domingo, 14 de agosto de 2022

Código Civil Comentado - Art. 392, 393 - Do Inadimplemento das Obrigações – VARGAS, Paulo S. R. - vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com

 

Código Civil Comentado - Art. 392, 393
- Do Inadimplemento das Obrigações – VARGAS, Paulo S. R.
- vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com

CCC II - Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título IV – Do Inadimplemento das Obrigações

Capítulo I – Disposições Gerais –

(art. 389 a 393)

 

Art. 392. Nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo as exceções previstas em lei.

Segundo discernimento de Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 392, p. 410, Código Civil Comentado, “Contratos benéficos ou gratuitos são aqueles em que apenas uma das partes obtém vantagens, enquanto para a outra há apenas sacrifício (doações puras, por exemplo). Não se confundem com contratos unilaterais ou bilaterais, expressões utilizadas no artigo correspondente do Código revogado. Nesses casos, o contrato se aperfeiçoa, mas apenas uma ou ambas as partes têm prestações a cumprir - razão pela qual serão unilaterais ou bilaterais. Já nos contratos gratuitos, a parte a quem o contrato aproveita responde por simples culpa, mas só responde por dolo aquela a quem o contrato impõe apenas sacrifício.”

 

A culpa simples - mesmo levíssima - obriga aquele que se beneficia do contrato a indenizar. No entanto, aquele a quem o contrato não beneficia só responde por dolo - conduta deliberadamente destinada a produzir o resultado danoso. Vale observar que a culpa grave se equipara ao dolo. A regra confere tratamento benéfico ao que celebra o contrato sem auferir vantagem. Essa regra tem aplicação, exemplificativamente, ao comodatário e ao motorista que dá carona a terceiro (a questão é objeto da Súmula n. 145 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça: “No transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave” ). Contudo, em relação especificamente ao denominado transporte de cortesia, que motivou a edição da Súmula n. 145, convém fazer o registro de que parte da doutrina tem considerado que ela já não pode prevalecer, uma vez que o art. 736 do Código Civil afastou sua natureza contratual, e, em razão disso, a responsabilidade do transportador é regida apenas pela regra geral do art. 927 tio Código Civil (vejam-se o comentário feito neste Código por Cláudio Godoy ao art. 736 e o artigo de Ênio Santarelli Zuliani referido em nota específica indicada na sequência).

 

A segunda parte do art. 392 do Código Civil afirma que nos contratos onerosos - aqueles em que há vantagens e sacrifícios recíprocos - qualquer das partes responde por culpa, salvo as exceções previstas em lei. É preciso observar que o art. 392 do Código Civil alterou expressões utilizadas no art. 1.057 do Código Civil, substituindo os termos unilaterais e bilaterais por, respectivamente, benéficos e onerosos. De fato, o tratamento menos rigoroso para as consequências do inadimplemento só se justifica caso se leve em conta a inexistência de vantagem para uma das partes, e não a presença de obrigações recíprocas, que caracteriza distinção entre contratos bilaterais e unilaterais. (Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 392, p. 410, Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 28/05/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

Na visão do relator, Deputado Ricardo Fiuza: “Nos contratos benéficos ou não onerosos, a exemplo do comodato, só uma das partes se beneficia”. Logo não seria justo, como bem coloca João Luiz Alves, que “a pane, a quem o contrato não aproveita, respondesse pela simples culpa. Em todo o caso, deve responder pelo dolo que se constitui pela violação proposital e deliberada daquilo a que se acha obrigado, pois que ninguém pode voluntária e deliberadamente fugir ao cumprimento do que contratou, ainda que sem intuito de lucro, porque do seu procedimento pode resultar dano a outra parte. O contratante a quem aproveita o contrato unilateral deve responder pela simples culpa, por isso mesmo que o contrato foi celebrado em seu benefício, como no caso do comodatário, responsável pela guarda e restituição da coisa emprestada” (Código Civil anotado. cit., p. 710).

 

Nos contratos onerosos, bilaterais ou sinalagmáticos, nos quais são estabelecidas obrigações para ambas as partes, a exemplo da compra e venda, é coerente que elas respondam não só por dolo, mas também por simples culpa. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – comentários ao Art. 392, p. 213, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf. Vários Autores 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 27/05/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

Na visão da equipe Guimarães e Mezzalira, o dispositivo em questão distingue o comportamento doloso do culposo, ao impor o dever de indenizar apenas ao devedor que, dolosamente, descumpra contrato benéfico de que não seja favorecido (exemplificativamente, contrato de doação pura).

 

Súmula STJ 145. No transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave”. Parte da doutrina rechaça o entendimento, compreendendo que se aplica a esse caso a regra do artigo 927 do Código Civil. Bdine Jr, comentários ao CC art. 392, p. 410, Código Civil Comentado. In Peluzo, Cezar (coord.): Barueri, Manole, 2015). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC 392, acessado em 27/05/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

 

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos, não era possível evitar ou impedir.

 

No lecionar de Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 393, p. 411-412, Código Civil Comentado, “Nas hipóteses de força maior ou caso fortuito, desaparece o nexo de causalidade entre o inadimplemento e o dano, de modo que não haverá obrigação de indenizar. Trata-se, portanto, de causa excludente da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual.

 

Nada impede, porém, que as partes estabeleçam que a indenização será devida em caso de inadimplemento, mesmo que provocado por caso fortuito ou força maior. Considera-se caso fortuito ou força maior o fato necessário, cujos efeitos eram imprevisíveis ou inevitáveis (parágrafo único deste artigo). Embora a lei não faça distinção entre estas figuras, o caso fortuito representa fato ou ato estranho à vontade das partes (greve, guerra etc.); enquanto força maior é a expressão destinada aos fenômenos naturais (raio, tempestade etc.).

 

A característica mais importante dessas excludentes é a inevitabilidade, i. é, a impossibilidade de serem evitadas pelas forças humanas. Os requisitos para a configuração do caso fortuito ou da força maior são os seguintes: o fato deve ser necessário e não determinado por culpa do devedor; o fato deve ser superveniente e inevitável; o fato deve ser irresistível - fora do alcance do poder humano.

 

Entre as excludentes de responsabilidade previstas no Código de Defesa do Consumidor - arts. 12, § 3º, e 14, § 3º -, essas hipóteses não figuram como causas de exclusão de responsabilidade, o que levou alguns autores a afirmarem que elas não impedem a condenação dos fornecedores a pagar a indenização. Mas é preciso verificar que, se o caso fortuito ou a força maior eliminam o nexo de causalidade entre o defeito e o dano, não estarão presentes os requisitos dos arts. 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor, de modo que não será caso de excluir a responsabilidade, mas sim de não haver incidência da regra ao caso concreto. Registre-se que nem mesmo nos casos de responsabilidade objetiva se dispensa o nexo causai como um de seus elementos essenciais.

 

De todo modo, nas relações de consumo, convém registrar, há casos excepcionais que se inserem no risco assumido pelo fornecedor para obtenção do resultado prometido ao consumidor. Trata-se do chamado fortuito interno, compreendido na própria atividade empresarial - risco de delitos para uma empresa de segurança são previsíveis e assumidos pelo fornecedor -, de modo que sua ocorrência não será capaz de eliminar o nexo de causalidade, obrigando o fornecedor a indenizar (Martins-Costa, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro. Forense, 2003, v. V, t. II, p. 201). (Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 393, p. 411-412, Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 27/05/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

Segundo histórico do dispositivo, emenda da lavra do eminente Senador Gabriel Hermes acrescentou o parágrafo único ao art. 393, ausente na redação original do anteprojeto, reproduzindo o de igual teor do art. 1.058 do Código de 1916. Segundo o autor da emenda, “Não há mal, antes conveniência, na reprodução. O texto do parágrafo não contém, propriamente, definição — que a técnica de legislar condena —, mas a qualificação do fato, que caracteriza o caso fortuito, ou a força maior A qualificação do fato, em termos genéricos, como sugerida, cuidando apenas do ‘fato necessário, cujo efeito não era possível evitar ou impedir’, não foge à técnica nem malfere o conteúdo do artigo, antes propicia um referencial impeditivo de interpretação anômala, ou desatenta.

 

De acordo com a doutrina do relator Ricardo Fiuza, “O Art. 393 consagra o princípio da exoneração do devedor, sempre que o desenvolvimento da obrigação não decorrer de culpa ou dolo seus”.

 

*Caso fortuito ou força maior: Foram empregados pelo legislador como sinônimos, mas doutrinariamente não se confundem, muito embora os autores divirjam sobre as diferenças entre os dois eventos. Os conceitos, muitas vezes, chegam a ser diametralmente opostos. Optou-se por seguir a corrente dos que entendem ser o caso fortuito o acidente que não poderia ser razoavelmente previsto, decorrente de forças naturais ou ininteligentes, tais como um terremoto, um furacão etc. (Clóvis Beviláqua, João Luiz Alves, ‘fito Fulgêncio Batista e Carvalho de Mendonça). A força maior, tomando por empréstimo a definição de Huc, seria “o fato de terceiro, que criou, para execução da obrigação, um obstáculo, que a boa vontade do devedor não pôde vencer” (Commenttire théorique et pratique du Code Civil, v. ‘7, p. 143). Exemplos de força maior: a guerra, o embargo de autoridade pública que impede a saída do navio do porto etc.

 

Os efeitos do caso fortuito e da força maior são idênticos: isentar o devedor da responsabilidade pelo descumprimento da obrigação. Salvo se o devedor houver assumido por cláusula expressa a responsabilidade pelo descumprimento mesmo ocorrendo caso fortuito ou força maior.

 

Ressalta, no entanto, Beviláqua que “no caso de mora o caso fortuito ou de força maior não escusa, se aconteceu depois da mora, salvo se o devedor provar que não teve culpa no atraso da prestação, ou que o dano ocorreria, ainda quando a obrigação fosse desempenhada oportunamente” (Clóvis Beviláqua, Código Civil comentado, cit., p. 222). Vide art. 399 deste Código. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – comentários ao Art. 393, p. 213-214, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf. Vários Autores 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 27/05/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).

 

Segundo comentário da equipe de Guimarães e Mezzalira, a lei não distingue o caso fortuito (casus) da força maior (vis maior) em razão do extenso debate doutrinário existente em torno da diferença entre ambos. Tradicionalmente, diz-se que o caso fortuito é “acontecimento natural, ou evento derivado da força da natureza, ou o fato das coisas, como o raio do céu, a inundação, o terremoto” e a força maior consiste em “fato de outrem, como a invasão do território, a guerra, a revolução, o ato emanado da autoridade (factum principis), a desapropriação, o furto etc.” (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria Geral das Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, p. 346. Bdine Jr. dá classificação oposta a de Pereira (Bdine Jr., Hamid Charaf. Comentários ao artigo 393 do Código Civil, Peluso, Cesar (coord.). Código Civil Comentado. Barueri, Manole, 2015). Em termos gerais, para que se verifique a inimputabilidade do devedor, a falta de prestação deve decorrer de obstáculo intransponível ao cumprimento da obrigação, estranho ao poder do devedor e oriundo de acontecimento natural ou fato de terceiro. Assim, o caso fortuito ou de força maior representam excludentes de responsabilidade, vez que rompem com o nexo de causalidade.

 

Destaque-se que tais excludentes de responsabilidade aplicam-se até mesmo aos casos de responsabilidade objetiva – nos quais, relembre-se, é, igualmente, imprescindível a presença do nexo de causalidade. Nas relações de consumo, entretanto, há, excepcionalmente, a responsabilidade pela ocorrência de determinados riscos assumidos pelo fornecedor para atingir determinado resultado (fortuitos internos). Nesse aspecto, pode-se mencionar, ilustrativamente, os riscos de delito para uma empresa de segurança.

 

A respeito da questão, Pereira destaca que “não se pode munir o julgador de um padrão abstrato a que ajustar o fato, para decretar a exoneração do devedor. Ao contrário, cada hipótese terá de ser ponderada segundo as circunstâncias que lhe são peculiares, e em cada uma ter-se-á de examinar a ocorrência do obstáculo necessário e inevitável à execução do devido. Pode até acontecer que o mesmo evento, que facultou a um devedor o cumprimento, para outro já se erija com aquelas características de impedir a prestação”. (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria Geral das Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, p. 348).

 

A despeito do caso fortuito e da força maior, pode subsistir responsabilidade ao devedor em casos de: (i) convenção expressa terre as partes nesse sentido; (ii) mora do devedor, exceto se este demonstrar que não teve culpa no atraso ou que o dano teria ocorrido ainda que a obrigação tivesse desempenhada tempestivamente; (iii) substabelecimento a terceiro, a despeito de vedação do mandante, exceto se se provar que o dano teria acontecido, independentemente do substabelecimento; (iv) gestão de negócios, quando são firmadas operações arriscadas pelo gestor ou quando este preterir interesses do gerido em benefício seu; (v) tradição de coisas que se vendem marcando ou assinalando, quando as coisas já tiverem sido postos à disposição do credor; e (vi) nos casos de risco profissional, quando previstos em lei. (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira et al, apud Direito.com, nos comentários ao CC 393, acessado em 27/05/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

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