Código Civil
Comentado - Art. 392, 393
- Do
Inadimplemento das Obrigações – VARGAS, Paulo S. R.
-
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CCC II - Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título IV
– Do Inadimplemento das Obrigações
Capítulo
I – Disposições Gerais –
(art. 389
a 393)
Art. 392. Nos contratos
benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem o contrato
aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos onerosos,
responde cada uma das partes por culpa, salvo as exceções previstas em lei.
Segundo discernimento de Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 392, p. 410, Código Civil Comentado, “Contratos benéficos ou gratuitos são aqueles em que apenas uma das partes obtém vantagens, enquanto para a outra há apenas sacrifício (doações puras, por exemplo). Não se confundem com contratos unilaterais ou bilaterais, expressões utilizadas no artigo correspondente do Código revogado. Nesses casos, o contrato se aperfeiçoa, mas apenas uma ou ambas as partes têm prestações a cumprir - razão pela qual serão unilaterais ou bilaterais. Já nos contratos gratuitos, a parte a quem o contrato aproveita responde por simples culpa, mas só responde por dolo aquela a quem o contrato impõe apenas sacrifício.”
A culpa simples - mesmo levíssima -
obriga aquele que se beneficia do contrato a indenizar. No entanto, aquele a
quem o contrato não beneficia só responde por dolo - conduta deliberadamente
destinada a produzir o resultado danoso. Vale observar que a culpa grave se
equipara ao dolo. A regra confere tratamento benéfico ao que celebra o contrato
sem auferir vantagem. Essa regra tem aplicação, exemplificativamente, ao
comodatário e ao motorista que dá carona a terceiro (a questão é objeto da
Súmula n. 145 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça: “No transporte
desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente
responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa
grave” ). Contudo, em relação especificamente ao denominado transporte de
cortesia, que motivou a edição da Súmula n. 145, convém fazer o registro de que
parte da doutrina tem considerado que ela já não pode prevalecer, uma vez que o
art. 736 do Código Civil afastou sua natureza contratual, e, em razão disso, a
responsabilidade do transportador é regida apenas pela regra geral do art. 927
tio Código Civil (vejam-se o comentário feito neste Código por Cláudio Godoy ao
art. 736 e o artigo de Ênio Santarelli Zuliani referido em nota específica
indicada na sequência).
A segunda parte do art. 392 do Código
Civil afirma que nos contratos onerosos - aqueles em que há vantagens e
sacrifícios recíprocos - qualquer das partes responde por culpa, salvo as
exceções previstas em lei. É preciso observar que o art. 392 do Código Civil
alterou expressões utilizadas no art. 1.057 do Código Civil, substituindo os
termos unilaterais e bilaterais por, respectivamente, benéficos e onerosos. De
fato, o tratamento menos rigoroso para as consequências do inadimplemento só se
justifica caso se leve em conta a inexistência de vantagem para uma das partes,
e não a presença de obrigações recíprocas, que caracteriza distinção entre
contratos bilaterais e unilaterais. (Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC
art. 392, p. 410, Código
Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord.
Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual.
- Barueri, SP, ed. Manole, 2010.
Acessado em 28/05/2022,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).
Na visão do relator, Deputado Ricardo
Fiuza: “Nos contratos benéficos ou não onerosos, a exemplo do comodato, só uma
das partes se beneficia”. Logo não seria justo, como bem coloca João Luiz
Alves, que “a pane, a quem o contrato não aproveita, respondesse pela simples culpa.
Em todo o caso, deve responder pelo dolo que se constitui pela violação
proposital e deliberada daquilo a que se acha obrigado, pois que ninguém pode
voluntária e deliberadamente fugir ao cumprimento do que contratou, ainda que
sem intuito de lucro, porque do seu procedimento pode resultar dano a outra
parte. O contratante a quem aproveita o contrato unilateral deve responder pela
simples culpa, por isso mesmo que o contrato foi celebrado em seu benefício,
como no caso do comodatário, responsável pela guarda e restituição da coisa
emprestada” (Código Civil anotado. cit., p. 710).
Nos contratos onerosos, bilaterais ou
sinalagmáticos, nos quais são estabelecidas obrigações para ambas as partes, a
exemplo da compra e venda, é coerente que elas respondam não só por dolo, mas
também por simples culpa. (Direito Civil
- doutrina, Ricardo Fiuza – comentários ao Art. 392, p. 213, apud Maria
Helena Diniz Código Civil Comentado
já impresso pdf. Vários Autores 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acessado em
27/05/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).
Na visão da equipe Guimarães e
Mezzalira, o dispositivo em questão distingue o comportamento doloso do
culposo, ao impor o dever de indenizar apenas ao devedor que, dolosamente,
descumpra contrato benéfico de que não seja favorecido (exemplificativamente,
contrato de doação pura).
“Súmula STJ 145. No transporte
desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente
responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa
grave”. Parte da doutrina rechaça o entendimento, compreendendo que se aplica a
esse caso a regra do artigo 927 do Código Civil. Bdine Jr, comentários
ao CC art. 392,
p. 410, Código Civil Comentado. In Peluzo, Cezar (coord.): Barueri, Manole,
2015). (Luiz Paulo
Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira et al, apud Direito.com, nos
comentários ao CC 392, acessado em 27/05/2022, corrigido e aplicadas as
devidas atualizações VD).
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos
resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por
eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior
verifica-se no fato necessário, cujos efeitos, não era possível evitar ou
impedir.
No lecionar de Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao
CC art. 393, p. 411-412, Código
Civil Comentado, “Nas
hipóteses de força maior ou caso fortuito, desaparece o nexo de causalidade
entre o inadimplemento e o dano, de modo que não haverá obrigação de indenizar.
Trata-se, portanto, de causa excludente da responsabilidade civil, contratual
ou extracontratual.
Nada impede, porém, que as partes
estabeleçam que a indenização será devida em caso de inadimplemento, mesmo que
provocado por caso fortuito ou força maior. Considera-se caso fortuito ou força
maior o fato necessário, cujos efeitos eram imprevisíveis ou inevitáveis
(parágrafo único deste artigo). Embora a lei não faça distinção entre estas
figuras, o caso fortuito representa fato ou ato estranho à vontade das partes
(greve, guerra etc.); enquanto força maior é a expressão destinada aos
fenômenos naturais (raio, tempestade etc.).
A característica mais importante dessas
excludentes é a inevitabilidade, i. é, a impossibilidade de serem
evitadas pelas forças humanas. Os requisitos para a configuração do caso
fortuito ou da força maior são os seguintes: o fato deve ser necessário e não
determinado por culpa do devedor; o fato deve ser superveniente e inevitável; o
fato deve ser irresistível - fora do alcance do poder humano.
Entre as excludentes de responsabilidade
previstas no Código de Defesa do Consumidor - arts. 12, § 3º, e 14, § 3º -,
essas hipóteses não figuram como causas de exclusão de responsabilidade, o que
levou alguns autores a afirmarem que elas não impedem a condenação dos
fornecedores a pagar a indenização. Mas é preciso verificar que, se o caso
fortuito ou a força maior eliminam o nexo de causalidade entre o defeito e o
dano, não estarão presentes os requisitos dos arts. 12 e 14 do Código de Defesa
do Consumidor, de modo que não será caso de excluir a responsabilidade, mas sim
de não haver incidência da regra ao caso concreto. Registre-se que nem mesmo
nos casos de responsabilidade objetiva se dispensa o nexo causai como um de
seus elementos essenciais.
De todo modo, nas relações de consumo,
convém registrar, há casos excepcionais que se inserem no risco assumido pelo
fornecedor para obtenção do resultado prometido ao consumidor. Trata-se do
chamado fortuito interno, compreendido na própria atividade empresarial - risco
de delitos para uma empresa de segurança são previsíveis e assumidos pelo
fornecedor -, de modo que sua ocorrência não será capaz de eliminar o nexo de
causalidade, obrigando o fornecedor a indenizar (Martins-Costa, Judith. Comentários
ao novo Código Civil. Rio de Janeiro. Forense, 2003, v. V, t. II, p. 201).
(Hamid Charaf Bdine Jr, comentários ao CC art. 393, p. 411-412, Código Civil Comentado,
Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar
Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual.
- Barueri, SP, ed. Manole, 2010.
Acessado em 27/05/2022,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).
Segundo histórico do dispositivo, emenda da lavra do eminente Senador
Gabriel Hermes acrescentou o parágrafo único ao art. 393, ausente na redação
original do anteprojeto, reproduzindo o de igual teor do art. 1.058 do Código
de 1916. Segundo o autor da emenda, “Não há mal, antes conveniência, na
reprodução. O texto do parágrafo não contém, propriamente, definição — que a
técnica de legislar condena —, mas a qualificação do fato, que caracteriza o
caso fortuito, ou a força maior A qualificação do fato, em termos genéricos,
como sugerida, cuidando apenas do ‘fato necessário, cujo efeito não era
possível evitar ou impedir’, não foge à técnica nem malfere o conteúdo do
artigo, antes propicia um referencial impeditivo de interpretação anômala, ou
desatenta.
De acordo com a doutrina do relator
Ricardo Fiuza, “O Art. 393 consagra o princípio da exoneração do devedor, sempre
que o desenvolvimento da obrigação não decorrer de culpa ou dolo seus”.
*Caso fortuito ou força maior: Foram
empregados pelo legislador como sinônimos, mas doutrinariamente não se
confundem, muito embora os autores divirjam sobre as diferenças entre os dois
eventos. Os conceitos, muitas vezes, chegam a ser diametralmente opostos. Optou-se
por seguir a corrente dos que entendem ser o caso fortuito o acidente que não
poderia ser razoavelmente previsto, decorrente de forças naturais ou
ininteligentes, tais como um terremoto, um furacão etc. (Clóvis Beviláqua, João
Luiz Alves, ‘fito Fulgêncio Batista e Carvalho de Mendonça). A força maior,
tomando por empréstimo a definição de Huc, seria “o fato de terceiro, que
criou, para execução da obrigação, um obstáculo, que a boa vontade do devedor
não pôde vencer” (Commenttire théorique et pratique du Code Civil,
v. ‘7, p. 143). Exemplos de força maior: a guerra, o embargo de autoridade
pública que impede a saída do navio do porto etc.
Os efeitos do caso fortuito e da força
maior são idênticos: isentar o devedor da responsabilidade pelo descumprimento
da obrigação. Salvo se o devedor houver assumido por cláusula expressa a
responsabilidade pelo descumprimento mesmo ocorrendo caso fortuito ou força
maior.
Ressalta, no entanto, Beviláqua que “no
caso de mora o caso fortuito ou de força maior não escusa, se aconteceu depois
da mora, salvo se o devedor provar que não teve culpa no atraso da prestação,
ou que o dano ocorreria, ainda quando a obrigação fosse desempenhada
oportunamente” (Clóvis Beviláqua, Código Civil comentado, cit., p. 222). Vide
art. 399 deste Código. (Direito Civil -
doutrina, Ricardo Fiuza – comentários ao Art. 393, p. 213-214, apud
Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf. Vários Autores 16ª ed., São Paulo, Saraiva,
2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado
em 27/05/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).
Segundo comentário da equipe de Guimarães
e Mezzalira, a lei não distingue o caso fortuito (casus) da força maior (vis
maior) em razão do extenso debate doutrinário existente em torno da
diferença entre ambos. Tradicionalmente, diz-se que o caso fortuito é “acontecimento
natural, ou evento derivado da força da natureza, ou o fato das coisas, como o
raio do céu, a inundação, o terremoto” e a força maior consiste em “fato
de outrem, como a invasão do território, a guerra, a revolução, o ato emanado
da autoridade (factum principis), a desapropriação, o furto etc.” (Pereira,
Caio Mário da Silva. Teoria Geral das Obrigações. Rio de Janeiro:
Forense, p. 346. Bdine Jr. dá classificação oposta a de Pereira (Bdine Jr.,
Hamid Charaf. Comentários ao artigo 393 do Código Civil, Peluso, Cesar
(coord.). Código Civil Comentado. Barueri, Manole, 2015). Em termos
gerais, para que se verifique a inimputabilidade do devedor, a falta de
prestação deve decorrer de obstáculo intransponível ao cumprimento da
obrigação, estranho ao poder do devedor e oriundo de acontecimento natural ou
fato de terceiro. Assim, o caso fortuito ou de força maior representam
excludentes de responsabilidade, vez que rompem com o nexo de causalidade.
Destaque-se que tais excludentes de
responsabilidade aplicam-se até mesmo aos casos de responsabilidade objetiva –
nos quais, relembre-se, é, igualmente, imprescindível a presença do nexo de
causalidade. Nas relações de consumo, entretanto, há, excepcionalmente, a
responsabilidade pela ocorrência de determinados riscos assumidos pelo
fornecedor para atingir determinado resultado (fortuitos internos). Nesse
aspecto, pode-se mencionar, ilustrativamente, os riscos de delito para uma
empresa de segurança.
A respeito da questão, Pereira destaca
que “não se pode munir o julgador de um padrão abstrato a que ajustar o
fato, para decretar a exoneração do devedor. Ao contrário, cada hipótese terá
de ser ponderada segundo as circunstâncias que lhe são peculiares, e em cada
uma ter-se-á de examinar a ocorrência do obstáculo necessário e inevitável à
execução do devido. Pode até acontecer que o mesmo evento, que facultou a um
devedor o cumprimento, para outro já se erija com aquelas características de
impedir a prestação”. (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria Geral das
Obrigações, Rio de Janeiro: Forense, p. 348).
A despeito do caso fortuito e da força
maior, pode subsistir responsabilidade ao devedor em casos de: (i) convenção
expressa terre as partes nesse sentido; (ii) mora do devedor, exceto se este
demonstrar que não teve culpa no atraso ou que o dano teria ocorrido ainda que
a obrigação tivesse desempenhada tempestivamente; (iii) substabelecimento a
terceiro, a despeito de vedação do mandante, exceto se se provar que o dano
teria acontecido, independentemente do substabelecimento; (iv) gestão de
negócios, quando são firmadas operações arriscadas pelo gestor ou quando este
preterir interesses do gerido em benefício seu; (v) tradição de coisas que se
vendem marcando ou assinalando, quando as coisas já tiverem sido postos à
disposição do credor; e (vi) nos casos de risco profissional, quando previstos
em lei. (Luiz Paulo Cotrim
Guimarães e Samuel Mezzalira et al, apud Direito.com, nos comentários
ao CC 393, acessado em 27/05/2022, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
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