domingo, 12 de abril de 2015

MANUAL DE PROCESSO PENAL - EFICÁCIA DA LEI PROCESSUAL PENAL NO ESPAÇO – RESSALVAS E EXCEÇÕES – TRATADOS, CONVENÇÕES E REGRAS DE DIREITO INTERNACIONAL - VARGAS DIGITADOR

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – Capítulo 4 – EFICÁCIA DA LEI PROCESSUAL PENAL NO ESPAÇO – RESSALVAS E EXCEÇÕES – TRATADOS, CONVENÇÕES E REGRAS DE DIREITO INTERNACIONAL -  VARGAS DIGITADOR

As leis penais, em algumas hipóteses (art. 7º do CP), incidem sobre os fatos delituosos cometidos fora do nosso território, apresentando, assim, excepcionalmente, uma ultraterritorialidade. Entretanto, no que tange às leis processuais penais, estas não ultrapassam os limites do território do Estado que as promulgou. São eminentemente territoriais. Sendo o Processo Penal o meio de que se valem os Órgãos Jurisdicionais penais para a solução de lides penais, e se eles representam o próprio Estado na sua função de administrar justiça, não pode este exercer seu Poder Soberano além do alcance da sua própria soberania. Por essa mesma razão fica excluída a possibilidade de ser aplicada a lei processual penal de outro país em nosso território. Evidente que quando se afirma que a lei penal admite extraterritorialidade (rectius: ultraterritorialidade), o que se quer dizer com essa expressão é qua a nossa lei penal, às vezes, contrariando o que normalmente acontece, incide, recai sobre fatos cometidos no exterior, e, por outro lado, quando se fala em exclusiva territorialidade da norma processual penal, o que se quer é que é de todo impossível o Juiz exercer o seu poder de solucionar lides fora do nosso território, a não ser em situações especiais, que logo serão vistas mesmo porque, se considerarmos a extraterritorialidade como a aplicação da lei de um Estado no território, a toda evidência nem a lei penal nem a processual apresentarão extraterritorialidade, posto que no campo penal tal medida seria afrontosa à soberania do Estado. Fala-se, isto sim, em ultraterritorialidade.

Mesmo que certos atos processuais devam ser apreciados no exterior, como, v. g., uma citação, intimação, busca e apreensão, ouvida de testemunha etc., aplicável será a lei processual penal do país onde tais devam ser realizados, não podendo ter aplicação a nossa lei de processo. É o domínio da lex fori. Aliás, e muito a propósito, o Código Penal Militar, cominando pena gravíssima, erigiu à categoria de crime, nos arts. 138 e 139, não só “praticar o militar, indevidamente no território nacional, ato de jurisdição de país estrangeiro, ou favorecer a prática de ato dessa natureza”, como também “violar o militar território estrangeiro, com o fim de praticar ato de jurisdição em nome do Brasil”.

É verdade que, às vezes, sobre certos fatos delituosos cometidos fora do território nacional incide a nossa lei penal; esta, contudo, somente será aplicável no território pátrio por meio das nossas normas processuais penais.

Sem embargo disso, Beling, Tornaghi, Garcia-Velasco, entre outros, admitem a possibilidade de ser aplicada a lei processual penal de um Estado fora de seus limites territoriais. Beling faz referencias às seguintes hipóteses:

a)    aplicação da lei processual penal de um Estado em território nullius (de ninguém);

b)    quando houver autorização do Estado onde deva ser praticado o ato processual;


c)     em caso de guerra, em território ocupado (cf. Ernst Beling, Derecho procesal penal, trad. Miguel Fenech, Madrid, Labor, 1945, p. 12; Hélio Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Penal, Rio de Janeiro, Forense, 1956, v. 1. T. 1, p. 80; Garcia-Velasco, Curso de derecho procesal penal. Ed, Universidad de Madrid, 1969, p. 40-1).

Até a década de 30, havia o chamado regime das capitulações ou jurisdições consulares. Era comum, entre países europeus e outros da Ásia e África, a celebração de tratados segundo os quais as autoridades consulares dos países europeus acreditados no Oriente ou Estremo Oriente tinham poderes de investigar as infrações penais e proceder à instrução respectiva, como se fossem Juízes, aplicando a lei penal e a lei processual penal do seu respectivo Estado, desde que se tratasse de infração cometida por um co-nacional. Eventual recurso era dirigido ao Tribunal do respectivo Estado ocidental.

Ressalvas

Dizendo o art. 1º que “o processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este Código”, dá a entender que toda lide de caráter penal que surgir no território pátrio será solucionada de acordo com as normas do CPP. E assim é. Todavia, por razões várias, foram feitas algumas ressalvas. Vejamo-las:

A)    Tratados, convenções e regras de Direito Internacional

Obedecendo a certos tratados ou convenções que o Brasil haja firmado, ou mesmo em atenção a regras de Direito Internacional, a lei processual penal pátria deixa de ser aplicada. Muito embora os fatos tenham sido cometidos no território brasileiro, os tratados, convenções e regras de Direito Internacional criam, na expressão de Mayer, verdadeiros obstáculos processuais, impedindo, assim, a aplicação da lei processual penal brasileira.

Aos crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves públicas estrangeiras, em águas territoriais e espaço aéreo, brasileiros, não se aplicam a lei penal nem a lei processual pátrias.

Inaplicável, também, é nossa lei processual penal aos agentes diplomáticos aqui acreditados. Por agentes diplomáticos compreendem-se não só os encarregados de certa missão especial, os que se acreditam para representar o Governo em conferências, congressos ou outros organismos internacionais, como também aqueles que representam o governo de um Estado perante outro, de maneira permanente. Esses privilégios são irrenunciáveis, porquanto não são concedidos à pessoa, mas à função que exerce.

Os funcionários diplomáticos que vivam em companhia dos respectivos agentes gozam dessas prerrogativas. Os empregados particulares não, pouco importando se da nacionalidade do diplomata. Estendem-se essas prerrogativas aos membros da família do agente diplomático que com ele vivam sob o mesmo teto: os pais, a mulher, os filhos etc. Na hipótese de falecimento do funcionário diplomático, sua família continuará gozando dos mesmos privilégios,por um lapso de tempo razoável, até que abandone o Estado onde se encontre (o assunto está regulado pela Convenção de Havana, em 1928, e que foi promulgada, entre nós, aos 22-10-1929, pelo Dec. N. 18.956).

Desfrutam, também, de iguais privilégios os Chefes de Estado e sua comitiva, quando em território nacional.

E as sedes das embaixadas? Serão consideradas alienígenas? Pela velha e revelha concepção da extraterritorialidade, sim. Hoje, entretanto, as sedes das embaixadas ou legações são consideradas território do país onde se acham situadas, tanto que os crimes aí praticados por pessoas alheias às imunidades sujeitam-se à jurisdição do Estado onde se encontra a embaixada. Apesar disso, mas como consequência da inviolabilidade e imunidade concedidas aos agentes diplomáticos, considera-se também inviolável a sede das embaixadas.

Essa inviolabilidade, todavia, que se estende às sedes dos consulados, seus arquivos e papéis, não vai ao extremo de permitir que o agente diplomático acolha, como refugiados, os acusados ou condenados por delitos de natureza comum, sendo obrigados a entregá-los à autoridade local competente que assim requeira (cf. Dec. N. 18.956, de 1929, art. 17).

É bem verdade que o art. 369 do CPP dispõe que as citações que houverem de ser feitas em legações estrangeiras serão efetuadas mediante carta rogatória. E assim procedeu o legislador pátrio não porque o Brasil entenda que as sedes das embaixadas sejam território estrangeiro, mas tão-somente por cortesia. Uma vez que os diplomatas gozam de imunidade material e formal, o legislador considerou, num gesto delicado e amigo, como fisicamente invioláveis os locais onde funcionam as missões diplomáticas. Assim também os prédios onde residam os quadros diplomáticos, administrativo e técnico. Mas nada impede, antes aconselha, que o legislador venha a permitir que, nesses casos de legações estrangeiras, as citações e intimações possam ser feitas com mais simplicidade, p. ex., por meio de precatória a ser cumprida via Ministério da Justiça. Já os locais consulares “são invioláveis na medida estrita de sua utilização funcional”. Da mesma forma, os arquivos e documentos consulares, a exemplo dos diplomáticos, são invioláveis em qualquer circunstância e onde quer que se encontrem (cf. J. F. Rezek, Direito Internacional público. São Paulo, Saraiva, 1991, p. 173).

Quanto aos cônsules, que exercem simples funções de caráter administrativo, de acordo com a Convenção de Havana, aprovada pelo Brasil, respondem eles, segundo as nossas leis, por eventuais infrações penais que venham a praticar. Todavia, em se tratando de infrações cometidas no exercício de suas funções, ficam eles e os funcionários do Consulado sujeitos às leis do seu país de origem ou, se for cônsul honorário, do país que o nomeou. Nesse mesmo sentido o art 43 da Convenção de Viena, à qual aderimos em 1967. E como foi dito no HC 55.155/SP, impetrado junto ao STF, e ao precedente tratado no HC 49.183, a Convenção de Viena “não confere ao funcionário consular imunidade penal, podendo, pois, ser processado criminalmente, bem como submetido à prisão decorrente de sentença definitiva, não se lhe estendendo as imunidades diplomáticas, mesmo quando, com o consentimento do Estado receptor, seja incumbido de praticar atos diplomáticos” (RTJ, 63/65). Quanto à prisão provisória, de acordo com o art. 41 da Convenção de Viena, “não poderão os cônsules ser detidos ou presos provisoriamente, exceto em caso de crime grave e em decorrência de decisão de autoridade judiciária competente”. Assim, se a pena mínima cominada ao crime não for superior a 1 ano, por óbvio não terá gravidade, tanto que enseja a pena alternativa... A propósito, Informativo STF n. 259, de março de 2002.

B)   Prerrogativas constitucionais do Presidente da República e de outras autoridades

A segunda ressalva feita pelo art. 1º “diz respeito às prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos Ministros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, e dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de responsabilidade”.

As Cartas Políticas que se sucederam à de 1937, sob cuja égide foi promulgado o atual Código de Processo Penal, estenderam aquelas prerrogativas a outras pessoas. A Magna Carta de 1988 e os Estados, em suas Leis Maiores, ampliaram o rol das pessoas que fazem jus às prerrogativas de que trata o inc. II deste art. 1º sob comentário. Assim é que, ao lado do Procurador Geral da República e dos Ministros do STF, a Carta Política incluiu o Advogado-Geral da República e, mais tarde, a Emenda Constitucional n. 23/99 acrescentou os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. Estes, bem como os Ministros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, também se incluem naquele rol: serão processados e julgados pelo Senado Federal (art. 52 da CF). A Emenda Constitucional n. 45/2004 incluiu entre os que são processados e julgados pelo Senado Federal, nos crimes de responsabilidade, os membros dos Conselhos, Nacional de Justiça e do Ministério Público. A Lei n. 10.028, de 19-10-2000, no que tange aos crimes definidos no art. 10 da Lei n. 1.079/50 (contra a lei orçamentária), além das pessoas enumeradas no art. 2º desta lei (Presidente da República, Ministros de Estado, Ministros do STF e Procurador-Geral da República), incluiu (art. 39-A da Lei n. 1.079/50), especificamente, o Presidente do STF e respectivo substituto quando no exercício da Presidência, os Presidentes e respectivos substitutos dos Tribunais Superiores, dos Tribunais de Constas, dos Tribunais Regionais Federais, Eleitorais e do Trabalho, dos Tribunais de Justiça e de alçada dos Estados e do Distrito Federal e os Juízes Diretores de Foro, Advogado-Geral da União, Procuradores-Gerais do Trabalho, Eleitoral e Militar, Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal e os membros do Ministério Público da União e dos Estados, da Advocacia-Geral da União, das Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal, quando no exercício de função de chefia. Nesses casos, a prerrogativa do foro já concedida a essas pessoas será mantida, observando-se o rito da Lei n. 8.038/90, com esta particularidade: a denúncia poderá ser ofertada por qualquer cidadão, ex vi do art. 41-A da Lei n. 1.079/50, incluído pela Lei n. 10.028, de 19-10-2000, mantida a legitimidade do Ministério Público. Essas hipóteses, contudo, não se inserem nas ressalvas de que trata o inc. II do art. 1º do CPP, visto que o processo e o julgamento ficam afetos a Tribunais Superiores, Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça como se fossem crimes comuns, enquanto nos outros crimes de responsabilidade a que se refere o art. 1º, II, do CPP, o processo e julgamento ficam afetos ao Senado Federal, observadas as regras da Lei n. 1.079/50 e os Regimentos da Câmara dos Deputados e do Senado. Não se aplica o Código de Processo Penal. Os Estados também podem, em suas Constituições, fixar o órgão competente para o processo e julgamento de crimes de responsabilidade. De observar, entretanto, que esse poder não é absoluto, uma vez que ele deve ater-se aos princípios adotados na Lex Mater, como se infere do seu art. 25. Enfim: deve ser observado o princípio da simetria. No Estado de São Paulo, p. ex., fazem jus a esse foro especial, nos crimes de responsabilidade, Governador, Vice-Governador, Secretários de Estado, nos crimes de igual natureza conexos aos daqueles, Procurador-Geral de Justiça de Procurador-Geral do Estado. Ressalte-se que essas funções têm correspondência no cenário nacional: Presidente da República, Vice-Presidente, Ministros etc.

Nesses crimes de responsabilidade referidos nas Constituições dos Estados (e cuja definição, obviamente, é da estrita competência da União, nos termos do art. 22, I, da CF), o processo e julgamento são da competência do órgão por elas indicado. No Rio Grande do Sul e no Paraná, por exemplo, o processo e julgamento competem à Assembleia Legislativa. No Piauí, a um órgão misto composto de 5 Deputados e 5 Desembargadores sob a presidência do Presidente do Tribunal de Justiça. No Estado de São Paulo esse órgão misto é constituído de 7 Deputados e 7 Desembargadores sob a presidência do Presidente do Tribunal de Justiça. Nesse processo serão obsevadas: a Lei n. 1.079/50, a Constituição local e os Regimentos do Tribunal de Justiça e da Assembleia Legislativa, e não o Código de Processo Penal. Daí a ressalva.

C)   Justiça Militar

Outra ressalva feita pelo art. 1º do CPP é quanto aos processos da competência da Justiça Militar. A eles não se aplica o CPP. O Direito Processual Penal pátrio, quanto à natureza do direito material que informa a res in judicio deducta (o pedido exposto em juízo), abrange o Direito Processual Penal comum, cuja fonte principal é o CPP (sem falarmos na Constituição, que é a fonte por excelência), o Direito Processual Penal Militar e o Direito Processual Penal Eleitoral. Tratando-se de infrações de caráter militar (crimes militares próprios – que só podem ser cometidos por militares – e impróprios, aqueles que estão definidos não só na lei penal comum como também no Código Penal Militar), observar-se-ão as normas do Código de Processo Militar.

A Justiça Militar é uma Justiça especial, tal como se vê pela redação dos arts. 124 e 125, §§ 4º e 5º, da Magna Carta. Há um Código Penal militar, que define os crimes militares, e um Código de Processo Penal Militar, que é o aplicável na composição das lides da natureza penal militar.

Não se trata de foro excepcional, mas especial. Não traz consigo o foro especial, como bem esclarece Tristão de Alencar Araripe, nenhum privilégio, nenhum favor particular, mas, ao contrário, acarreta maiores exigências, mais severo rigor. Trata-se, no dizer de Astolpho Rezende, de uma jurisdição especial, exigida e adequadamente justificada pela necessidade da disciplina. Disciplina e hierarquia são a razão de estarem os militares sujeitos às leis penais militares e a um processo penal especial.

D)   Tribunal Especial

O art. 1º do CPP, em seu inc. IV,ainda faz outra ressalva: não se pratica o CPP aos processos da competência de Tribunal Especial.

A Constituição de 1937 previa, no art. 122, n. 17, a criação de Tribunal Especial, cuja competência se restringia ao processo e julgamento dos crimes que atentavam contra a personalidade internacional, a estrutura e a segurança do Estado, contra a personalidade internacional, a estrutura e a segurança do Estado, contra a ordem social e, finalmente, dos que atentavam contra a economia popular, sua guarda e seu emprego. Malgrado isso, a Lei n. 244, de 11-9-1936, elaborada sob a égide da Carta de 1934, já havia criado um Tribunal de Segurança Nacional, com competência para julgar os crimes contra a segurança do Estado, constituído de 5 membros escolhidos pelo Presidente da República. Após a Carta de 1937, o Decreto n. 88, de 20-12-1937, modificou a Lei n. 244, de 1936, não só para incluir na sua competência os crimes contra a economia popular, como também para elevar o número de seus membros para 6, sendo 2 Magistrados, 1 Juiz Militar, 1 Oficial do Exército, 1 Oficial da Armada e 1 Advogado, todos da livre escolha do Presidente da República. Tratava-se, pois, de um Tribunal que “rezava pela cartilha do Ditador”.

O processo era especial, pos se tratava de “Justiça de exceção”.

Não se deve confundir, adverte Frederico Marques, a Justiça de exceção com a Justiça especial. Esta, como esclarece Lucchini, “é permanente e orgânica”, enquanto aquela “é transitória e mais ou menos arbitrária”.

Entretanto, antes de a Constituição de 1946 (no seu art. 141, § 26) abolir os Tribunais de Exceção, já no governo José Linhares foi extinto o Tribunal de Segurança Nacional, por força da Lei Constitucional n. 14, de 17-11-1945, e os crimes que eram da sua competência passaram para a de outros Órgãos Jurisdicionais.

E)    Crimes de imprensa

Finalmente, a última ressalva feita pelo art. 1º do CPP, não se aplica este Código aos processos por crime de imprensa.

Tais crimes são da competência da Justiça Comum, e, por isso, em princípio, aplicável seria o CPP. Entretanto entendeu o legislador que os crimes de imprensa deveriam ser tratados em lei extravagante, na qual se estabelecesse o respectivo processo. Era que havia anteriormente e que, por sinal, foi mantido. Hoje, os crimes de imprensa, com o respectivo processo, estão disciplinados na Lei n. 5.250, de 9-2-1967.

Todavia, tal como dispõe o parágrafo único do art. 1º do CPP, este será aplicado, nesses casos, “quando as leis especiais que o regulam não dispuserem de modo diverso”.

F)    Crimes eleitorais

Embora haja omissão na enumeração das ressalvas feitas pelo art. 1º do CPP, podemos dizer ser este inaplicável às infrações eleitorais e às que lhes forem conexas. De fato. Se assim é, por que a omissão? Explica-se: quando na elaboração do CPP, vigia a Constituição de 1937, que não cuidava da Justiça Eleitoral e, muito menos, dos crimes eleitorais, pois o regime, àquela época, era de exceção. Com a Constituição de 1946, criou-se a Justiça Eleitoral (art. 109), e o inc. VII do art. 119 daquele Diploma Maior dispunha competir à justiça Eleitoral o processo e julgamento dos crimes eleitorais e dos comuns que lhes fossem conexos. Daí a elaboração de um Código Eleitoral definindo as figuras delituais penais eleitorais e o respectivo processo, nada obstando, quando este não dispuser de modo diverso, seja o Código de Processo Penal comum subsidiário daquele.

O mesmo princípio foi mantido pela Emenda Constitucional n. 1/69. A Constituição atual, entretanto, no seu art. 121, limitou-se a dizer: “Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais”     , e, como até o momento não foi elaborada lei nesse sentido, tem-se entendido, sem discrepância, que a Carta Política de 1988 recepcionou o Código Eleitoral como se fosse a Lei Complementar, no que respeita à competência. Enquanto não vier a Lei Complementar, sua competência é esta: os crimes eleitorais e os comuns que lhes forem conexos, à dicção do art. 35, II, do Código Eleitoral. Nesses casos, o processo e julgamento ficarão afetos aos Órgãos Jurisdicionais da Justiça eleitoral, sendo que o processo deverá obedecer ao disposto no Código Eleitoral. O procedimento vem traçado nos arts. 355 a 364. Todavia, dispõe o art. 364: “No processo e julgamento dos crimes eleitorais e dos comuns que lhes forem conexos, assim como nos recursos e na execução, que lhes digam respeito, aplicar-se-á, como lei subsidiária ou supletiva, o Código de Processo Penal”.

G)   Outras exceções

O CPP fez, tão-somente, aquelas ressalvas. Entretanto, de lá para cá, foram surgindo leis processuais estabelecendo normas quanto ao processo e julgamento de determinadas infrações penais, de sorte que podemos, também, incluir, naquelas ressalvas, outras leis extravagantes.

Nos denominados “crimes de entorpecentes”, definidos na Lei n. 11.343, de 23-8-2006, a parte alusiva à investigação, ao processo e julgamento está ali regulada.

Nos crimes de abusos de autoridade, o processo e julgamento regulam-se pelo que dispõe a Lei n. 4.898, de 9-12-1965.

Os crimes da competência dos Tribunais (ação penal originária) sujeitam-se a um procedimento diverso, tal como disciplinados nas Leis n. 8.038/90 e 8.658/93, tendo esta última, revogado os arts. 556/562 do CPP.

As infrações de menor potencial ofensivo, assim consideradas “as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos cumulados ou não com multa”, de acordo com o art. 61 da Lei n. 9.099/95, com a redação dada pela Lei n. 11.313/2006, passaram para a alçada do Juizado Especial Criminal, com procedimentos bem distintos.

Além disso, a Lei n. 11.101, de 9-2-2005, ao tratar das falências, estabelece normas especiais sobre o procedimento dos crimes falimentares, prazo prescricional e sua interrupção.


Assim, o Processo Penal, forma compositiva de litígios penais, continua sendo disciplinado pelas normas estabelecidas no CPP, que é a principal fonte do nosso Direito Processual Penal. Ao seu lado, contudo, complementando-o, há essas leis extravagantes, alterando, modificando ou dispondo de maneira especial a respeito do processo e julgamento.

sábado, 11 de abril de 2015

MANUAL DE PROCESSO PENAL - EFICÁCIA DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO - VARGAS DIGITADOR

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – Capítulo 3 – EFICÁCIA DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO -  VARGAS DIGITADOR

Em matéria de lei processual penal, o princípio estabelecido é de que ela “provee únicamente para el futuro, o sea, em orden a todos lós procediementos y a todos lós actos processuales que están aúm por cumplirse em el momento em que entra em vigor, salvo las excepciones establecidas por la misma ley” (cf. Vincenzo Manzini, Tratado de derecho procesal penal, trad. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1951, p. 230).

Entre nós, o princípio é o mesmo, isto é, a lei processual penal tem aplicação imediata. Assim dispõe o art. 2º do nosso CPP: “A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior”. Infere-se, pois, que a lei processual penal não tem, como já se pensou, efeito retroativo.

O simples fato de haver o art. 2º acentuado “... sem prejuízo da validade dos atos realizados na vigência da lei anterior” indica, de logo, não ser retroativa a lei processual penal, pois, se fosse, o legislador teria invalidado os atos processuais praticados até a data da vigência da lei nova. Não o fez. Manteve-os. Logo, não há falar em retroatividade. O princípio é este: tempus regit actum (o tempo rege o ato).


Observe-se, contudo, que há normas processuais com intenso conteúdo penal. Nesses casos, admite-se sua retroatividade, em face da sua dupla natureza. Assim uma norma sobre queixa ou representação, mesmo porque, se esta ou aquela não for feita no prazo legal, haverá decadência, que é causa extintiva da punibilidade, e as normas sobre causa extintiva de punibilidade são de direito penal (logo, retroagem)... Quando surgiu a Lei n. 9.099/95, cujo art. 88 proclamou a necessidade de representação nos casos de lesão corporal leve ou culposa, os Juízes determinaram que as vítimas fosse notificadas a se manifestar, quanto ao seu interesse, ou não, em dar prosseguimento aos processos que estavam em curso. Verdadeira retroatividade. Ao lado dessa retroatividade, há mais: quando se trata de queixa ou de representação, p. ex., o prazo para o seu exercício é contado de acordo com o art. 10 do CP, e não nos termos do art. 798, §§ 1º e 3º, do CPP. E é assim precisamente em face do relevante conteúdo penal que apresentam as normas que cuidam da queixa e da representação.

MANUAL DE PROCESSO PENAL – Capítulo 2- TIPOS DE PROCESSO PENAL – DIREITO PÁTRIO - VARGAS DIGITADOR

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – Capítulo 2- TIPOS DE PROCESSO PENAL – DIREITO PÁTRIO -  VARGAS DIGITADOR

Levando em conta os princípios que o informam, o Processo Penal pode ser acusatório, inquisitivo e misto.

No processo acusatório são traços profundamente marcantes: a) o contraditório, como garantia politicojurídica do cidadão; b) as partes acusadora e acusada, em decorrência do contraditório, encontram-se no mesmo pé de igualdade; c) o processo é público, fiscalizável pelo olho do povo (excepcionalmente se permite uma publicidade restrita ou especial); d) as funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a pessoas distintas, e, logicamente, não é dado ao Juiz iniciar o processo sem provocação da parte (ne procedat judex ex officio -  o Juiz não pode dar início ao processo por sua própria vontade); e) o proce3sso pode ser oral ou escrito; f) existe, em decorrência do contraditório, igualdade de direitos e obrigações entre as partes, pois “non debet licere actori, quod reo non permititur” (não deve ser lícito ao autor o que não permitido ao réu); g) a iniciativa do processo cabe à parte acusadora, que poderá Sr o ofendido ou seu representante legal, qualquer cidadão do povo ou órgão do Estado. Presentemente, a função acusadora, em geral, cabe ao Ministério Público, mas o fato de a acusação ser conferida, também, ao ofendido, nos casos previstos em lei, ou a qualquer do povo, como na hipótese de impeachment, não desnatura o processo acusatório. Seus princípios imanentes continuam íntegros: publicidade, contraditório e, finalmente, acusação e jurisdição a cargo de pessoas distintas, “pues, la piedra de toque del sistema acusatorio es siempre la separación de acusador y juzgador” (cf. Garcia Velasco, Curso de derecho procesal penal, Ed. Universidad de Madrid, 1969, p. 8).

Nada obsta que o particular acuse. Mas o ideal é atribuir a função persecutória ao Ministério Público, como personificação da lei e representante da sociedade, permitindo-se excepcionalmente possa tal função ser exercida pelo ofendido (ação penal privada). Entre nós, também excepcionalmente, permite-se a qualquer do povo “denunciar” o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica, nos crimes da mesma natureza conexos com os daqueles, bem como os Ministros do STF, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União. Nesses casos, o processo e julgamento competem ao Senado Federal. Há outras hipóteses previstas no art. 10 da Lei n. 1.079/50, introduzidas pela Lei n. 10.028/2000, que possibilitam a qualquer do povo ou ao Ministério Público ofertar denúncia em relação a outras pessoas perante o STF, o STJ, os TRFs, os três ou mesmo perante os Tribunais de Justiça (arts. 41 e 41-A da Lei n. 1.079/50).

O processo de tipo inquisitório é a antítese do acusatório. Não há o contraditório, e por isso mesmo inexistem as regras da igualdade e liberdade processuais. As funções de acusar, defender e julgar encontraram-se enfeixadas numa só pessoa: o Juiz. É ele quem inicia, de ofício, o processo, quem recolhe as provas e, afinal, profere a decisão, podendo, no curso do processo, submeter o acusado a torturas, a fim de obter a rainha das provas: a confissão. O processo é secreto e escrito. Nenhuma garantia se confere ao acusado. Este aparece em uma situação de tal subordinação que se transfigura e se transmuda em objeto do processo e não em sujeito de direito.

O processo inquisitivo despontou em Roma, quando já se permitia ao Juiz iniciar o processo de ofício,e, ao atingir a Idade Média, por influência da Igreja, o processo per inquisitionem passou a dominar toda ou quase toda a Europa Continental, a partir do Concílio Lateranense, de 1215. Foi introduzido, na verdade, pelo Direito Canônico, mas, em seguida, viram os soberanos, nesse tipo de processo, uma arma poderosa, e por isso espalhou-se entre os Tribunais seculares.

Finalmente o processo de tipo misto. Desenvolve-se em três partes a) investigação preliminar, a cargo da Polícia Judiciária, sob a orientação do Ministério Público; b) instrução preparatória, a cargo do Juiz Instrutor; e c) fase do julgamento. Das duas primeiras não participa a Defesa. Na fase do julgamento, o processo se desenvolve contradictoirement.

Direito pátrio

No Direito pátrio, o sistema adotado é o acusatório. Não o processo acusatório puro, mas o acusatório não ortodoxo. Tanto é verdade que o Juiz pode requisitar abertura de inquérito, decretar de ofício prisão preventiva, conceder habeas corpus de ofício, determinar a realização da prova que bem quiser e entender etc. a acusação, nos crimes de ação pública, está a cargo do Ministério Público. Excepcionalmente, nos delitos de ação privada, comete-se à própria vítima o jus persequendi in judicio – direito de perseguir (acusar) em juízo. Pode também a vítima, nos crimes de ação pública, exercer a acusação, se, porventura, o órgão do Ministério Público não intentar a ação penal no prazo previsto em lei.

O processo é eminentemente contraditório. Não temos a figura do Juiz instrutor. A fase processual propriamente dita é precedida de uma fase preparatória, em que a Autoridade Policial procede a uma investigação não contraditória colhendo as primeiras informações a respeito do fato infringente da norma e da respectiva autoria. Com base nessa investigação preparatória, o acusador, seja o órgão do Ministério Público, seja a vítima, instaura o processo por meio da denúncia ou queixa. Já agora, em juízo, nascida a relação processual, o processo torna-se eminentemente contraditório, público e escrito (sendo que alguns atos são praticados oralmente, tais como debates em audiências ou sessão). O ônus da prova incumbe às partes, mas o Juiz não é um espectador inerte na sua produção, podendo, a qualquer instante, determinar, de ofício, quaisquer diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

Permite-se às partes uma gama de recursos, e, tutelando ainda mais o direito de liberdade, concedem-se à defesa recursos que lhe são exclusivos, como o protesto por novo Júri e os embargos infringentes e de nulidade. Não adotamos a revisão pro societate. Só o réu é que pode promovê-la.

Nas infrações penais de menor potencial ofensivo, assim consideradas todas as contravenções e os crimes apenados até o máximo de um ano, dês que não sujeitos a procedimentos especiais (ressalvadas as condutas tipificadas nos arts. 303, 306 e 308 do Código de Trânsito Brasileiro, que, embora apenadas com 2 ou 3 anos no seu grau máximo, são também consideradas de menor potencial ofensivo por força do parágrafo único do art. 291 do citado diploma), será possível a transação, sob os olhos do Juiz, entre o Acusador e o autor do fato, sujeitando-se este a uma multa ou pena restritiva de direito, sem gerar reincidência.


Hoje, em face da nova redação dada ao art. 61 da Lei n. 9.099/95 pela Lei n. 11.313, de 28-6-2006, são infrações de menor potencial ofensivo todas as contravenções e os crimes cuja pena máxima não exceda a 2 anos, sujeitos ou não a procedimento especial, ressalvados os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, conforme o art. 41 da Lei n. 11.340, de 7-8-2006.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

MANUAL DE PROCESSO PENAL – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIO DO “FAVOR REI” (BENEFÍCIO DO RÉU) – PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO - VARGAS DIGITADOR

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIO DO “FAVOR REI” (BENEFÍCIO DO RÉU) – PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO - VARGAS DIGITADOR

Princípio do “favor rei” (benefício do réu)

Como bem diz Giuseppe Bettiol, numa determinada ótica, o princípio do favor rei é o princípio base de toda a legislação processual penal de um Estado, inspirado na sua vida política e no seu ordenamento jurídico por um critério superior de liberdade (cf. Instituições de direito e processo penal, trad. Manuel da Costa Andrade, Coimbra, Coimbra Ed., 1974, p. 295).

No Processo Penal, várias são as disposições que consagram o princípio do favor innocentiae, favor libertatis ou favor rei. Assim, a proibição da reformatio in pejus – reforma para pior (art. 617): os recursos privativos da Defesa, como o protesto por novo júri e os embargos infringentes ou de nulidade (arts. 607 e 609 e ss.); a regra do art. 615, § 1º; e, por fim, como coroamento desse princípio, o da presunção de inocência, hoje erigido à categoria de dogma constitucional. Alguns autores incluem como exemplo do favor rei a regra do art. 386, VI, do CPP, que impõe a absolvição por insuficiência de prova. Parece-nos, contudo, que a razão esteja com Santiago Sentís Melendo: “Quando se di in dubio pro reo se está dizendo que, ante a falta de provas, o Juiz deve absolver o réu; y esto parece que no necesita justificación”. E acrescenta: “O juiz não duvida quando absolve. Está firmemente seguro, tem a plena certeza. De quê? De que lhe faltam provas para condenar. No se trata de ‘favor’ sino de justicia” (In dubio pro reo, Buenos Aires, EJEA, 1971, p. 158).

Princípio do duplo grau de jurisdição

Trata-se de princípio da mais alta importância. Todos sabemos que os Juízes, como homens que são, estão sujeitos a erro. Por isso mesmo o Estado criou órgãos jurisdicionais a eles superiores, precipuamente para reverem, em grau de recurso, suas decisões. O que se infere do nosso ordenamento é que o duplo grau de jurisdição é uma realidade incontrastável. Sempre foi assim entre nós. Isso mesmo se infere do art. 92 da CF, ao falar em Tribunais e Juízes Federais, Tribunais e Juízes Eleitorais. Observe-se que o art. 93, III, da CF faz alusão ao “acesso aos tribunais de segundo grau”, numa demonstração de que há órgãos jurisdicionais de primeiro e segundo grau. O art. 108, II, da Magna Carta diz competir aos Tribunais Regionais Federais julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição... Evidente, também, competir aos Tribunais estaduais julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos Juízes estaduais no exercício da sua competência própria... E, nessa ordem de ideias, compete aos Tribunais Regionais Eleitorais, aos Tribunais Militares, aos Tribunais Regionais do Trabalho julgar as causas decididas pelos órgãos de primeiro grau dessas Justiças. Observe-se, ainda, que o art. 5º, LV, da CF, dispõe que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Por derradeiro: o art. 93, XV, da CF, introduzido pela EC n. 45/2004, determina seja imediata a distribuição de processos em todos os graus de jurisdição.

Por outro lado, como o § 2º do art. 5º da Lei Maior dispõe que os direitos e garantias nela expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais de que o Brasil seja parte, e considerando que a República Federativa do Brasil, pelo Decreto n. 678, de 6-11-1992, fez o depósito da Carta de Adesão ao ato internacional da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), considerando que o art. 8º, 2, h, daquela Convenção dispõe que durante o processo toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma série de garantias mínimas, dentre estas a de recorrer da sentença para Juiz ou Tribunal Superior, pode-se concluir que o duplo grau de jurisdição é garantia constitucional. Evidente, contudo, que nas ações penais originárias não há o duplo grau, embora fosse possível (v. nosso Processo penal, 28ª ed. 2006, v. 1, p. 74).


Nada impede determine o legislador que as pessoas subordinadas à jurisdição privativa dos Tribunais sejam processadas e julgadas pelas Câmaras ou Turmas e eventual apelo dirigido ao Órgão Especial, onde houver, ou ao Pleno. Em alguns estados, como os de São Paulo e Paraná, os Prefeitos são processados e julgados por uma Câmara Criminal... E por que não estender essa regra às demais pessoas sujeitas ao foro pela prerrogativa de função e, ao mesmo tempo, fazer respeitado o princípio do duplo grau? Cumpre observar, por derradeiros, que o fato de as partes poderem interpor recurso extraordinário das decisões de quaisquer Tribunais Estaduais ou Federais, não ilide a afirmação de que realmente não temos o duplo grau nos processos da competência privativa dos Tribunais, mesmo porque, quando se interpõe o recurso extraordinário, a Suprema Corte cinge-se ao exame da possibilidade de a decisão recorrida afrontar a Constituição, e quando se interpõe recurso especial para o STJ objetiva-se o respeito à lei federal ou tratado. Não se apreciam as questiones facti (questões de fato). Procura-se simplesmente constatar se a Constituição foi desautorada, se a lei federal ou tratado foi negada vigência, se houve desrespeito a este ou àquela, ou se a respeito há dissídio jurisprudencial, quando, então, o STJ procura manter a uniformidade da interpretação. Assim, se as questões fáticas, as provas colhidas, não podem ser objeto daqueles recursos, logo, podemos afirmar que entre nós não há o duplo grau nas hipóteses de foro pela prerrogativa de função, embora devesse haver. Por outro lado, tratando-se de foro sem prerrogativa, quando a parte recorre ao Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal e, insatisfeita, dirige-se, mercê de recurso especial ou extraordinário, ao STJ ou ao STF, não se pode falar em triplo grau de jurisdição, isto é, o mérito da causa não será reexaminado pela terceira vez...

MANUAL DE PROCESSO PENAL – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA - VARGAS DIGITADOR

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA - VARGAS DIGITADOR

Este princípio nada mais representa que o coroamento do due process of law. É um ato de fé no valor ético da pessoa, próprio de toda sociedade livre, como bem o disse A. Castanheira Neves (Sumários de processo penal, Coimbra, 1967, p. 26). Assenta no reconhecimento dos princípios do direito natural como fundamento da sociedade, princípios que, aliados à soberania do povo e ao culto da liberdade, constituem os elementos essenciais da democracia (Antônio Ferreira Gomes, A sociedade e o trabalho: democracia, sindicalismo, justiça e paz, in Direito e justiça. Coimbra, 1980, v. 1, n. 1, p, 7).

O princípio remonta ao art. 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão proclamada em Paris em 26-8-1789 e que, por sua vez, deita raízes no movimento filosófico humanitário chamado “Iluminismo”, ou Século das Luzes, que teve à frente, dentre outros, o Marquês de Beccaria, Voltaire, Montesquieu, Rousseau. Foi um movimento de ruptura com a mentalidade da época, em que, além das acusações secretas e torturas, o acusado era tido como objeto do processo e não tinha nenhuma garantia. Dizia Beccaria que “a perda da liberdade sendo já uma pena, esta só deve preceder a condenação na estrita medida que a necessidade o exige” (Dos delitos e das penas, São Paulo, Atena Ed., 1954, p. 106.).

Há mais de duzentos anos, ou, precisamente, no dia 26-8-1789, os franceses, inspirados naquele movimento, dispuseram na referida Declaração que: “Tout homme étant presume innocent jusqu’à ce qu’il ait été déclaré coupable; s’il est jugé indispensable de l’arrêter, toute rigueur qui ne serait nécessaire pour s’assurer de sa personne, doi être sévèrement reprimée par la loi” (Todo homem sendo presumidamente inocente até que seja declarado culpado, se for indispensável prendê-lo, todo rigor que não seja necessário para assegurar sua pessoa deve ser severamente reprimido pela lei).

Mais tarde, em 10-12-1948, a Assembleia das Nações Unidas, reunida em Paris, repetia essa mesma proclamação.


Aí está o princípio: enquanto não definitivamente condenado, presume-se o réu inocente. Claro que a expressão “presunção de inocência” não pode ser interpretada ao pé da letra, literalmente, do contrário os inquéritos e os processos não seriam toleráveis, posto não ser possível inquérito ou processo em relação a uma pessoa inocente. Sendo o homem presumidamente inocente, sua prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória implicaria antecipação da pena, e ninguém pode ser punido antecipadamente, antes de ser definitivamente condenado, a menos que a prisão seja indispensável a título de cautela. Assim, p. ex., condenado o réu, seja ele primário, seja ele reincidente, tenha ou não tenha bons antecedentes, se estiver se desfazendo de seus bens, numa evidente demonstração de que pretende fugir à eventual sanção, justifica-se sua prisão provisória. Do contrário, não. Se o réu estiver perturbando a instrução criminal, justifica-se a prisão, senão, não. Esse o real sentido do princípio. Daí se conclui, a nosso ver, que a exigência de o réu não poder apelar em liberdade quando reincidente ou portador de maus antecedentes (sem se recolher à prisão) ou de o réu não fazer jus à liberdade provisória, em face da exclusiva gravidade do crime, tudo constitui violência e desrespeito ao princípio constitucional da presunção de inocência, por implicar antecipação da pena. Antecipação de pena também existe quando se decreta a prisão preventiva como garantia da ordem pública e da ordem econômica, mesmo porque nessas duas hipóteses a privação da liberdade do acusado não acarreta nenhum benefício para o processo. E para que prender o réu na fase de pronúncia? Para aguardar o julgamento na cadeia se ele é presumidamente inocente? Não estaria o Juiz presumindo a sua culpa ou a sua fuga? E isso não afrontaria o princípio da presunção de inocência, dogma constitucional? Ademais, se toda prisão cautelar reclama, ao lado do fumus boni juris (fumaça do bom direito), o periculum libertatis (perigo de estar em liberdade havendo um processo em andamento), onde a necessidade dessa prisão para assegurar a realização do processo? Como justificar a medida extrema? Onde a cautelaridade?

quarta-feira, 8 de abril de 2015

MANUAL DE PROCESSO PENAL – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIO DA INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILÍCITOS - PROVA ILÍCITA POR DERIVAÇÃO - VARGAS DIGITADOR

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIO DA INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILÍCITOS -  PROVA ILÍCITA POR DERIVAÇÃO - VARGAS DIGITADOR


Princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos

Até o advento da Constituição de 1988 não havia, em nosso país, qualquer regra impeditiva de se produzir em juízo “prova obtida através de transgressões a normas de direito material”. Apenas o art. 233 do CPP. Agora, contudo, toda e qualquer prova, obtida por meios ilícitos, não será admitida em juízo. É como soa o inc. LXI do art. 5º da Constituição de outubro de 1988. Assim, uma busca e apreensão ao arrepio da lei, uma audição de conversa privada por interferência mecânica de telefone, microgravadores dissimulados, uma interceptação telefônica, uma gravação de conversa, uma fotografia de pessoa ou pessoas em seu círculo íntimo, uma confissão obtida por meios condenáveis, como o famoso “pau-de-arara”, o “lie detector” e, enfim, toda e qualquer prova obtida ilicitamente, seja em afronta à Constituição, seja em desrespeito ao direito material ou processual, não será admitida em juízo.

Sem embargo, parece-nos que se deve respeitar o critério da proporcionalidade do direito tedesco, tão bem expresso na súmula 50 das Mesas de Processo Penal da USP, segundo a qual “podem ser utilizadas no processo penal as provas ilicitamente colhidas, que beneficiem a defesa”. Na verdade, se a proibição da admissão das provas ilícitas está no capítulo destinado aos direitos fundamentais do homem, parece claro que o princípio visa a resguardar o réu. Sendo assim, se a prova obtida por meio ilícito é favorável à Defesa, seria um não-senso sua inadmissibilidade. É que entre a liberdade e o direito de terceiro sacrificado deve pesar o bem maior, no caso a liberdade, pelo menos como decorrência do princípio do favor libertatis. Sobre o tema, Ada Pelegrini Grinover, Liberdades públicas e processo penal, São Paulo Revista dos Tribunais, 1982.

Prova ilícita por derivação.

A inadmissibilidade a que vimos de nos referir não se restringe apenas às provas obtidas ilicitamente, mas, inclusive, às ilícitas por derivação. Diz-se a prova ilícita por derivação quando, embora recolhida legalmente, a autoridade, para descobri-la, fez emprego de meios ilícitos. Os americanos usam da expressão fruits of the poisonous tree (frutos da árvore envenenada). Mediante tortura (conduta ilícita), obtém-se informação da localização da res furtiva, que é apreendida regularmente. Mediante escuta telefônica (prova ilícita), obtém-se informação do lugar em que se encontra o entorpecente, que, a seguir, é apreendido com todas as formalidades legais... Assim, a obtenção ilícita daquela informação se projeta sobre a diligência de busca e apreensão, aparentemente legal, mareando-a, nela transfundindo o estigma da ilicitude penal.


Aliás, a Suprema Corte tem sufragado (por maioria de votos) a tese da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação (informativo STF n. 36, de 21-11996, e 30, de 15-5-1996). Na verdade, se a comprovação do fato for obtida única e exclusivamente por meio de prova ilícita, a desvalia da prova é absoluta, total. Pode até suceder de a Polícia, mediante procedimento ilícito (escuta telefônica sem prévia permissão judicial), conseguir descobrir certa quantidade de droga com traficante. Nem por isso, malgrado a gravidade do fato, deve ser desrespeitada a nossa Lei Fundamental. E quem for contrário a esse entendimento deverá, antes de mais nada, passar uma esponja no texto da nossa Lei Maior, a qual inadmite a prova obtida ilicitamente. Note-0se mais: a vingar compreensão diversa, chegar-se-á àquele absurdo já anotado por Alejandro Carrio: aqueles que têm como função interpretar e aplicar a lei – os juízes – vão embasar um decreto condenatório em prova obtida mediante a prática de outro crime... (Garantias constitucionales, Buenos Aires. Ed. Hammurabi, 1997, p. 157). Fazemos, contudo, uma restrição: se a comprovação do fato ocorrer, também, por outro meio probatório completa e absolutamente desvinculado da prova obtida ilicitamente, esta não pode nem deve contaminar o processo.

MANUAL DE PROCESSO PENAL – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL- VARGAS DIGITADOR

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL- VARGAS DIGITADOR


Entre nós, embora sem expressa disposição legal, sempre se observou o princípio do due process of law. Hoje, contudo, foi ele erigido à categoria de dogma constitucional. Assim dispõe o art. 5º, LIV, da Constituição de outubro de 1988: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. E. Eduardo J. Couture professa: “o due process of law consiste no direito de a pessoa não ser privada da liberdade e de seus bens, sem a garantia que supõe a tramitação de um processo desenvolvido na forma que estabelece a lei” (cf. Fundamentos del derecho procesal civil, Buenos Aires, Depalma, 1951, p. 45). A Emenda V da Constituição norte-americana, fruto de uma proposta de Madison em 1789, pela primeira vez proclamou que “no person shall b... deprived of life, liberty or property without due process of law...” (ninguém pode ser privado da vida, liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal). Aliás, a fonte original desse princípio estava no Capítulo 39 da Magna Charta Libertatum de João Sem Terra, promulgada no campo de Runnymede, próximo a Windsor, em junho de 1215, ao prescrever que ninguém podia ser privado dos seus bens, vida e liberdade senão... “by the law of the land”. Esta última frase, na versão original, posto que a Magna Charta fora expedida em latim, era per legem terrae. Na reedição da Carta, em 1225, foram diminuídos os capítulos, de sorte que o de n. 39 passou a ser 29. Depois, na primeira versão em inglês, ocorrida em 1354, em lugar de legem terrae, ou “by the law of the land”, que seria a tradução perfeita, estava “due process of law” (Arturo Hoyos, El debido proceso. Bogotá. Temis, 1998, p. 8). E esta expressão, segundo Webster, citado por Ruy, é a lei que ouve, antes de condenar, que obra mediante investigação dos fatos e não sentencia senão nos termos do processo (“Anistia inversa”, in Coletânea Jurídica, 1928, p. 111). Este o devido processo legal, hoje incorporado não apenas em nossa Lei Maior, mas em todas as Constituições dos Estados contemporâneos. O devido processo legal, por óbvio, relaciona-se com uma série de direitos e garantias constitucionais, tais como presunção de inocência, duplo grau de jurisdição, direito de ser citado e de ser intimado de todas as decisões que comportem recurso, ampla defesa, contraditório, publicidade, Juiz natural, imparcialidade do Julgador, direito às vias recursais, proibição da reformatio in pejus, respeito à coisa julgada (ne bis in idem), proibição de provas colhidas ilicitamente, motivação das sentenças, celeridade processual, retroatividade da lei penal benigna, dignidade humana, integridade física, liberdade e igualdade. Para um estudo mais minudencioso, v. Alberto Suárez Sánchez. El debido proceso penal, Colômbia. Universidade Externado da Colômbia, 2001, p. 249 e s., e o excelente trabalho do admirável Adauto Suannes (Os fundamentos éticos do devido processo legal. São Paulo, Revista dos Tribunais).

segunda-feira, 6 de abril de 2015

MANUAL DE PROCESSO PENAL – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIO DA INICIATIVA DAS PARTES – PRINCÍPIO DO “NE EAT JUDEX ULTRA PETITA PARTIUM” – PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ - VARGAS DIGITADOR

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIO DA INICIATIVA DAS PARTES – PRINCÍPIO DO “NE EAT JUDEX ULTRA PETITA PARTIUM” – PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ - VARGAS DIGITADOR

Segundo esse princípio, cabe à parte provocar a prestação jurisdicional. Tal princípio vem cristalizado no velho aforismo nemo judex sine atore não há Juiz sem autor) ou ne procedat judex ex officio (o Juiz não pode dar início ao processo sem a provocação da parte). Contudo o Código lhe permite conceder habeas corpus de ofício (e o habeas corpus é uma ação penal popular). Permite-lhe decretar, de ofício, a prisão preventiva (e a prisão preventiva é ação cautelar...), o que demonstra que o nosso processo penal, embora acusatório, não o é genuinamente, visto permitir ao Juiz praticar atos próprios das partes, como da produção de provas, p. ex. Certo que até o advento da Carta Política de 1988, possibilitava-se ao Juiz dar início ao processo sem ser provocado. Isso acontecia nas contravenções (arts 26 e 531 do CPP) e nos crimes de lesão e homicídio culposos (Lei n. 4.611/65), quando a autoria era conhecida nos primeiros 15 dias. Ainda hoje se vislumbra no Código de Processo Penal a lembrança daquela época: basta simples leitura do seu art. 531. O art. 129, I, da Magna Carta, contudo, proclamou ser função institucional do Ministério Público promover privativamente a ação penal pública, e como nos crimes de lesão e homicídio culposos a ação penal é pública, o mesmo sucedendo com as contravenções (art. 17 da Lei das Contravenções Penais), logo, o princípio da iniciativa das partes passou a ter a dignidade que merecia e merece.

Princípio do “ne eat judex ultra petita partium” (o Juiz não pode ir além dos pedidos das partes)

Iniciada a ação, fixam-se os contornos da res in judicio deducta (do pedido formulado em juízo), de sorte que o Juiz deve pronunciar-se sobre aquilo que lhe foi pedido, que foi exposto na inicial pela parte. Esse o fato objeto do processo instaurado. Daí “se segue que ao Juiz não se permite pronunciar-se, senão sobre o pedido e nos limites do pedido do autor e sobre as exceções e nos limites das exceções deduzidas pelo réu”. Se por acaso, ao sentenciar, o Juiz observar que a qualificação jurídico-penal dada ao fato fique mais severa, nos termos do artigo 383 do CPP, mesmo porque o réu se defende do fato que lhe é imputado e não da sua qualificação... Mas se o fato contestado for outro, por óbvio o Juiz não pode sair do perímetro traçado pelo acusador, a não ser haja possibilidade de nova definição jurídica do fato em consequência de prova existente nos autos de circunstância elementar, não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia, quando então, conforme o caso, fará observar o disposto no art. 384, caput, do CPP ou no seu parágrafo único. Revendo nossa posição, entendemos que essa mesma regra é aplicável, também, na hipótese prevista no § 4º do art. 408 do CPP. Assim, se a denúncia descreve um crime de homicídio simples e no curso do procedimento surge prova a respeito de eventual qualificadora, deve o Juiz aplicar a regra do parágrafo único do art. 384 do mesmo estatuto, porque se trata de nova definição jurídica do fato, e não de diversa definição. Na sentença, o Juiz não fica adstrito à classificação do crime (art. 383). Assim também na pronúncia, conforme dispõe o § 4º do art. 408 do CPP.

Princípio da identidade física do Juiz


Vigora no Processo Penal o princípio da identidade física do Juiz? O Juiz que inicia a instrução criminal deverá ficar à frente do processo até o seu término? O Processo Civil, sem os exageros da Legislação passada, o mantém; a propósito, o art. 132. No campo processual penal, nenhuma regra nesse sentido.

MANUAL DE PROCESSO PENAL – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIO DA PERSUASÃO RACIONAL OU DO LIVRE CONVENCIMENTO – PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE – PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO - VARGAS DIGITADOR

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIO DA PERSUASÃO RACIONAL OU DO LIVRE CONVENCIMENTO – PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE – PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO - VARGAS DIGITADOR

Esse princípio, consagrado no art. 157 do CPP, impede que o Juiz possa julgar com o conhecimento que eventualmente tenha extra-autos. Quod non est in actis non est in hoc mundo. O que não estiver dentro, no processo, é como se não existisse. E, nesse caso, o processo é o mundo para o Juiz. Trata-se de excelente garantia para impedir julgamentos parciais. Ele tem inteira liberdade de julgar, valorando as provas como bem quiser, sem, contudo, arredar-se dos autos. A fundamentação é de rigor. Sentença sem motivação é uma não sentença, tanto mais quanto a sociedade e em particular as partes devem saber que motivos levaram o Magistrado a esta ou àquela posição.

Princípio da publicidade

Outro princípio importantíssimo do Processo Penal é o da publicidade, segundo o qual os atos processuais são públicos.

No Direito pátrio vigora o princípio da publicidade absoluta, comoo regra. As audiências, as sessões e a realização de outros atos processuais são franqueados ao público em geral. Em se tratando de processo da competência do Júri, são impostas algumas limitações (v. CPP, arts. 476, 481 e 486).

Tal princípio da publicidade absoluta ou geral vem consagrado como regra no art. 792 do CPP. E deve ser assim para que a sociedade perceba que a Justiça não é feita entre quatro paredes. É e deve ser transparente. A despeito de viger tal princípio, o legislador pátrio admite, também, a publicidade especial ou restrita. Di-lo o § 1º do art. 792. Muito a propósito, também, o inc. LX do art. 5º da Magna Carta: “A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. E as razões, aqui, são óbvias. Basta simples leitura desses dispositivos legais.

Por outro lado, a publicidade não atinge, grosso modo, os atos que se realizam durante a feitura do inquérito policial, não só pela própria natureza inquisitiva dessa peça informativa, como também porque o próprio art. 20 do CPP dispõe que a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário... Trata-se, de conseguinte, de lex specialis. Nem se invoque a Constituição. Nela se fala em publicidade dos atos processuais... e os do inquérito não o são. Nela se fala em litigante... e no inquérito não há litigante. Não obstante, a Lei n. 8.906/94 O Estatuto da Advocacia), posterior ao Decreto-Lei n. 3.689/41 (Código de Processo Penal) e a este hierarquicamente superior, por ser Lei e o outro, Decreto-Lei, prevê entre os direitos do Advogado não só o de “comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis” (art. 7º, III), como o de “examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade policial, podendo copiar peças e tomar apontamentos...”(art. 7º, XIV). Então, praticamente, o princípio da não publicidade dos atos do inquérito sofreu esse sério revés. Ainda assim, os atos nele realizados não são públicos, isto é, não se permite que qualquer do povo possa assisti-los, tal como sucede com aqueles realizados em juízo.

Princípio do contraditório

A Constituição de 1988 é bem clara: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5º, LV).

E, como se não bastasse tanta clareza, acentuou: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (CF, art. 5º, LIV). Claro que nesta expressão – due process of law – estão todas as garantias processuais.

Aliás, em todo processo de tipo acusatório, como o nosso, vigora esse princípio, segundo o qual o acusado, isto é, a pessoa em relação à qual se propõe a ação penal, goza do direito “primário e absoluto” da defesa. O réu deve conhecer a acusação que se lhe imputa para poder contrariá-la, evitando, assim, possa ser condenado sem ser ouvido.

Tal princípio consubstancia-se na velha parêmia audiatur et altera pars – a parte contrária deve ser ouvida. Traduz a ideia de que a defesa tem o direito de se pronunciar sobre tudo quanto for produzido em juízo pela parte contrária. Já se disse: a todo ato produzido por uma das partes caberá igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que lhe convenha, ou, ainda, de dar uma interpretação jurídica diversa daquela apresentada pela parte ex adversa. Assim, se o Acusador requer a juntada de um documento, a parte contrária tem o direito de se manifestar a respeito. E vice-versa. Se o Defensor tem o direito de produzir provas, a Acusação também o tem. O texto constitucional supracitado quis apenas deixar claro que a defesa não pode sofrer restrições que não sejam extensivas à acusação. Certo que a lei confere exclusivamente á Defesa o protesto por novo júri, os embargos infringentes ou de nulidade e até mesmo a ação de revisão criminal. Faz mais: proíbe a reformatio in pejus (art. 617 do CPP) e permite a absolvição na hipótese de insuficiência de prova para um decreto condenatório (art. 386, VI, do CPP). Tudo isso em decorrência do princípio do in dubio pro reo et contra civitatem. Trata-se, em todos esses casos, de normas inspiradas no princípio do favor rei ou favor libertatis. O princípio da proporcionalidade, que se admite na proibição das provas ilícitas (em favor da Defesa), e a revisão criminal inclusive das decisões do Tribunal do Júri também nada mais representam que consequências do princípio do favor rei.

De um ponto de vista lógico tal princípio parecerá, dizia Bettiol, um absurdo, mas, numa perspectiva política, assinala um avanço da liberdade no árduo caminho que leva a um processo penal “humano” (G. Bettiol, Instituições de direito e processo penal, trad. Manuel da Costa Andrade, Coimbra, Coimbra Ed., 1974, p. 304). Em contrapartida, talvez aqueles benefícios houvessem sido concedidos à defesa para compensar a desigualdade entre ela e a acusação, que dispõe de um invejável aparelhamento na fase pré-processual. De qualquer sorte, Acusação e Defesa estão situadas no mesmo plano, em igualdade de condições, e, acima delas, o Órgão Jurisdicional, como órgão “superpartes”, para, afinal, depois de ouvir as alegações das partes, depois de apreciar as provas, “dar a cada um o que é seu”. O contraditório implica o direito de contestar a acusação, seja após a denúncia, seja em alegações finais; direito de o acusado formular reperguntas a todas as pessoas que intervierem no processo para esclarecimento dos fatos (ofendido, testemunhas, peritos, p. ex.), de contra-arrazoar os recursos interpostos pela parte ex adversa; direito de se manifestar sobre todos os atos praticados pela acusação. Não bastasse esse princípio, a Lei Fundamental acrescenta o da “ampla defesa”. Já aqui se permite à Defesa o direito de produzir as provas que bem quiser e entender, dês que não proibidas; direito de contraditar testemunhas; direito de recorrer das decisões que contrariarem os interesses do acusado; direito de opor exceções (art. 95 do CPP), de arguir questões prejudiciais; direito de trazer para os autos todo e qualquer elemento que contradiga a acusação; direito de conduzir para o processo tudo quanto possa beneficiar o acusado; direito à “defesa técnica”, tal como se infere dos arts. 261 e 263, todos do CPP, sem embargo de poder exercer a “defesa material”, consistente em manifestação própria, na oportunidade do seu interrogatório. Quando alega um “álibi”, quando invoca uma excludente de ilicitude, quando nega a autoria, tudo integra a defesa “material”. Alega-se que a Defesa deve falar por último. Depende. Se a prova é produzida pela Defesa, é a Acusação que fala por derradeiro. E vice-versa. A nosso ver, quando o Promotor recorre, após as contrarrazões da Defesa, não deveria o Procurador de Justiça, ao opinar sobre o processo, manifestar-se quanto ao mérito, e sim sobre o aspecto formal e regularidade do feito. Do contrário estaria, em última análise, o Ministério Público falando duas vezes... E nem sempre se manifesta com aquela imparcialidade que é própria do fiscal da lei... Canotilho, após analisar o sentido constitucional do princípio do contraditório, conclui implicar ele, em particular, o direito de o réu intervir no processo e se pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo, o que impõe designadamente que ele seja o último a intervir no processo, (Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada. Coimbra, Coimbra Ed., 2003, p. 206).

E no inquérito haverá contraditório?

Não obstante a Magna Carta disponha no art. 5º, LV, que “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, o certo é que a expressão “processo administrativo” não se refere à fase do inquérito policial, e sim ao processo instaurado pela Administração Pública para apuração de ilícitos administrativos ou quando se tratar de procedimentos administrativos fiscais, mesmo porque, nesses casos, haverá a possibilidade da aplicação de uma sanção: punição administrativa, decretação de perdimento de bens, multas por infração de trânsito, p. ex. Em face da possibilidade da inflição de uma “pena”, é natural deva haver o contraditório e a ampla defesa, porquanto não seria justo a punição de alguém sem o direito de defesa.


Já em se tratando de inquérito policial, não nos parece que a Constituição se tenha referido ao ele, até porque, de acordo com o nosso ordenamento, nenhuma pena pode ser imposta ao indiciado. Ademais, o texto da Lei Maior  fala em “litigantes”, na fase da investigação preparatória não há litigantes... É verdade que o indiciado pode ser privado da sua liberdade nos casos de flagrante, prisão temporária ou preventiva. Mas, para esses casos, sempre se admitiu o emprego do remédio heroico do habeas corpus. Nesse sentido, e apenas nesse sentido, é que se pode dizer que a ampla defesa abrange o indiciado. O que não se concebe é q permissão do contraditório naquela fase informativa que antecede à instauração do processo criminal, pois não há ali nenhuma acusação. Não havendo, não se pode invocar o princípio da par conditio – igualdade de armas. Todos sabemos que não se admite um decreto condenatório respaldado, exclusivamente, nas provas apuradas na etapa pré-processual. A Autoridade Policial não acusa; investiga. E investigação contraditória é um não-senso. Se assim é, parece-nos não ter sentido estender o instituto do contraditório ao inquérito, em que não há acusação. Quanto à ampla defesa, tem o indiciado direito ao habeas corpus sempre que sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação na sua liberdade de locomoção. Malgrado essas observações, o Estatuto da Advocacia confere ao Advogado o direito de examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante ou de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos. Mas entre essa conduta e o direito ao contraditório há cem léguas de distância.

domingo, 5 de abril de 2015

MANUAL DE PROCESSO PENAL – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIOS QUE REGEM O PROCESSO PENAL – PRINCÍPIO DA VERDADE REAL – PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE DO JUIZ – PRINCÍPIO DA IGUALDADE DAS PARTES – PRINCÍPIO DA PARIDADE DE ARMAS - VARGAS DIGITADOR

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIOS QUE REGEM O PROCESSO PENAL – PRINCÍPIO DA VERDADE REAL – PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE DO JUIZ – PRINCÍPIO DA IGUALDADE DAS PARTES – PRINCÍPIO DA PARIDADE DE ARMAS - VARGAS DIGITADOR

O Processo Penal é regido por uma série de princípios e regras que outra coisa não representa senão postulados fundamentais da política processual penal de um Estado. Quanto mais democrático for o regime, o processo penal mais se apresenta como um notável instrumento, a serviço da liberdade individual. Sendo o processo penal, como já se disse, uma expressão de cultura, de civilização, e que reflete determinado momento político, evidente que os seus princípios oscilam à medida que os regimes políticos se alteram. Num Estado totalitário, consideram-se as razões do Estado. Em um democrático, como bem o disse Bettiol, aqui já citado, a liberdade individual, como expressão de um valor absoluto, deve ser tida como inviolável pela Constituição (Instituições de direito penal e processo penal, trad. Manuel da Costa Andrade, Coimbra, Coimbra, Ed., 1974, p. 251). Tanto é assim que da data da promulgação do nosso Código de Processo Penal, início de 1942, quando vivíamos sob a égide de um arremedo de Constituição, até hoje, houve várias mudanças no nosso Processo Penal, sempre procurando, de maneira capenga, mas sempre procurando, buscar a tutela dos direitos e interesses do acusado, amparando-lhe e salvaguardando-lhe as legítimas expectativas. Causaria espanto em 1942 afirmar que a única prisão provisória que se justifica é a preventiva e, assim mesmo, para preservar a instrução criminal e assegurar a aplicação da lei penal.

Princípio da verdade real

A função punitiva do Estado deve ser dirigida àquele que, realmente, tenha cometido uma infração; portanto o Processo Penal deve tender à averiguação e descobrimento da verdade real, da verdade material, como fundamento da sentença. No campo extrapenal, porque de regra estão em jogo interesses disponíveis, as partes podem, usando dos seus poderes dispositivos, transacionar, transigir, submeter-se à vontade da parte ex adversa, tornando impossível a restauração real dos fatos. Note-se que os fatos incontroversos não podem ser objeto de prova, na dicção do art. 334 do CPC. No Processo Penal, o fenômeno é inverso, como se constata pelos arts. 209 e 156, segunda parte, dentre outros, pouco importando se é controvertido ou não o fato. Excepcionalmente, o Juiz penal se curva à verdade formal, não dispondo de meios para assegurar o império da verdade. Vejam-se, a propósito, a impossibilidade de revisão pro societate, as hipóteses que admitem a transação segundo a Lei n. 9.099/95 e as várias restrições impostas à prova, como as previstas nos arts. 155, 206 e 207 do CPP. Por outro lado, quando se fala em verdade real, não se tem a presunção de se chegar à verdade verdadeira, como se costuma dizer, ou, se quiserem, a verdade na sua essência – esta é acessível apenas à Suma Potestade -, mas tão-somente salientar que o ordenamento confere ao Juiz penal, mais que ao Juiz não penal, poderes para coletar dados que lhe possibilitem, numa análise histórico-crítica,  na medida do possível, restaurar aquele acontecimento pretérito que é o crime investigado. É certo, ademais, que, mesmo na justiça penal, a procura e o encontro da verdade real se fazem com as naturais reservas oriundas da limitação e falibilidade humanas, e, por isso, melhor seria falar de “verdade processual” ou “verdade forense”, até porque, por mais que o Juiz procure fazer a reconstrução histórica do fato objeto do processo, muitas e muitas vezes o material de que ele se vale (ah! as testemunhas...) poderá conduzi-lo a uma “falsa verdade real”, e por isso mesmo Ada P. Grinover já anotava que “verdade e certeza são conceitos absolutos, dificilmente atingíveis, no processo ou fora dele” (A iniciativa instrutória do juiz no processo penal acusatório, RF, 347/6).

Princípio da imparcialidade do Juiz

Não se pode admitir Juiz parcial. Se o Estado chamou a si a tarefa de dar a cada um o que é seu, essa missão não seria cumprida se, no processo, não houvesse imparcialidade do Juiz.

Mas a imparcialidade exige, antes de mais nada, independência. Nenhum Juiz poderia ser efetivamente imparcial se não estivesse livre de coações, de influências constrangedoras, enfim, de ameaças que pudessem fazê-lo temer a perda do cargo. Daí as garantias conferidas à Magistratura pela Lei Maior: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, por outro lado, se houver motivo que, eventualmente, possa afetar-lhe a imparcialidade, qualquer das partes pode excepcionar-lhe o impedimento, incompatibilidade ou suspeição, nos termos dos arts. 252, 254 e 112, todos do CPP, se ele próprio não se antecipou, abstendo-se de atuar no feito.

Princípio da igualdade das partes

No processo, as partes, embora figurem em polos opostos, situam-se no mesmo plano, com iguais direitos, ônus, obrigações e faculdades. É uma consequência lógica da estrutura do nosso Processo Penal, que é acusatório. Se a pedra de toque do processo acusatório é a separação das funções de acusar, defender e julgar, pelo menos sob esse ângulo não se pode negar o caráter acusatório do nosso Processo Penal. Certo que não é um processo acusatório puro, ortodoxo, do contrário muitas atividades próprias das partes não seriam conferidas ao Juiz. Sem embargo, é acusatório. E tanto o é que a Constituição guindou a acusação e a defesa à categoria de funções essenciais à administração da Justiça (arts 127 e 133). Sendo acusatório, deve haver uma igualdade entre as partes. Sem essa igualdade de condições, não haveria equilíbrio entre elas, e a ausência de equilíbrio implicaria negação da Justiça. E o legislador procurou manter esse equilíbrio diante do Juiz. Note-se, por exemplo, que o réu não pode defender-se a si mesmo, salvo se tiver habilitação técnica. É como soa o art. 263 do CPP. Se fosse possível a defesa a cargo de pessoa sem habilitação, defesa e acusação ficariam desniveladas, e a contraposição ou possibilidade dialética entre as partes tornar-se-ia impossível. O princípio da igualdade ficaria em desnível, porque um órgão técnico, o represente do Ministério Público, faria uma oposição ao réu, em desigualdade de condições em face da sua falta de conhecimento jurídico. Às partes processuais, representado interesses opostos (Acusação e Defesa), deve ser assegurada absoluta paridade, pois do contrário não seria possível uma genuína e sã contraposição entre elas. Não seria possível (num reforço de linguagem...) uma contraposição dialética. Diz Couture que esse princípio da igualdade nada mais é que o princípio de que todos são iguais perante a lei levado ao processo (Fundamentos del derecho procesal civil, Buenos Aires, Depal, 1972, p. 183), ou como diz Clariá Olmedo: “a norma constitucional segundo a qual todos são iguais perante a lei traduz-se, em juízo, como a igualdade das partes” (Tratado del derecho procesal penal, Buenos Aires, Depalma, 1989, v.1. p. 83).

Princípio da paridade de armas


Para que haja essa igualdade é indispensável disponham as partes das mesmas armas. É o princípio da par conditio. Os direitos e poderes que se conferem à Acusação não podem ser negados à Defesa, e vice-versa. Certo que às vezes concede-se um pouco mais à Defesa. É a hipótese do protesto por novo Júri, dos embargos infringentes e da revisão criminal, exclusivos da Defesa. Por outro lado, na fase pré-processual, na fase do inquérito, a desigualdade entre o que o titular do direito de punir pode fazer e o que resta ao investigado é marcante. Este não goza dos mesmos direitos e não detém os mesmos poderes reservados ao Estado-Administração, representado pela Polícia. Nem dispõe de instrumentos para a este se nivelar. O único direito que lhe é reservado cinge-se à defesa da sua integridade física e da sua liberdade ambulatória. Não pode ser submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante (pelo menos é o que diz a nossa Carga Magna...). não pode, também, sofrer constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção. Só.