MANUAL
DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – Capítulo
4 – EFICÁCIA DA LEI PROCESSUAL PENAL NO ESPAÇO – RESSALVAS E EXCEÇÕES – TRATADOS,
CONVENÇÕES E REGRAS DE DIREITO INTERNACIONAL - VARGAS DIGITADOR
As leis penais, em algumas
hipóteses (art. 7º do CP), incidem sobre os fatos delituosos cometidos fora do
nosso território, apresentando, assim, excepcionalmente, uma
ultraterritorialidade. Entretanto, no que tange às leis processuais penais,
estas não ultrapassam os limites do território do Estado que as promulgou. São
eminentemente territoriais. Sendo o Processo Penal o meio de que se valem os
Órgãos Jurisdicionais penais para a solução de lides penais, e se eles
representam o próprio Estado na sua função de administrar justiça, não pode
este exercer seu Poder Soberano além do alcance da sua própria soberania. Por
essa mesma razão fica excluída a possibilidade de ser aplicada a lei processual
penal de outro país em nosso território. Evidente que quando se afirma que a
lei penal admite extraterritorialidade (rectius:
ultraterritorialidade), o que se quer dizer com essa expressão é qua a
nossa lei penal, às vezes, contrariando o que normalmente acontece, incide,
recai sobre fatos cometidos no exterior, e, por outro lado, quando se fala em
exclusiva territorialidade da norma processual penal, o que se quer é que é de
todo impossível o Juiz exercer o seu poder de solucionar lides fora do nosso
território, a não ser em situações especiais, que logo serão vistas mesmo
porque, se considerarmos a extraterritorialidade como a aplicação da lei de um
Estado no território, a toda evidência nem a lei penal nem a processual
apresentarão extraterritorialidade, posto que no campo penal tal medida seria
afrontosa à soberania do Estado. Fala-se, isto sim, em ultraterritorialidade.
Mesmo que certos atos
processuais devam ser apreciados no exterior, como, v. g., uma citação,
intimação, busca e apreensão, ouvida de testemunha etc., aplicável será a lei
processual penal do país onde tais devam ser realizados, não podendo ter
aplicação a nossa lei de processo. É o domínio da lex fori. Aliás, e muito a propósito, o Código Penal Militar,
cominando pena gravíssima, erigiu à categoria de crime, nos arts. 138 e 139,
não só “praticar o militar, indevidamente no território nacional, ato de
jurisdição de país estrangeiro, ou favorecer a prática de ato dessa natureza”,
como também “violar o militar território estrangeiro, com o fim de praticar ato
de jurisdição em nome do Brasil”.
É verdade que, às vezes,
sobre certos fatos delituosos cometidos fora do território nacional incide a
nossa lei penal; esta, contudo, somente será aplicável no território pátrio por
meio das nossas normas processuais penais.
Sem embargo disso, Beling,
Tornaghi, Garcia-Velasco, entre outros, admitem a possibilidade de ser aplicada
a lei processual penal de um Estado fora de seus limites territoriais. Beling
faz referencias às seguintes hipóteses:
a) aplicação
da lei processual penal de um Estado em território nullius (de ninguém);
b) quando
houver autorização do Estado onde deva ser praticado o ato processual;
c) em
caso de guerra, em território ocupado (cf.
Ernst Beling, Derecho procesal penal, trad. Miguel Fenech, Madrid, Labor,
1945, p. 12; Hélio Tornaghi, Comentários
ao Código de Processo Penal, Rio de Janeiro, Forense, 1956, v. 1. T. 1, p.
80; Garcia-Velasco, Curso de derecho
procesal penal. Ed, Universidad de Madrid, 1969, p. 40-1).
Até a década de 30, havia o
chamado regime das capitulações ou jurisdições consulares. Era comum, entre
países europeus e outros da Ásia e África, a celebração de tratados segundo os
quais as autoridades consulares dos países europeus acreditados no Oriente ou
Estremo Oriente tinham poderes de investigar as infrações penais e proceder à
instrução respectiva, como se fossem Juízes, aplicando a lei penal e a lei
processual penal do seu respectivo Estado, desde que se tratasse de infração
cometida por um co-nacional. Eventual recurso era dirigido ao Tribunal do
respectivo Estado ocidental.
Ressalvas
Dizendo o art. 1º que “o
processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este Código”,
dá a entender que toda lide de caráter penal que surgir no território pátrio
será solucionada de acordo com as normas do CPP. E assim é. Todavia, por razões
várias, foram feitas algumas ressalvas. Vejamo-las:
A)
Tratados,
convenções e regras de Direito Internacional
Obedecendo a certos tratados
ou convenções que o Brasil haja firmado, ou mesmo em atenção a regras de
Direito Internacional, a lei processual penal pátria deixa de ser aplicada.
Muito embora os fatos tenham sido cometidos no território brasileiro, os
tratados, convenções e regras de Direito Internacional criam, na expressão de
Mayer, verdadeiros obstáculos processuais, impedindo, assim, a aplicação da lei
processual penal brasileira.
Aos crimes cometidos a bordo
de navios ou aeronaves públicas estrangeiras, em águas territoriais e espaço
aéreo, brasileiros, não se aplicam a lei penal nem a lei processual pátrias.
Inaplicável, também, é nossa
lei processual penal aos agentes diplomáticos aqui acreditados. Por agentes
diplomáticos compreendem-se não só os encarregados de certa missão especial, os
que se acreditam para representar o Governo em conferências, congressos ou
outros organismos internacionais, como também aqueles que representam o governo
de um Estado perante outro, de maneira permanente. Esses privilégios são
irrenunciáveis, porquanto não são concedidos à pessoa, mas à função que exerce.
Os funcionários diplomáticos
que vivam em companhia dos respectivos agentes gozam dessas prerrogativas. Os
empregados particulares não, pouco importando se da nacionalidade do diplomata.
Estendem-se essas prerrogativas aos membros da família do agente diplomático
que com ele vivam sob o mesmo teto: os pais, a mulher, os filhos etc. Na
hipótese de falecimento do funcionário diplomático, sua família continuará
gozando dos mesmos privilégios,por um lapso de tempo razoável, até que abandone
o Estado onde se encontre (o assunto está regulado pela Convenção de Havana, em
1928, e que foi promulgada, entre nós, aos 22-10-1929, pelo Dec. N. 18.956).
Desfrutam, também, de iguais
privilégios os Chefes de Estado e sua comitiva, quando em território nacional.
E as sedes das embaixadas?
Serão consideradas alienígenas? Pela velha e revelha concepção da
extraterritorialidade, sim. Hoje, entretanto, as sedes das embaixadas ou
legações são consideradas território do país onde se acham situadas, tanto que
os crimes aí praticados por pessoas alheias às imunidades sujeitam-se à
jurisdição do Estado onde se encontra a embaixada. Apesar disso, mas como
consequência da inviolabilidade e imunidade concedidas aos agentes
diplomáticos, considera-se também inviolável a sede das embaixadas.
Essa inviolabilidade,
todavia, que se estende às sedes dos consulados, seus arquivos e papéis, não
vai ao extremo de permitir que o agente diplomático acolha, como refugiados, os
acusados ou condenados por delitos de natureza comum, sendo obrigados a
entregá-los à autoridade local competente que assim requeira (cf. Dec. N.
18.956, de 1929, art. 17).
É bem verdade que o art. 369
do CPP dispõe que as citações que houverem de ser feitas em legações
estrangeiras serão efetuadas mediante carta rogatória. E assim procedeu o
legislador pátrio não porque o Brasil entenda que as sedes das embaixadas sejam
território estrangeiro, mas tão-somente por cortesia. Uma vez que os diplomatas
gozam de imunidade material e formal, o legislador considerou, num gesto
delicado e amigo, como fisicamente invioláveis os locais onde funcionam as
missões diplomáticas. Assim também os prédios onde residam os quadros
diplomáticos, administrativo e técnico. Mas nada impede, antes aconselha, que o
legislador venha a permitir que, nesses casos de legações estrangeiras, as
citações e intimações possam ser feitas com mais simplicidade, p. ex., por meio
de precatória a ser cumprida via Ministério da Justiça. Já os locais consulares
“são invioláveis na medida estrita de sua utilização funcional”. Da mesma
forma, os arquivos e documentos consulares, a exemplo dos diplomáticos, são
invioláveis em qualquer circunstância e onde quer que se encontrem (cf. J. F.
Rezek, Direito Internacional público. São
Paulo, Saraiva, 1991, p. 173).
Quanto aos cônsules, que
exercem simples funções de caráter administrativo, de acordo com a Convenção de
Havana, aprovada pelo Brasil, respondem eles, segundo as nossas leis, por
eventuais infrações penais que venham a praticar. Todavia, em se tratando de
infrações cometidas no exercício de suas funções, ficam eles e os funcionários
do Consulado sujeitos às leis do seu país de origem ou, se for cônsul
honorário, do país que o nomeou. Nesse mesmo sentido o art 43 da Convenção de
Viena, à qual aderimos em 1967. E como foi dito no HC 55.155/SP, impetrado
junto ao STF, e ao precedente tratado no HC 49.183, a Convenção de Viena “não
confere ao funcionário consular imunidade penal, podendo, pois, ser processado
criminalmente, bem como submetido à prisão decorrente de sentença definitiva,
não se lhe estendendo as imunidades diplomáticas, mesmo quando, com o
consentimento do Estado receptor, seja incumbido de praticar atos diplomáticos”
(RTJ, 63/65). Quanto à prisão provisória, de acordo com o art. 41 da Convenção
de Viena, “não poderão os cônsules ser detidos ou presos provisoriamente, exceto
em caso de crime grave e em decorrência de decisão de autoridade judiciária
competente”. Assim, se a pena mínima cominada ao crime não for superior a 1
ano, por óbvio não terá gravidade, tanto que enseja a pena alternativa... A
propósito, Informativo STF n. 259, de
março de 2002.
B)
Prerrogativas
constitucionais do Presidente da República e de outras autoridades
A segunda ressalva feita
pelo art. 1º “diz respeito às prerrogativas constitucionais do Presidente da
República, dos Ministros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da
República, e dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de
responsabilidade”.
As Cartas Políticas que se
sucederam à de 1937, sob cuja égide foi promulgado o atual Código de Processo
Penal, estenderam aquelas prerrogativas a outras pessoas. A Magna Carta de 1988
e os Estados, em suas Leis Maiores, ampliaram o rol das pessoas que fazem jus
às prerrogativas de que trata o inc. II deste art. 1º sob comentário. Assim
é que, ao lado do Procurador Geral da República e dos Ministros do STF, a Carta
Política incluiu o Advogado-Geral da República e, mais tarde, a Emenda
Constitucional n. 23/99 acrescentou os Comandantes da Marinha, do Exército e da
Aeronáutica. Estes, bem como os Ministros de Estado, nos crimes conexos com os
do Presidente da República, também se incluem naquele rol: serão processados e
julgados pelo Senado Federal (art. 52 da CF). A Emenda Constitucional n.
45/2004 incluiu entre os que são processados e julgados pelo Senado Federal,
nos crimes de responsabilidade, os membros dos Conselhos, Nacional de Justiça e
do Ministério Público. A Lei n. 10.028, de 19-10-2000, no que tange aos crimes
definidos no art. 10 da Lei n. 1.079/50 (contra a lei orçamentária), além das
pessoas enumeradas no art. 2º desta lei (Presidente da República, Ministros de
Estado, Ministros do STF e Procurador-Geral da República), incluiu (art. 39-A
da Lei n. 1.079/50), especificamente, o Presidente do STF e respectivo
substituto quando no exercício da Presidência, os Presidentes e respectivos
substitutos dos Tribunais Superiores, dos Tribunais de Constas, dos Tribunais
Regionais Federais, Eleitorais e do Trabalho, dos Tribunais de Justiça e de
alçada dos Estados e do Distrito Federal e os Juízes Diretores de Foro,
Advogado-Geral da União, Procuradores-Gerais do Trabalho, Eleitoral e Militar,
Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal e os membros do
Ministério Público da União e dos Estados, da Advocacia-Geral da União, das
Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal, quando no exercício de função
de chefia. Nesses casos, a prerrogativa do foro já concedida a essas pessoas
será mantida, observando-se o rito da Lei n. 8.038/90, com esta
particularidade: a denúncia poderá ser ofertada por qualquer cidadão, ex vi do art. 41-A da Lei n. 1.079/50,
incluído pela Lei n. 10.028, de 19-10-2000, mantida a legitimidade do
Ministério Público. Essas hipóteses, contudo, não se inserem nas ressalvas de
que trata o inc. II do art. 1º do CPP, visto que o processo e o julgamento
ficam afetos a Tribunais Superiores, Tribunais Regionais Federais e Tribunais
de Justiça como se fossem crimes comuns, enquanto nos outros crimes de
responsabilidade a que se refere o art. 1º, II, do CPP, o processo e julgamento
ficam afetos ao Senado Federal, observadas as regras da Lei n. 1.079/50 e os
Regimentos da Câmara dos Deputados e do Senado. Não se aplica o Código de Processo
Penal. Os Estados também podem, em suas Constituições, fixar o órgão competente
para o processo e julgamento de crimes de responsabilidade. De observar,
entretanto, que esse poder não é absoluto, uma vez que ele deve ater-se aos
princípios adotados na Lex Mater,
como se infere do seu art. 25. Enfim: deve ser observado o princípio da
simetria. No Estado de São Paulo, p. ex., fazem jus a esse foro especial, nos
crimes de responsabilidade, Governador, Vice-Governador, Secretários de Estado,
nos crimes de igual natureza conexos aos daqueles, Procurador-Geral de Justiça
de Procurador-Geral do Estado. Ressalte-se que essas funções têm
correspondência no cenário nacional: Presidente da República, Vice-Presidente,
Ministros etc.
Nesses crimes de responsabilidade
referidos nas Constituições dos
Estados (e cuja definição,
obviamente, é da estrita competência da União, nos termos do art. 22, I, da
CF), o processo e julgamento são da competência do órgão por elas indicado. No
Rio Grande do Sul e no Paraná, por exemplo, o processo e julgamento competem à
Assembleia Legislativa. No Piauí, a um órgão misto composto de 5 Deputados e 5
Desembargadores sob a presidência do Presidente do Tribunal de Justiça. No
Estado de São Paulo esse órgão misto é constituído de 7 Deputados e 7
Desembargadores sob a presidência do Presidente do Tribunal de Justiça. Nesse
processo serão obsevadas: a Lei n. 1.079/50, a Constituição local e os
Regimentos do Tribunal de Justiça e da Assembleia Legislativa, e não o Código
de Processo Penal. Daí a ressalva.
C)
Justiça
Militar
Outra ressalva feita pelo
art. 1º do CPP é quanto aos processos da competência da Justiça Militar. A eles
não se aplica o CPP. O Direito Processual Penal pátrio, quanto à natureza do
direito material que informa a res in judicio
deducta (o pedido exposto em juízo), abrange o Direito Processual Penal
comum, cuja fonte principal é o CPP (sem falarmos na Constituição, que é a
fonte por excelência), o Direito Processual Penal Militar e o Direito
Processual Penal Eleitoral. Tratando-se de infrações de caráter militar (crimes
militares próprios – que só podem ser cometidos por militares – e impróprios,
aqueles que estão definidos não só na lei penal comum como também no Código
Penal Militar), observar-se-ão as normas do Código de Processo Militar.
A Justiça Militar é uma
Justiça especial, tal como se vê pela redação dos arts. 124 e 125, §§ 4º e 5º,
da Magna Carta. Há um Código Penal militar, que define os crimes militares, e
um Código de Processo Penal Militar, que é o aplicável na composição das lides
da natureza penal militar.
Não se trata de foro
excepcional, mas especial. Não traz consigo o foro especial, como bem esclarece
Tristão de Alencar Araripe, nenhum privilégio, nenhum favor particular, mas, ao
contrário, acarreta maiores exigências, mais severo rigor. Trata-se, no dizer
de Astolpho Rezende, de uma jurisdição especial, exigida e adequadamente
justificada pela necessidade da disciplina. Disciplina e hierarquia são a razão
de estarem os militares sujeitos às leis penais militares e a um processo penal
especial.
D)
Tribunal
Especial
O art. 1º do CPP, em seu
inc. IV,ainda faz outra ressalva: não se pratica o CPP aos processos da
competência de Tribunal Especial.
A Constituição de 1937
previa, no art. 122, n. 17, a criação de Tribunal Especial, cuja competência se
restringia ao processo e julgamento dos crimes que atentavam contra a
personalidade internacional, a estrutura e a segurança do Estado, contra a
personalidade internacional, a estrutura e a segurança do Estado, contra a
ordem social e, finalmente, dos que atentavam contra a economia popular, sua
guarda e seu emprego. Malgrado isso, a Lei n. 244, de 11-9-1936, elaborada sob
a égide da Carta de 1934, já havia criado um Tribunal de Segurança Nacional,
com competência para julgar os crimes contra a segurança do Estado, constituído
de 5 membros escolhidos pelo Presidente da República. Após a Carta de 1937, o
Decreto n. 88, de 20-12-1937, modificou a Lei n. 244, de 1936, não só para
incluir na sua competência os crimes contra a economia popular, como também
para elevar o número de seus membros para 6, sendo 2 Magistrados, 1 Juiz
Militar, 1 Oficial do Exército, 1 Oficial da Armada e 1 Advogado, todos da
livre escolha do Presidente da República. Tratava-se, pois, de um Tribunal que
“rezava pela cartilha do Ditador”.
O processo era especial, pos
se tratava de “Justiça de exceção”.
Não se deve confundir,
adverte Frederico Marques, a Justiça de exceção com a Justiça especial. Esta,
como esclarece Lucchini, “é permanente e orgânica”, enquanto aquela “é
transitória e mais ou menos arbitrária”.
Entretanto, antes de a
Constituição de 1946 (no seu art. 141, § 26) abolir os Tribunais de Exceção, já
no governo José Linhares foi extinto o Tribunal de Segurança Nacional, por
força da Lei Constitucional n. 14, de 17-11-1945, e os crimes que eram da sua
competência passaram para a de outros Órgãos Jurisdicionais.
E)
Crimes
de imprensa
Finalmente, a última
ressalva feita pelo art. 1º do CPP, não se aplica este Código aos processos por
crime de imprensa.
Tais crimes são da
competência da Justiça Comum, e, por isso, em princípio, aplicável seria o CPP.
Entretanto entendeu o legislador que os crimes de imprensa deveriam ser
tratados em lei extravagante, na qual se estabelecesse o respectivo processo.
Era que havia anteriormente e que, por sinal, foi mantido. Hoje, os crimes de
imprensa, com o respectivo processo, estão disciplinados na Lei n. 5.250, de
9-2-1967.
Todavia, tal como dispõe o
parágrafo único do art. 1º do CPP, este será aplicado, nesses casos, “quando as
leis especiais que o regulam não dispuserem de modo diverso”.
F)
Crimes
eleitorais
Embora haja omissão na
enumeração das ressalvas feitas pelo art. 1º do CPP, podemos dizer ser este
inaplicável às infrações eleitorais e às que lhes forem conexas. De fato. Se
assim é, por que a omissão? Explica-se: quando na elaboração do CPP, vigia a
Constituição de 1937, que não cuidava da Justiça Eleitoral e, muito menos, dos
crimes eleitorais, pois o regime, àquela época, era de exceção. Com a Constituição
de 1946, criou-se a Justiça Eleitoral (art. 109), e o inc. VII do art. 119
daquele Diploma Maior dispunha competir à justiça Eleitoral o processo e
julgamento dos crimes eleitorais e dos comuns que lhes fossem conexos. Daí a
elaboração de um Código Eleitoral definindo as figuras delituais penais
eleitorais e o respectivo processo, nada obstando, quando este não dispuser de
modo diverso, seja o Código de Processo Penal comum subsidiário daquele.
O mesmo princípio foi
mantido pela Emenda Constitucional n. 1/69. A Constituição atual, entretanto,
no seu art. 121, limitou-se a dizer: “Lei complementar disporá sobre a
organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas
eleitorais” , e, como até o momento
não foi elaborada lei nesse sentido, tem-se entendido, sem discrepância, que a
Carta Política de 1988 recepcionou o Código Eleitoral como se fosse a Lei
Complementar, no que respeita à competência. Enquanto não vier a Lei
Complementar, sua competência é esta: os crimes eleitorais e os comuns que lhes
forem conexos, à dicção do art. 35, II, do Código Eleitoral. Nesses casos, o
processo e julgamento ficarão afetos aos Órgãos Jurisdicionais da Justiça
eleitoral, sendo que o processo deverá obedecer ao disposto no Código
Eleitoral. O procedimento vem traçado nos arts. 355 a 364. Todavia, dispõe o
art. 364: “No processo e julgamento dos crimes eleitorais e dos comuns que lhes
forem conexos, assim como nos recursos e na execução, que lhes digam respeito,
aplicar-se-á, como lei subsidiária ou supletiva, o Código de Processo Penal”.
G)
Outras
exceções
O CPP fez, tão-somente,
aquelas ressalvas. Entretanto, de lá para cá, foram surgindo leis processuais
estabelecendo normas quanto ao processo e julgamento de determinadas infrações
penais, de sorte que podemos, também, incluir, naquelas ressalvas, outras leis
extravagantes.
Nos denominados “crimes de
entorpecentes”, definidos na Lei n. 11.343, de 23-8-2006, a parte alusiva à
investigação, ao processo e julgamento está ali regulada.
Nos crimes de abusos de
autoridade, o processo e julgamento regulam-se pelo que dispõe a Lei n. 4.898,
de 9-12-1965.
Os crimes da competência dos
Tribunais (ação penal originária) sujeitam-se a um procedimento diverso, tal
como disciplinados nas Leis n. 8.038/90 e 8.658/93, tendo esta última, revogado
os arts. 556/562 do CPP.
As infrações de menor
potencial ofensivo, assim consideradas “as contravenções penais e os crimes a
que a lei comine pena máxima não superior a dois anos cumulados ou não com
multa”, de acordo com o art. 61 da Lei n. 9.099/95, com a redação dada pela Lei
n. 11.313/2006, passaram para a alçada do Juizado Especial Criminal, com
procedimentos bem distintos.
Além disso, a Lei n. 11.101,
de 9-2-2005, ao tratar das falências, estabelece normas especiais sobre o
procedimento dos crimes falimentares, prazo prescricional e sua interrupção.
Assim, o Processo Penal,
forma compositiva de litígios penais, continua sendo disciplinado pelas normas
estabelecidas no CPP, que é a principal fonte do nosso Direito Processual
Penal. Ao seu lado, contudo, complementando-o, há essas leis extravagantes,
alterando, modificando ou dispondo de maneira especial a respeito do processo e
julgamento.