Código Civil
Comentado – Art. 436, 437, 438
- Da
Estipulação em Favor de Terceiro –
VARGAS, Paulo S. R. -
vargasdigitador.blogspot.com –
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título V
– Dos Contratos em Geral - Capítulo I – Disposições
Gerais -
Seção III – Da Estipulação em favor de terceiro
(art. 436 a 438)
Art. 436. O que estipula em favor de terceiro pode
exigir o cumprimento da obrigação.
Parágrafo único. Ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, também é permitido exigi-la, ficando, todavia, sujeito às condições e normas do contrato, se a ele anuir, e o estipulante não o inovar nos termos do Art. 438.
Como esclarece Nelson Rosenvald,
comentários ao CC art. 436,
p. 498-499, Código Civil Comentado: Esse contrato se forma quando o estipulante convenciona com
o promitente a concessão de uma vantagem patrimonial em prol de um terceiro -
estranho à contratação -, que se constitui em beneficiário.
A estipulação em favor de terceiro
consiste em derrogação ao princípio da relatividade dos efeitos contratuais às
partes e seus sucessores (quando não seja personalíssima). Com efeito, o
contrato em exame projeta efeitos na esfera jurídica de quem não participou de
sua celebração. Todas as obrigações permanecem com o estipulante e todos os
direitos são adquiridos pelo terceiro.
O estipulante que contrata a favor de
terceiro vincula o promitente, assistindo-lhe a possibilidade de constrangê-lo
a efetuar a prestação ao terceiro. Este, a seu turno, é credor da relação
obrigacional e apenas possui vantagens, inexistindo qualquer contraprestação.
Aliás, de acordo com o parágrafo único, também poderá exigir o cumprimento da
prestação, caso o estipulante não exerça o seu direito potestativo de
substituí-lo, a teor do art. 438 do Código Civil.
Apesar do silêncio do Código, é viável a
estipulação em favor de terceiro para a remissão de dívidas ou cessão de
créditos. Ou seja, além de servir como modo de efetuar liberalidades, a
estipulação pode visar à extinção de um débito. Avulta-se que o interesse do
estipulante seja digno de proteção legal, pois ele é o elemento essencial e
caracterizador do contrato.
No contrato de seguro de vida, a
estipulação em favor de terceiro é bem evidenciada. O segurado e a seguradora
convencionam um prêmio que garantirá futuramente o pagamento de um valor a um
beneficiário, quando da morte do segurado (art. 790 do CC). Nesse sentido,
quando dispõe o legislador que, ao tempo do sinistro, o capital estipulado não
estará sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança (art. 794 do
CC), demonstra a essência da estipulação em favor do terceiro, eis que o
capital jamais integrou o patrimônio do de cujus, constituindo patrimônio
afetado ao direito eventual do beneficiário.
O modelo em exame possui aproximação com
a figura do contrato com pessoa a declarar, que foi introduzida no Código de
2002 (art. 467 do CC). Nada obstante, no contrato em favor de terceiro o
negócio jurídico bilateral se restringe às pessoas do estipulante e promitente,
mantendo-se o beneficiário alheio à convenção, em posição expectativa. Já no
contrato com pessoa a declarar, a partir do momento de sua aceitação, a pessoa
nomeada adquire retroativamente a posição contratual de parte, em substituição
a um dos contraentes (direitos e obrigações), como se este nunca houvesse
existido (art. 469 do CC). (Nelson Rosenvald, comentários ao CC art.
436, p. 498-499, Código
Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord.
Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual.
- Barueri, SP, ed. Manole, 2010.
Acessado em 24/06/2022,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).
O relator, Ricardo Fiuza, em sua
doutrina explica tratar o dispositivo, do pactum in favo reiri tertii,
contrato estabelecido em favor de terceiro, estranho à relação contratual, mas
dela beneficiário, por estipulação de vantagem de natureza patrimonial em seu
proveito, sem quaisquer ônus ou contraprestação por parte do favorecido. O
estipulante é aquele que convenciona o benefício, podendo, daí, exigir o cumprimento
da obrigação por parte do promitente. Na lição de Orlando Gomes, (Orlando
Gomes, Contratos, 2. ed., São Paulo, Forense, 1966, (p. 165), a estipulação em
favor de terceiro é “o contrato em virtude do qual uma das partes se obriga a
atribuir vantagem patrimonial gratuita a pessoa estranha à formação do vínculo
contratual”. Exemplo clássico da estipulação é o contrato de seguro de vida,
onde o estipulante elege o beneficiário (terceiro).
O terceiro pode exigir também o
adimplemento da obrigação, nos termos do contrato, ficando sujeito às condições
e normas contratuais, se a ele anuir, e enquanto o estipulante não o inovar,
visto que se reserva a este o direito de substituir o terceiro designado no
contrato, independentemente da sua anuência e da do outro contratante (Art.
438).
O CC de 2002 não mais trata do disposto
no art. 1.474 do CC de 1916, a saber, da restrição à estipulação em favor de
terceiro, então prevista nos contratos de seguro, proibitiva de se instituir
beneficiário inibido de receber a doação do segurado, a exemplo da concubina do
homem casado. O Art. 793 do novel diploma toma “válida a instituição do
concubino como beneficiário, se ao tempo do contrato o segurado era separado
judicialmente, ou já se encontrava separado de fato’”(ver comentário ao
artigo). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – Art. 436, p. 235-236, apud
Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf. Vários Autores 16ª ed., São Paulo, Saraiva,
2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado
em 24/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).
Como sugere em sua apreciação do
professor Marco Túlio de Carvalho Rocha, apud Direito.com, nos comentários
ao CC, art. 436: A estipulação em favor de terceiro é o contrato pelo qual
uma pessoa obriga-se perante outra a conferir um direito em favor de quem não
participa dessa relação contratual (Álvaro Villaça Azevedo. Teoria geral dos
contratos típicos e atípicos. 2.ed São Paulo: Atlas, 2004, p. 61). Estipulação
em favor de terceiros típica, i.é, prevista em lei é a doação com
encargo em favor de terceiro.
Partes: a) Estipulante:
determina a quem caberá o benefício; b) Promitente ou devedor: promete
transmitir a vantagem ao beneficiário; c) Terceiro ou beneficiário: destinatário
da vantagem (não é parte). Não precisa ser determinado, basta que seja
determinável. Certas pessoas não podem ser beneficiárias, nos casos expressos
em lei (ex.: 793).
Da legitimidade para exigir o
cumprimento da obrigação:
A estipulação em favor de terceiro é contrato que se faz entre o estipulante e
o promitente. O terceiro dele não é parte, pois, do contrário, não seria
terceiro. O terceiro somente se vincula ao contrato de o aceitar expressa ou
tacitamente. Se o aceitar, fica legitimado a exigir a prestação que foi
prometida em seu benefício.
A indenização pelos prejuízos causados
pelo inadimplemento do promitente ou devedor, segundo as regras relativas à
responsabilidade civil, pode ser requerida por quem o suportou. Ambos,
estipulante e beneficiário, podem ter prejuízos. O estipulante, por ter pago
com a finalidade de beneficiar terceiro e não ter obtido a satisfação de seu
interesse; o beneficiário por não ter recebido o que lhe é devido. O pagamento
feito ao beneficiário extingue, no entanto, a pretensão do estipulante.
O parágrafo único estabelece que o
estipulante fica sujeito às condições e normas do contrato. Entre as condições,
não há óbice para que o beneficiário realize alguma prestação. A possibilidade
de estipulação a título oneroso é, no entanto, polemica. Aceita-a Sílvio
rodrigues. (Direito Civil, v. 3, p. 99-100), enquanto Orlando Gomes a nega: “A
gratuidade do proveito é essencial, não valendo a estipulação que imponha
contraprestação. A estipulação não pode ser feita contra o terceiro. Há de ser
em seu favor”. (Orlando Gomes, Contratos, p. 197). A condição de o terceiro
realizar prestação para que possa aderir ao contrato e perceber o benefício não
é ilícita, por ausência de proibição legal, sendo, pois, possível. (Marco Túlio
de Carvalho Rocha, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 436,
acessado em 24/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 437. Se ao terceiro, em favor de quem se fez
o contrato, se deixar o direito de reclamar-lhe a execução, não poderá o
estipulante exonerar o devedor.
Na visão de Nelson Rosenvald,
comentários ao CC art. 437,
p. 499-500, Código Civil Comentado: “O legislador disciplina aqui a cláusula de irrevogabilidade
da estipulação cm favor de terceiro. Ao estipulante será vedada a resilição
unilateral do contrato com o promitente caso outorgue ao beneficiário o
exercício da pretensão de exigir a satisfação do direito subjetivo ao crédito.
Em princípio, nada impede que o
estipulante se desvincule do promitente, ou mesmo altere a convenção a ponto de
se converter no próprio beneficiário, caso em que se desnatura completamente a
figura da estipulação em favor de terceiro.
É possível traçar um paralelo entre o
art. 437 e o art. 553 do Código Civil. A autonomia privada permite que alguém
estipule uma doação com imposição de encargo ao donatário. Quando o
beneficiário do encargo for um terceiro, estranho às partes, não se pode negar
a estipulação em favor de terceiro. Imagine-se a doação de um imóvel em favor
de uma pessoa, sendo a liberalidade restringida pelo encargo do donatário de
prestar alimentos mensais em prol do terceiro. Este não poderá revogar o ato em
caso de descumprimento - pois não participou da doação onerosa, mas nada impede
que pleiteie a execução do encargo em caso de mora do devedor, seja a obrigação
de dar, seja a de fazer, conforme o exposto na parte final do art. 562 do
Código Civil. (Nelson Rosenvald, comentários ao CC art. 437, p. 499-500, Código Civil Comentado,
Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de 10.01.2002, Coord. Ministro Cezar
Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf, vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed. Verificada e atual.
- Barueri, SP, ed. Manole, 2010.
Acessado em 24/06/2022,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).
Alerta o relator Ricardo Fiuza em sua
doutrina que, no caso de ser conferido ao beneficiário o direito de reclamar a
execução do contrato, o estipulante fica privado da possibilidade de liberar o
promitente devedor da obrigação estipulada. O direito posto ao terceiro
constitui cláusula de irrevogabilidade da estipulação.
A
falta de previsão desse direito importa na sujeição do terceiro à vontade do
estipulante que poderá desobrigar o devedor, mesmo porque, nesse caso, tem o
estipulante a faculdade de substituir o beneficiário designado, na forma do
artigo seguinte. (Direito Civil -
doutrina, Ricardo Fiuza – Art. 437, p. 236, apud Maria Helena Diniz
Código Civil Comentado já impresso
pdf. Vários Autores 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 24/06/2022, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).
Complementando o dispositivo Marco Túlio
de Carvalho Rocha, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 437: O
beneficiário, uma vez que aceite expressa ou tacitamente a estipulação, terá o
direito de exigir a execução. Portanto, em regra, o beneficiário tem o direito
de exigir a execução da promessa. Não terá esse direito se não cumprir as
condições que lhe forem eventualmente exigidas (art. 436, parágrafo único,
deste Códex), se o estipulante tiver se reservado o direito de substituir o
beneficiário, independentemente da sua anuência (art. 438, seguinte, caput);
se o estipulante não puder exonerar o devedor (o estipulante somente poderá
exonerar o devedor se tiver se reservado esse direito no contrato).
Se o beneficiário possuir o direito de
exigir a execução, o estipulante não poderá exonerar o devedor. (Marco Túlio de
Carvalho Rocha, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 437,
acessado em 24/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 438. O estipulante pode reservar-se o direito
de substituir o terceiro designado no contrato, independentemente da sua
anuência e da do outro contratante.
Parágrafo único. A substituição pode ser feita por ato
entre vivos ou por disposição de última vontade.
Como aponta Nelson Rosenvald,
comentários ao CC art. 438,
p. 500, Código Civil Comentado: Aqui,
mais uma vez, é possível observar que o beneficiário não integra a relação
contratual. O estipulante poderá, através de aditivo contratual ou testamento
(parágrafo único), exercer o direito potestativo de substituir o terceiro por
outra pessoa, sem que tenha para tanto de efetuar qualquer justificativa.
Em outras palavras, por apenas deter um
direito expectativo, o terceiro se encontra em posição de sujeição à qualquer
deliberação do estipulante, exceto se houver inserção da cláusula de
irrevogabilidade aludida no art. 437.
Aliás, para os seguros de vida, o art.
791 é explícito ao afirmar a licitude da substituição do beneficiário, por ato
entre vivos ou de última vontade, desde que não tenha o estipulante renunciado
à faculdade ou o seguro não tiver como causa declarada a garantia de uma
obrigação.
Interessante aplicação prática do
dispositivo poderá ser vislumbrada em contratos de depósito. Esse negócio
jurídico, em princípio, serve apenas aos interesses de depositante e
depositário. Porém, é viável que a coisa seja depositada no interesse de
terceiro (art. 632 do CC). Incidirá aí uma autêntica estipulação em favor de
terceiro, pois o depositário efetuará a entrega do bem àquela pessoa designada
pelo depositante. Nessa hipótese, o depositante poderá substituir a pessoa do
terceiro, utilizando-se da norma em comento. (Nelson Rosenvald, comentários
ao CC art. 438,
p. 500, Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Lei n. 10.406 de
10.01.2002, Coord. Ministro Cezar Peluzo Código Civil Comentado Cópia pdf,
vários Autores: contém o Código Civil de 1916 - 4ª ed.
Verificada e atual. - Barueri, SP, ed. Manole, 2010. Acessado em 24/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações. Nota VD).
Como mostra o histórico, complementado
pelo relator Ricardo Fiuza em sua doutrina: “A redação é a mesma do projeto.
Reproduz, com pequena melhoria de ordem redacional, o art. 1.100 do CC de 1916.
O direito de o estipulante substituir o
beneficiário é exercido, por declaração unilateral, ou seja, independente da
anuência do favorecido ou da do outro contratante, por ato inter vivos (a
manifestação de vontade) ou por ato causa mortis (testamento). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza
– Art. 438, p. 236, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf. Vários Autores 16ª ed., São Paulo,
Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado
em 24/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações. Nota VD).
Segundo a apreciação de Marco Túlio de
Carvalho Rocha, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art. 438: O
dispositivo é excessivo. O beneficiário somente fica vinculado ao contrato, i.é,
somente passa a ter os direitos e as obrigações nele previstos, depois que
o aceita, expressa ou tacitamente. Entre as condições que podem ser impostas
pelo estipulante ao beneficiário pode incluir-se a reserva de substituí-lo por
outra pessoa por mero ato de vontade ou em razão de qualquer outro ato lícito.
Se a referida reserva de substituir o
beneficiário não existir, o estipulante não poderá substituir o beneficiário
sem a anuência do beneficiário que tiver aceito o contrato, por força do
princípio da obrigatoriedade do contrato - pacta sunt servanda. (Marco
Túlio de Carvalho Rocha, apud Direito.com, nos comentários ao CC, art.
438, acessado em 24/06/2022, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).
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