição a cargo de pessoas distintas, “pues, la piedra de toque del sistema acusatorio es siempre la separación de acusador y juzgador” (cf. Garcia Velasco, Curso de derecho procesal penal, Ed. Universidad de Madrid, 1969, p. 8).

Nada obsta que o particular acuse. Mas o ideal é atribuir a função persecutória ao Ministério Público, como personificação da lei e representante da sociedade, permitindo-se excepcionalmente possa tal função ser exercida pelo ofendido (ação penal privada). Entre nós, também excepcionalmente, permite-se a qualquer do povo “denunciar” o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica, nos crimes da mesma natureza conexos com os daqueles, bem como os Ministros do STF, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União. Nesses casos, o processo e julgamento competem ao Senado Federal. Há outras hipóteses previstas no art. 10 da Lei n. 1.079/50, introduzidas pela Lei n. 10.028/2000, que possibilitam a qualquer do povo ou ao Ministério Público ofertar denúncia em relação a outras pessoas perante o STF, o STJ, os TRFs, os três ou mesmo perante os Tribunais de Justiça (arts. 41 e 41-A da Lei n. 1.079/50).

O processo de tipo inquisitório é a antítese do acusatório. Não há o contraditório, e por isso mesmo inexistem as regras da igualdade e liberdade processuais. As funções de acusar, defender e julgar encontraram-se enfeixadas numa só pessoa: o Juiz. É ele quem inicia, de ofício, o processo, quem recolhe as provas e, afinal, profere a decisão, podendo, no curso do processo, submeter o acusado a torturas, a fim de obter a rainha das provas: a confissão. O processo é secreto e escrito. Nenhuma garantia se confere ao acusado. Este aparece em uma situação de tal subordinação que se transfigura e se transmuda em objeto do processo e não em sujeito de direito.

O processo inquisitivo despontou em Roma, quando já se permitia ao Juiz iniciar o processo de ofício,e, ao atingir a Idade Média, por influência da Igreja, o processo per inquisitionem passou a dominar toda ou quase toda a Europa Continental, a partir do Concílio Lateranense, de 1215. Foi introduzido, na verdade, pelo Direito Canônico, mas, em seguida, viram os soberanos, nesse tipo de processo, uma arma poderosa, e por isso espalhou-se entre os Tribunais seculares.

Finalmente o processo de tipo misto. Desenvolve-se em três partes a) investigação preliminar, a cargo da Polícia Judiciária, sob a orientação do Ministério Público; b) instrução preparatória, a cargo do Juiz Instrutor; e c) fase do julgamento. Das duas primeiras não participa a Defesa. Na fase do julgamento, o processo se desenvolve contradictoirement.

Direito pátrio

No Direito pátrio, o sistema adotado é o acusatório. Não o processo acusatório puro, mas o acusatório não ortodoxo. Tanto é verdade que o Juiz pode requisitar abertura de inquérito, decretar de ofício prisão preventiva, conceder habeas corpus de ofício, determinar a realização da prova que bem quiser e entender etc. a acusação, nos crimes de ação pública, está a cargo do Ministério Público. Excepcionalmente, nos delitos de ação privada, comete-se à própria vítima o jus persequendi in judicio – direito de perseguir (acusar) em juízo. Pode também a vítima, nos crimes de ação pública, exercer a acusação, se, porventura, o órgão do Ministério Público não intentar a ação penal no prazo previsto em lei.

O processo é eminentemente contraditório. Não temos a figura do Juiz instrutor. A fase processual propriamente dita é precedida de uma fase preparatória, em que a Autoridade Policial procede a uma investigação não contraditória colhendo as primeiras informações a respeito do fato infringente da norma e da respectiva autoria. Com base nessa investigação preparatória, o acusador, seja o órgão do Ministério Público, seja a vítima, instaura o processo por meio da denúncia ou queixa. Já agora, em juízo, nascida a relação processual, o processo torna-se eminentemente contraditório, público e escrito (sendo que alguns atos são praticados oralmente, tais como debates em audiências ou sessão). O ônus da prova incumbe às partes, mas o Juiz não é um espectador inerte na sua produção, podendo, a qualquer instante, determinar, de ofício, quaisquer diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

Permite-se às partes uma gama de recursos, e, tutelando ainda mais o direito de liberdade, concedem-se à defesa recursos que lhe são exclusivos, como o protesto por novo Júri e os embargos infringentes e de nulidade. Não adotamos a revisão pro societate. Só o réu é que pode promovê-la.

Nas infrações penais de menor potencial ofensivo, assim consideradas todas as contravenções e os crimes apenados até o máximo de um ano, dês que não sujeitos a procedimentos especiais (ressalvadas as condutas tipificadas nos arts. 303, 306 e 308 do Código de Trânsito Brasileiro, que, embora apenadas com 2 ou 3 anos no seu grau máximo, são também consideradas de menor potencial ofensivo por força do parágrafo único do art. 291 do citado diploma), será possível a transação, sob os olhos do Juiz, entre o Acusador e o autor do fato, sujeitando-se este a uma multa ou pena restritiva de direito, sem gerar reincidência.


Hoje, em face da nova redação dada ao art. 61 da Lei n. 9.099/95 pela Lei n. 11.313, de 28-6-2006, são infrações de menor potencial ofensivo todas as contravenções e os crimes cuja pena máxima não exceda a 2 anos, sujeitos ou não a procedimento especial, ressalvados os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, conforme o art. 41 da Lei n. 11.340, de 7-8-2006.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

MANUAL DE PROCESSO PENAL – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIO DO “FAVOR REI” (BENEFÍCIO DO RÉU) – PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO - VARGAS DIGITADOR

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIO DO “FAVOR REI” (BENEFÍCIO DO RÉU) – PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO - VARGAS DIGITADOR

Princípio do “favor rei” (benefício do réu)

Como bem diz Giuseppe Bettiol, numa determinada ótica, o princípio do favor rei é o princípio base de toda a legislação processual penal de um Estado, inspirado na sua vida política e no seu ordenamento jurídico por um critério superior de liberdade (cf. Instituições de direito e processo penal, trad. Manuel da Costa Andrade, Coimbra, Coimbra Ed., 1974, p. 295).

No Processo Penal, várias são as disposições que consagram o princípio do favor innocentiae, favor libertatis ou favor rei. Assim, a proibição da reformatio in pejus – reforma para pior (art. 617): os recursos privativos da Defesa, como o protesto por novo júri e os embargos infringentes ou de nulidade (arts. 607 e 609 e ss.); a regra do art. 615, § 1º; e, por fim, como coroamento desse princípio, o da presunção de inocência, hoje erigido à categoria de dogma constitucional. Alguns autores incluem como exemplo do favor rei a regra do art. 386, VI, do CPP, que impõe a absolvição por insuficiência de prova. Parece-nos, contudo, que a razão esteja com Santiago Sentís Melendo: “Quando se di in dubio pro reo se está dizendo que, ante a falta de provas, o Juiz deve absolver o réu; y esto parece que no necesita justificación”. E acrescenta: “O juiz não duvida quando absolve. Está firmemente seguro, tem a plena certeza. De quê? De que lhe faltam provas para condenar. No se trata de ‘favor’ sino de justicia” (In dubio pro reo, Buenos Aires, EJEA, 1971, p. 158).

Princípio do duplo grau de jurisdição

Trata-se de princípio da mais alta importância. Todos sabemos que os Juízes, como homens que são, estão sujeitos a erro. Por isso mesmo o Estado criou órgãos jurisdicionais a eles superiores, precipuamente para reverem, em grau de recurso, suas decisões. O que se infere do nosso ordenamento é que o duplo grau de jurisdição é uma realidade incontrastável. Sempre foi assim entre nós. Isso mesmo se infere do art. 92 da CF, ao falar em Tribunais e Juízes Federais, Tribunais e Juízes Eleitorais. Observe-se que o art. 93, III, da CF faz alusão ao “acesso aos tribunais de segundo grau”, numa demonstração de que há órgãos jurisdicionais de primeiro e segundo grau. O art. 108, II, da Magna Carta diz competir aos Tribunais Regionais Federais julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição... Evidente, também, competir aos Tribunais estaduais julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos Juízes estaduais no exercício da sua competência própria... E, nessa ordem de ideias, compete aos Tribunais Regionais Eleitorais, aos Tribunais Militares, aos Tribunais Regionais do Trabalho julgar as causas decididas pelos órgãos de primeiro grau dessas Justiças. Observe-se, ainda, que o art. 5º, LV, da CF, dispõe que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Por derradeiro: o art. 93, XV, da CF, introduzido pela EC n. 45/2004, determina seja imediata a distribuição de processos em todos os graus de jurisdição.

Por outro lado, como o § 2º do art. 5º da Lei Maior dispõe que os direitos e garantias nela expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais de que o Brasil seja parte, e considerando que a República Federativa do Brasil, pelo Decreto n. 678, de 6-11-1992, fez o depósito da Carta de Adesão ao ato internacional da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), considerando que o art. 8º, 2, h, daquela Convenção dispõe que durante o processo toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma série de garantias mínimas, dentre estas a de recorrer da sentença para Juiz ou Tribunal Superior, pode-se concluir que o duplo grau de jurisdição é garantia constitucional. Evidente, contudo, que nas ações penais originárias não há o duplo grau, embora fosse possível (v. nosso Processo penal, 28ª ed. 2006, v. 1, p. 74).


Nada impede determine o legislador que as pessoas subordinadas à jurisdição privativa dos Tribunais sejam processadas e julgadas pelas Câmaras ou Turmas e eventual apelo dirigido ao Órgão Especial, onde houver, ou ao Pleno. Em alguns estados, como os de São Paulo e Paraná, os Prefeitos são processados e julgados por uma Câmara Criminal... E por que não estender essa regra às demais pessoas sujeitas ao foro pela prerrogativa de função e, ao mesmo tempo, fazer respeitado o princípio do duplo grau? Cumpre observar, por derradeiros, que o fato de as partes poderem interpor recurso extraordinário das decisões de quaisquer Tribunais Estaduais ou Federais, não ilide a afirmação de que realmente não temos o duplo grau nos processos da competência privativa dos Tribunais, mesmo porque, quando se interpõe o recurso extraordinário, a Suprema Corte cinge-se ao exame da possibilidade de a decisão recorrida afrontar a Constituição, e quando se interpõe recurso especial para o STJ objetiva-se o respeito à lei federal ou tratado. Não se apreciam as questiones facti (questões de fato). Procura-se simplesmente constatar se a Constituição foi desautorada, se a lei federal ou tratado foi negada vigência, se houve desrespeito a este ou àquela, ou se a respeito há dissídio jurisprudencial, quando, então, o STJ procura manter a uniformidade da interpretação. Assim, se as questões fáticas, as provas colhidas, não podem ser objeto daqueles recursos, logo, podemos afirmar que entre nós não há o duplo grau nas hipóteses de foro pela prerrogativa de função, embora devesse haver. Por outro lado, tratando-se de foro sem prerrogativa, quando a parte recorre ao Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal e, insatisfeita, dirige-se, mercê de recurso especial ou extraordinário, ao STJ ou ao STF, não se pode falar em triplo grau de jurisdição, isto é, o mérito da causa não será reexaminado pela terceira vez...